Introdução
Com o passar dos anos, as alterações fisiológicas vão sendo mais notáveis e estas mudanças vão influenciando o envelhecimento. O envelhecimento está associado a várias alterações fisiológicas a nível de todos os sistemas do organismo e com estas alterações existe uma maior probabilidade de contrair doenças, que podem levar a um declínio geral e que pode ter como consequência a morte do ser humano. Com o aumento da esperança media de vida, existe uma mudança gradual no perfil epidemiológico e torna-se um desafio para os profissionais de saúde e para os serviços de saúde garantir uma boa condição de vida e a saúde da população idosa (Vasconcelos Coimbra et al., 2018).
A morte no serviço de urgência é identificada como uma inquietação pessoal e uma preocupação real sentida por todos os profissionais de saúde que cuidam de todos os utentes quando são admitidos neste serviço, desta forma é importante melhorar a qualidade de organização e dos cuidados prestados aos utentes e a família (Batista, 2012).
Os serviços de urgência têm como objetivo principal a prestação de cuidados de saúde a todas as situações clínicas de instalação súbita e que impliquem risco de compromisso das funções vitais. São, também, frequentemente utilizados pela população em geral devido ao difícil acesso a rede de saúde como os cuidados de saúde primários, o que leva a que estes serviços fiquem superlotados e a sua capacidade de resposta seja diminuída (Oliveira et al., 2016).
Desta forma, torna-se importante conhecer as causas de falecimento no serviço de urgência, de forma a planear as intervenções que possam garantir uma melhoria na qualidade de vida e prevenção da mortalidade nestes serviços (Vasconcelos Coimbra et al., 2018).
O serviço de urgência tem como propósito a receção, diagnostico e tratamentos de doentes que tenham sofrido acidentes ou casos de doenças súbitas que necessitam de atendimento imediato (Administração Central do Sistema de Saúde, 2015). Em Portugal, estes serviços são públicos e de atendimento a doentes agudos, orientados para três níveis de resposta: Serviço de Urgência Básico; Serviço de Urgência Médico-Cirúrgico; Serviço de Urgência Polivalente. O Serviço de Urgência Básico consiste na primeira unidade de acolhimento em situações de urgência, de grande proximidade das populações e objetiva constituir uma abordagem e resolução de situações simples e comuns. Constitui também uma resposta capaz de estabilizar hemodinamicamente as pessoas em situações de maior complexidade, que exijam um nível de cuidados mais diferenciados e que o sistema de emergência médica pré-hospitalar não consiga assegurar. O Serviço de Urgência Médico-Cirúrgico representa o segundo nível de acolhimento em situações de urgência e presta auxílio diferenciado ao serviço de urgência básico. Referencia os casos que necessitem de mais cuidados diferenciados/apoio especializado ao serviço de urgência polivalente. Por fim, o Serviço de Urgência Polivalente é o serviço mais diferenciado, que dá resposta a situações de urgência e emergência e ainda possui uma viatura medica de emergência e reanimação integrada (Despacho n.o 10319/2014, 2014).
A procura do serviço de urgência e emergência é cada vez maior, seja por dificuldade de acesso a rede de saúde, como por aumento da prevalência de doenças crónica que decorrem do aumento da esperança média de vida. Os serviços de urgência são considerados portas de entrada ao serviço de saúde e como o número de casos não urgentes são os que mais consomem tempo neste serviço, leva a que os caso de maior complexidade aumentem a mortalidade intra-hospitalar (Oliveira et al., 2016).
A morte na sociedade ainda é um assunto muito mistificado, temido e muitas vezes ignorado. É um processo natural e complementa a vida, pois muitos acreditam que é o oposto da vida e, objetivamente, é das poucas realidades concretas (Benedetti et al., 2013). O processo da morte faz parte desde a tenra idade, estando, por isso, associado a sentimentos como medo, tortura, solidão, aflição, raiva, e tristeza, sendo, também, vividos pelos familiares quando perdem alguém muito próximo (Medeiros et al., 2019)
A elevada procura do Serviço de Urgência (SU) e resultante permanência dos clientes em repetidas admissões reverte-se numa situação complexa para os enfermeiros responsáveis pela gestão do serviço (Bíscaro Valera & Turrini, 2008). O planeamento dos recursos humanos a médio e longo prazo, em função da evolução das necessidades de cuidados de saúde da população, é uma das missões mais importantes no planeamento de um sistema de saúde. A saúde é um sector fundamental para reforçar a coesão, solidariedade e justiça das políticas sociais (Saúde, 2016).
