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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp7 Viseu dez. 2020  Epub 31-Dez-2020

https://doi.org/10.29352/mill0207e.04.00385 

Ciências da vida e da saúde

Formas de percecionar a estrutura de um programa de mentoria

Ways to perceive the structure of a mentoring program

Formas de percibir la estructura de un programa de mentoría

Emília Coutinho1 

Cátia Loureiro2 

Tânia Mota3 

André Loureiro4 

Olga Contente3 

Cristina Peixoto3 

Paula Marques Santos4 

1 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, Viseu, Portugal| UICISA:E, ESEnfC, Coimbra / SIGMA - Phi Xi Chapter, ESEnfC, Coimbra, Portugal

2 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, Viseu, Portugal

3 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu, Viseu, Portugal

4 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego, Viseu, Portugal


Resumo

Introdução:

No âmbito do projeto “Verão com Ciência”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), o presente trabalho teve como objetivo desenvolver um guia orientador para a criação e implementação de um Programa de Mentoria (PM), enquanto promotor de práticas de inclusão em todas as Unidades Orgânicas (UO) da Instituição de Ensino Superior.

Objetivos:

Este artigo científico tem como objetivos: (i) Caracterizar o Programa de Mentoria implementado na Instituição de Ensino Superior através do projeto piloto em duas Unidades Orgânicas; (ii) Comparar a estrutura do PM implementado, com outras experiências e programas similares noutras instituições do ensino superior; (iii) Apresentar uma proposta de estrutura do PM a ser implementado na Instituição de Ensino Superior, a partir de setembro de 2020, de acordo com as melhorias e constrangimentos identificados, quer no projeto piloto, quer em experiências similares nas Universidades de Lisboa e Porto.

Métodos:

Estudo descritivo e exploratório, de natureza qualitativa. Análise dos dados recolhidos no projeto piloto “Práticas Inclusivas na Instituição de Ensino Superior”, bem como dados recolhidos por meio de entrevista semiestruturada, a dois mentores e quatro mentorados envolvidos em projetos de mentoria noutras instituições de ensino superior, com especial enfase na informação relativa à caracterização da implementação do PM. Revisão bibliográfica sobre a temática “Mentoria no Ensino Superior, associados ao estudo dos relatos recolhidos. (Silva et al., 2007).

Resultados:

Os resultados obtidos ao nível das duas principais categorias “Conceitos centrais à Mentoria” e “Caracterização do Programa de Mentoria” revelaram que algumas subcategorias e subespecificações semelhantes no estudo piloto e estudo atual estão de acordo com a literatura acerca da implementação de Programas de Mentoria.

Conclusão:

Perante a análise dos dados recolhidos, é possível afirmar que a implementação de programas de Mentoria é uma mais valia para o acolhimento dos estudantes recém-chegados e para a consolidação de boas práticas de inclusão no ensino superior.

Palavras-chave: inclusão; mentoria; estrutura do programa; acolhimento de estudantes no ensino superior

Abstract

Introduction:

Within the scope of the “Summer with Science” project, funded by the Foundation for Science and Technology (FCT), the present work aimed to develop a guiding guide for the creation and implementation of a Mentoring Program (PM), while promoter of inclusion practices in all Organic Units (OU) of the Higher Education Institution (HEI).

Objectives:

This scientific article aims to: (i) Characterize the Mentoring Program implemented at the Higher Education Institution through the pilot project in two Organic Units; (ii) Compare the structure of the implemented PM, with other experiences and similar programs in other higher education institutions; (iii) Present a proposal for a PM structure to be implemented at the Higher Education Institution, starting in September 2020, according to the improvements and constraints identified, both in the pilot project and in similar experiences at the Universities of Lisbon and Porto.

Methods:

Descriptive and exploratory study, of qualitative nature. Analysis of the data collected in the pilot project “Inclusive Practices at the Higher Education Institution”, as well as data collected through semi-structured interviews, with two mentors and four mentors involved in mentoring projects in other higher education institutions, with a special focus on information related to characterization of the PM implementation. Bibliographic review on the theme “Mentoring in Higher Education, associated with the study of the collected reports. (Silva et al., 2007).

