Introdução
Em Portugal mais de 30% dos adultos refere apresentar dor crónica e mais de 14% classifica a dor como moderada ou forte (Azevedo, Costa-Pereira, Mendonças, Dias, & Castro-Lopes, 2018). A dor aguda assume-se como o principal motivo de admissão hospitalar (Gouveia & Augusto, 2011).
O custo anual da dor crónica em Portugal, entre custos diretos e indiretos, representa praticamente 5 mil milhões de euros, 2.7% do Produto Interno Bruto (Azevedo, Costa-Pereira, Mendonça, Dias, & Castro-Lopes, 2016).
Confrontados com esta realidade, compete aos enfermeiros a responsabilidade de conhecer o fenómeno dor em toda a sua amplitude, desde manifestações clínicas, apresentação, subjetividades inerentes, processo de gestão e respetivo tratamento.
Os enfermeiros têm a responsabilidade profissional e ética de promover um controlo da dor efetivo e seguro, o que implica a sua avaliação e reavaliação sistemáticas.
Pelo caráter multidimensional e complexo do fenómeno, o seu aspeto social, físico, cultural, subjetivo e biológico deve ser tido em consideração (DGS, 2013), com o risco de, ao não se respeitar esta multidimensionalidade, desvalorizar-se a dor e o seu tratamento. A abordagem subvalorizada incorre, ou pode incorrer, noutro fenómeno, comummente encontrado nos serviços de urgência, a oligoanalgesia, definida como a insuficiente administração de correta e eficaz analgesia em pessoas com dor aguda (Simon, Scallan, Carrol, & Steagall, 2017).
Realizou-se um estudo observacional, em coorte transversal, quantitativo, que visa analisar os conhecimentos e as barreiras sobre a gestão da dor na prática de enfermagem num Serviço de Urgência.
1. Enquadramento teórico
Conceptualização da Dor
A International Association for the Study of Pain (2018) define a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a lesões reais ou potenciais. Esta definição deixa explícita a ideia de que a dor tem uma natureza subjetiva, sugerindo que apenas existe quando reportada pela própria pessoa.
Dor - Experiência Multidimensional
A Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (International Council of Nurses, 2011, p. 50) define dor como
“Perceção comprometida: aumento da sensação corporal desconfortável, referência subjetiva de sofrimento, expressão facial característica, alteração do tónus muscular, comportamento de autoproteção, limitação do foco de atenção, alteração da perceção do tempo, fuga de contacto social, processo de pensamento comprometido, comportamento de distração, inquietação e perda de apetite”.
O Plano Nacional de Luta Contra a Dor define-a como:
“(…) perceção pessoal que surge num cérebro consciente, tipicamente em resposta a um estímulo nóxico provocatório, mas por vezes na ausência de estímulo. A relação entre a perceção e o estímulo é variável, depende das expectativas e crenças do indivíduo, do seu estado cognitivo e emocional e não apenas da natureza do estímulo” (DGS, 2013, p. 1)
A dor tem diferentes perceções e varia de pessoa para pessoa. Sendo uma resposta subjetiva, cada pessoa apresenta a sua perspetiva, a sua forma de sentir podendo, também, apresentar manifestações diversas. Assim, a dor aguda, função protetora decorrente da ativação do sistema nociceptivo, constitui um sinal de alarme, um sintoma que tem como finalidade biológica a preservação da integridade do organismo, ou seja, a identificação de uma causa (Cardoso, 2013; Ferreira, et al., 2014). A dor crónica, por sua vez, é consequência de um estímulo nocicetivo persistente, de uma lesão do sistema nervoso ou de uma patologia do foro psicológico, sendo frequente a interligação destes mecanismos. É, habitualmente, definida como uma dor persistente ou recorrente (DGS, 2013).
