Introdução
Em Cuidados Paliativos (CP) a família do doente faz parte do foco de cuidados. Os elementos da família, desempenham um duplo papel, sendo cuidadores informais e, simultaneamente, alvo de cuidados, já que pela relação próxima que estes mantêm com o doente são à partida os mais indicados para prestar cuidados. Por outro lado, o desgaste inerente à situação de doença progressiva e terminal, assim como, o cansaço decorrente da prestação direta de cuidados e, o enfrentar dos problemas que inevitavelmente vão surgindo, faz com que os familiares cuidadores, sejam igualmente recetores da intervenção da equipa profissional (Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, 2016; Guarda, Galvão & Gonçalves, 2010; Oliveira, 2013).
Avaliar a satisfação do doente/ familiar/ cuidador em relação aos cuidados prestados pelos profissionais de saúde em CP é considerada uma ferramenta fundamental para medir a qualidade dos cuidados prestados e desta forma melhorar a assistência aos doentes com necessidades paliativas e respetivas famílias/ cuidador (es) (informais), reconhecendo os fatores que a afetam (Observatório Português dos Cuidados Paliativos, 2018).
Existem já alguns estudos realizados em Portugal que avaliam a Satisfação da família pelos cuidados prestados ao doente em Cuidados Paliativos, contudo, são escassos e muito direcionados para os cuidadores informais.
Pelo Disposto, este estudo tem como objetivo analisar a relação existente entre as variáveis sociodemográficas do familiar do doente internado em Unidades de Cuidados Paliativos e o grau de satisfação com os cuidados prestados
1. Enquadramento teórico
Na sociedade atual, com uma economia mundial caracterizada pela globalização e rapidez de evolução tecnológica, as organizações devem estar cada vez mais comprometidas com a procura de maior competitividade traduzida em ganhos de produtividade e melhoria da qualidade (Guimarães, 2009; Hespanhol, Vieira &Pereira, 2008).
Assim, o sucesso das organizações depende da sua capacidade para satisfazer as necessidades dos clientes, impondo-se como grande desafio conhecer o que o cliente quer, priorizando os processos que criam valor. Pode-se considerar a qualidade e satisfação dos utilizadores como o grande e atual desafio no sector da saúde, face ao crescimento significativo da oferta de cuidados de saúde. O utilizador exigirá não só altos níveis de qualidade, mas também uma organização que esteja atenta e pronta a ouvi-lo, redesenhando o serviço à medida das suas necessidades (Capelas, 2014; Hespanhol, Vieira & Pereira, 2008).
A satisfação dos clientes (doente e família) é um indicador fundamental na gestão das organizações, conduzindo a decisões estratégicas e operacionais que influenciam a qualidade dos serviços prestados, sendo a satisfação uma medida de desempenho organizacional (Anderson, Fornel Anderson, Fornel, & Lehmann & Lehmann , 1994; Capelas, 2014; Hespanhol, Vieira &Pereira, 2008).
Apesar de ser difícil de medir, a satisfação é uma das dimensões usadas para a medição da qualidade, tornando-se fundamental para a credibilidade e confiabilidade dos cuidados de saúde prestados (Capelas, 2014; OPCP, 2018).
A satisfação resulta de uma equação entre expectativas prévias e experiência concreta vivida. Por isso, as apreciações dos utilizadores são, de um modo geral, mais positivas nos utilizadores do que nos não utilizadores dos serviços (Gonçalves, Alves e Ramos, 2010).
Entendendo como cuidados de saúde de qualidade os que maximizam a satisfação dos intervenientes em todas as etapas do processo de cuidar, Ribeiro (2008) refere que a satisfação opera como um indicador da qualidade, na medida em que reflete as visões dos utilizadores sobre as características do processo de que foram alvos, bem como acerca da conformidade dos resultados com as expectativas. Também para este autor, o método mais preciso para conhecer as perceções de qualidade dos outros consiste em perguntar, pelo que, quando os utilizadores dizem estar insatisfeitos com os cuidados prestados, deve-se tentar perceber o grau de perceção relativamente ao que significa para eles qualidade, podendo esta representar uma mudança significativa no seu nível de satisfação.
