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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp9 Viseu dez. 2021  Epub 07-Dez-2021

https://doi.org/10.29352/mill029e.24788 

Ciências da vida e da saúde

Intervenções dos enfermeiros nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool

Nurses' interventions in families with individuals with additive alcohol behaviors

Intervenciones de enfermeras en familias con personas con comportamientos aditivos de alcohol

Ana Maria Cabral1 

Inês Vieira Carreira1 

Isa Maria Carreira1 

Miriam Teixeira Gil2 

Mónica dos Santos Silva1 

Luciana Isabel Correia3 

Odete Amaral4  5 

1 Centro Hospitalar de Leiria, Leiria, Portugal

2 Casa de Saúde do Espírito Santo das Irmãs Hospitaleiras, Angra do Heroísmo, Portugal

3 ACeS Baixo Vouga, Águeda, Portugal

4 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, Unidade de Enfermagem de Saúde Pública, Familiar e Comunitária, Viseu, Portugal

5 UICISA: E Research Centre, Viseu, Portugal


Resumo

Introdução:

O consumo de álcool, é um problema de saúde pública, com danos na saúde da pessoa e impacto nas relações familiares e sociais. O enfermeiro de família um papel essencial no desenvolvimento de estratégias de intervenção na prevenção e tratamento de comportamentos aditivos de álcool.

Objetivo:

Identificar as intervenções dos enfermeiros nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool.

Métodos:

Revisão integrativa da literatura, realizada nas bases de dados: CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection e PubMed, realizado em maio de 2021. Também se efetuou uma pesquisa livre secundária. Foram considerados artigos redigidos em português, espanhol ou inglês, completos, de acesso livre, sem limite temporal estabelecido.

Resultados:

Foram incluídos quatro artigos, que sustentam as intervenções do enfermeiro de família, na prevenção e intervenção precoce, para impedir ou adiar o início do consumo de álcool, identificar a resiliência familiar e estabelecer uma relação de ajuda baseada numa comunicação eficaz, promovendo o empoderamento familiar.

Conclusão:

O enfermeiro de família desempenha um papel basilar na promoção, prevenção e tratamento nas famílias, enquanto foco de cuidados, sendo a resiliência familiar fator determinante para o tratamento.

Palavras-chave: transtornos relacionados com álcool; enfermeiro de família; saúde familiar

Abstract

Introduction:

Alcohol consumption is a public health issue , which damages the person's health and has an impact on family and social relationships. The family nurse plays has an essential role in the development of intervention strategies in the prevention and treatment of addictive alcohol behaviors.

Objective:

To identify nurses' interventions in families with individuals with alcohol addictive behaviors.

Methods:

Integrative literature review, carried out in the following databases: CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection and PubMed, carried out in May 2021. A free secondary search was also carried out. Articles written in Portuguese, Spanish or English, complete, with free access, with no established time limit, were considered.

Results:

Four articles were included, which support the interventions of the family nurse, in prevention and early intervention, to prevent or delay the onset of alcohol consumption, identify family resilience and establish a helping relationship based on effective communication, promoting the family empowerment.

Conclusion:

Family nurses play a Key role in promoting, preventing and treating families, while the focus of care and family resilience is a determining factor for treatment.

keywords: alcohol-related disorders; family nurse; family health

Resumen

Introducción:

El consumo de alcohol es un problema de salud pública, con daño a la salud de la persona y impacto en las relaciones familiares y sociales. La enfermera de atención primaria tiene un papel fundamental en el desarrollo de estrategias de intervención en la prevención y tratamiento de las conductas adictivas al alcohol.

Objetivo:

Identificar las intervenciones de la enfermera de atención primaria con individuos con conductas adictas al alcohol.

Métodos:

Revisión integrativa de la literatura, realizada en las siguientes bases de datos: CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection y PubMed, realizada en mayo de 2021. También se realizó una búsqueda secundaria gratuita. Se consideraron artículos redactados en portugués, español o inglés, completos, de libre acceso, sin límite de tiempo establecido.

Resultados:

Se incluyeron cuatro artículos, que apoyan las intervenciones de la enfermera de aténcion primaria en prevención e intervención temprana, para prevenir o retrasar el inicio del consumo de alcohol, identificar la resiliencia familiar y establecer una relación de ayuda basada en la comunicación efectiva, promoviendo la autonomia familiar.

Conclusión:

La enfermera de familia tiene un papel fundamental en la promoción, prevención y tratamiento de las familias, como foco de atención, siendo la resiliencia familiar un factor determinante para el tratamiento.