Tratamento da Dor - Um Direito Humano
A Declaração de Montreal, assinada em 2010 por mais de 50 instituições de vários países, reforça o acesso ao tratamento da dor como um direito humano fundamental (APED, 2013). O seu controlo é, assim, considerado um direito de todos os doentes e dever dos profissionais de saúde, evitando-se o sofrimento desnecessário e a morbilidade associada à sua presença (DGS, 2013).
Em 2003, a Direção-Geral da Saúde emitiu uma circular normativa (nº 9/DGCG), que afirma que a dor é “o 5º sinal vital”, sendo a sua gestão um direito do doente, um dever profissional e um passo fundamental para a efetiva humanização dos cuidados de saúde.
A dor é um importante problema de saúde pública, de difícil avaliação. É fortemente recomendado que a dor percebida seja acreditada, avaliada e tratada com critério e respeito reconhecendo-se a dimensão holística dos cuidados (Allen, et al., 2018). O tratamento pode ser farmacológico, incluindo medidas que podem ter origem opióide e não opióide, e não farmacológico, englobando por exemplo posicionamentos favoráveis do doente, massagens terapêuticas, correta colocação do tubo endotraqueal, entre outras (Grant, Ferrel, Hanson, Sun, & Uman, 2011).
A Gestão da Dor
A gestão da dor implica que exista permanentemente uma valorização da sua incidência e prevalência, um diagnóstico, uma avaliação e consequentes registos. O sucesso da estratégia terapêutica está dependente da monitorização regular da dor em todas as suas vertentes (DGS, 2013). Quanto à escolha dos instrumentos de avaliação e seguindo as recomendações da Ordem dos Enfermeiros (2008, p. 16) deve atender-se “ao tipo de dor, à idade da pessoa, à sua situação clínica, às propriedades psicométricas, aos critérios de interpretação, à escala de quantificação comparável, à facilidade de aplicação, à experiência de utilização em outros locais”. Por conseguinte, “a aquisição e atualização de conhecimentos sobre dor é uma responsabilidade que deve ser partilhada pelas instituições de ensino, de prestação de cuidados e pelos enfermeiros individualmente” (OE, 2008, p. 19). A mesma entidade afirma que a “efectividade do controlo da dor decorre do compromisso das instituições de saúde. Os enfermeiros com responsabilidade na gestão das organizações de saúde devem promover políticas organizacionais de controlo da dor” (p. 20).
São sugeridas pela Ordem dos Enfermeiros algumas escalas para avaliação da dor, nomeadamente: Escala Visual Analógica (EVA), Escala de Avaliação Numérica (EAN), Escala Qualitativa (para autoavaliação), Escala de Faces Wong Baker, Escala de Faces Revista DOLOPLUS, (para dor crónica, em pessoas com idade igual ou superior a 65 anos com alterações cognitivas), PAINAD - Pain Assessment in Advanced Dementia (todos os tipos de dor, em idosos com demência), Questionário MPQ - MacGill Pain Questionnaire (para dor crónica, também aplicável à dor aguda, em pessoas com idade igual ou superior a 10 anos), Inventário BPI - Brief Pain Inventory (para dor crónica, em em pessoas com idade igual ou superior a 10 anos), Régua da Dor, Critical Care Pain Observation Tool (CPOT), Behavioral Pain Scale (BPS - a BPS, que inclui três itens comportamentais (expressão facial, movimento dos membros superiores e adaptação ventilatória); Face, Legs, Ativity, Cry, Consolability (FLACC).