A APCP (2016) reforça a ideia que em CP preconiza-se a avaliação de necessidades tendo em conta três domínios centrais: doente; família/ cuidador e qualidade dos cuidados, implicando esta avaliação uma abordagem multidimensional e interligada. Avaliar a satisfação do doente/ familiar/ cuidador em relação aos cuidados prestados pelos profissionais de saúde em CP é considerada uma ferramenta fundamental para medir a qualidade dos cuidados prestados e desta forma melhorar a assistência aos doentes com necessidades paliativas e respetivas famílias/ cuidador (es) (informais), reconhecendo os fatores que a afetam (OPCP, 2018). De acordo com mesmos autores, a satisfação com os cuidados de saúde é difícil de definir e avaliar, visto que, os cuidados em fim de vida podem diferir entre as equipas, unidades, os próprios componentes do cuidar e as dimensões da qualidade do cuidar. Desta forma, o Enfermeiro, como profissional de saúde, deve garantir ao cliente, uma assistência livre de danos, sejam estes físicos ou morais, devendo atuar como ponte facilitadora, sendo capaz de perceber as necessidades dos clientes. Reconhecer valores e esclarecer dúvidas, estabelecendo uma relação de confiança entre ambos os lados. Os clientes devem sentir-se valorizados e confiantes, capazes de manifestar as suas próprias críticas e sugestões com clareza e sem medos, transmitindo as suas reais opiniões em relação ao serviço oferecido.
De acordo com Xiao et al e Hekkert et al, cit in OPCP (2018), foram realizados vários estudos com o objetivo de investigar as determinantes da satisfação com os cuidados prestados em CP e chegaram à conclusão de que os fatores preditivos desta mesma satisfação podem ser categorizados em intrínsecos: estrutura, processo e resultado de cuidados e em extrínsecos: características do doente.
Almeida (2012) realizou uma revisão de literatura referente aos vários questionários existentes para avaliar a satisfação dos familiares de doentes em cuidados paliativos tendo identificado cinco instrumentos de medida: O Critical Care Family Satisfaction Survey (CCFSS); o Índice de Avaliação de Dificuldades do Cuidador (CADI), Índice de Avaliação da Satisfação do Cuidador (CASI), Escala de Sobrecarga do Cuidador de Zarit (ESC), FAMCARE Scale (utilizada neste trabalho).
2. Métodos
O presente estudo enquadra-se no paradigma das metodologias quantitativas, do tipo não experimental, transversal e numa lógica de análise descritivo-correlacional.
2.1 Amostra
A população alvo deste estudo foi constituída pelos familiares (preferencialmente o Familiar de Referência) de doentes internados em Unidades de Cuidados Paliativos da região centro do país que aceitaram participar voluntariamente no estudo. A escolha deste grupo populacional prendeu-se com o facto de serem estes familiares os que estão mais relacionados com o doente e desse modo, deterem um maior conhecimento das problemáticas decorrentes do processo de transição que este atravessa para além de serem também foco de cuidados por parte dos profissionais da equipa multidisciplinar, onde o enfermeiro assume posição de destaque.
Optou-se por uma amostra não probabilística, com uma amostragem acidental, por conveniência, tendo-se obtido 96 questionários provenientes das três Unidades de Cuidados Paliativos que aceitaram participar no estudo: 33 questionários UCP Salreu (Centro Hospitalar Baixo-Vouga, E.P.E.), 32 questionários UCP Seia (ULS Guarda) e 31 questionários UCP Tondela (Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E.).
Como critérios de seleção para a constituição da amostra consideraram-se, os familiares com idade mínima de 16 anos, sem défices cognitivos, que sabiam ler e escrever e que aceitaram participar no estudo, através do consentimento informado, fazendo-o a partir do 3º dia de internamento do doente.