Results:

The results obtained at the level of the two main categories “Concepts central to Mentoring” and “Characterization of the Mentoring Program” revealed that some similar subcategories and specifications emerged in the pilot study and current study are in accordance with the literature on the implementation of Programs of Mentoring.

Conclusion:

In view of the analysis of the data collected, it is possible to affirm that the implementation of Mentoring programs is an unavoidable asset for welcoming newly arrived students and for the consolidation of good inclusion practices in higher education.

Keywords: inclusion; mentoring; program structure; welcoming students in higher education

Resumen

Introducción:

En el marco del proyecto “Verano con ciencia”, financiado por la Fundación para la Ciencia y la Tecnología (FCT), el presente trabajo tuvo como objetivo desarrollar una guía orientadora para la creación e implementación de un Programa de Mentoría (PM), mientras promotor de prácticas de inclusión en todas las Unidades Orgánicas (UO) de la institución de Ensino Superior.

Objetivos:

Este artículo científico tiene como objetivo: (i) Caracterizar el Programa de Mentoría implementado en el Instituição de Ensino Superior a través del proyecto piloto en dos Unidades Orgánicas; (ii) Comparar la estructura del PM implementado, con otras experiencias y programas similares en otras instituciones de educación superior; (iii) Presentar una propuesta para la implementación de una estructura de PM en el Instituição de Ensino Superior, a partir de septiembre de 2020, de acuerdo con las mejoras y limitaciones identificadas, tanto en el proyecto piloto como en experiencias similares en las Universidades de Lisboa y Oporto.

Métodos:

Estudio descriptivo y exploratorio, de carácter cualitativo. Análisis de los datos recopilados en el proyecto piloto “Prácticas inclusivas en el Instituição de Ensino Superior”, así como datos recopilados a través de entrevistas semiestructuradas, con dos mentores y cuatro mentores involucrados en proyectos de mentoría en otras instituciones de educación superior, con especial énfasis en la información relacionada con caracterización de la implementación de PM. Revisión bibliográfica sobre el tema “Mentoring en Educación Superior, asociado al estudio de los informes recopilados. (Silva et al., 2007).

Resultados:

Los resultados obtenidos a nivel de las dos categorías principales “Conceptos centrales de la Mentoring” y “Caracterización del Programa de Mentoring” revelaron que algunas subcategorías y especificaciones similares surgieron en el estudio piloto y el estudio actual están de acuerdo con la literatura sobre la implementación de Programas. de tutoría.

Conclusión:

A la vista del análisis de los datos recolectados, es posible afirmar que la implementación de programas de Mentoring es un activo ineludible para la acogida de estudiantes recién llegados y para la consolidación de buenas prácticas de inclusión en la educación superior.

Palabras clave: inclusión; tutoría; estructura del programa; acogida de estudiantes de educación superior

Introdução

A iniciativa "Escolas de Verão" decorre no âmbito do apoio especial “Verão com Ciência”, promovido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em colaboração com a Direção Geral do Ensino Superior (DGES).

A “Escola de Verão" - “Mentores em ação”, aprovada para ser desenvolvida na Instituição de Ensino Superior, é supervisionada pela Encarregada de Missão para a Inclusão, da instituição onde o estudo foi realizado e pelos docentes que integram o Grupo de Missão para a Inclusão.

O presente artigo científico com o tema “Formas de percecionar a estrutura de um Programa de Mentoria (PM)”, foi desenvolvido na Escola de Verão referida e tem como principal objetivo desenvolver um guião orientador para a criação e implementação de um PM, de modo a promover práticas de inclusão em todas as UO da instituição, a partir de setembro de 2020. O nosso estudo pretende ainda responder à questão: “Qual a melhor forma de desenvolver a estrutura de um Programa de Mentoria para implementar nas 5 unidades orgânicas (UO) da Instituição de Ensino Superior?”.