A gestão diferenciada da dor enfatiza a obrigatoriedade da sua avaliação, registos sistemáticos e valorização da sua importância. Neste sentido, Almeida (2015) referencia determinadas barreiras à avaliação da dor: a própria presença de dor, uma vez que reduz o grau de atenção da pessoa e dificulta a comunicação; o estado mental da pessoa, designadamente o grau de ansiedade, pois pode reduzir a compreensão, a memória e a capacidade de comunicação; a confusão, que pode dever-se ao próprio estado fisiológico do doente (hipóxia, hipovolémia, hipotensão arterial, hipoglicémia, desequilíbrios eletrolíticos, efeitos adversos de alguns medicamentos, distúrbios psicológicos ou doença do sistema nervoso central), alterações na alimentação e no estado de nutrição, transformações ao nível do ambiente e da rotina do doente, traumatismo e faixa etária da pessoa; estado físico do doente, a escassez de tempo, o uso de linguagem técnica; a cultura, pois é um fator influenciador da valorização e da expressão da dor; o ambiente, designadamente a presença de ruído, interrupções frequentes, falta de privacidade; a imperícia na aquisição da história clínica do doente. Apesar destas barreiras, é imperiosa uma boa gestão e avaliação da dor dos doentes, por parte dos profissionais de saúde, em particular pelos enfermeiros.
Os doentes esperam alívio rápido da dor, no entanto, isso muitas vezes não é cumprido. Deixar de controlar um doente com dor pode levar à deterioração do seu estado físico e da sua saúde mental. A dor descontrolada pode levar ao aumento do consumo de analgésicos, bem como a complicações da doença e tratamento. Apesar das extensas melhorias na analgesia medicamentosa ainda existem barreiras para a avaliação, gestão, documentação e reavaliação da dor.
Embora a gestão e o controlo da dor em doentes hospitalizados seja uma questão primordial na prática de enfermagem, Germossa, Sjetne, e Helleso (2018) referem que o conhecimento dos enfermeiros e as suas atitudes face à dor constituem-se como as principais barreiras para a sua gestão. Partindo desta premissa, os mesmos autores realizaram um estudo, quase experimental, num hospital universitário etíope, com o objetivo de investigar a influência de um programa de formação em serviço sobre dor e os conhecimentos e atitudes dos enfermeiros em relação à gestão da dor. Participaram 111 enfermeiros, a quem foi facultado dois dias, consecutivos, de formação intensiva sobre o tratamento da dor e uma sessão de treino de acompanhamento após um mês. O instrumento de recolha de dados utilizado foi o Knowledge and Attitudes Survey Regarding Pain (KASRP). Concluindo que os conhecimentos e atitudes dos enfermeiros em relação à gestão da dor melhorou significativamente após a sua participação no programa (Z=-9,08, p<0,001), resultando numa maior eficácia da gestão da dor.
2. Métodos
Realizou-se um estudo observacional, em coorte, transversal para avaliar os conhecimentos e as barreiras sobre a gestão da dor na prática de enfermagem. Amostra constituída por 96 enfermeiros que trabalham num Serviço de Urgência Polivalente de um Hospital central da região centro de Portugal. Esta investigação insere-se no Projeto Evidências para Não Arriscar Vidas: do pré-hospitalar ao serviço de urgência e à alta - MaisVIDAS, Referência PROJ/UniCISE /2017/0001, a decorrer na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde e da Educação (UniCiSE) da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viseu. Obteve parecer favorável da Comissão de Ética para a saúde e autorização do Centro Hospitalar onde se realizou o estudo. A participação dos enfermeiros foi voluntária, tendo assinado o termo de consentimento informado após explicação da finalidade e objetivos do estudo.
2.1 Participantes
A seleção dos participantes foi realizada com recurso a uma técnica de amostragem não probabilística por conveniência. Os critérios de inclusão foram: trabalhar num serviço de urgência e aceitar participar na investigação. Foram incluídos 96 enfermeiros. Maioritariamente do sexo feminino (85.4%), com uma idade mínima de 22 anos e uma máxima de 59 anos, a que corresponde uma média de idades de 34,11 anos (±8,56), tendo 44.8% dos participantes idade ≤30 anos. A maioria (88,5%) possuía o curso de licenciatura em enfermagem, tinha uma média de tempo de exercício de 10.02 anos (±8,59), com scores mínimos e máximos de 1 e 40 anos, respetivamente, 49.0% tinham seis ou menos anos de experiência profissional. O tempo de experiência no Serviço de Urgência correspondia, em média, a 8,15 anos (±7,47), 47,9% exerciam funções nesse serviço há cinco ou menos anos. Predominavam os enfermeiros que relataram não possuir formação sobre a dor (74.0%).