Palabras clave: trastornos relacionados con el alcohol; enfermera de familia; salud familiar

Introdução

O uso de álcool faz parte da cultura humana há milhares de anos, integrando muitas práticas culturais, religiosas e sociais, estando frequentemente associado à sensação de prazer e relaxamento. No entanto, segundo a World Health Organization (WHO), este passa a ser nocivo quando há consequências sociais e para a saúde do consumidor, da sua família e para a sociedade em geral (WHO, 2010).

A evidência científica revela que as famílias ao vivenciarem problemas relacionados com o universo da dependência de álcool, geralmente, focam aspetos negativos e deficitários da convivência familiar, tais como fragilidades, disfunção familiar e características de co dependência. Portanto, a família é reconhecida como foco de intervenção diante a complexidade da adição do álcool, o que requer do enfermeiro, nomeadamente do enfermeiro de família, um olhar direcionado para a capacitação da família, através das suas potencialidades e forças positivas (Zerbetto, Galera & Ruiz, 2017).

Neste contexto, surge o presente estudo com o objetivo de realizar uma Revisão Integrativa da Literatura (RIL) de modo a identificar as intervenções dos enfermeiros nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool.

1. Enquadramento teórico

O ciclo da vida humana é marcado por etapas e mudanças resultantes de transformações relevantes, estas são, na maioria das vezes, momentos de tensão, contradição, rutura ou crise (Gonçalves, 2016). Nesses momentos de transição os indivíduos podem, como resultado da interação das determinantes genéticas, neurobiológicas, psicológicos e sociais/ambientais, adotar comportamentos de risco, comprometedores da sua saúde, nesse ou num período da vida futura. Esses comportamentos podem evoluir para aditivos e de dependência, isto é, para comportamentos com características impulsivas e compulsivas em relação a diferentes atividades ou condutas, como por exemplo o consumo de substâncias psicoativas como o álcool, envolvendo também um potencial de prazer, que com a continuidade e persistência poderá evoluir para dependência (Pereira & Cunha, 2017).

O álcool é uma substância que pela sua composição causa dependência e cujo consumo em excesso constitui um grave problema de saúde pública, com consequências devastadoras não apenas para o indivíduo ou seus familiares, mas também para a população em geral.

Os cuidados de saúde visam atender às necessidades e desenvolvimento de saúde dos indivíduos em todas as etapas do ciclo vital, pelo que, a problemática do consumo de substâncias aditivas é considerada em todas as políticas, estratégias e programas de saúde. Em Portugal, o consumo de álcool, per capita, diminuiu desde a década de noventa do século XX, contudo, mantém uma posição destacada entre os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, e continua a ser a principal substância psicoativa consumida (Fernandes, et al., 2019). Neste contexto, o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD), em conjunto com as Administrações Regionais de Saúde têm uma política que visa a redução do consumo de substâncias psicoativas e dependências e a prevenção de comportamentos de dependência (SICAD, 2020).

Os diversos comportamentos de saúde são suportados por um conjunto de crenças e sentimentos, sendo essencial que o enfermeiro consiga identificá-los para estabelecer estratégias de intervenção de forma a prevenir e promover (capacitar) comportamentos de ajustamento mais positivos e saudáveis no indivíduo e na família (Querido et al., 2019).

2. Métodos

A questão de investigação deve ser clara, precisa e respondível, de forma a orientar o processo de revisão, auxiliar na tomada de decisão sobre a pertinência do assunto e facilitar a indexação em bases de dados (Apóstolo, 2017). A seleção dos estudos procurou dar resposta à seguinte questão orientadora da revisão: Quais as intervenções dos enfermeiros nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool? A questão foi definida com base no método PI(C)O. Os participantes (P) são os profissionais de saúde que trabalham com famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool; as variáveis independentes (I) são as intervenções dos enfermeiros e os resultados (O) são identificar e intervir precocemente nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool.

Em consonância, o objetivo da presente RIL é identificar as intervenções dos enfermeiros nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool.

Numa primeira fase, definido o problema, foi realizada uma pesquisa livre em motores de busca (EBSCOhost, B-On e Google académico) a fim de se identificar bibliografia relevante, na área em investigação.

De seguida, foram identificadas as palavras-chave e descritores essenciais à realização desta RIL, que foram validados segundo os sistemas Medical Subject Headings (MeSH): Substance related-disorders; alcohol related-disorders; family nurse practitioners; family nursing; family health program e family health.