O referido guião resultou do estudo comparativo entre a análise qualitativa subjacente à operacionalização do projeto piloto do PM no ano letivo de 2019/2020, em duas Unidades Orgânicas (UO) da Instituição de Ensino Superior (PV), bem como nos dados de outras fontes externas (ex: Estudo do PM na universidade do Porto e na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa).

Ora, para os autores do “Programa Transversal de Mentoria interpares da Universidade do Porto: Princípios orientadores”, um PM é uma iniciativa institucional de inclusão académica, de integração pessoal e social dos novos estudantes (nacionais ou internacionais), que promove o sucesso académico, a prevenção do abandono e, ainda, o desenvolvimento de competências transversais (UP, 2020). Por outro lado, este PM pode ser entendido como uma troca de conhecimentos e experiências entre mentor e mentorado.

Arnesson & Albinsson (2017, p. 203), referem que na relação de Mentoria o “mentor contribui com o seu conhecimento, experiência e perspetivas, desenvolvendo competências a nível académico. A sua função principal é orientar o mentorado no seu desenvolvimento pessoal e académico, aumentando a sua competência psicossocial. Na prática, a mentoria resume-se a uma combinação de apoio emocional e prático” (p. 203).

A missão das instituições do ensino superior é promover o desempenho e a preparação dos estudantes para a competitividade global, promovendo a excelência educacional e garantindo igualdade de acesso (Newman & Conway, 2016). A implementação dos princípios da educação inclusiva no ensino superior é um desafio à própria instituição, professores e estudantes, sendo a implementação de PM uma estratégia que poderá contribuir para este desiderato.

Estruturalmente, o presente documento é constituído por uma fundamentação teórica, nomeadamente, conceitos relacionados com Mentoria e implementação do Programa de Mentoria; de seguida apresenta-se a metodologia utilizada para a realização do presente artigo, fazendo referência ao método de investigação qualitativa “Histórias de vida”; seguidamente a apresentação e discussão dos resultados obtidos e por fim as principais considerações finais, tendo em conta os dados recolhidos.

1. Quadro teórico

Falar de mentoria no Ensino superior exige a análise de diversos conceitos que contribuem integradamente para uma eficiente implementação de boas práticas para a inclusão dos estudantes na academia.

1.1 Práticas Inclusivas

A educação inclusiva é essencial para o desenvolvimento humano, respeito pelos direitos e igualdade de oportunidades e um objetivo político prioritário das democracias liberais. O ideal é que todos os estudantes tenham a oportunidade de ser educados também com os seus pares, qualquer que sejam as suas especificidades. A prática de inclusão pressupõe, que se assuma a diversidade como um fator positivo e de desenvolvimento de comunidades escolares mais ricas e mais vantajosas (Correia, 2013).

Para beneficiar a compreensão mais profunda das dinâmicas de inclusão é importante distinguir os conceitos de integração e inclusão. Integrar é um “ato ou um efeito de tornar inteiro, sinónimo de assimilação e reunião”. No contexto académico este conceito remete para a adaptação de um estudante à vida académica, quer em termos de aprendizagem, quer a nível de relacionamentos com os seus colegas. A inclusão, segundo a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), é o princípio fundamental das escolas inclusivas e pressupõe que todos os estudantes aprendam em conjunto, sempre que possível, quaisquer que sejam as especificidades de cada um. As escolas inclusivas reconhecem e satisfazem as necessidades diversas dos seus estudantes, adaptando-se elas próprias aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respetivas comunidades.

Num ambiente do ensino superior inclusivo, os estudantes tornam-se cidadãos também inclusivos, com reflexos numa sociedade mais inclusiva (Clark, 2018). Através de práticas inclusivas, os estudantes adquirem consciência da pluralidade da existência humana, confrontando-se com questões de etnia, de género, de habilidade, de identidade, de status socioeconómico, de classe social, entre outras. A ampla perspetiva gerada a partir de um currículo multicultural fornece diretrizes aos estudantes, mostrando como as suas escolhas e decisões pessoais os afetam, mas também à sociedade, como um todo.

