Introdução
Na atualidade, a dor constitui um problema para milhares de pessoas em todo o mundo, sendo um fenómeno universalmente conhecido, que tem acompanhado a existência da própria Humanidade (Gomes,2018). Em Portugal, estima-se que a dor crónica afeta cerca de 30 % da população, o que acarreta cerca de 3 milhões de euros anuais em despesas com as suas consequências diretas e indiretas, pelo impacto que tem no absentismo, na incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e ainda nas reformas antecipadas. Sabe-se também que o recurso a cuidados de saúde motivados pela dor, representa em média mais tempo por consulta do que qualquer outro tipo de patologia. O Instituto Nacional de Estatística, revelou (após realização de um inquérito nacional de saúde) que cerca de 8. 884.581 milhões de portugueses refere ter dor física (INE, 2017). Para a Associação Internacional para o Estudo da Dor (International Association for the Study of Pain - IASP) cit. por Martins et al. (2020), a dor é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, relacionada com uma lesão real ou potencial dos tecidos, ou descrita em termos que evocam essa lesão. O Plano Estratégico Nacional de Prevenção e Controlo da Dor (DGS, 2013), descreve a dor como uma perceção individual que se manifesta num cérebro consciente e que, por regra, surge em consequência de um “estímulo nóxico provocatório”, mas que nem sempre terá de estar associada a um estímulo.Independentemente da etiologia, a dor assume-se como uma ameaça ao bem-estar físico e psicológico do indivíduo e requer uma abordagem multidisciplinar para a sua resolução. Importa destacar o caráter subjetivo e multidimensional da dor, uma vez que afeta o indivíduo no seu todo, ou seja, nos aspetos psicológicos, físicos, culturais e sociais com ela relacionados. De facto, a análise do estado da arte sobre o tema, tem demonstrado que a dor pode ter graves consequências não só a nível físico, mas também psicológico e social. Os dados convergem para o impacto significativo da dor, principalmente se se trata de dor crónica, na qualidade de vida e na produtividade dos que dela sofrem, constituindo a razão primária para a procura de cuidados de saúde (Catana, 2015).Assim sendo, a dor torna-se, não só do interesse do indivíduo que a experiencia, como também de toda a comunidade que o envolve, uma vez que provoca danos biopsicossociais, exigindo por essa razão uma abordagem analítica da interação entre fatores biológicos, psicossociais e socioculturais (Junior, 2017). O controlo da dor, torna-se deste modo um direito das pessoas e um dever dos profissionais de saúde. Por esta razão, a Direcção-Geral da Saúde institui a dor como 5.º sinal vital, determinando como norma de boa prática que a presença de dor e a sua intensidade sejam sistematicamente valorizadas, diagnosticadas, avaliadas e registadas. O sucesso da estratégia terapêutica, depende da monitorização regular da dor em todas as suas vertentes. A Ordem dos Enfermeiros (2015) diz-nos, que o controle da dor pode ser efetuado por duas vias: a via farmacológica e a não farmacológica. Os principais objetivos do tratamento farmacológico são o controlo da dor, a melhoria da capacidade funcional e o aumento da qualidade de vida das Pessoas. A Organização Mundial de Saúde, recomenda que o alívio da dor se efetive através de: fármacos não opióides, a utilizar na dor ligeira (como por exemplo o paracetamol ou os anti-inflamatórios não esteróides), fármacos opióides, usados na dor moderada a grave, podendo ser associados com os fármacos não opióides e ainda fármacos adjuvantes, aos quais recorrem os utentes com síndromes dolorosas difíceis de controlar. A terapêutica não farmacológica, visa também proporcionar melhorias no desempenho físico, psíquico e comportamental do individuo, mas também a diminuição do consumo de fármacos, e consequentes efeitos secundários, muitas vezes difíceis de controlar. Em consequência, a Direcção-Geral da Saúde recomenda que o plano de tratamento da dor deva considerar as duas formas (DGS, 2013). No entendimento da OE (2015), o Enfermeiro é um profissional de saúde fundamental na execução das intervenções não farmacológicas, devendo estas ser feitas em complementaridade e não em substituição