O presente estudo tem com principal objetivo descrever as principais causas/características que levam aos falecimentos nos serviços de urgência em Portugal.
Métodos
Foi realizado um estudo quantitativo com coorte retrospetivo através de recolha de dados clínicos com o objetivo de identificar o perfil das pessoas que acabam por falecer no serviço de urgência. A população centra-se em indivíduos adultos com idade superior ou igual a 18 anos numa região do centro de Portugal.
A colheita de dados foi relativa ao ano de 2017, no período de 01 de janeiro a 31 de dezembro. Utilizou-se uma amostragem não aleatória de conveniência com os critérios de inclusão: pessoas adultas com idade superior ou igual a 18 anos; admissão no serviço de urgência; e ter falecido no serviço de urgência. Perante os critérios de seleção foi realizado uma grelha de colheita de dados, onde estão inseridas questões com o foco em variáveis socioeconómicas, variáveis de contexto, variáveis clínicas e variáveis de saúde.
Recorreu-se a estatística descritiva e inferencial, de forma a possibilitar a determinação de frequências absolutas e percentuais. Para a estatística inferencial utilizou-se teste do Qui-quadrado (X2). O tratamento estatístico foi realizado com o programa Statistical Package for the Social Sciences versão 24.0 (2016) para Windows.
Este estudo encontra-se inserido no projeto de investigação “Evidências para Não arriscar Vidas: do pré-hospitalar ao serviço de urgência e à alta” que teve autorização do Conselho de Administração e parecer favorável da Comissão de Ética da entidade que foi selecionada para ocorrer a investigação.
Resultados
O presente estudo obteve uma amostra de 250 pessoas, com uma idade mínima de 27 anos e máxima de 101 anos, com 64,4% (n=161) dos falecimentos a corresponderem a pessoas com idade igual ou superior a 80 anos e 17,6% (n=44) com idade compreendida entre os 71-79 anos representa 17,6% do total da amostra (Tabela 1).
Apurou-se ainda que o mês de janeiro foi o que registou mais admissões de pessoas que acabaram por falecer no SU (14,8%; n=37), seguindo-se os meses de dezembro (12,8%; n=32), novembro (9,6%; n=24), fevereiro (9,2%; n=23), abril (8,8%; n=22) e março (8,0%; n=20). O dia da semana com maior número de óbitos foi a segunda-feira (18,0%; n=45), seguindo-se o domingo (16,0%; n=40) e a sexta-feira (15,6%; n=39).
Com a observação da apresentação da mortalidade em função do sistema de triagem de Manchester, é possível constatar que o fluxograma mais prevalente foi o da dispneia, com uma representatividade de 48,8% (n=117), seguida, de acordo com o fluxograma, pelo estado de sincope/inconsciência, com 22,0% (n=55) da amostra total. Em terceiro lugar surge o fluxograma relativo aos casos de indisposição no adulto, com 13,3% (n=33) dos casos em estudo.
De acordo com a prioridade clínica, observa-se que o maior número de casos admitidos no serviço de urgência, onde acabaram por falecer, apresentaram uma classificação de muito urgente, com uma representatividade de 46,2% (n=115). Imediatamente a seguir, surge a prioridade classificada como emergente, com 41,4% (n=103) da amostra total em estudo. De salientar, que, com a classificação de prioridade urgente, surge com 11,6% (n=29) dos casos em estudo (Tabela 2).
Apurou-se ainda que parte significativa da amostra (96,8%; n=241) não teve a ativação de qualquer Via Verde, observando-se apenas 1,2% (n=3) de registos em que foi ativada a Via Verde Coronária e 2.0% (n=5) em que foi ativada a Via Verde Acidente Vascular Cerebral.