1.2 O conceito de Mentoria e implementação de Programas de Mentoria nas instituições de ensino superior

O conceito Mentoria é uma iniciativa institucional de acolhimento, integração/inclusão académica, pessoal e social dos novos estudantes. A noção de Mentoria surge com base na promoção do sucesso educativo, prevenção do abandono e no desenvolvimento de competências transversais (UP, 2020).

A Mentoria é um sistema de orientação semiestruturada, em que uma pessoa compartilha os seus conhecimentos, habilidades e experiência para ajudar outras pessoas a progredir a nível pessoal, académico e profissional. Este conceito é muito mais do que ‘dar conselhos’ ou transmitir a sua experiência numa área ou numa situação específica. Trata-se de motivar e capacitar a outra pessoa a identificar os seus próprios problemas e objetivos e ajudá-la a encontrar maneiras de os resolver ou alcançar, compreendendo e respeitando diferentes maneiras de saber fazer e saber estar (Kahle-Piasecki & Doles, 2015).

Hansman (2012) defende que um PM deve configurar-se flexível e interativo. Na relação estabelecida entre o mentor e o mentorado, o mentor tem a responsabilidade de compartilhar informações sobre a sua formação, habilidades e interesses; manifestar formas de apoio; promover a escuta ativa e o diálogo em ambiente saudável e cordial, servindo-se como modelo positivo pautado pela reciprocidade. Mais ainda, deve ajudar o mentorado a estabelecer metas académicas e incrementar a sua autoconfiança e autoestima através de crítica construtiva e assente numa rede de conhecimentos especializados. O mentorado, por sua vez, para além do dever de feedback, deve ser capaz de alcançar os seus objetivos de forma mais rápida e eficiente, comparativamente a um percurso individual autónomo.

Os Programas de Mentoria estão a ser desenvolvidos no ensino superior devido à sua utilidade percebida na melhoria do desempenho académico dos estudantes. Estes consistem numa ferramenta eficaz na orientação de estudantes, pois é um método que contribui para a melhoria na performance das pessoas e eleva o nível de motivação e produtividade (Arantes & Viegas, 2018).

Todas as atividades envolvidas num PM visam ajudar os estudantes a serem bem-sucedidos com experiências desafiadoras, como uma pedra angular para a vida académica e desenvolvimento a nível pessoal, profissional e social, através de experiências de pesquisa, aprendizagem integrada e cursos com elevada exigência académica. “Outros programas visam apoiar estudantes sub-representados, incluindo os estudantes de origens étnicas e raciais, estudantes em ERASMUS” (Lunsford et al., 2017, p. 317).

Os PM podem ser um meio eficaz de apoiar os estudantes na adaptação ao ambiente e responsabilidades associadas à universidade. Crisp et al. (2017) salientam a necessidade de aprofundar a pesquisa sobre como a mentoria no ensino superior se diferencia de outras formas de acompanhamento de estudantes, bem como, a necessidade de compreender o que acontece no contexto das relações de Mentoria, e se realmente esta completa o desempenho escolar do aluno envolvido. Segundo os autores, o processo de mentoria exige competências como colaboração, confiança, comunicação, confidencialidade e compromisso.

Segundo Jacobi (1991), num PM são quatro as dimensões que devem ser incorporadas e trabalhadas: envolvimento na aprendizagem, integração académica e social, apoio social e apoio ao desenvolvimento com a colaboração dos vários departamentos e serviços institucionais disponíveis. Defende ainda que o elevado número de interações e as boas relações entre docentes e discentes se manifestam em atividades educacionais que moldam um alto nível de envolvimento dos estudantes.

A Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) considera que um PM interpares é uma ferramenta que pretende aproximar os estudantes recém-chegados (Mentorados) de estudantes de outros anos curriculares (Mentores), sendo baseado numa estrutura de tutoria por pares. Assim, e de modo a que tal situação se verifique, um estudante recém-chegado deverá ser acompanhado por um colega do 2º ano ou de qualquer outro ano mais avançado, que se compromete a guiá-lo e a orientá-lo ao longo do seu percurso na academia. As diretrizes da Faculdade referida anteriormente apontam que o mentor é parte fundamental na implementação de um PM. Não obstante a colaboração de diferentes departamentos da faculdade e respetiva Associação de Estudantes, é do mentor a responsabilidade de planificar e coordenar o trabalho a realizar com os seus mentorados ao longo do ano.

Neste sentido, o mentor deve dinamizar a realização de workshops ou outras iniciativas que valorizem a realização e qualificação pessoal dos participantes. Entre outras temáticas destacam-se Soft Skills, planificação de eventos e respetiva logística, medidas de divulgação do programa. Outra diretiva que se evidencia é a total autonomia do mentor na relação que estabelece com o seu mentorado. É fomentada a disponibilidade e a participação do mentor em reuniões com órgãos da própria instituição. A total independência entre Mentoria e Praxe Académica é um pressuposto. A avaliação do PM é realizada através do preenchimento obrigatório de questionários por mentores e mentorados. A informação recolhida é essencial uma vez que constitui o único modo de aferição do cumprimento dos objetivos do programa e é o melhor instrumento na identificação de eventuais falhas/lacunas que o programa possa apresentar (FMUL,2020).

2. Métodos

Este artigo científico é o resultado do trabalho desenvolvido durante a Escola de Verão “Mentores em Ação”, o qual procura responder à questão “Qual a melhor forma de desenvolver a estrutura de um Programa de Mentoria para implementar nas 5 unidades orgânicas (UO) da Instituição de Ensino Superior?”. Este estudo segue uma abordagem descritiva e exploratória, inserindo-se numa metodologia qualitativa.

Para o desenvolvimento do trabalho, foram tidos em conta os dados recolhidos no projeto piloto, “Práticas Inclusivas na Instituição de Ensino Superior”, bem como dados recolhidos, numa segunda etapa, a dois mentores e quatro mentorados envolvidos em projetos de mentoria noutras instituições de ensino superior, com especial enfoque na informação relativa à caracterização da implementação do Programa de Mentoria. Posteriormente, compararam-se os dados obtidos nas duas amostras, para a construção da proposta final.

Utilizou-se, na segunda etapa de recolha de dados, o método “Histórias de Vida”, o qual permitiu acrescentar informação aos dados previamente recolhidos no estudo piloto, já acima referidos. De forma a conceder coerência de abordagem e análise, implementámos o método através da aplicação de uma entrevista semiestruturada.

Este método capta a perspetiva da vida do ser humano, com a sua revalorização, sendo dependente da qualidade do vínculo entre o investigador e o sujeito (Silva et al., 2007).

As abordagens qualitativas, entre as quais o método das histórias de vida, foram relativamente marginais e pontuais na investigação em Psicologia durante muito tempo. Apesar dos psicólogos, desde sempre, se socorrerem das histórias de vida dos seres humanos, faziam-no essencialmente no sentido da anamnese, influenciada pelo modelo médico. Para Tinoco (2004), é a partir da publicação da obra ‘The Children of Sanchez’, de Oscar Lewis, em 1963, que as investigações qualitativas começam a relançar-se no panorama investigativo. Ademais, parece ser consensual para muitos autores e pensadores desta temática, que é através da psicologia social e da necessidade de compreender problemas sociais emergentes, que a abordagem de recolha de histórias de vida, gerais ou temáticas, começa a ganhar força.

A história de vida é, assim, um instrumento privilegiado para análise e interpretação, na medida em que incorpora experiências subjetivas introduzidas em contextos sociais fornecendo, por um lado, uma base consistente para a compreensão da componente histórica dos fenómenos individuais e, por outro, para a compreensão da componente individual dos fenómenos históricos (Paulilo, 1999, p. 142).