da terapêutica farmacológica, tendo sempre em conta as caraterísticas individuais do doente, a situação clinica e os objetivos do tratamento. Existe atualmente, uma preocupação crescente com a qualidade dos serviços de saúde, devendo esta ser medida através de diversos indicadores. Um desses indicadores é a satisfação dos utentes, sendo que a qualidade e a satisfação, são dois conceitos que caminham regularmente lado a lado. Sabemos que a excelência dos cuidados está diretamente relacionada com a satisfação dos utentes, e esta por sua vez, deve abranger uma dinâmica de forças entre as expetativas do doente e a perceção do desempenho (Paulino, 2015). O grande objetivo da qualidade dos cuidados deve relacionar-se com a satisfação das necessidades manifestadas pelos doentes, sendo crucial o desenvolvimento de uma "cultura anti dor" nas instituições de saúde. Neste contexto, o termo satisfação tem sido entendido como um resultado relatado pelo paciente considerando a avaliação de aspetos relacionados com o tratamento médico, mas também com o sistema de saúde. A satisfação com o tratamento medicamentoso, consiste numa avaliação do paciente em relação ao processo de tomar a medicação e os resultados associados ao seu uso. Permite prever a continuação do tratamento medicamentoso, assim como a adesão ao uso correto e consistente da medicação ao longo do tempo. Mas como sabemos, os processos avaliativos (sobretudo os relacionados com a temática) não dependem somente de dados objetivos, mas são fortemente afetados por fatores subjetivos, nomeadamente os que correspondem às expectativas que cada utente, às suas características pessoais e crenças, ao prestador e à forma como os mesmos lhe são prestados. Veja-se o exemplo de Braghetta (2017), que recomenda vivamente aos profissionais das equipes interdisciplinares que cuidam de pessoas com dor crónica, a incorporação no seu arsenal investigativo de instrumentos de avaliação da dimensão espiritual, como mais um recurso de efeito terapêutico. De facto são diversas as pesquisas que têm comprovado o poder terapêutico de uma espiritualidade saudável, auxiliando a pessoa a restaurar a esperança, a encontrar significado e sentido para a vida, lidando de forma mais eficaz com a doença e as incertezas do futuro (Pinto, 2016). Um outro indicador também largamente referenciado na abordagem da dor, corresponde aos fatores psicológicos, com especial destaque para os traços da personalidade. Esta, é definida como um conjunto de padrões distintos e caraterísticos de pensamentos, emoções e comportamentos, que formam o estilo pessoal do indivíduo (Aktinson e Hilgard, 2017). Trata-se de uma caraterística relativamente estável, que molda a maneira de ser da pessoa e condiciona o seu modo de reagir nas diferentes situações. São vários os estudos que têm demonstrando a importância da personalidade do individuo, não só no controlo da dor mas também na adesão ao próprio tratamento (Catana, 2015; Carvalho et al. 2014), ficando demonstrado que a personalidade se constitui como variável importantíssima na predição das diferentes respostas a uma multidisciplinariedade de tratamentos para a dor (Latie et al.2013).De facto, a dor e a satisfação com o tratamento, constituem experiencias complexas e multidimensionais, que associam aspetos fisiopatológicos, psicológicos, sociais e culturais, que se manifestam de diferentes formas. Assim, estes constructos não são só do interesse do indivíduo que os experiencia, como também de toda a comunidade, uma vez que os danos provocados são biopsicossociais. Alicerçada nos pressupostos descritos, emergiu a seguinte questão de investigação: qual a satisfação dos utentes com o tratamento no controle da dor? Numa tentativa de resposta á questão formulada, delineámos como objetivo geral do estudo, avaliar a satisfação do utente com o tratamento da dor, no contexto socio demográfico, clinico e psicossocial que o envolve.
1. Métodos
A pesquisa quantitativa, transversal e descritiva utilizou uma amostra do tipo não probabilístico por conveniência, constituída por 78 doentes, que frequentavam a consulta da dor na Unidade da Dor de um Centro Hospitalar da zona Centro de Portugal. A colheita de dados, decorreu entre junho e setembro de 2015.
