Introdução
A atividade física melhora a saúde em geral e a qualidade de vida. A sua prática associa-se a vários aspetos de qualidade de vida, uma relação que tem sido consistentemente relatada em vários estudos (Guedes et al., 2013), cujos resultados indicam que o aumento dos níveis de atividade física contribui para melhorias na qualidade de vida. As pessoas fisicamente ativas avaliam alguns dos domínios da sua qualidade de vida significativamente superiores às pessoas fisicamente não ativas. A prática de atividade física é uma boa maneira para a pessoa melhorar a sua saúde física, psicológica e emocional e influencia positivamente a sua perceção pessoal de qualidade de vida e bem-estar (FitzGerald & Boland, 2018).
A presente revisão sistemática tem como objetivo analisar a relação entre a prática de atividade física e a qualidade de vida nos estudantes do ensino superior.
Alguns estudos investigaram a relação entre a prática de atividade física e a satisfação com a vida em estudantes do ensino superior (Joseph et al., 2014; FitzGerald & Boland, 2018), tendo constatado que os estudantes envolvidos em programas de educação para a saúde destinados a promover prática de atividade regular aumentaram a sua autoestima, o que se assumiu como eficaz para uma perceção positiva da qualidade de vida.
Apesar dos inúmeros benefícios da prática de atividade física regular para a saúde, a prevalência de pessoas sedentárias e de inatividade física permanece elevada, especialmente com uma redução significativa durante a transição do ensino secundário para o ensino superior. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2019), 23% dos adultos e 81% dos jovens em idade escolar não são ativos o suficiente. Estudos revelam que a falta de motivação parece ser a principal razão para os estudantes do ensino superior não praticarem consistentemente atividade física e, portanto, a maioria deles não são regularmente ativos e tendem a abandonar a prática de atividade física (Zhang et al.,, 2012). A corroborar, o estudo de Yuan et al. (2018) também documenta uma diminuição da prática de atividade física e o aumento do comportamento sedentário em estudantes do ensino superior.
1. Métodos
1.1. Desenho do estudo
Tendo-se como objetivo a sistematização do conhecimento atual sobre a relação entre a prática de atividade física e a qualidade de vida nos estudantes do ensino superior, realizou-se uma revisão sistemática da literatura, com base no Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Moher et al., 2010).
1.2. Critérios de elegibilidade dos estudos
Com o objetivo de se limitarem os artigos em estudo, que integrarão esta revisão, foram definidos e aplicados critérios de seleção mais específicos (Tabela 1).
Critérios de seleção | Critérios de inclusão | Critérios de exclusão | |
---|---|---|---|
Participantes | Estudantes do ensino superior | Idade ≤ 18 anos | |
Intervenções | Estudos que avaliem a relação entre a prática de atividade física e a qualidade de vida | Estudos que não analisem as variáveis de inclusão | |
Comparações | Não aplicável | ||
“Outcomes” | Relação entre a prática de atividade física e a qualidade de vida | Estudos que não avaliem a relação entre a prática de atividade física e a qualidade de vida | |
Tipos de estudo | Estudos experimentais, quase-experimentais, transversais analíticos, ensaios clínicos controlados, randomizados, ensaios controlados aleatórios, exploratórios | Outros desenhos para além dos de inclusão | |
Data de publicação | 2015-2020 | Estudos anteriores a 2015 | |
Línguas | Português, Inglês | Outras línguas estrangeiras | |
Disponibilidade do artigo | Full-text | Apenas abstract |
1.3. Recursos usados no atual estudo
Para a identificação de estudos relevantes em conformidade com os critérios definidos, realizaram-se pesquisas que incluíram os estudos publicados entre 1 de janeiro de 2015 e 11 de setembro de 2020, nos idiomas português e inglês, recorrendo às plataformas eletrónicas de bases de dados: EBSCOhost; PubMed, B-On e SCIELO. O texto completo de cada artigo foi revisto para determinar se satisfazia os critérios de inclusão do estudo por três revisores com análises independentes e posterior análise de consensos e divergências discussões entre ambos para obter consenso sobre a exclusão de artigos.
1.4. Estratégia de pesquisa
Foram utilizados os termos previamente citados (estudantes, atividade física e qualidade de vida), conjugados com os operadores boleanos da seguinte forma: “Exercise” [MeSH Major Topic] OR "Exercise, Physical [Entry Term(s)] OR “Physical Activity” [Entry Term(s)] AND ("Quality of Life" [MeSH Terms] AND “Students” [MeSH Major Topic] AND “Education” [MeSH Major Topic] AND “Universities” [MeSH Major Topic]. Apesar do termo “Higher education” não ser descritor MeSH, o mesmo foi considerado na pesquisa, uma vez que é um termo recorrente na literatura específica. Utilizaram-se os referidos descritores, em língua portuguesa e inglesa, nos referidos motores de busca científicos, com o objetivo de realizar uma pesquisa mais profunda e para se obterem os artigos completos.
