Introdução
As Doenças Reumáticas e Musculoesqueléticas (DRMs) constituem-se como um grupo com mais de duas centenas de entidades diferentes, e com vários subtipos, afetando as articulações e/ou músculos, outros tecidos e órgãos (EULAR, 2015).
Apesar da sua grande prevalência (21.2% em Portugal), elas ainda se encontram subdiagnosticadas, pesando em termos individuais, sociais e económicos, devido às consequências sobre a capacidade funcional, qualidade de vida, terapêutica e comorbilidades (Branco et al., 2015).
Uma das doenças reumáticas mais mencionadas é a artrite reumatoide (AR). Crónica, sistémica e progressiva, de etiologia desconhecida, a AR afeta principalmente as articulações, podendo provocar dor, rigidez e deformação (Cunha, Ribeiro, & André, 2016; Larkin, Kennedy, Fraser, & Gallagher, 2017). Mais comum nas mulheres, apresenta uma prevalência de 0,7% na população portuguesa e 0.5% a nível mundial (Branco et al., 2015; Sousa, Santos, Cunha, Ferreira, & Marques, 2017).
Quando compramos a prevalência da AR a outras DRMs, esta pode parecer pouco significativo, contudo, o impacto que produz nos cuidados fundamentais da pessoa, torna o seu estudo, não só relevante, como de extrema necessidade.
Complexas e multidimensionais, as limitações apontadas pelas pessoas com AR, como a dor, a fadiga, a depressão, entre outras características da doença, afetam significativamente a sua qualidade de vida, constituindo-se o acompanhamento destas pessoas um desafio diário, exigindo que este seja realizado de forma contínua e sistematizada(Sousa et al., 2017), obrigando à integração e desenvolvimento de comportamentos promotores do autocuidado e qualidade de vida (Pedraz-Marcos et al., 2018).
Estas limitações patenteiam efeitos psicológicas e sociais, incluindo interrupções na capacidade de trabalho, papéis sociais, independência, funcionamento familiar, atividades de vida diária, autoconceito, humor e sofrimento psíquico (Rocha, 2015).
O autocuidado e a autogestão fazem parte da vida diária e envolvem atividades intencionais para prevenir ou limitar doenças e retardar a sua progressão (Barley & Lawson, 2016).
Centrada nestas necessidades, a EULAR enfatiza a educação ao utente como parte integral da gestão da AR, focando não só a transmissão do conhecimento e controlo da doença, mas também a habilitação das pessoas na gestão da sua doença de forma ajustada à sua condição, reconhecendo-a como agente ativo neste mesmo processo (Zangi et al., 2015).
A capacidade de autogestão/autocuidado da pessoa com AR pode ser influenciada por múltiplos fatores, desde crenças sobre a medicação, que podem influenciar a adesão, a fatores externos, como falta de acesso a determinados cuidados de saúde. O que justifica a realização desta revisão integrativa.
1. Métodos
1.1 Tipo de Estudo
Foi realizada uma revisão integrativa, em consonância com o processo descrito em Whittemore e Knafl (2005), cujas etapas se cingem à identificação do problema, pesquisa da literatura, avaliação, análise e síntese de dados (Whittemore & Knafl, 2005).
1.2 Seleção dos Estudos
A seleção dos estudos procurou dar resposta à seguinte questão orientadora da revisão: Quais os fatores que influenciam o autocuidado (selfcare, selfmanagement) nas pessoas com AR?
Tendo sido definida com base no método PI(C)O. Os participantes (P) são as pessoas com artrite reumatóide. As variáveis independentes (I) são os fatores que influenciam. Os resultados (O) são o autocuidado.
Em consonância o objetivo geral procurou identificar os fatores que influenciam o autocuidado nas pessoas com atrite reumatoide.
A revisão integrativa foi realizada na plataforma eletrónica EBSCOhost (nas bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval - MEDLINE, System Online Cumulative Index of Nursing and Allied Health - CINAHL, Cochrane Central Register of Controlled Trials e MedicLatina).
Os termos usados na pesquisa (em título, resumo e termos Mesh) foram rheumat*, reumat*, arthrit*, artrit*, Arthritis, Rheumatoid, ligados pelo operador boleano OR, constituindo a pesquisa S1. Foram também utilizados os termos (em título, resumo e termos Mesh) self-management*, self-care, ligados pelo operador boleano OR, constituindo a pesquisa S2. Os resultados das pesquisas S1 e S2 foram ligadas pelo operador boleano AND e NOT Systematic Reviews. Foram colocados como limitadores o idioma (língua inglesa, portuguesa, espanhola) e o tempo (artigos entre 2015-2020).
A seleção dos artigos teve por base os critérios de inclusão e de exclusão, descritos na tabela 1.