3. Resultados

Perante os dados recolhidos nas Universidades do Porto e de Lisboa e os dados do estudo piloto desenvolvido nas duas unidades orgânicas da presente Instituição de Ensino Superior, apresentamos de seguida os resultados. Deste modo, e de forma estruturada serão apresentados os dados relativos às categorias “Conceitos centrais à Mentoria” e “Caracterização do Programa de Mentoria”.

Apresenta-se de forma genérica na fig. 1 as palavras mais frequentemente utilizadas pelos participantes do estudo (em ambas as etapas de recolha de dados). De referir que o termo mentoria é o que mais se destaca nos discursos dos participantes, seguido da palavra programa e logo a seguir a palavra encontros. Outros termos emergem nos discursos dos participantes como sejam: inclusão/inclusivas, mentor/mentores, mentorado, práticas, implementadas, instituição, acolhimento, ajudar, pessoas, implementação, duração, frequência, entre outros.

Figura 1 Nuvem de palavras com os conceitos mais utilizados pelos participantes no estudo. Fonte - Elaboração própria 

No estudo piloto, na categoria “Conceitos centrais à Mentoria” emergiram quatro subcategorias. No que se refere à subcategoria “Inclusão”, esta é formada por três especificações: “Acolhimento”, “Colocar-se no lugar do outro” e “Abster-se de juízos de valor e preconceitos”. Na subcategoria “Mentoria” emergiram cinco especificações: “Orientação”, “Presença”, “Suporte”, “Processo de integração” e “Aconselhamento”. A subcategoria “Ajuda” constituiu-se em três especificações, nomeadamente: “Ajudar o outro”, “Entreajuda” e “Ser ajudado”. Por último, surge a subcategoria “Processo de inclusão”.

No estudo atual, no que diz respeito à subcategoria “Inclusão”, esta foi formada por três especificações: “Acolhimento”, “União” e “Abster-se de juízos de valor e preconceitos”. Na subcategoria “Mentoria” surgiram quatro subespecificações: “Ato de ajudar o outro”, “Orientação” e “Processo de capitação desenvolvidos” e “Processo de Inclusão”.

Relativamente à categoria “Caracterização do Programa de Mentoria implementado” no estudo piloto, esta categoria é formada por quatro subcategorias. A subcategoria “Quanto ao local utilizado durante a interação mentor-mentorado”, na qual emergiram três especificações: “Na escola”, “Fora da escola” e “Através das redes sociais”. Da subcategoria “Quanto à frequência e duração das interações entre mentor - mentorado”, resultaram duas especificações: “Duração”, que se subdivide em: entre 5 a 10 minutos, meia hora, e horas de duração. Quanto à “Frequência”, a mesma é composta por: diariamente, semanalmente, pouco frequente, um único momento, e no início semanalmente, depois esporadicamente. No que se refere à subcategoria “Quanto à forma de seleção do par mentor-mentorado”, a mesma é constituída por quatro especificações: “Escolha aleatória pelo professor”; “Escolha por afinidade”; “Criação de uma bolsa de mentores” e “Criação de uma bolsa de mentorados”. A subcategoria “Quanto às orientações fornecidas no início da implementação do Programa”, é formada por quatro especificações, designadamente: “1.º Foi dado a conhecer o Programa de Mentoria”; “2.º Passaram um inquérito para avaliação diagnóstica”; “3.º Foram apresentados os mentores aos mentorados” e “4.º Informaram que haveria acompanhamento por parte da tutora”.