1.5. Seleção dos estudos
Da pesquisa nas bases de dados, resultou a identificação de 256 artigos. Assim, numa primeira fase foram removidos os estudos que estavam duplicados nas bases de dados (n= 141). Numa segunda fase, e após análise dos artigos (n=115) através dos seus títulos e resumos, excluíram-se 79 pela data de publicação, pela ausência de texto integral e tipo de idioma, tendo ficado para elegibilidade 36 artigos em full-text. Destes, 30 foram excluídos por não cumprirem os restantes critérios de inclusão. No estudo foram incluídos seis artigos. Na figura 1 é possível observar o fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic reviews e Meta-Analysis (PRISMA) referente às quatro etapas de seleção dos artigos: identificação, seleção, elegibilidade e inclusão (Figura 1).
Importa referir que não foi possível a realização do processo de metanálise, uma vez que nem todos os estudos selecionados permitiam explicar a variância dos resultados.
2. Resultados e discussão
Esta etapa consiste num resumo narrativo que descreve os objetivos ou finalidades dos artigos incluídos no corpus de análise, conceitos adotados e resultados relacionados com o objetivo geral do estudo, tabela 2.
Estudos | Participantes | Intervenções | Objetivos | “Outcomes” |
---|---|---|---|---|
Estudo 1- Çiçek, G. (2018). Quality of Life and Physical Activity among University Students | 300 estudantes universitários: 150 estudantes do departamento de desporto (SDS). Constituído por 89 homens e 61 mulheres, com uma idade média de 20.67± 1.65 anos. 150 estudantes de outros departamentos (ODS). Constituído por 56 homens e 94 mulheres, com uma idade média de 19.45± 1.22 anos. | International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) short; World Health OrganizationQuality of Life Instruments - Bref (WHOQOL-BREF). | Verificar a relação entre a prática de atividade e qualidade de vida nos estudantes do ensino superior | Os scores semanais de atividade física do grupo de estudantes do grupo SDS e ODS foram 5386.24± 3528.47 MET-min / semana e 1616.85± 1249.12 MET-min/semana, respetivamente, com diferença estatisticamente significativa (p< 0.001). As dimensões (física, psicológica, relações sociais e ambientais) da qualidade de vida apresentam médias superiores nos estudantes SDS comparativamente aos estudantes do ODS, sendo estatisticamente significativos (p< 0.001). Os estudantes que pertencem ao departamento de desporto apresentam melhores níveis de prática de atividade física e de qualidade de vida. |
Estudo 2- Cihan, B.B., Bozdağ, B., & Var, L. (2019). Examination of Physical Activity and Life Quality Levels of University Students in Terms of Related Factors | 331 estudantes universitários de 6 cursos da Universidade de Amasya durante o ano letivo de 2018- 2019. Constituído por 162 mulheres e 169 homens. | International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) short; World Health Organization Quality of Life Instruments - Bref (WHOQOL-BREF). | Examinar a relação entre os níveis de atividade física e a qualidade de vida de estudantes da Universidade de Amasya. | 262 estudantes afirmaram que as áreas de atividade física da faculdade eram insuficientes e 69 afirmaram que eram suficientes; 76.4% dos participantes tinham IMC normal. Registou-se diferença significativa nos domínios psicológico e meio ambiente da qualidade de vida dos estudantes que praticam com mais regularidade atividade física. Os estudantes do curso de Educação Física revelam melhores scores totais na qualidade de vida. |
Estudo 3 - Nowak, P.F., Bozek, A., & Blukacz, M. (2019). Physical Activity, Sedentary Behavior, and Quality of Life among University Students | 595 estudantes do ensino superior. | International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) short; Comprehensive Quality of Life Scale-Adult (ComQol-A5). | Explorar a relação entre a prática de atividade física, o comportamento sedentário, a qualidade de vida e a satisfação com a vida em estudantes do ensino superior, cuja formação está relacionada com diferentes dimensões da saúde. | Apenas alguns tipos de atividade física mostraram uma relação positiva com a qualidade de vida. A prática de atividade física em casa correlaciona-se positivamente com a qualidade de vida; a quantidade de atividade física de lazer diminuiu com a idade; diferenças de género em relação à intensidade e tipo de atividade física, sendo os estudantes do género masculino os que mais praticam atividade física com mais intensidade. O comportamento sedentário durante a semana correlaciona-se positivamente com a avaliação subjetiva da qualidade de vida, mas o comportamento sedentário nos finais de semana foi negativamente correlacional à qualidade de vida objetiva e subjetiva, bem como nas suas dimensões. Nem a atividade física nem o comportamento sedentário demonstraram relação significativa com o nível de satisfação com a vida. |
