Introdução
O envelhecimento saudável pode ser definido como o processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional que permite o bem-estar em idade avançada (Organização Mundial da Saúde, 2015). Envelhecer com saúde, autonomia e independência, e viver o maior tempo possível, constitui hoje, um desafio à responsabilidade individual e colectiva, com tradução significativa no desenvolvimento económico dos países (Porutugal, 2006). Uma forma de mensurar a qualidade de vida do idoso, consiste em avaliar o grau de autonomia e independência com que o mesmo realiza as atividades do seu dia-a-dia (Lemos & Medeiros, 2002). O domicílio constitui um espaço em que pessoas com doenças crônicas e outras afeções ou incapacidades, idosas ou não, podem viver com qualidade de vida e manter a sua doença controlada. Assim, os profissionais de saúde prestam cuidados aos utentes no seu domicilio, para atingir o nível máximo de independência funcional na realização das atividades de vida diária, promovendo o autocuidado, reforçando comportamentos de adaptação positiva (Hoeman, 2000).
Independência significa ser capaz de realizar atividades de vida diária sem ajuda, ao passo que dependência é definida como a incapacidade da pessoa funcionar satisfatoriamente sem ajuda de semelhante ou de equipamentos que lhe permitam adaptação, sendo determinada por eventos biológicos, socioculturais e psicológicos (Diogo, 2000).
O conceito de independência funcional, envolve a execução das atividades desenvolvidas diariamente e que estão diretamente relacionadas aos autocuidados, ao cuidado do seu meio ambiente e à participação social.
Para a sua promoção, os profissionais de saúde concebem e implementam intervenções procurando otimizar e/ou reeducar as funções ao nível motor, sensorial, cognitivo. Neste âmbito, cuidar no domicílio tem como objetivo “detetar fatores que influenciem a saúde, desenvolvendo-se desta forma um trabalho aos três níveis de prevenção”.
A reforma dos cuidados de saúde primários, inclui entre outros objetivos, a melhoria do acesso a cuidados próximos e adequados (Missão para os Cuidados de Saúde Primários, 2010; Decreto-Lei no 88/2005; Resolução do Conselho de Ministros no 157/2005). Já em 2011, o anterior Plano Nacional de Saúde 2011-2016, valorizava a continuidade de cuidados e recomendava os cuidados holísticos, próximos e personalizados, como condição essencial para a promoção de estilos de vida saudáveis, promoção da saúde e prevenção da doença, numa visão positiva de saúde; com melhoria da qualidade e menor probabilidade de erro; equidade de acesso nos grupos vulneráveis; promovendo estratégias de melhoria, adequando os serviços, flexibilizando a resposta, diversificando as práticas, trocando experiências e avaliando o desempenho. Nesta linha, os Cuidados Continuados Integrados estão centrados na recuperação global da pessoa, promovendo a sua autonomia e melhorando a sua funcionalidade, no âmbito da situação de dependência em que se encontra (Decreto-Lei n.º 8/2010).
As intervenções dos profissionais de saúde devem ter como alvo a unidade familiar nomeadamente quando estas visam a aprendizagem e adoção de comportamentos favorecedores à promoção da saúde. Assim, os cuidados dirigidos ao utente dependente / família promovem a aprendizagem mobilizando os recursos pessoais, familiares e comunitários para lidar com as alterações na saúde e bem-estar.
O profissional identifica as necessidades de cuidados do utente/família e implementa as intervenções que têm como objetivos evitar riscos, detetar precocemente problemas potenciais e resolver ou minimizar os problemas reais identificados.
Neste âmbito, a investigação em saúde, é uma área imprescindível, uma vez que, estabelece uma base científica para guiar a prática de cuidados e criar conhecimentos novos que permitem novos saberes, novos comportamentos, novos caminhos e novas atuações com vista a uma melhoria contínua da qualidade dos cuidados. Esta qualidade, traduz-se em ganhos em saúde e implicam componentes que necessariamente têm de estar presentes, nomeadamente “o saber ouvir, a disponibilidade e criatividade por parte dos prestadores de cuidados” (Azevedo, 2007).
Em linha com o exposto, considerou-se pertinente estudar a temática “Ganhos em saúde dos utentes assistidos na Equipa Cuidados Continuados Integrados (ECCI) de Tarouca”.
Para orientar o estudo, definiu-se como questão de investigação: Que ganhos em saúde são produzidos pela acção da ECCI de Tarouca?