Posteriormente, realizou-se uma pesquisa sistematizada nas bases de dados na CINAHL Complete, MEDLINE Complete e Nursing & Allied Health Collection acedidos através do EBSCHOhost e na PubMed, com os termos acima referidos, aos quais foram agregados os operadores boleanos “AND” e “OR” originando a seguinte expressão de pesquisa: (((Substance related-disorders) OR (alcohol related-disorders)) AND ((family nurse practitioners) OR (family nursing)) AND ((family health program) OR (family health))).

Definiram-se como critérios de inclusão adicionais para a pesquisa: estudos publicados nas bases de dados anteriormente supracitadas, com acesso a texto completo redigido nos idiomas inglês, português e espanhol. A fim de garantir a identificação de intervenções, não foi estabelecido um limite temporal para a realização da pesquisa de artigos nas bases de dados mencionados, porque entendemos que é uma temática não muito desenvolvida cientificamente e assim conseguimos analisar toda a evidência científica existente.

Da pesquisa nas bases de dados resultou a identificação de 286 artigos (276 na PubMed e 10 na EBSCHOHost). Foi, ainda, adicionado um artigo que surgiu na pesquisa livre efetuada no Google académico, contemplado pela sua pertinência na abordagem da temática em investigação e por respeitar os critérios de inclusão. A pesquisa foi realizada por três investigadores, conforme as recomendações da literatura, no sentido de atenuar ao máximo possíveis enviesamentos na informação a selecionar. Para a seleção dos artigos foi efetuada uma análise cega por cada investigador.

Dos 287 artigos identificados, através da leitura do título excluíram-se 240 artigos e 3 estavam repetidos. Seguidamente, após a leitura crítica e reflexiva dos 44 resumos, 24 foram eliminados e um não se encontrava disponível. Após a leitura na íntegra dos restantes 19 artigos, a presente RIL incidiu na análise de 4 artigos. De seguida, apresenta-se o fluxograma relativo ao resumo da RIL realizada (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma das etapas metodológicas de seleção de artigos. Fonte: Elaboração própria (2021) 

Resultados e discussão

Os dados e contributos dos artigos incluídos na RIL estão resumidos no quadro seguinte (Quadro 1).

Quadro 1 Dados dos artigos incluídos na Revisão Integrativa da Literatura 

Artigo Tipo de metodologia Síntese
“Adolescent drug abuse: Helping families survive” (Usher, Jackson & O´Brien, 2005) Descritivo Adoção de uma abordagem de pontos fortes como estratégia para o desenvolvimento da resiliência nas famílias.
“Alcohol effects on family relations: a case study” (Reinaldo & Pillon, 2008) Estudo de Caso. Desenvolvido estudo para identificar os efeitos do álcool no núcleo familiar. Objetivo: identificar os efeitos do alcoolismo nas relações familiares. Acompanhamento de duas famílias durante seis meses. A história das famílias é apresentada como uma narrativa, construída a partir das transcrições da entrevista e do diário de campo. Identificadas os focos e definidas as intervenções nas famílias que incluem o apoio à família e ao meio social, bem como a estruturação de serviços para o sucesso do tratamento.
“Alcohol misuse and the family”Latham (2014) Descritivo Os enfermeiros devem realizar uma abordagem precoce junto das famílias, incluindo as crianças, sobre o alcoolismo.
“Resiliência familiar e dependência química: percepção de profissionais de saúde mental” (Zerbetto et al., 2017) Estudo descritivo, de abordagem qualitativa. Objetivo: Conhecer a perceção dos profissionais de saúde sobre atributos fundamentais de resiliência das famílias de dependentes de substâncias psicoativas. As equipas de saúde reconhecerem os atributos da resiliência familiar que perpassam os domínios da comunicação eficiente e assertiva, padrões organizacionais e forças familiares facilitadoras, fatores que auxiliam na melhoria da relação familiar e de sua funcionalidade.

Alterações no ciclo vital, tais como, conflitos familiares, divórcio, luto, bullying, ansiedade/depressão e problemas de saúde poderão estar na origem de comportamentos aditivos de álcool (Latham, 2014). Os problemas devido ao abuso de álcool prejudicam os membros da família, contribuindo para altos níveis de conflitos interpessoais, violência doméstica, inadequação do papel parental, abuso e negligência infantil, separação e divórcio, dificuldades financeiras e problemas clínicos associados ao consumo de álcool (Reinaldo & Pillon, 2007).