1.1 Instrumento de recolha de dados
O instrumento de colheita de dados integrava: variáveis de caraterização sócio demográfica (género, idade, estado civil e habilitações literárias), variáveis de caracterização clinica (patologias, antecedentes pessoais, tipo de dor, tratamentos atuais para a dor, acompanhamento na consulta da dor e reabilitação) e ainda 3 escalas. A escala de espiritualidade (EE) de Pais Ribeiro, validada para a população portuguesa em 2007; o inventário de personalidade (NEO-FFI-20) adaptada e validado para a população portuguesa por Bertoquini e Pais Ribeiro (2006), e ainda a Escala de Satisfação com o Tratamento da Dor (PTSS - Pain Treatment Satisfaction Scale - Evans et al.; 2004). O PTSS é um questionário multidimensional, que foi desenvolvido para doentes com dor aguda e crónica e inclui 39 itens agrupados em cinco subescalas ou dimensões. (1) Informação sobre dor e o seu tratamento (IDT), (2) Cuidados/assistência médica (CM), (3) Impacto da medicação atual para a dor (AMD), (4) Efeitos secundários da medicação (ESM), e, por fim, (5) Satisfação com a atual medicação para a dor e tratamento (SAM). Esta última dimensão divide-se em 2 subescalas: uma relativa às características da medicação (SMA-CM) e outra relativa à Eficácia da medicação (SMA-EM). O valor obtido pela soma de todas as respostas de cada uma destas subescalas, é variável em função do nº de itens, e por essa razão optamos por converter os valores médios em valores percentuais (de 0 a 100%), com o objetivo de facilitar uma maior compreensão e comparação dos dados. De referir, que a maiores valores de pontuação correspondem menores valores de satisfação. A versão portuguesa do PTSS revela bons coeficientes de confiabilidade, apresentando uma correlação forte a muito forte (entre 0,8 e 1) de acordo com o coeficiente de correlação Kappa e uma boa consistência interna (0,897) de acordo com o coeficiente Kuder-Richarson.
1.2 Procedimentos éticos
Todos os procedimentos foram efetuados segundo uma rigorosa conduta ética, (com preenchimento do consentimento informado, garantindo-se o anonimato e confidencialidade dos dados recolhidos, respeitando os princípios da declaração de Helsínquia), e autorizado pela Comissão de Ética e Conselho de Administração da Unidade Hospitalar onde foram colhidos os dados.
1.3 Análise estatística
O tratamento estatístico foi efetuado através do programa Statiscal Package Social Science versão 22.0 para o Windows e Word Microsoft, e foi processado utilizando estatística descritiva: frequências: absolutas (N) e percentuais (%), medidas de tendência central, médias ( ) e medianas (Md) medidas de dispersão ou variabilidade: Desvios padrão (Dp) e coeficientes de variação (CV) e ainda medidas de simetria e achatamento (SK e K).
2. Resultados
A amostra do estudo, como podemos verificar através dos dados expressos na tabela 1, era constituída por 78 Utentes, sendo 38,47 % do género masculino e 61,53% do género feminino. Possuíam idades compreendidas entre os 30 e os 82 anos, correspondendo-lhe uma idade média de 64,88 anos, um desvio padrão de 10,97 e um coeficiente de variação de 16,90%, o que nos indica a existência de uma dispersão moderada em torno da média. A maioria (76,9%)) dos participantes, era casada ou vivia em união de facto, e as habilitações académicas eram genericamente baixas, uma vez que 69,2% da amostra possuía apenas o 1º ciclo de escolaridade e 15,5%.o 2º ciclo.
Alguns aspetos psicossociais que nos pareceram relevantes neste estudo foram a avaliação da espiritualidade e dos traços de personalidade dos sujeitos. Assim, a análise dos valores relativos à espiritualidade (de 0 a100%) revelam posições moderadas quer no valor global de espiritualidade ( = 56,70), quer nas suas dimensões crenças ( = 62,62) e esperança ( = 52,75), contudo, os valores da dimensão crenças são superiores aos valores da esperança. De forma similar, as características da personalidade encontradas nos elementos da amostra revelam, que os traços de personalidade mais pontuados são por ordem decrescente a conscienciosidade ( = 70,31%), a amabilidade ( = 63,43%), o neuroticismo ( = 57,81%), a extroversão ( = 52,12%) e por fim (com menor pontuação) a abertura à experiência ( = 49,43%).