No estudo atual, a categoria “Caracterização do Programa de Mentoria implementado” é igualmente formada por quatro subcategorias. A subcategoria “Quanto ao local utilizado durante a interação mentor-mentorado” na qual emergiram três especificações: “Na escola”, “Fora da escola” e “Via online”. Da subcategoria “Quanto à frequência e duração das interações entre mentor - mentorado”, resultaram duas especificações: “Duração” e frequência. A Duração subdivide-se em: “inferior a meia hora”, “cerca de uma hora” e “superior a uma hora”. Quanto à “Frequência”, a mesma contém: “encontros diários”, “encontros semanais” e “encontros pouco frequentes”. No que se refere à subcategoria “Quanto à forma de seleção do par mentor-mentorado”, esta é constituída por uma especificação: “Escolha aleatória”. A subcategoria “Quanto às orientações fornecidas no início da implementação do Programa”, é formada por duas especificações, designadamente: “Definir em que consiste o Programa de Mentoria” e “Definir o papel do mentor”.

4. Discussão

Seguidamente serão discutidos e comparados os resultados obtidos pelo estudo atual e pelo estudo piloto ao nível das categorias “Conceitos centrais à Mentoria” e “Caracterização do Programa de Mentoria”.

Da análise dos resultados da categoria “Conceitos centrais à Mentoria”, conclui-se que, quer no estudo piloto, quer no estudo atual, surgiram especificações idênticas. No que diz respeito à subcategoria “Inclusão”, as especificações “Acolhimento” e “Abster-se de juízos de valor e preconceitos” foram comuns em ambos os estudos. Relativamente à subcategoria “Mentoria”, a especificação “Orientação” surge de igual forma em ambos. Assim, os conceitos centrais à Mentoria que emergiram de ambos os estudos estão em conformidade com a revisão da literatura realizada. De acordo com Hansman (2012, p. 273), a Mentoria configura-se como um suporte, flexível, interativa, na medida que é uma atividade bilateral, um espaço de partilha, de acolhimento, de saber-se colocar no lugar do outro para que haja verdadeira inclusão do mentorado. O papel do mentor consiste, assim, em ensinar, orientar e ajudar a moldar o crescimento profissional e a aprendizagem do mentorado e servir como um modelo positivo, pautando-se esta relação pela entreajuda, em que existe uma ajuda mútua entre mentor e mentorado. Ximenes (2014, p. 11) sustenta que os Programas de Mentoria são importantes para o desenvolvimento e consolidação de cidadania e para uma plena inclusão.

Relativamente à análise dos resultados da categoria “Caracterização do Programa de Mentoria” surgiram algumas especificações iguais. No que diz respeito à subcategoria “Quanto ao local utilizado durante a interação mentor-mentorado” as especificações emergentes são as mesmas o que demonstram que o processo de Mentoria tanto ocorreu em ambiente informal (fora da escola), num ambiente mais formal (na escola) como através das redes sociais. Tinoco-Giraldo, Sánchez e García-Peñalvo (2020, p. 1) referem que atualmente com o ensino à distância se torna mais difundido e de grande eficácia, uma vez que a Mentoria mediada por redes sociais permite que os estudantes se conectem com os seus mentores de novas maneiras, o que corrobora os dados encontrados, pois constatou-se que um dos locais utilizados durante a interação mentor-mentorado são as redes sociais. Relativamente à subcategoria “Quanto à frequência e duração das interações entre mentor - mentorado” foram variáveis em ambos os estudos, uma vez que os encontros são flexíveis em termos de duração e frequência porque variam de acordo com a relação de Mentoria estabelecida. No entanto, salvaguarda-se que, para que haja uma verdadeira inclusão do mentorado, será ideal que haja um acompanhamento do mesmo ao longo do tempo. No que se refere à subcategoria “Quanto à forma de seleção do par mentor-mentorado”, a “Escolha aleatória” é a especificação comum em ambos os estudos o que revela ser a melhor forma de seleção do par mentor-mentorado, para os participantes dos estudos. Relativamente à subcategoria “Quanto às orientações fornecidas no início da implementação do Programa” em ambos os estudos conseguimos evidenciar a importância da definição do Programa de Mentoria e da apresentação dos pares mentor-mentorado.