2.2 Instrumentos de recolha de dados
O instrumento de recolha de dados utilizado foi um questionário constituído por três partes. A primeira, agregava oito questões de caracterização socioprofissional (idade, sexo, habilitações académicas, tempo de exercício profissional, tempo de exercício profissional no Serviço de Urgência, formação em dor, tempo da formação sobre a dor e adequação dessa formação à prática profissional). A segunda, constituída pela Escala de Práticas de Enfermagem na Gestão da Dor (António, Santos, Cunha, & Duarte, 2019) e a terceira, e última, pelo Código Visual da Dor (Grunenthal, s.d).
A Escala de Práticas de Enfermagem na Gestão da Dor é um instrumento de auto-preenchimento, com 68 itens, constituído por questões de avaliação sobre as práticas de enfermagem implementadas na gestão da dor nos seguintes domínios: avaliação inicial (itens 1-28), planeamento (itens 31- 37), execução de intervenções farmacológicas (itens 38-40) e não farmacológicas (itens 41- 52), reavaliação (itens 53-54; 57-60), registo (itens 29-30; 55-56), ensino à pessoa com dor (itens 61-68). Estes itens são avaliados através de uma escala de Likert que quantifica o valor de frequência de ocorrência com scores de: (0) não sei/sem opinião; (1) nunca; (2) raramente; (3) frequentemente; (4) sempre (António, 2017).
Quanto maior o score final, melhores são as práticas de enfermagem.
O Código Visual da Dor de Grunenthal, Portugal, S.A. (s.d), é uma ferramenta visual de apoio à identificação dos descritores de dor, composto por 12 imagens que agregam 12 descritores de dor destinados a avaliar as características da dor que a pessoa sente/manifesta (https://www.dor.com.pt/codigo-da-dor/todos/pagina).
O Código Visual da Dor foi adaptado por Cunha (2017), para uma versão que avalia a perceção dos enfermeiros sobre o tipo de dor que a imagem documenta. Para o efeito, o Código é apresentado só com as 12 imagens, sendo solicitado ao profissional que após apreciar cada imagem, preencha o espaço em branco com o descritor de dor que lhe corresponde. O score final, calculado através do somatório das respostas corretas, oscila entre um mínimo de zero (0) e um máximo de doze (12) e representa o nível de conhecimentos dos enfermeiros, quanto mais elevado for, melhor é o nível de conhecimentos.
2.3 Análise estatística
Para a análise dos dados, utilizou-se a estatística descritiva e inferencial. A relação entre os conhecimentos sobre a classificação da dor através do Código Visual da Dor e as variáveis socioprofissionais, e a relação entre as Práticas de Gestão da Dor e os Conhecimentos sobre a classificação da dor, avaliados através do Código Visual da Dor, foram realizados por meio do teste de Kruskal-Wallis.O estudo dos preditores dos conhecimentos sobre a classificação da dor, de acordo com o Código Visual da Dor, foi realizado através da análise de regressão linear múltipla.
O tratamento estatístico foi efetuado informaticamente com recurso ao programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 24 para o Windows. Os respetivos intervalos de confiança foram de 95% e/ou nível se significância p<0,05 (Marôco, 2018; Pestana & Gagueiro, 2014).
3. Resultados
No que concerne à qualidade da formação sobre dor (cf. Tabela 1). 29,2% dos participantes considerou-a adequada para a sua prática clínica no Serviço de Urgência e 47,9% referiram não saber ou não ter opinião sobre o assunto.