Em termos clínicos os participantes apresentavam como principais patologias anteriores, as osteoarticulares (50%) e as metabólicas (46,2%), causando mais dor as patologias articulares (artroses e artrites) (35,9%) e da coluna vertebral (26,9%), por períodos temporais que oscilam entre 1 e 5 anos (64,1%).O tipo de dor mais presente era a dor crónica (69,2%), do foro músculo-esquelético (76,9%),sendo o principal tratamento o farmacológico (61,5%). O tratamento não farmacológico também é apontado por 38,5% dos inquiridos, com especial destaque para a acupunctura (73,3%), a massagem (56,7%) e a estimulação elétrica transcutânea (30,0%). Recorrer a programas integrados de reabilitação foi uma opção para 62,8% dos inquiridos, sendo esta efetuada maioritariamente (83,7%) por fisioterapeutas, porém, no alívio da dor 63,3% dos participantes avalia os contributos destas intervenções como pouco significativos. Apesar do tratamento a que estão submetidos, os sentimentos manifestados sobre a intensidade da dor na última semana foi de que esta é moderada (43,6%) e intensa (39,7%), não obstante, a informação que lhe tem sido fornecida sobre a medicação para 79% é a suficiente. Pese embora a caracterização clinica expressa, ao serem convidados a fazer uma autoavaliação sobre a sua saúde 50,0% perceciona-a como razoável, 29,5% como boa e apenas um pequeno grupo (20,5%) a classifica como sendo má.
Os resultados obtidos através do preenchimento da escala de avaliação da satisfação com o tratamento para a dor (PTSS) (cf. tabela 2) mostram que os maiores níveis de satisfação dos utentes dizem respeito aos efeitos secundários da medicação ( = 5,85; 9,75%) e aos cuidados médicos ( = 15,53; 38,82%).Observámos níveis de satisfação moderados nas dimensões características da medicação ( = 6,02; 40,14%), na atual medicação para a dor ( = 16,58; 41,45%) e na eficácia da medicação ( = 6,60; 44%). Já a maior insatisfação dos participantes situa-se ao nível das informações sobre a dor e o tratamento instituído ( = 14,19; 56,76%).
3. Discussão
As características sociodemográficas dos participantes no estudo, estão alinhadas com outros estudos realizados recentemente em contexto português e tendo por alvo esta mesma população (Silva & Dixe, 2013; Petronilho et al.2017). Trata-se de uma amostra maioritariamente composta por utentes do género feminino, com média de idade de 64,88 anos, casada ou a viver em união de facto e com habilitações académicas baixas, 1º e 2ºciclos de escolaridade, confirmando a correlação expectável entre esta tipologia de utentes e o envelhecimento demográfico caracterizador da população portuguesa (INE, 2017). Do ponto de vista psicossocial, a espiritualidade dos utentes apresenta um score global moderado, sendo as crenças, na perspetiva de dar sentido á vida e forças nos momentos difíceis, superiores aos níveis de esperança. Diz-nos Braghetta (2017) que a espiritualidade/religiosidade tem um significado relevante para pacientes que sofrem dor crônica e que esta variável influencia estratégias de enfrentamento e auto manuseio da dor. De facto, a espiritualidade é uma variável que vem demonstrando, tanto com dados objetivos como subjetivos, que visões positivas e de esperança têm impacto significativo em melhorar sintomas, favorecer adesão aos tratamentos convencionais e em desenvolver estratégias efetivas para controle de crises álgicas e de outras manifestações clínicas (Pinto, 2016).
Lattie et al. (2013) desenvolveram um estudo sobre estilos de enfrentamento em resposta a um programa multidisciplinar de tratamento da dor, e concluíram que a personalidade se constituía como variável importantíssima na predição das diferentes respostas a uma multidisciplinariedade de tratamentos para a dor. No nosso estudo, ficou demonstrado que os traços da personalidade encontrados nos elementos da amostra apresentam alguma variabilidade, sendo mais pontuados por ordem decrescente a conscienciosidade, a amabilidade, o neuroticismo, a extroversão e por fim a abertura à experiência. E se por um lado a conscienciosidade, como dimensão mais pontuada, revela que estamos perante um grupo de utentes organizados, persistentes e motivados a adotar comportamentos orientados para um objetivo, por outro, os dados relativos ao neuroticismo alertam-nos para alguma instabilidade emocional, propensão para a descompensação emocional e respostas de coping desadequadas. Esta característica menos positiva é ainda reforçada pelos baixos valores atribuídos á dimensão abertura à experiência, o que nos leva a inferir que estes participantes estão pouco motivados para a procura proactiva, para a apreciação da experiência por si própria, revelando alguma intolerância à exploração do desconhecido. Corroboramos Braghetta (2017), quando afirma que os traços de personalidade podem ter uma forte influência na forma como a pessoa responde ao surgimento, persistência e tratamento da dor, acrescentando que o traço neuroticismo predispõe a pessoa para a dor crónica, num ciclo em que a experiência da dor pode também, por sua vez, predispor para o neuroticismo e preocupações hipocondríacas.