A amostra foi constituída por 32.3% de participantes do sexo masculino e 67,7% do sexo feminino. Assim, pelos dados estatísticos apresentados na Tabela 1, podemos verificar que relativamente à idade, revelaram uma idade mínima de 20 anos e uma máxima de 79 anos (média de 49.44 anos ±14.9). No sexo masculino, a que corresponderam 31 elementos, a idade mínima foi de 24 anos e a máxima de 79 anos, enquanto que no sexo feminino, com 65 elementos, oscilou entre os 20 anos e os 79 anos, com médias de 49.39 (± 15.34) e 49.46 (±14.82), respetivamente, denotando-se que os familiares do sexo feminino são ligeiramente mais velhos que os do sexo masculino.
Dada a amplitude de variação encontrada que se situou nos 59 anos agrupámos os dados em duas classes (adultos ≤64 anos e idosos≥ 65 anos), conforme apresentado na tabela 1, sendo que a maior parte da amostra apresentou uma idade igual ou inferior a 64 anos (82,3%). Quanto ao sexo, as maiores percentagens foram encontradas nas mulheres, em ambos os grupos etários com 84,6% e 15,4%, respetivamente.
Em relação ao grau de parentesco, a relação de filho/a foi a mais comum entre o familiar e doente (41,7%), seguida de outros familiares (31,3%) onde se inseriram os netos, sobrinhos, sogros, irmãos e por fim, de esposo à qual correspondeu uma percentagem de 27,1%.
No respeita ao estado civil, constatamos que a maioria dos familiares de referência vivia com companheiro(a) (64,6%).
Quanto à composição do agregado familiar, apuramos que os casais com filhos predominavam na amostra (56,3%), seguido dos casais sem filhos (20,8%). Com igualdade percentual (11,5%) surgiram as famílias monoparentais e as famílias unitárias.
Quanto à co-habitação do familiar de referência com o doente, os dados revelaram que a maioria não habitava na mesma casa do doente (53,1%). Contudo, o sexo feminino contrariou essa tendência, já que 50,8% habitavam na mesma casa.
Quanto ao estatuto de cuidador principal do doente, a maioria dos familiares de referência assumiram-se como tal (62,5%). O sexo feminino foi quem se assumiu maioritariamente como cuidador (73,8%). Inversamente, no sexo masculino, apenas se assumiram como cuidadores os que habitavam na mesma casa do doente, em 38,7%, sendo a diferença estatisticamente significativa (X2=11.056; p=0.001).
Em relação às habilitações académicas dos familiares de referência, verificamos que predominava o ensino básico (49%), seguido do ensino superior (26%) e com menos um ponto percentual o ensino secundário.
Relativamente ao estado laboral do familiar de referência, apuramos que a maioria da amostra se encontrava ativa (61,5%).
Ainda pela mesma tabela podemos verificar que uma grande maioria (cerca de dois terços) dos inquiridos não tinha contacto com a área da saúde (87,5%). Dos restantes 12,5% dos familiares com este atributo, registamos valores percentuais semelhantes em ambos os sexos. Apenas 9,4% da amostra vivenciou uma experiência anterior em Cuidados paliativos, não existindo diferenças entre o género.
Verificamos ainda que a maioria dos inquiridos reside em meio urbano (54,2%) e a minoria (45,8%) em meio rural, estando esta ruralidade mais associada ao sexo feminino (50.8%).
Em relação ao tempo de cuidador, os resultados revelaram que dos 60 familiares de referência que se assumiram como cuidadores principais (62,5%), o tempo mínimo de cuidados oscilou entre 1 mês e o máximo de 300 meses, a que correspondeu uma média de 19.1 meses (± 42.21 dp). Para estes valores muito contribuiu o sexo feminino, que dominou em relação ao cuidador principal: 48 elementos (73.8%). A maioria dos familiares inquiridos desempenhavam a função de cuidadores principais nos primeiros 6 meses (38.3%), seguido do período de 7 a 12 meses (33.3%) e por fim, 28.3% num período mais longo, dos 12 meses (até 300 meses). Como já referido, verificou-se a supremacia do sexo feminino nesta função em todos os períodos. A diferença encontrada entre o sexo e o tempo de Cuidador não foi estatisticamente significativa (X2=0.488 e p=0.780).