Variáveis clínicas relativas à saúde foram também objeto de análise da nossa investigação. Verificou-se que 64,6% (n=51) da amostra em estudo apresentou saturações periféricas de oxigénio, sem O2 suplementar, inferiores a 89%, contudo, cerca de 79,2% (n=76) da amostra total apresentou valores inferiores a 94% com administração de oxigenoterapia. Uma percentagem significativa dos doentes incluídos na amostra (28,8%; n=43) apresentava valores anormais de frequência cardíaca, com 6,7% (n=10) por bradicardia (FC<61 bpm) e 22.1% (n=33) por taquicardia (FC>119 bpm). A variável de saúde referente à pressão arterial, na amostra em estudo, permitiu verificar que 56,9% (n=87) apresentou valores normais (139-90/60-89 mmHg). Perante o índice de reatividade de Glasgow o que apresentou maior representatividade foi o estado de coma, com 70,1% (n=96) dos casos em estudo. Os valores de glicemia capilar, avaliados na amostra em estudo, permitiu verificar que a maioria dos doentes que acabaram por falecer registava valores normais (56-299 mg/dl), com uma representatividade de 82,4% (n=103). Perante a variável de saúde da temperatura corporal, foi possível constatar que 17,9% (n=25) dos doentes apresentava-se com hipotermia (TºC<35.1ºC). Importa ainda salientar que os resultados obtidos com esta investigação, mostram que 70,4% dos doentes que acabaram por falecer no serviço de urgência em estudo apresentavam dor superior a 4 na Escala Numérica da dor. Os dados encontrados não permitem encontrara diferenças estatísticas significativas entres pessoas do género feminino e masculino (Tabela 3).
O estudo realizado permitiu constatar que 45,6% (n=114) das pessoas que faleceram no serviço de urgência, esperou menos de 5 minutos até ser triado, após a inscrição de episódio de urgência. Por outro lado 34,4% (n=86) esperou mais de 10 minutos. O tempo decorrido entre a triagem e a primeira avaliação médica apresentou valores igualmente importantes, já que 34,4% (n=86) da amostra em estudo esperou entre 1-10 minutos e 23,6% (n=59) esperou entre 11 a 30 minutos. Ainda assim, 20,8% (n=52) teve atendimento imediato. Os resultados, ainda assim, não demonstraram diferenças estatisticamente significativas quando comparados entre homens e mulheres (tabela 4).
As causas do óbito mais prevalecentes foram as doenças do aparelho respiratório (32.4%; n=81), com 34.6% dos homens e 65.4% das mulheres, seguindo-se a causa não definida/desconhecida/PCR (18.8%; n=47; homens=59.6% vs. Mulheres=40.4%). Há ainda a referir que 14.8% (n=37) das pessoas faleceram por doenças do aparelho circulatório (homens=32.4% vs. Mulheres=67.6%). As diferenças encontradas são estatisticamente significativas (X2=20,187; p=0,003), situadas entre as pessoas falecidas do género feminino com causa de óbito as doenças do aparelho respiratório, e os falecidos do género masculino, cuja causa de óbito foram os tumores malignos e a causa não definida/desconhecida/PCR (Tabela 5).
Discussão
Os resultados do presente estudo permitiram verificar que o perfil sociodemográfico de 250 pessoas que faleceram durante o ano de 2017 no serviço de urgência, num Centro Hospitalar da zona centro de Portugal, correspondem a 0,29% da população. A amostra foi maioritariamente do género feminino (54,4%), com uma média de idades de 80,16 anos (±13,50 anos), prevalecendo os falecidos com idade ≥ 80 anos (64,4%). Verificamos que segundo o fluxograma da triagem de Manchester o maior número de pessoas que faleceu apresentava dispneia. Valores de saturação periférica de oxigénio mostraram relação importante com o falecimento, já que 79.2% apresentava valores inferiores 90%, com oxigenoterapia suplementar, e 64.6% das pessoas apresentava valores igualmente inferiores a 90%, sem, no entanto, terem oxigenoterapia suplementar. A incapacidade de corrigir a hipoxemia pode ter resultado num maior número de óbitos. Importa reforçar que a oxigenoterapia é o tratamento de primeira linha para a insuficiência respiratória aguda hipoxémica (Renda et al., 2018).
A prioridade clínica muito urgente foi a que representou maior número de falecimentos. Dados de 2010 demonstram que, no que se refere às prioridades clínicas obtidas com o Sistema de Triagem de Manchester, a percentagem mais elevada de óbitos foi a classificada como muito urgente (29%), o que vem a corroborar os dados obtidos pela presente investigação (Moreira, 2010).