Estudo 4 - Gönülateş, S., & Öztürk, M.A. (2019). Investigation of Relationship Between Physical Activity Levels and Quality of Life of University Students | 469 estudantes do ensino superior participaram do estudo, em que 209 eram do sexo feminino e 260 do sexo masculino. | Physical Activity Questionnaire Short Form (IPAQ-SF); World Health Organization Quality of Life Instruments - Bref (WHOQOL-BREF). | Verificar se existe uma relação positiva ou negativa entre a qualidade de vida dos estudantes e os seus níveis de atividade física. | O estado geral de saúde dos participantes era em 87% bom-muito bom e o nível de atividade física foi em 88.1% moderado-alto. Não houve significância estatística entre os níveis de atividade física e os scores da qualidade de vida dos participantes. Os estudantes, na globalidade, revelaram bons níveis de prática de atividade física e scores elevados na qualidade de vida total. |
Estudo 5 - Snedden, T.R., Scerpella,, J., Kliethermes, S.A., Norman, R.S. et al. (2018). Sport and Physical Activity Level Impacts Health-Related Quality of Life Among Collegiate Students | 842 estudantes universitários atletas e 1322 estudantes universitários comuns. | Veterans RAND 12 Item Health Survey (VR-12), incluindo dimensões da qualidade de vida relacionada com a saúde. | Verificar a relação entre o envolvimento em atividades físicas e a qualidade de vida relacionada com a saúde em estudantes universitários atletas e estudantes universitários comuns. | Relação positiva entre o aumento do nível da prática desportiva e a qualidade de vida relacionada com a saúde. Os estudantes universitários atletas revelaram melhores scores da qualidade de vida relacionada com a saúde comparativamente aos estudantes que não são atletas. |
Estudo 6 - Tao, K., Liu, W, Xiong, S. et al. (2019). Associations between Self-Determined Motivation, Accelerometer-Determined Physical Activity, and Quality of Life in Chinese College Students | 220 estudantes universitários, com uma idade média de 20.29± 2.37 anos, em que 115 são mulheres. | Os participantes foram instruídos a usar o acelerómetros ActiGraph GT9X Link (ActiGraph, Pensacola, FL, EUA) durante 7 dias. Foi usada uma metodologia de cálculo de passos por minuto para determinar os comportamentos sedentários, atividade física leve, moderada e vigorosa. A motivação autodeterminada foi avaliada com base nas seguintes dimensões: autónomo, controlado, não motivado e competência percebida; a qualidade de vida foi avaliada de acordo com: função física, stresse, depressão, fadiga, sono e problemas sociais. | Avaliar as associações entre a motivação autodeterminada, atividade física determinada pelo acelerómetro e qualidade de vida em estudantes universitários chineses. | Níveis moderados-altos de atividade física correlacionados positivamente com a qualidade de vida, com médias a variar entre 5.5 a 6 (de 7) para a atividade física e 2.75 a 4 (de 4) para a qualidade de vida. As análises de regressão para a função física, stresse, depressão e problemas sociais sugeriram que os modelos explicaram 4%-8% das variâncias explicadas. Especificamente, a competência percebida foi o preditor negativo dos problemas com a função física (β= − 0.17, p< 0.05) e depressão (β= − 0.18, p< 0.01), a falta de motivação associou-se positivamente com a depressão e stresse (p< 0.05). A motivação controlada previu a capacidade de participar em funções e atividades sociais (β= 0.22, p< 0.05). Não surgiram preditores significativos para fadiga ou sono. A competência percebida e o apoio social dos estudantes são essenciais para melhorar a prática de atividade física e sua qualidade de vida. |
O corpus de análise desta revisão sistemática da literatura ficou constituído por 6 estudos primários, tendo os mesmos dado resposta à questão de investigação.