2.2 Instrumentos de recolha de dados
A colheita de dados foi suportada pelos seguintes instrumentos:
- Questionário de dados Sociodemográficos: Questionário had hoc, elaborado para o efeito, permitindo colher dados relativos à idade, sexo, parentesco, estado civil, composição do agregado familiar, residência na mesma casa do doente, assumir ou não o papel de cuidador principal do doente, escolaridade, estado laboral, profissional ou estudante da área da saúde, experiência anterior de internamento em CP e local de residência.
Escala FAMCARE: versão traduzida e adaptada para Portugal por Almeida, (2012) da escala FAMCARE de Kristjanson (1993) que avalia o grau de satisfação do familiar com os cuidados prestados ao doente internado em Unidades de Cuidados Paliativos.
A escala FAMCARE é uma medida de autorrelato, de fácil compreensão e preenchimento, constituída por 20 itens avaliando a satisfação em geral, a informação dada pelos profissionais de saúde, os cuidados psicológicos dados ao doente e às famílias, os cuidados técnicos prestados pelos profissionais de saúde, a comunicação, o alívio da dor, os cuidados psicossociais, a avaliação dos cuidados e os cuidados continuados (Almeida, 2012).
Estes encontram-se agrupados em quatro domínios.
Disponibilidade dos Cuidados integrando os itens 6 (Disponibilidade de cama no hospital), 11 (Disponibilidade dos médicos para com a família), 12 (Disponibilidade das enfermeiras para com a família), e 20 (Disponibilidade do médico para com o doente);
Cuidados Físicos integrando os itens 1 (O alívio da dor do doente), 5 (Referenciação para médicos de especialidade), 8 (Rapidez com que os sintomas são tratados), 10 (A forma como os exames e tratamentos são realizados), 14 (Tempo necessário para realizar o diagnóstico), 18 (Grau de profundidade com que o médico avalia os sintomas do doente) e19 (Seguimento dado pelo médico em relação aos exames e tratamentos realizados);
Cuidados Psicossociais integrando os itens 7 (Reuniões com os familiares para esclarecer a doença do doente), 9 (Atenção do médico relativamente à descrição que o doente faz dos seus sintomas, 13 (Articulação dos cuidados) e 15 (Forma como a família é incluída nas decisões sobre o tratamento e cuidados médicos);
Informação dada integrando os itens 2 (Informação facultada sobre o prognóstico do doente), 3 (Respostas dos profissionais de saúde), 4 (Informação facultada sobre os efeitos secundários), 16 (Informação facultada sobre a gestão da dor do doente), 17 (Informação facultada sobre os exames realizados ao doente).
A resposta a cada um desses itens é feita através de uma escala likert de 5 pontos: 1-Muito Satisfeito; 2- Satisfeito; 3-Indeciso; 4-Insatisfeito, 5-Muito Insatisfeito. Uma baixa pontuação na escala FAMCARE indica um elevado grau de satisfação, por outro lado, uma alta pontuação indica um baixo nível de satisfação. A utilização desta escala permite, em certa medida, perceber o grau de satisfação dos familiares dos doentes em cuidados paliativos e em quais dimensões, estes se encontram mais satisfeitos/ insatisfeitos.
Em termos de propriedades psicométricas da escala FAMCARE nas diversas dimensões, foi feita a análise factorial do instrumento, verificando-se em termos de fidelidade, um coeficiente alpha de Cronbach de 0.965.
2.3 Análise estatística
Todos os dados obtidos através do instrumento de colheita de dados foram objeto de tratamento estatístico, tendo sido processados através da utilização do programa informático Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 25 para Windows, após a criação da base de dados.
Utilizaram-se técnicas de Estatistica Descritiva e de Análise Inferencial. Deste modo, na análise estatística descritiva recorreu-se a frequências, medidas de tendência central, medidas de dispersão ou variabilidade e, ainda, medidas de forma e medidas de associação como a correlação de Pearson. No que diz respeito à estatística Inferencial, foram aplicados testes paramétricos, nomeadamente: Teste T de Student e testes não paramétricos, como por exemplo: Teste U Mann-Whitney e Teste Kruskal - Wallis.