Qualidade da formação sobre a Dor | n = 96 | % = 100 |
---|---|---|
Adequada | 28 | 29.2 |
Completamente adequada | 16 | 16.7 |
Inadequada | 5 | 5.2 |
Completamente inadequada | 1 | 1.0 |
Não sei/Sem Opinião | 46 | 47.9 |
Relativamente às Escalas de avaliação da dor utilizadas pelos enfermeiros no Serviço de Urgência (cf. Tabela 2), apurou-se que utilizavam diferentes escalas, de acordo com a idade e situação dos doentes. A maioria dos participantes (88,5%) assumiu utilizar a Escala de Avaliação Numérica (EAN) e 71,9% a Escala de Faces (EF).
Escalas de Avaliação | n | % | |
---|---|---|---|
Escala de Avaliação Numérica (EAN) | 85 | 88.5 | |
Escala de Faces (EF) | 69 | 71.9 | |
Escala Visual Analógica (EVA) | 61 | 63.5 | |
Régua da Dor | 39 | 40.6 | |
Escala Qualitatita (EQ) | 31 | 32.3 | |
Behavioral Pain Scale (BPS) | 2 | 2.1 | |
Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD) | 1 | 1.0 | |
Outras Escalas : Critical Care Pain Observation Tool (CPOT) | Escalas não utilizadas | ||
Face, legs, activity, cry, consolability (FLACC) | |||
Behavioural pain assessment in the elderly (DOLOPLUS2) | |||
McGuill Pain Questionnaire (MPQ) | |||
Brief Pain Inventory (BPI) |
Quanto aos conhecimentos dos enfermeiros sobre a classificação da dor através do Código Visual da Dor, apurou-se um valor médio, do nível de conhecimentos, de 6,92 (±0,48), para um valor máximo de 12 (cf. Tabela 3).
n | Min | Max | M | DP | CV (%) | SK/erro | K/S | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Conhecimentos sobre a Classificação da Dor de acordo com o Código Visual da Dor | 96 | 0.00 | 12.00 | 6.92 | 0.48 | 6,93 | -1.14 | -3.18 |
Verificou-se que 41.7% dos enfermeiros apresentavam um nível de conhecimentos adequado sobre a classificação da dor, através do Código Visual da Dor e 31.3% bons conhecimentos (cf. Tabela 4).
Concluiu-se que eram os enfermeiros com mais tempo de exercício profissional no Serviço de Urgência (>=11 anos) que manifestavam maior défice de conhecimentos (37,5%) e o grupo que maioritariamente (53.8%) apresentava bons conhecimentos era o que exercia funções nesse serviço entre 6-10 anos, com diferenças estatisticamente significativas (X2=11,529; p=0,021) (cf. Tabela 4).
Os enfermeiros que apresentavam bons conhecimentos sobre a classificação da dor através do Código Visual da Dor eram os que apresentavam valores médios mais elevados em todas as dimensões das práticas de gestão da dor, com relevância estatisticamente significativa em quase todos os fatores, à exceção das intervenções farmacológicas (p=0,051) (cf. Tabela 5).
Verificou-se que 46,9% e 44,8% dos enfermeiros, utilizavam, respetivamente, práticas adequadas e boas práticas na gestão da dor e que 73,3% dos enfermeiros que revelaram bons conhecimentos sobre a classificação da dor, utilizava boas práticas de gestão da dor (cf. Tabela 6),
Os resíduos ajustados demonstram, com, significância estatística, que os Enfermeiros com défice de conhecimentos sobre a classificação da dor, de acordo com o Código Visual da Dor, apresentavam práticas inadequadas aquando da sua gestão. (cf. Tabela 6).
Variáveis preditivas dos conhecimentos sobre a classificação da dor através do Código Visual da Dor
O estudo dos preditores dos conhecimentos sobre a classificação da dor de acordo com o Código Visual da Dor, foi realizado através da análise de regressão linear múltipla. Como variáveis independentes foram selecionadas as socioprofissionais e a intervenção-registo da avaliação e controlo da dor.