Neste sentido, os autores supracitados desenharam um estudo em que acompanharam duas famílias com comportamentos aditivos de alcoolismo, durante seis meses. A história dessas famílias foi apresentada como uma narrativa, construída a partir da transcrição da entrevista e do diário de campo, em que foram identificados os focos e definidas as intervenções. Estas incluem o apoio à família e ao meio social, bem como a estruturação de serviços para o sucesso do tratamento. Assim, na primeira família o foco é a relação parental que se traduz em aproximar o pai, com problemas de alcoolismo, dos filhos e sensibilizar a comunidade para tal problemática. A comunidade encara o pai de forma negativa mesmo após este ter deixado de consumir álcool (Reinaldo & Pillon, 2007).

Foram realizadas várias atividades conjuntamente com a família, como a listagem de atividades com interesse para toda a família (caminhadas ao fim de semana); sugestão que a família reservasse algum tempo durante a semana para planear as caminhadas fomentando a comunicação; realização de intervenções com os filhos (10 e 15 anos) de forma a compreenderem o alcoolismo como uma doença, a partilha de experiências com outras famílias com problemas semelhantes e integração da comunidade nas atividades familiares, tais como festas de aniversário (Reinaldo & Pillon, 2008).

Na segunda família, constituída por um casal com filhos em que um deles, com 36 anos possuía hábitos alcoólicos há mais de vinte anos, foram igualmente realizadas reuniões a todos os elementos da família para a desmitificação do alcoolismo, para o encararem como doença e foram delineadas várias atividades em que foi proposto ao indivíduo a realização de um diário, sobre todas as suas atividades de um dia, inclusive os momentos em que ingeriu bebidas alcoólicas. Os resultados foram analisados e partilhados à posteriori (Reinaldo & Pillon, 2007).

O artigo de Usher et al. (2005) apresenta os enfermeiros de saúde comunitária como primordiais para identificar e ajudar os jovens vulneráveis aos consumos de álcool e prestar apoio às suas famílias. Salientam que é oportuno os enfermeiros explorarem abordagens centradas na família de modo a refletir os benefícios de usar uma abordagem de pontos fortes para compreender a resiliência e capacitar as famílias sobre a sua saúde.

O consumo de álcool dos adolescentes é um problema que afeta toda a família, principalmente os pais, podendo causar quebras nas relações familiares. As famílias que enfrentam problemas com consumo de álcool normalmente encaram-no de uma das três formas: envolvendo-se diretamente com o problema, tolerando o problema ou evitando o adolescente. O modo como as famílias lidam com esta problemática afeta vários aspetos da vida familiar, as relações familiares, uma vez interrompidas podem ser muito difíceis de reconstruir (Usher et al., 2005).

O mesmo artigo salienta que está a ocorrer uma mudança de paradigma em que as intervenções não são apenas dirigidas ao adolescente com consumo de álcool, mas a toda a família e comunidade envolvente, dado que os fatores de risco englobam as características individuais, fatores familiares, abusos na infância, relacionamentos com os pares, vizinhança local e fatores macro ambientais (Usher et al., 2005).

Para Latham (2014), a problemática do alcoolismo deve ser um tema abordado nas famílias de forma a intervir precocemente antes que este surja. Os pais têm assim a oportunidade de influenciar positivamente os seus filhos desde uma idade muito precoce, por meio das suas próprias atitudes e padrões de consumo. À semelhança do artigo elaborado por Usher et al. (2005) os enfermeiros são os primeiros profissionais de saúde que identificam as disfunções familiares e que realizam as intervenções de escuta ativa, avaliação precisa e encaminhamento (Latham,2014).

O estudo qualitativo e descritivo realizado por Zerbetto et al. (2017), com o objetivo de conhecer a perceção dos profissionais de saúde sobre os atributos fundamentais de resiliência das famílias de dependentes de substâncias psicoativas, revelou o reconhecimento do atributo da resiliência familiar e que os enfermeiros devem focar as suas intervenções nos domínios da comunicação eficiente e assertiva, padrões organizacionais e forças familiares facilitadoras, promovendo a melhoria da relação e funcionalidade familiar. A resiliência familiar é construída por uma rede de interações e experiências no decorrer da vida e entre gerações, que fortalece o grupo familiar enquanto unidade funcional, isto é, altera o modo como a família enfrenta e lida com as expe riências adversas e se reorganiza de modo eficiente (Zerbetto et al., 2017).