Foi também aplicado o teste do Qui-quadrado (X2), que é um teste estatístico não paramétrico, usado em variáveis de natureza nominal, quando se pretende estudar proporções.
Na análise estatística e inferencial consideraram-se os seguintes valores de significância: p < 0.05* - diferença estatística significativa; p < 0.01** - diferença estatística bastante significativa; p< 0.001** - diferença estatística altamente significativa e p ≥ 0.05 n.s. - diferença estatística não significativa.
2.4 Procedimentos
Foram cumpridos os procedimentos ético-legais necessários à realização do estudo. Foram solicitadas as devidas autorizações para a utilização do questionário, nas instituições onde foi aplicado o instrumento de colheita de dados. Após parecer favorável da Comissão de ética da Escola Superior de Saúde de Viseu, foi obtido o consentimento informado com assinatura do formulário pelos participantes no estudo, que decorreu entre 23 de outubro de 2018 e 30 de junho de 2019.
3. Resultados
As estatísticas relativas ao grau de satisfação com os cuidados prestados ao doente internado nas Unidades de Cuidados Paliativos, de acordo com a perceção dos familiares, revelam um score mínimo de satisfação de 23 e máximo de 83, correspondendo uma média de 40.50 ± 13.72 dp, conforme exposto na Tabela 2.
Em relação à dimensão da satisfação: Disponibilidade de cuidados, os valores variam entre o mínimo de 5 e máximo de 20 (média 8.83 ±3.24 dp). No que concerne à dimensão Cuidados Físicos, os scores mínimos e máximos situam-se entre 7 e 25, com média de 12.67 e desvio padrão de ±4.36. Para a dimensão Cuidados Psicossociais encontramos um mínimo de 7 e um máximo de 26, sendo a média de 12.36 e desvio padrão de ±4.12. Por fim, na dimensão Informação dada, os valores oscilam entre um mínimo de 4 e máximo de 14, correspondendo uma média de 6.62 ±13.72 dp.
Considerando a média itens por dimensão, de um modo geral, podemos afirmar que os familiares se encontram mais satisfeitos com os Cuidados Físicos seguido da Informação dada e menos satisfeitos com a Disponibilidade de Cuidados, sendo a dimensão Cuidados Psicossociais aquela com pior atributo e que carece de maior intervenção por parte dos técnicos de saúde nomeadamente: Psicólogo e Assistente Social.
Satisfação com os cuidados prestados | Min | Máx | M | D.P. | Média/ item | CV (%) | SK/erro | K/erro |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Disponibilidade de cuidados | 5 | 20 | 8.83 | 3.24 | 2.20 | 36.69 | 3.70 | 2.50 |
Cuidados Físicos | 7 | 25 | 12.67 | 4.36 | 0.86 | 34.42 | 2.30 | 0.32 |
Cuidados Psicossociais | 7 | 26 | 12.36 | 4.12 | 3.09 | 33.34 | 2.47 | 1.01 |
Informação dada | 4 | 14 | 6.62 | 2.50 | 1.32 | 37.87 | 3.08 | 0.026 |
Total da satisfação | 23 | 83 | 40.50 | 13.72 | 1.57 | 33.88 | 2.54 | 0.61 |
No que concerne às variáveis sociodemográficas que têm influência no grau de satisfação dos familiares de doentes internados em Unidades de Cuidados Paliativos, foi possível verificar o efeito de quatro dessas variáveis no grau de satisfação: composição agregado familiar, assumir o papel de cuidador principal, escolaridade, e exercer uma profissão relacionada com a saúde (conforme tabelas 3,4 e 5).
Na tabela 3 é possível verificar que a composição do agregado familiar condiciona o grau de satisfação do familiar de referência do doente internado em UCP, na dimensão disponibilidade de cuidados, sendo que o agregado que é constituído apenas por um elemento se encontra mais insatisfeito e o monoparental mais satisfeito. Na mesma tabela também é possível observar o efeito da variável escolaridade ao nível dos cuidados físicos, sendo que, a uma baixa escolaridade está associada um maior grau de satisfação.