A matriz de correlação indica valores correlacionais negativos para a idade, anos de serviço na profissão e anos de exercício profissional no serviço de urgência (cf. Tabela 7), estabelecendo-se uma relação positiva e estatisticamente significativa apenas com a intervenção-registo da avaliação e controlo da dor (p=0,000).
Variáveis Independentes | r | p |
---|---|---|
Idade | -0.042 | 0.342 |
Género | -0.038 | 0.358 |
Anos de serviço na profissão | -0.091 | 0.189 |
Anos de serviço no serviço de urgência | -0.080 | 0.220 |
Intervenção-registo da avaliação e controlo da dor | 0.503 | 0.000 |
A única variável preditiva dos conhecimentos sobre a classificação da dor de acordo com o Código Visual da Dor é a intervenção-registo da avaliação e controlo da dor, que explica 25,3% da variabilidade dos conhecimentos, sendo a variância explicada ajustada de 24,5%, com um erro padrão de regressão de 4,133 e os valores de t (t=1,220; p=0,000) e teste F (f=31.837; p=0,000) com significância estatística, o que leva a inferir que a intervenção-registo tem poder explicativo sobre os conhecimentos avaliados pelo Código Visual da Dor.
Pelos coeficientes padronizados beta, verifica-se que a intervenção-registo da avaliação e controlo da dor estabelece uma relação direta com os conhecimentos sobre a classificação da dor de acordo com o Código Visual da Dor, sugerindo que os enfermeiros que têm uma adequada intervenção-registo da avaliação e controlo da dor denotam melhores conhecimentos. Recorreu-se igualmente ao VIF (variance inflaction factor), na tentativa de se determinar a colinearidade, cujo valor indica que a variável presente no modelo não é colinear (cf. Tabela 8).
O modelo final ajustado para os conhecimentos sobre a classificação da dor de acordo com o Código Visual da Dor é dado pela seguinte fórmula:
Conhecimentos = 1,318 + 0,100 Intervenção-registo da avaliação e controlo da dor
3. Discussão
A gestão da dor no Serviço de Urgência é parte integrante da função dos enfermeiros e nesse sentido, importa inferir que conhecimentos existem na comunidade científica que melhor ajudam estes profissionais a identificar, avaliar, diagnosticar, monitorizar e tratar a dor. Esta investigação teve como objetivo estudar os conhecimentos e barreiras sobre a gestão da dor na prática de enfermagem, numa amostra constituída por 96 enfermeiros de um serviço de urgência.
Constatou-se que a maioria dos enfermeiros revelavam práticas adequadas ou boas práticas de gestão da dor (46,9% e 44,8%), contudo consideramos preocupante que 8.3% apresentem práticas inadequadas pois a dor pode levar à deterioração do estado físico e da sua saúde mental dos doentes. Os dados da obtidos permitem-nos inferir que 45,9% dos participantes considerava a sua formação sobre gestão da dor adequada ou completamente adequada para a sua prática clínica no Serviço de Urgência, contudo 47,9% referiram não saber ou não ter opinião sobre o assunto e 6,2% consideraram-na inadequada ou completamente inadequada. Estes resultados devem ser tidos em causa pelos enfermeiros gestores e pelas escolas de enfermagem pois a evidência refere que o nível de conhecimento dos enfermeiros e as suas atitudes face à dor são as principais barreiras para a sua gestão (Germossa, Sjetne, & Helleso, 2018). A gestão e o controlo da dor em doentes hospitalizados é uma questão essencial na prática de enfermagem de excelência.
Verificou-se que a maioria dos enfermeiros usa alguma das escalas de avaliação da dor preconizadas pela Ordem dos Enfermeiros (88,5% EAN, 71,9% EF, 63,5% EVA) é o modelo utilizado por dos enfermeiros. Estes resultados estão em conformidade com os apurados por Carvalho (2016).
Concluiu-se, também, uma prevalência de conhecimentos adequados sobre a classificação da dor através do Código Visual da Dor (41,7%) e os enfermeiros que evidenciavam bons conhecimentos apresentavam valores médios mais elevados em todas as dimensões da prática de gestão da dor (p>0,05).