Em consonância, o estudo tem como o objetivo geral: Analisar os ganhos em saúde dos utentes assistidos pela Equipa de Cuidados Continuados Integrados de Tarouca.
1. Métodos
1.1 Tipo de estudo e participantes
O estudo quantitativo, descritivo e transversal foi desenvolvido numa amostra de 149 de utentes que tiveram alta, após terem sido assistidos pela Equipa Cuidados Continuados Integrados de Tarouca. A maioria (61,5%) possuía 65 ou mais anos e 52,4% são do genero masculino.
Foram excluídos da amostra os utentes que embora tendo sido cuidados pela ECCIT foram internados por agudização e aqueles em que ocorreu o óbito.
1.2 Instrumento de recolha de dados
A recolha de dados foi realizada durante o mês de maio de 2019, através da consulta dos processos clínicos dos utentes. Foram utilizadas escalas validadas, para avaliação da (in) dependência e da funcionalidade no momento de admissão e na alta, designadamente:
Escala de Katz para avaliação das Atividades de vida diária;
Escala de Lawton para avaliação das Actividades Instrumentais de Vida Diárias;
Escala de Barthel para avaliar o nível de independência do sujeito para a realização de dez atividades básicas de vida;
Por ultimo, para avaliar a funcionalidade aplicou-se a tabela nacional da funcionalidade.
1.3 Procedimentos éticos e de análise estatística
Na realização do estudo foram respeitadas as orientações éticas e deontologicas.
Para a análise dos dados recorremos ao programa informático Microsoft Excel e alguns resultados vão ser apresentados em gráficos para facilitar a sua leitura e a interpretação dos mesmos.
2. Resultados
Motivo de admissão nos cuidados da ECCI
Os motivos mais prevalentes para a admissão nos cuidados da ECCI de Tarouca, foram em 76% das pessoas, para promoção de autonomia e capacitação do cuidador, concretizados na necessidade de cuidados de reabilitação e ensinos ao cuidador (Cf.Figura 1).
Número de dias de internamento nos cuidados da ECCI
O número de dias de internamento foi bastante variável, sendo mais frequente entre 121 e 180 dias. Apenas 20,2% dos utentes que ficaram internados, teve um internamento superior a 180 dias (Cf. Figura 2).
Motivos da alta da ECCI
A justificação para a alta, na grande maioria dos utentes (77%), decorreu de se terem atingido os objetivos clínicos propostos pela ECCI ao longo do internamento, quer pelo utente, quer pela díade utente/ família / cuidador. (Cf. Figura 3).
Ganhos em saúde
A avaliação do Índice de Katz revelou que em 62% dos utentes, se obtiveram ganhos de autonomia, funcionalidade e nas Atividades da Vida Diárias. O Índice de Lawton mostrou que em 61% dos utentes se obtiveram ganhos na autonomia e nas atividades instrumentais da vida diária. O Índice de Barthel tornou patente que em 72% dos utentes se conseguiram ganhos ao nível de independência nas atividades básicas de vida. A maioria dos utentes (70,3%) manteve a funcionalidade.
Outros ganhos clínicos, como o Índice de Tinetti, traduzem que em 87,5% dos utentes se alcançaram ganhos no equilíbrio e marcha. Cerca de 60% dos utentes tiveram ganhos no controlo da dor. Apesar de existir risco de desenvolver úlcera por pressão, na grande maioria dos utentes (90%), apenas se verificou a presença de úlcera por pressão em 4 utentes.
O risco de queda foi contrariado através da implementação de ações especificas, pelo que o evento adverso da queda ocorreu apenas em 3 utentes.
O vivencia do papel do cuidador informal/prestador de cuidados, registado como evento adverso da ocorrência de boas praticas em saúde, em 85% dos casos passou a ser adequado.
3. Discussão
Em Portugal, tem-se verificado um crescente aumento da população idosa e consequentemente um crescente aumento do número de pessoas dependentes que necessitam de algum tipo de ajuda ou cuidado.
Uma vez que, uma forma de mensurar a qualidade de vida do idoso, consiste em avaliar o grau de autonomia e independência com que o mesmo realiza as atividades do seu dia-a-dia, foi finalidade dos investigadores proceder à sua avaliação.