O perfil clinico da maioria dos participantes, caracteriza-se por estes apresentarem várias patologias anteriores, sendo as principais as do tipo osteoarticular e metabólicas, dados que confirmam a tendência encontrada nos diferentes estudos, onde a faixa etária dos sujeitos se situa acima dos 65 anos e os quadros sintomatológicos se caracterizam pelos síndromes geriátricos que se fazem sentir ao nível destes sistemas (DGS,2015). A origem da dor referida, foi associada sobretudo às patologias articulares (artroses e artrites) e às perturbações da coluna vertebral, por períodos temporais diversificados mas que oscilaram entre um e cinco anos. Estes resultados não se podem dissociar e são consonantes, com o verificado no estudo de Santos (2014). A tipologia da dor mais prevalente na nossa amostra foi a dor crónica, com localização no sistema músculo-esquelético. Os estudos de Paulino (2015) e Gomes (2018), realizados sobre a dor obtiveram resultados semelhantes. Analisando com maior detalhe as opções de tratamento, verificamos que o dominante para a maioria dos utentes é o farmacológico, reforçando estes dados os resultados do estudo de perfil transversal de Silva & Dixe (2013), onde o tratamento farmacológico se sobrepunha a qualquer outro, para a grande maioria dos utentes. O tratamento não farmacológico não deve ser subestimado, uma vez que também é apontado por um grupo significativo de inquiridos: assume aqui relevância a acupunctura, a massagem e a estimulação elétrica transcutânea. Junior et al. (2017), após um estudo de revisão de literatura recomenda vivamente a implementação de intervenções não farmacológicas de ordem educacional, física, emocional, comportamental e espiritual no controle da dor, enfatizando os seus benefícios, uma vez que são medidas de baixo custo, de simples aplicação e sem efeitos secundários. Porém as vantagens atribuídas a esta forma de tratamento não está devidamente reconhecida pelos utentes do nosso estudo, dado que avaliam estes contributos (no controle da dor) como pouco significativos.
Este estudo mostra-nos, que todos os elementos da amostra estão submetidos a tratamento para a dor, não obstante, questionados sobre a dor sentida na última semana, um grupo bastante significativo responde afirmativamente, classificando-a de intensidade moderada a intensa. Esta constatação revela, que nem sempre os tratamentos instituídos estão ajustados as reais necessidades dos utentes. Além disso, há que ter em conta as considerações de Olivência (2018) quando refere que a condição social do paciente é de fundamental importância no controle da dor. A desigualdade social, baixa escolaridade e desigualdade no acesso aos serviços de saúde e à informação, estão relacionados com uma maior prevalência de doenças crónicas, seus agravos e à má adesão ao próprio tratamento. Pese embora o perfil clinico identificado, mais de metade dos participantes no estudo, autoavaliam a sua saúde como razoável e boa. Apenas um pequeno grupo (20,5%) a classifica como sendo má. Estes dados estão em linha com os referidos no Inquérito Nacional de Saúde (INE, 2017).
Da análise dos resultados da avaliação da satisfação com o tratamento para a dor através da (PTSS) verificamos, que existe uma evolução positiva neste constructo em comparação com estudos anteriores, quer na avaliação global, quer nas diferentes dimensões. A satisfação é mais elevada nas dimensões efeitos secundários da medicação e cuidados médicos/enfermagem, o que demonstra melhorias no sucesso da estratégia terapêutica instituída, resultante da monitorização regular da dor em todas as suas vertentes, de acordo com as diretivas emanadas nos últimos anos pela OMS, DGS e Ordem dos Enfermeiros (2015). Apesar disso, observámos níveis de satisfação apenas moderados nas dimensões características da medicação, na atual medicação para a dor e na sua eficácia.