Assumir o papel de cuidador principal do doente, no global interfere positivamente da satisfação com os cuidados prestados ao doente em UCP. De todas as dimensões que integram esta dimensão, apenas a dimensão Informação, não apresenta um valor estatisticamente significativo (Cf.Tabela 4).
Por último, verificamos que os familiares de referência com profissões relacionadas com a área da saúde influenciam negativamente o grau de satisfação com os cuidados prestados nas dimensões cuidados físicos e cuidados psicossociais (Cf.Tabela 5).
4. Discussão
A amostra inquirida foi constituída por 96 familiares de referência de doentes internados em Unidades de Cuidados Paliativos, tendo-se apurado que estes de uma forma geral se encontravam satisfeitos com os cuidados prestados ao seu familiar. Estes resultados estão em consonância com os estudos portugueses nesta área, Capelas (2018) acrescenta ainda que os cuidadores informais dos doentes paliativos em Portugal, encontram-se globalmente satisfeitos com os cuidados prestados, mesmo com as condicionantes conhecidas do país.
Após ter-se analisado o grau de satisfação por cada uma das dimensões que a compõem, chegou-se à conclusão de que os familiares de referência se encontravam mais satisfeitos com a dimensão Informação dada e a dimensão dos Cuidados Físicos. Por outro lado, as dimensões dos Cuidados Psicossociais e Disponibilidade de Cuidados foram as que apresentaram um menor grau de satisfação, tendo em conta que uma alta pontuação na escala FAMCARE indica um baixo grau de satisfação.
Estes dados são congruentes com o estudo de Capelas (2018), em que a dimensão Disponibilidade de cuidados foi aquela que apresentou menor número de satisfeitos, indicando que itens como a Disponibilidade de cama no hospital e Disponibilidade dos médicos para com a família registaram alta pontuação na escala (maior insatisfação), o que segundo este autor, poderá relacionar-se com o inadequado rácio de recursos humanos e baixa cobertura de camas de CP em Portugal. Contudo, o item Disponibilidade das Enfermeiras para com a família foi o único que não apresentou nenhum cuidador insatisfeito, sendo a sua maioria satisfeito e tal poderá dever-se ao facto de sermos a classe profissional que mais tempo passamos junto do doente e família na prestação de cuidados diretos.
Em relação à influência das variáveis sociodemográficas no grau de satisfação dos familiares de referência com os cuidados prestados a doentes internados em UCP, verificou-se que a composição do agregado familiar condicionou o grau de satisfação do familiar de referência do doente internado em UCP na dimensão disponibilidade de cuidados, sendo que o agregado constituído apenas por um elemento se encontrou mais insatisfeito e o monoparental mais satisfeito.
Assumir o papel de cuidador principal do doente, interferiu positivamente no grau de satisfação com os cuidados prestados ao doente em UCP em todas as dimensões desta. Já familiares de referência com profissões relacionadas com a área da saúde influenciaram negativamente a avaliação do grau de satisfação com os cuidados prestados nas dimensões: cuidados físicos e cuidados psicossociais, tal facto poderá dever-se ao conhecimento de causa e expectativas elevadas por parte destes profissionais em relação aos cuidados prestados.
A escolaridade do familiar de referência interferiu no grau de satisfação com os cuidados prestados ao nível dos cuidados físicos, sendo que, a uma baixa escolaridade está associada a um maior grau de satisfação, Bica (2016) chegou a uma conclusão semelhante, na medida em que foram os inquiridos com 2º e 3º ciclos que se mostraram mais satisfeitos com os cuidados prestados.
Nas restantes variáveis sociodemográficas (sexo, idade, grau de parentesco, estado cívil, residência na mesma casa do doente, tempo de cuidador, deter uma atividade profissional, experiência anterior em CP, residência) não se evidenciaram diferenças estatísticas, pelo que estas não interferiram no grau de satisfação dos familiares de referência com os cuidados prestados ao doente internado em UCP. Neste âmbito destacamos que muitas vezes, as razões para tais diferenças no grau de satisfação, obedecem a um conjunto de avaliações subjetivas.