O Indice de Katz traduziu que na maioria dos utentes (62 %) se obtiveram ganhos de autonomia nas atividades da vida diárias. Este resultado é significativo, dado que em estudos empíricos sobre o envelhecimento, Katz apurou que a perda da capacidade funcional ocorre numa ordem particular, sendo que a função mais complexa é a primeira a ser perdida. Katz sugere ainda que, durante a reabilitação, as capacidades são ganhas de acordo com a sua ascendente complexidade, na mesma ordem em que são adquiridas inicialmente pelas crianças. Salienta também que a escala de AVD parece refletir as funções biológicas e psicossociais primárias (Katz et al., 1963; cit por Duarte, 2007). Do exposto emerge ser de primordial importância promover a autonomia da pessoa e proceder à monitorização clínica da mesma.
O Índice de Lawton mostrou que 61% dos utentes tiveram ganhos de autonomia nas Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD). Estas exploram um nível mais complexo de funcionalidade e descrevem as atividades necessárias para a adaptação ao ambiente, dando ênfase às atividades comunitárias. Dado serem influenciadas cognitivamente, a sua promoção e a avaliação do seu restabelecimento são essenciais para garantir a missão da ECCI.
Apesar de ser um processo moroso e que acarreta dificuldades não só para os utentes como para os seus cuidadores / família, a reeducação das atividades da vida diária é essencial para a reinserção sócio - familiar. Para capacitar o utente nas atividades do autocuidado e de vida diária, é preciso tempo para ensinar e treinar junto com o utente e cuidadores / família, de forma a que seja ele (utente) ou alguém por ele (cuidadores), a fazer o máximo de atividades possíveis. O Índice de Barthel tornou patente que 72 % dos utentes tiveram ganhos de autonomia nas atividades instrumentais de vida diárias, pelo que se considera que a ECCI de Tarouca atingiu os objetivos clínicos.
Os ganhos em saúde, correspondem ao que Donabedian (1988) cit. por Azevedo (2007, p.37) considera resultado. Este autor refere que os resultados dependem da mudança obtida na saúde de cada pessoa. Esta é, de facto uma vertente importante pois permite, verdadeiramente, avaliar a qualidade do serviço prestado, dado que a prática está diretamente relacionada com a mudança de saúde da pessoa.
No global, 77 % dos utentes tiveram alta por terem atingido os objetivos clínicos, delineados no plano individual de intervenção. Aceita-se, por isso, que as diferentes intervenções de reabilitação cumpriram os pressupostos descritos na literatura científica e atrás citados, que consistem entre outros, em ajudar os doentes a adaptarem-se às suas incapacidades, favorecer a sua recuperação funcional, motora e sensorial e promover a sua integração familiar, social e profissional. Cumpriram ainda com o referencial da profissão preconizado pela Ordem dos Enfermeiros (OE), quando refere que os cuidados de enfermagem ao longo do ciclo vital, têm como objetivo “prevenir a doença e promover os processos de readaptação, frequentemente através de processos de aprendizagem do cliente” (OE, 2012).
Conclusões
Os ganhos em saúde, relacionados com os cuidados no domicílio ao utente dependente, estão identificados e representam os ganhos em conhecimento e em capacidades do utente e família em determinadas áreas, nomeadamente no autocuidado e na autonomia nas atividades de vida diária.
O desenvolvimento e consecução deste estudo, permitiu atingir o objetivo delineado e constatar que na realidade, o trabalho e empenho dos profissionais, parece contribuir positivamente para que as pessoas apresentem níveis de independência funcional mais elevados. Constatou-se que a maioria dos utentes obteve ganhos em saúde: 62% na autonomia, funcionalidade e nas atividades da vida diárias; 72% pontuou com independência nas atividades básicas de vida; 70,3% manteve a funcionalidade; 87,5% alcançaram ganhos no equilíbrio e marcha e 60% tiveram ganhos no controlo da dor.
Partilhamos com outros a convicção de que a manutenção da independência funcional se torna essencial, para existir qualidade de vida, pelo que se tecem em seguida algumas sugestões com implicações para a prática clínica:
Manter e melhorar a independência funcional do utente iniciando programas de reabilitação o mais precocemente possível;
Implementar ações educativas para cuidadores informais com o intuito de promover a saúde e prevenir incapacidades;
Intensificar apoio das instituições de carácter social às famílias dos utentes com dependência, de modo a garantir a sua qualidade de vida, independência e autonomia, indicativos de envelhecimento saudável e bem-sucedido;
Criar uma rede de apoio informal (família, amigos e vizinhos) e formal (apoio institucional) que procure solucionar/minimizar problemas através de estratégias integradas (inter-institucional e multi-sectorial) com vista à promoção da autonomia do utente.