Critérios de Inclusão | Critérios de Exclusão |
Estudos que respondam à questão de revisão, sem restrição quanto ao seu desenho; | Revisões sistemáticas da literatura; |
Estudos publicados e indexados nas referidas bases de dados nos últimos 5 anos (2015-2020); | Estudos em pessoas com AR, com idade inferior a 18 anos; |
Estudos publicados em português, inglês e espanhol; | Estudos em pessoas com outro tipo de DRMs, que não apresentem dados separados da condição de saúde alvo do estudo (AR) |
Estudos com pessoas com AR, com idade superior a 18 anos. | Estudos que não apresentem texto completo |
1.3 Procedimentos de Análise de Dados
A avaliação crítica, extração e síntese dos dados foi realizada por dois revisores independentes (AR e MC), tendo-se encontrado, inicialmente um total de 510 artigos. Numa primeira fase procedeu-se à eliminação de 384 artigos pela leitura do título. Numa segunda fase, foram eliminados 48 artigos pela leitura do resumo. Foram ainda excluídos 36 artigos por se encontrarem repetidos, não apresentarem texto completo, ou idioma diferente dos apresentados nos critérios de inclusão.
Numa fase final foram recuperados 42 artigos originais, tendo sido lidos na totalidade pelos investigadores para delimitação do corpus de análise.
Foi empregue a ferramenta “Mix Methods Appraisal Tool (Hong, Gonzalez-Reyes, & Pluye, 2018) para avaliação dos artigos a incluir.
Por não abordarem comportamentos de autocuidado/autogestão, excluíram-se 30 artigos.
A figura 1 representa o processo redutivo da presente revisão integrativa da literatura.
Um total de 12 artigos responderam à questão de investigação e cumpriram os critérios de inclusão. Na tabela 2 são apresentados os estudos selecionados.
2. Resultados
Dos 12 estudos incluídos, a maioria são qualitativos (6), resultantes de realização de entrevistas individuais e/ou focus grupos, 3 são estudos clínicos randomizados controlados, 2 são estudos quantitativos descritivos e 1 apresenta a metodologia de métodos mistos.
Importa referir que x dos estudos incluídos (E1, E3, E4, E5, E8) têm por génese a participação em programas de autogestão, nos quais a educação para o doente é uma constante.
Explanamos, de seguida, os resultados referentes aos comportamentos de autocuidado/autogestão, obtidos em cada estudo, inseridos na tabela 3, construída por forma a sintetizar a informação e facilitar a consulta da mesma.
A partir da análise dos resultados optou-se por agrupar os fatores que influenciam os comportamentos de autocuidado em diferentes categorias: suporte social, suporte emocional, socioeconómicos e culturais, relacionados com a doença e comorbilidades, relacionados com os serviços e profissionais de saúde, relacionados com o tratamento, intrínsecos à pessoa, relacionados com o conhecimento e ainda barreiras físicas.
Fatores de suporte social
Os estudos E2, E7, E9 E10 e E12, apontam a falta de suporte social por parte da família, pares e sociedade, como fatores não facilitadores dos comportamentos de autocuidado.
Fatores de suporte emocional
No que respeita ao suporte emocional, temos como barreiras a falta de compreensão da família e pares (E2, E8, E12), bem como a atitude negativa da sociedade face às pessoas com AR (E2, E7, E8).
A comunicação e interação social (E12), podem ser vistos como fatores facilitadores do autocuidado.
Fatores socioeconómicos e culturais
O estudo E2, dá-nos a conhecer as preocupações financeiras (relativas às deslocações aos serviços de saúde e ao uso dos mesmo, bem como custos de medicação e tratamentos), o excesso de trabalho (muitas vezes relacionado com as anteriores, que levam à necessidade da obtenção de mais de um emprego) e a falta de apoio financeiro, como inibidores de comportamentos de autocuidado.
Fatores relacionados com a doença e comorbilidades
As consequências da atividade da doença, nomeadamente no que respeita à presença de dor (E2, E6, E7 e E10), deformação das mãos (E1) e a diminuição da capacidade para a realização das atividades de vida diárias (E7), constituem-se como barreiras para os comportamentos de autocuidado.
No entanto, alguns participantes (E7), referiram que a presença de sintomas poderia ser facilitadora para a prática de alguns comportamentos de autocuidado, como é o caso do exercício físico.
Fatores relacionados com os serviços e profissionais de saúde
Foram 3 os estudos que se referiram à importância da relação profissionais de saúde/doente (E2, E8 e E10), enunciando que uma relação deficitária com os profissionais de saúde, a falta de tempo/disponibilidade demonstrada pelos mesmo, bem como os consultórios cheios eram fatores que poderiam dificultar a adoção de comportamentos de autocuidado. Enquanto que uma boa relação entre ambos, de confiança e suporte era facilitadora dos mesmos.
Fatores relacionados com o tratamento
Nos fatores relacionados com o tratamento poderemos encontrar os efeitos secundários da medicação (E2), a complexidade do regime terapêutico (E9), constituem-se como oposições à adoção de comportamentos de autocuidado, podendo, no entanto, ser melhoradas através do recurso a informação física, como esquemas terapêuticos (E9).
A flexibilidade existente em alguns tratamentos e horários, é um fator facilitador para o autocuidado (E8).