Conclusão

A realização do presente artigo científico, através da investigação qualitativa, bem como a compreensão sobre vários temas que complementam o conceito de Mentoria e da análise dos dados recolhidos, permite-nos afirmar que a implementação de Programas de Mentoria é uma mais valia incontornável para o acolhimento dos estudantes recém-chegados e para a consolidação de boas práticas de inclusão no ensino superior. Nesse sentido, a implementação do PM em todas as UO da Instituição será uma realidade já no início do ano letivo 2020-2021, apesar dos constrangimentos associados à situação de pandemia que vivemos atualmente.

A Mentoria é um conceito fácil de descrever e difícil de implementar. Ser mentor é muito mais que ser um aluno mais velho (mais experiente na academia) que faculta informações sobre o curso, sobre a escola ou sobre a vida académica. Na visão final e conclusiva da formação “Mentores em Ação”, considera-se que um mentor deve ser uma pessoa alerta e capaz de fazer a diferença na vida de alguém, alicerçando o seu comportamento em valores de respeito, dignidade e respeito pela diferença. Assim, numa relação de mentoria espera-se que o par mentor-mentorado também se alicerce numa relação de companheirismo, orientação, entreajuda, de força, de suporte, e de presença para o resto da vida.

Para que o Programa de Mentoria seja implementado da melhor forma possível na nossa instituição de ensino superior, consideramos que deve existir um planeamento prévio e exaustivo (estrutura), de forma a que se assegure o bom funcionamento do mesmo, a partir do momento de acolhimento dos estudantes recém-chegados.

A duração dos 3 meses de formação, bem como todo o trabalho desenvolvido no respetivo período da Escola de Verão contribuíram para uma melhor e efetiva preparação dos mentores a conseguirem agir em contexto de mentoria, mas também para ficarem mais bem capacitados ao nível profissional, académico, social e pessoal. Deste modo, destacam-se como aspetos positivos, a diversidade de tarefas que nos foram propostas, bem como a confiança e o desenvolvimento de autonomia para a realização das mesmas.

No entanto, em grupo, destaca-se como aspeto menos positivo, a falta de comunicação e planeamento de tarefas. Contudo esta dificuldade sentida espera-se que seja trabalhada no decorrer dos percursos de cada um, com a compreensão e análise reflexiva. Assim, e para o bom funcionamento entre mentores e mentorados, conclui-se que é necessário estabelecer limites relacionais distintos de amizade e profissionalismo, trabalhando constantemente para o equilíbrio.

Posto isto, ultrapassaram-se as dificuldades sentidas ao longo de toda a formação, considerando todas as orientações a nível de gestão de emoções e relacionais fornecidas e trabalhadas com os professores e terceiros.

Em suma, esta formação proporcionou-nos um leque variado de experiências, revelando-se uma fonte que permite alargar a visão sobre a vida, pelo que os objetivos estabelecidos para esta formação foram e continuem a ser globalmente atingidos.

Financiamento e agradecimentos

Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia e DGES no âmbito da inicitiva Escola de Verão, Apoio Especial Verão com Ciência “Mentores em ação” aprovado pela FCT em 7/7/2020 com inicio em 27/7/2020 e términus a 27/10/2020.

Agradece-se ao Politécnico de Viseu pelo apoio disponibilizado; aos supervisores/formadores do PV+Inclusão; SPECULA, Cláudia Romano do CLAIM Politécnico de Viseu; e Dra. Fátima Jorge do Centro de Documentação e Informação da ESSV, envolvidos na Escola de Verão Mentores em ação, Rede de Ensino Superior em Mediação Intercultural e Programa Mentores para Migrantes do Alto Comissariado para as Migrações.

Os autores agradecem o apoio da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), acolhida pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e do Capítulo Phi Xi da Sigma Theta Tau International.

Referências bibbliográficas

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Recebido: 07 de Dezembro de 2020; Aceito: 09 de Dezembro de 2020

Autor Correspondente Emília Coutinho R. Dom João Crisóstomo Gomes de Almeida, 102 3500-843 Viseu - Portugal ecoutinhoessv@gmail.com

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