As variáveis preditivas das práticas de gestão da dor são os conhecimentos sobre a classificação da dor através do Código Visual da Dor e os anos de serviço na profissão, tendo-se constatado que os enfermeiros com menos anos de serviço denotam melhores conhecimentos e melhor nível de intervenção-registo com que promovem a avaliação e controlo da dor. Estes resultados parecem indicar que a intervenção-registo com que se promove a avaliação e controlo da dor é um aspeto que melhora as práticas. Por outro lado, os anos de serviço assumem-se como uma barreira. Assim, a formação em serviço deverá procurar contemplar, cirurgicamente, os enfermeiros cujo tempo de serviço ultrapasse os dez anos. Apesar da maioria dos enfermeiros (73.3%) apresentar boas práticas na gestão da dor, já que evidencia bons conhecimentos sobre a mesma, o grupo com mais experiência no serviço de urgência (mais de 10 anos) é aquele que apresenta uma maior percentagem de elementos com défice de conhecimentos (37.5%). Esta relação inversamente proporcional entre a experiência e os conhecimentos sobre a gestão da dor merece ser alvo de um estudo mais aprofundado para se poder identificar quais as causas que podem estar na base deste facto.
A dor é o motivo mais comum para o recurso ao Serviço de Urgência, mais de 70% dos doentes a apresentarem dor como o principal sintoma (Motov, 2012).Vários estudos apontam para que 60%-80% dos doentes receberam um tratamento ineficaz da dor (Curtis & Morrell, 2006; Decosterd , et al., 2007; Pines & Hollander, 2008). Consideramos, portanto, preocupante que 47,9% dos participantes não saiba ou não tenha opinião sobre a qualidade da formação sobre dor que detêm. Entendemos que a formação contínua relacionada com a dor deve ser um imperativo maior para os enfermeiros, pelo que se aconselham planos de formação cuidados e criteriosos no sentido de minimizar os efeitos da dor na controlada.
A limitação deste estudo refere-se à amostra pouco representativa de todos os enfermeiros que exercem funções em serviços de urgência. Novas investigações são necessárias para perceber qual o real nível de conhecimentos existentes, por parte dos enfermeiros, quanto à gestão da dor e quanto ao nível de qualidade das suas práticas.
Conclusões
A complexidade do fenómeno dor e a subjetividade subjacente são as principais barreiras à sua correta avaliação. As escalas de avaliação são uma ferramenta importante para a sua monitorização e são cruciais para a eficácia do tratamento. A subjetividade inerente à avaliação e quantificação da dor apenas é ultrapassada quando a própria pessoa é capaz de descrever e avaliar com exatidão a sua dor.
Entende-se, assim, que a formação contínua relacionada com a gestão da dor deve ser uma prioridade para os enfermeiros que prestam cuidados nos serviços de Urgência, devendo a formação ser constantemente atualizada para que as práticas possam ser prestadas de acordo com a melhor evidência disponível. Estes serviços são o principal ponto de chegada para pessoas com dor, e podemos constatar que a gestão da mesma continua a ser subvalorizada, pelo que consideramos relevante que os gestores destas unidades a considerem como problemática prioritária. Esta investigação demonstrou que o nível de conhecimentos tem uma relação estreita com as boas práticas na gestão da dor. Para o efeito, a formação é pilar fundamental para o tratamento da dor.
Agradecimentos
FCT, Portugal, CI&DETS, Superior School of Health, Polytechnic Institute of Viseu, Portugal and CIEC, Minho University, Portugal.
The overall investigation was previously funded by the FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portuguese Foundation for Science and Technology) within the project “Evidências para Não Arriscar Vidas: do pré-hospitalar ao serviço de urgência e à alta - MaisVIDAS”, com a Refª: PROJ/UniCISE /2017/0001).