Fatores intrínsecos à pessoa
Intrínsecos à pessoa, apresentam-se como facilitadores do autocuidado, as estratégias de aceitação e ajustamento (E12), a autoestima (E6), a autoeficácia (E10) e a resiliência (E7), ao passo que se apresentam como barreiras a falta de motivação (E1, E2), a dificuldade de adaptação (E1), a atitude negativa e a falta de vontade (E2), a perceção da falta de tempo (E2), a incerteza (E6), a insegurança (E10), a vergonha relacionada com as limitações (E8) e a sensação de salubridade pela ausência de sintomas (E9).
Barreiras Físicas
As barreiras físicas apontadas pelos participantes do estudo prendem-se com as condições da casa (falta de mobília e/ou equipamentos adequados, casas com muitas escadas, casas pequenas, que não permitem a adaptabilidade aos condicionantes provocados pela doença - mobilidade) (E2), lotação dos transportes e não adequação dos mesmos (E2) e alguns locais que dificultam, nomeadamente, a prática de exercício físico (E8).
Fatores relacionados com o conhecimento
A falta de conhecimento/informação sobre os comportamentos de autocuidado e/ou sobre a doença constituem-se como barreias ao autocuidado (E2, E3, E4, E5, E7, E8, E9, E10 e E11).
Dos estudos incluídos, aqueles cuja génese era a participação em programas de autogestão (E1, E3, E4, E5, E8, E9), da qual a educação para a saúde era uma constante, podemos inferir que o aumento do conhecimento auxilia a adoção de comportamentos de autogestão.
As habilitações literárias foram apontadas, pelos participantes, como fator facilitador do autocuidado.
3. Discussão
A presente revisão integrativa tinha como objetivo identificar os fatores que influenciam o autocuidado nas pessoas com AR.
A pesquisa realizada denota lacunas de conhecimento científico, referente à mesma, ficando evidente a necessidade de realizar estudos que permitam evidenciar, de forma clara, quais as barreiras ao autocuidado.
Optámos por categorizar os resultados obtidos em: fatores de suporte social, fatores de suporte emocional, fatores socioeconómicos e culturais, fatores relacionados com a doença e comorbilidades, fatores relacionados com os serviços e profissionais de saúde, fatores relacionados com o tratamento, fatores intrínsecos à pessoa, fatores relacionados com o conhecimento e ainda barreiras físicas.
Destes destacamos os fatores relacionados com o conhecimento, identificado em 9 dos 12 estudos, congruente com as recomendações da EULAR para a gestão da AR, em que enfatiza a importância do papel da educação para a saúde (Smolen et al., 2020; Zangi et al., 2015).
A segunda categoria mais representativa, presente em 8 estudos, prende-se com os fatores intrínsecos à pessoa, seguida dos fatores de suporte social e dos fatores relacionados com a doença e comorbilidades, ambas patentes em 5 dos 12 estudos, podendo, qualquer um destes fatores, ser potenciado pelos cuidados de enfermagem, uma vez que o mesmo envolve o cuidar como: traço humano; imperativo moral; afeto, interação interpessoal e intervenção terapêutica (McCormack & McCance, 2010), integrando, igualmente, as restantes categorias identificadas.
Assim o cuidado de enfermagem pode ser visto como essencial e, ele próprio, facilitador do autocuidado, ao respeitar a autonomia e autodeterminação das pessoas com AR, as suas avaliações e visão do mundo, num processo interpessoal enfermeiro/utente, que abrange tanto os sentimentos quanto os comportamentos que ocorrem dentro desse relacionamento, devendo responder às necessidades do utente (McCormack & McCance, 2010).
Conclusões
Os desafios que as pessoas com AR enfrentam no dia-a-dia, obrigam à integração e desenvolvimento de comportamentos de autocuidado, que promovam a qualidade de vida e o bem-estar, bem como de autovigilância e proteção, constituindo-se o conhecimento das categorias identificados no presente estudo útil na elaboração de programas que tentam reduzir barreiras e aumentar fatores de reforço, com este desiderato.
É da responsabilidade do enfermeiro, através dos seus cuidados de enfermagem compreender a pessoa e a forma como esta utiliza os seus recursos e fatores intrínsecos, orientando-os para os comportamentos de autocuidado, por forma a desenvolver intervenções de enfermagem que vão de encontro às necessidades identificadas, enfatizando o papel da pessoa.
A prática de enfermagem centrada na pessoa visa planear e prestar cuidados, considerando o seu contexto, incluindo o contexto social, redes comunitárias, normas culturais e suportes materiais.
Agradecimentos
Os autores estendem os seus agradecimentos ao centro de estudos em educação, tecnologias e saúde (CI&DETS), da Escola Superior de Saúde de Viseu e à Nursing Research & Development Unit (UI&DE), da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, pelo apoio e disponibilidade demonstrada. Esta revisão será objeto de suporte ao Doutoramento em Enfermagem, da primeira autora, AAR.