Os estudos são unânimes quanto à relação entre os níveis de atividade física e a qualidade de vida dos estudantes do ensino superior. Ficou demonstrado que a prática de atividade física regular, moderada a vigorosa, ajuda os estudantes a terem melhor saúde mental e física, com reflexos positivos na sua perceção da qualidade de vida. Çiçek (2018 - estudo 1) verificou que com o aumento dos níveis de prática de atividade física aumentaram os níveis de qualidade de vida dos estudantes, havendo uma relação positiva entre eles. Esta relação variou de acordo com o curso que os estudantes frequentavam, ou seja, ficou registado que os estudantes da faculdade de desporto tinham um nível mais alto de prática de atividade física e de qualidade de vida, o que levou o autor a sugerir que os estudantes em geral devem ser encorajados a praticar qualquer atividade desportiva durante os seus tempos livres como forma de aumentar os seus níveis de atividade física e melhorar a sua qualidade de vida. Estes resultados são corroborados por Cihan, Bozdağ e Var (2019- estudo 2), cujo estudo revela diferenças significativas nos domínios psicológico e meio ambiente da qualidade de vida dos estudantes que praticam com mais regularidade atividade física. Os estudantes do curso de Educação Física revelam melhores scores totais na qualidade de vida. De igual modo, Snedden et al. (2018 - estudo 5) apuraram uma relação positiva entre o aumento do nível da prática desportiva e a qualidade de vida relacionada com a saúde. Os estudantes universitários atletas revelaram melhores scores da qualidade de vida relacionada com a saúde comparativamente aos estudantes que não são atletas. Outros estudos mostram que a atividade física está predominantemente relacionada com a qualidade de vida. A prática de atividade física regular promove a qualidade de vida através do robustecimento do bem-estar psicológico e funcionamento físico (Cihan & Araç Ilgar, 2018).
De igual modo, Nowak et al. (2019 - estudo 3) verificaram que a atividade física se correlaciona significativamente com a qualidade da vida. O comportamento sedentário durante a semana correlaciona-se positivamente com a qualidade de vida subjetiva e a sua dimensão de intimidade, mas o comportamento sedentário nos fins de semana está negativamente corelacionado com a qualidade de vida subjetiva, nas suas dimensões, incluindo também a intimidade, a segurança e a socialização. Gönülateş e Öztürk (2019 - estudo 4) constataram que os estudantes, na globalidade, revelaram bons níveis de prática de atividade física e scores elevados na qualidade de vida total. Contudo, os autores concluíram que os níveis de atividade física não tiveram efeito na qualidade de vida dos participantes, o que se deve ao facto de se tratar de uma amostra de jovens saudáveis e ativos fisicamente. No entanto, outros estudos anteriores revelam que quanto mais altos são os níveis de atividade física, mais elevados são os scores da qualidade de vida dos estudantes (Perry et al., 2012), o que é corroborado por Tao al. (2019 - estudo 6) cujo estudo revela que níveis moderados-altos de atividade física se correlacionam positivamente com a qualidade de vida, com médias a variar entre 5.5 a 6 (de 7) para a atividade física e 2.75 a 4 (de 4) para a qualidade de vida. A existência de uma correlação positiva entre a prática de atividade física e a qualidade de vida surge relatada em evidências anteriores, como em Hakkinen et al. (2010).
Conclusão
As evidências demonstram que a prática regular de atividade física melhora a qualidade de vida nos estudantes do ensino superior, ou seja, a qualidade de vida consubstancia-se na melhoria da saúde física, psicológica e emocional dos estudantes. Além disso, indicam que a qualidade de vida é um fator motivador chave para a prática de atividade física. Por outras palavras, os estudantes que adotam um estilo de vida ativo percecionam que a atividade física contribui para a melhoria da sua qualidade de vida. Mais especificamente, quando uma pessoa sente que a prática de atividade física atende às suas necessidades e contribui para a melhoria da sua qualidade de vida (por exemplo, melhora a função física, humor e relações sociais), esta tem tendência a ser mais ativa num continuum em direção a uma motivação mais autodeterminada para a prática de atividade física, estando-se perante um fenómeno de causa-efeito.
A prática da atividade física é benéfica para a saúde física e mental e, por tal, deve ser incentivada em contexto de ensino superior. Os estudantes estão continuamente sujeitos a trabalhos, prazos de entrega, longas horas de estudo, situações de exaustão física e mental, entre outras. Por conseguinte, será fundamental a implementação de programas de atividade física nos seus tempos livres, como meio para reduzir os desconfortos decorrentes da vida académica, com benefícios para a saúde física e psicológica, ou seja, para ganhos de qualidade de vida. Partindo-se do pressuposto que as instituições de ensino superior são espaços de disseminação de saberes, cultura e valores, então, deve também promover-se a prática regular de atividade física.
Como meio de promoção da atividade física e a qualidade de vida dos estudantes do ensino superior, é imperativo estudar a relação entre estes dois construtos, o que implica, numa futura investigação, estudar a motivação autodeterminada e a competência percebida para a prática de atividade física e suas repercussões na qualidade de vida.