Sabemos que têm aparecido recentemente fármacos que, são capazes de modificar favoravelmente a evolução da doença/dor, o que não era possível até há poucos anos, contudo a terapêutica deve ajustar-se o mais possível a cada doente e á doença, não deixando de considerar os efeitos colaterais dos medicamentos e a sua segurança em termos de toxicidade (Olivência, 2018). Contrariamente ao espectável, a maior insatisfação dos participantes situa-se ao nível das informações sobre a dor e o tratamento instituído: são dados, que apesar de atuais, decalcam a pesquisa realizada pela IASP em 2010 onde poucos reconheceram ter recebido uma educação adequada na compreensão e tratamento da dor. A formação sobre dor e estratégias de tratamento continua a ser insuficiente em muitas equipas de saúde portuguesas, e esta falta de formação, constitui a principal barreira na comunicação com os pacientes.
Como limitações do estudo, apontam-se: a utilização de uma amostra do tipo não probabilístico por conveniência, o que não nos permite generalizar resultados com precisão estatística; recolha de dados efetuada por auto preenchimento do questionário (longo), o que pode apresentar alguns vieses de interpretação quer por subestimação ou hipervalorização do tratamento da dor, interferindo na validade dos dados.
Não obstante, as limitações referidas, consideramos que o estudo aborda uma temática de extrema pertinência, tanto na atualidade como no futuro, uma vez que as estimativas demográficas preveem aumento da longevidade, de patologias degenerativas e crónicas com quadros de dor (aguda e crónica) agravados. É ainda nossa convicção, que estes resultados aportam contributos interessantes ao Conhecimento Científico e á Enfermagem, porque põe em destaque a necessidade de os programas de controlo da dor, envolverem intervenções múltiplas, a fim de se atuar nos diversos componentes da dor. As medidas a implementar deverão ser de ordem educacional, física, emocional, comportamental e espiritual, não esquecendo o importante papel da comunicação como competência interpessoal fundamental, no contexto do cuidar em Enfermagem.
Conclusões
A satisfação com o tratamento da dor dos elementos da amostra no período estudado foi, como pudemos constatar, de nível moderado. As dimensões que colheram índices mais elevados de satisfação dizem respeito aos efeitos secundários da medicação e aos cuidados médicos/enfermagem, onde existe de facto uma evolução notória, fruto do investimento sistemático na melhoria dos cuidados e no aperfeiçoamento das ações farmacológicas. A satisfação decresceu no processo avaliativo, quando o foco era a medicação, visando as suas características, atualidade e eficácia. A progressiva medicalização adotada, tem em nosso entender, aumentando as expectativas dos utentes sobre a resolução dos problemas, e quando isto não ocorre aumentam sem dúvida os índices de insatisfação, como verificámos. Surpreendentemente, os sentimentos de maior insatisfação estão associados à falta de informação sobre a dor e o tratamento instituído.
Estes dados devem ser interpretados, num contexto sociodemográfico caracterizado por uma amostra maioritariamente feminina, envelhecida e com baixa escolaridade. A espiritualidade é vivenciada em grau moderado sendo as suas crenças (fé e sentido para a vida) superiores aos níveis de esperança, reveladores de algum desalento. O perfil clinico é igualmente explicativo dos resultados uma vez que os participantes possuem várias patologias anteriores sobretudo de carater osteoarticular e metabólico, com dor cronica do tipo músculo-esquelético, em períodos temporais longos (entre um e cinco anos).Fazem maioritariamente tratamento farmacológico, porém continuam a referir dor de intensidade moderada a intensa. O tratamento não farmacológico, também foi experienciado por parte da amostra, contudo pouco valorizado no que respeita ao controle da dor.
Os resultados deste estudo demonstram, que o investimento feito no controle da dor e no conhecimento da satisfação dos utentes com os serviços, como indicadores de qualidade em saúde e numa lógica de continuidade da melhoria dos cuidados, pode constituir um recurso muito vantajoso para os utentes, famílias, comunidade e para os próprios serviços de saúde, sobretudo se tivermos em conta o aumento do envelhecimento da população e consequente aumento do número de pessoas a sofrer de dor crónica.
Um outro aspeto que nos parece pertinente, e que emerge dos resultados deste estudo, é o desenvolvimento de futuros estudos numa perspetiva longitudinal e relacional, da evolução da satisfação dos utentes com o tratamento da dor e dos serviços de saúde prestados, permitindo desse modo uma avaliação mais rigorosa dos ganhos efetivos em saúde.