A identificação de informação clínica precoce poderá potenciar a capacidade dos serviços na redução da mortalidade no serviço de urgência. A investigação demonstrou que as pessoas com hipotermia (17.9%), com hipotensão arterial (24.2%), Escala de Coma de Glasgow com scores inferiores ou iguais a 8 (70.1%) e taquicárdicos (22.1%) se associam a maior taxa de falecimento no serviço de urgência. Esta constatação, além de permitir identificar precocemente o perfil clínico dos doentes que apresenta maior probabilidade de morte, pode contribuir para a definição de planos de intervenção específicos e que otimizem a resposta global de socorro, tanto ao nível dos recursos humanos como materiais. A prestação de cuidados diferenciados de enfermagem à pessoa em situação crítica implica o desenvolvimento da capacidade de mobilizar conhecimentos e habilidades múltiplas para responder precocemente e de forma holística às necessidades específicas de cada doente (Reis, 2017). A gestão da dor nos doentes que acabaram por falecer no SU mostrou-se, também, preocupante, já que 70.4% dos doentes manifestou dor superior a 4 (escala de avaliação numérica). A gestão ineficaz da dor acarreta consequências fisiológicas e psicológicas alteração do valores da pressão arterial, taquicardia, distúrbio de consumo de oxigénio e reações inflamatórias, com efeito deletério direto no prognóstico do doente (Mota et al., 2019).
Importa reforçar que 34,4% (n=86) dos doentes que morreram esperou mais de 10 minutos. Por outro lado, tempo decorrido entre a triagem e a primeira avaliação médica evidenciou valores importantes, já que 34,4% esperou entre 1-10 minutos e 23,6% esperou entre 11 a 30 minutos. Estes dados reforçam a importância de se implementarem medidas urgentes de apoio e reforço aos SU’s para diminuir as taxas de mortalidade verificadas.
A bibliografia vem demonstrando que as principais causas de morte associadas ao serviço de urgência são: mal-estar, alterações de comportamento, dispneia, trauma craniano, cefaleias, dor abdominal, dor torácica, trauma major, dor abdominal, hemorragia digestiva alta, problemas das extremidades, diarreia e vómitos, dor lombar, trauma toracoabdominal, dor cervical, quedas e feridas. Verifica-se, ainda, que de acordo com prioridade clínica, o maior número de mortes está associado à prioridade vermelha e laranja (Guedes et al., 2015). Por outro lado, outros estudos evidenciam que outras causas de morte assumem papel importante, como por exemplo, doenças infeciosas, parasitárias, aparelho respiratório, aparelho circulatório, sistema nervoso, aparelho geniturinário, endócrinas, nutricionais, síndromes genéticos, aparelho digestivo, pele, sangue, órgãos hematopoiéticos, sistema osteomuscular e psiquiátricas, choques, causas externas, neoplasias, causas cirúrgicas e mal definidas e causas relacionada com a gravidez, parto e puerpério (Alves & Faro, 2016).
A uniformização de procedimentos e tomadas de decisão sustentadas em algoritmos clínicos possibilitam aos profissionais de saúde do serviço de urgência, devido ao afluxo significativo de pessoas nestes serviços, atuar centrados em prioridades, com o respetivo encaminhamento precoce da pessoa e com a oferta de cuidados ajustados às necessidades, e administrados com a maior qualidade e segurança. Por outro lado, é recomendado o encaminhamento interno das situações clínicas, mais frequentes para áreas de especialidade para que se possa facilitar o acesso, em tempo útil, à observação médica adequada, com redução dos tempos de espera e de permanência no serviço de urgência(Direção-Geral da Saúde, 2018).
Apesar dos dados obtidos revelarem-se importantes, é de salientar que o presente estudo apresenta algumas limitações. Uma limitação prende-se com o facto de a amostra ser não probabilística e de conveniência, e por outro lado, estar circunscrita a uma região específica de Portugal. Outra limitação encontrada foi a lacuna ao nível dos registos, nomeadamente os registos de parâmetros vitais, o que inviabilizou o preenchimento de algumas grelhas de recolha de dados.
Conclusão
O conhecimento da taxa de mortalidade nos serviços de urgências, e das respetivas variáveis que o influenciam, permite reorganizar todas as dinâmicas intrínsecas e com isso potencializar as estruturas existentes para uma resposta mais eficiente. A avaliação do perfil epidemiológico destes doentes é, portanto, fundamental para que seja possível diminuir o número de mortes. As variáveis idade, tempo decorrido desde a admissão até à triagem, tempo decorrido entre a triagem e a primeira avaliação médica, a pressão arterial sistólica, o Índice de reatividade de Glasgow, frequência cardíaca e temperatura corporal mostraram-se importantes na premonição de óbitos. O envelhecimento populacional coloca, assim, importantes desafios às instituições, às famílias e à comunidade em geral, como são as políticas de prevenção da doença, promoção e literacia em saúde. Recomenda-se novas investigações, com amostras mais representativas que contribuam para o aprofundamento do tema em análise. Além disso, é de notar a importância de se estudarem as realidades dos serviços de urgência de outras regiões de Portugal.