Ao contrário dos nossos resultados, Capelas (2018) sustentado pelos estudos de Almeida (2012), Bica (2016) e Gulbeyaz (2011), concluiu que cuidadores de doentes com maior idade apresentam maior satisfação global com os cuidados, explicando que a idade avançada associada a uma baixa literacia (comum nesta idade) faz com que estes se conformem com os cuidados, com a progressão da doença e a finitude da vida do familiar. Também Almeida (2012), Bica (2016) e Gulbeyaz (2011) no que concerne ao estado civil, aferiram que familiares com companheiro apresentam uma maior satisfação com os cuidados prestados, nas dimensões disponibilidade de cuidados e cuidados psicossociais. Almeida (2012) e Bica (2016) fazem ainda referência a mais uma variável sociodemográfica nas suas investigações: o sexo, pelo que apuraram que familiares do sexo masculino mostraram um nível mais baixo de satisfação em relação aos cuidados prestados em Cuidados Paliativos, enquanto as mulheres se encontravam mais satisfeitas (sobretudo nos cuidados psicossociais); estas fazem referência à prevalência do sexo feminino como cuidadoras informais do doente em CP, como justificativa.
Bica (2016) averiguou que familiares de referência em situação profissional não ativa detinham um grau de satisfação mais elevado em todas as dimensões da FAMCARE o que pode estar associada à exaustão do cuidador, visto um grande número de familiares de referência não terem uma profissão ativa para poderem cuidar do doente e com o internamento do seu familiar sentem um maior apoio por parte dos profissionais que compõem a equipa de CP. Por outro lado, Almeida (2012) chegou a um resultado contário, o que mais uma vez reforçar a componente subjetiva desta avaliação.
Conclusões
A realização deste estudo permitiu perceber, de forma concertada, o grau de satisfação dos familiares de doentes internados em UCP com os cuidados prestados. De referir a satisfação com os cuidados prestados quando prestados pelos próprios familiares. Estes estão mais satisfeitos nas dimensões Informação dada e Cuidados Físicos e menos satisfeitos nos Cuidados Psicossociais.
Apesar destes resultados positivos, sugerimos a necessidade de se continuar a investir no apoio à família (incidindo no familiar de referência) do doente em CP para que estes se sintam verdadeiros parceiros e mediadores nos cuidados, tendo um papel ativo nos cuidados que são prestados ao doente.
O Enfermeiro assume aqui um papel fundamental pois é o profissional que mais tempo passa com o doente e família e na sua intervenção deve adequar a sua prática às necessidades do doente mas também da família e isso passa pela informação dada (onde se enquadram as competências comunicacionais), pela disponibilidade às suas solicitações, pelos cuidados físicos para com o doente e mesmo quando não for da sua área de competência, saber encaminhar e guiar o familiar que se encontra “perdido” pelo turbilhão de emoções que vivencia, contribuindo para a melhoria do da satisfação com os cuidados, que é um importante indicador de qualidade dos mesmos.
Variáveis sociodemográficas (composição do agregado familiar, escolaridade, entre outras), variáveis relacionadas com o grau de satisfação com os cuidados prestados devem ser tidas em conta quando planeados os CP diferenciados ao doente e sua família por toda a equipa, em particular pela equipa de Enfermagem, que deve estar empenhada na melhoria contínua e no empoderamento do nosso alvo de cuidados, devendo para isso assumir uma atitude proactiva de autocapacitação, investindo numa formação contínua ao longo da sua vida profissional.
Recomendamos também a realização de mais estudos de investigação sobre este tema e onde possam ser adicionadas novas variáveis (ex. tempo de dependência do doente, estado civil do doente, entre outras), com amostras representativas desta população de forma a que seja possível generalizar e consolidar conhecimentos de forma a que ocorra uma melhoria nas nossas práticas.