É indispensável investir na prevenção e na intervenção precoce, para impedir ou adiar o início do consumo de álcool. Esta intervenção deve ser realizada a toda a família incluindo crianças em idade escolar uma vez que estas são influenciadas pelos comportamentos dos pais (Latham, 2014). Posteriormente, e quando os consumos já se iniciaram, é preciso promover a redução das quantidades consumidas, minimizar os riscos e danos (Usher et al, 2005). É através da relação de ajuda que o enfermeiro promove o desenvolvimento das competências dos vários elementos da família e os ajuda a mobilizar os recursos necessários à sua recuperação, envolvendo-os assim num processo de relação interpessoal e de compreensão empática (Latham, 2014; Usher et al. 2005).

Existem inúmeras possibilidades terapêuticas para o tratamento da adição ao álcool, mas são poucas as que comtemplam a inserção familiar, a qual, na literatura, tem sido referida como primordial para o tratamento. Do ponto de vista sistémico, a adição do álcool pode ser compreendida como sintoma da família, em que o doente não é apenas o individuo identificado, mas todo o sistema familiar (Paz & Colossi, 2013). O alcoolismo afeta todo o funcionamento da família, incluindo as crianças, provocando mudanças nos papeis e relações familiares, causando sofrimento psicológico, podendo induzir a dificuldades financeiras (McCrady & Flanagam, 2021).

As famílias desempenham um papel importante na conceção, elaboração, execução e avaliação de programas sociais, visto que as mudanças dos papéis sociais dos familiares interferem nas políticas públicas, podendo exercer um impacto positivo ou negativo na sociedade (Reinaldo & Pillon, 2007). Os comportamentos familiares podem influenciar o consumo de álcool ou inversamente contribuir para a redução ou suspensão do consumo, favorecendo um funcionamento familiar positivo (McCrady & Flanagam, 2021).

É compreensível que a família não acredite no tratamento e na manutenção da abstinência, dado o estigma do consumo de álcool não ser uma doença e o indivíduo não possuir critica para a doença (Reinaldo & Pillon, 2007). Neste sentido, as estratégias psicoeducativas são apresentadas como intervenções para desmistificarem crenças que favoreçam preconceitos, rótulos e estigmas (Lima & Mângia, 2015; McCrady & Flanagam, 2021).

Os enfermeiros devem ajudar a família a encontrar estratégias para gerirem as suas expetativas, sobre a recuperação do alcoolismo, uma vez que este é um esforço que exige várias intervenções ao longo do ciclo vital, reconstruindo uma nova identidade de quem vivenciou comportamentos aditivos de álcool (Latham, 204). O enfermeiro deve reconhecer a força familiar implícita na mobilização, união e apoio familiar e desempenhar um papel basilar através da consciencialização das famílias e da sociedade, intervindo ativamente para o empoderamento e a promoção da saúde familiar (Latham, 2014; Reinaldo & Pillon, 2007; Zerbetto et al., 2017). A família por vezes só necessita de ferramentas para se capacitar para a resolução do problema (Reinaldo & Pillon, 2007).

Alguns autores defendem que deverá de existir uma abertura para reconhecer os atributos positivos da família, de forma a ter uma abordagem nos pontos fortes, trabalhando a família como funcional ou invés de disfuncional. Neste contexto, é apresentado o modelo australiano de forças da família, que é baseado em oito qualidades: comunicação, união, atividades de compartilhamento, afeto, apoio, aceitação, compromisso e resiliência. A resiliência é descrita como a capacidade de uma família suportar adversidades e superar crises através da coerência e resistência (McCrady & Flanagam, 2021; Usher et al., 2005).

No estudo de Zerbetto et al. (2017), os profissionais de saúde compreenderam que os atributos fundamentais de resiliência familiar, nas dimensões de comunicação, padrões organizacionais e forças familiares, têm in fluência no processo relacional e funcionalidade da família. A comunicação eficiente e assertiva só o é quando deixa de ser agressiva e de confronto, na qual o enfermeiro tem o papel de efetivar a comunicação assertiva na família, levando a que esta expresse de forma calma o problema, permitindo elaborar os diagnósticos e intervenções em conjunto com a mesma (Latham, 2014; McCrady & Flanagam, 2021; Zerbetto et al., 2017). A família ao comunicar abertamente e compartilhando as suas dúvidas, anseios, angústias de manei ra eficaz, clara e objetiva fortalece os laços familiares, refletindo-se no contexto social (Zerbetto et al., 2017).

O enfermeiro deve saber os princípios básicos da avaliação familiar, no entanto quando existem problemas relacionados com o consumo de álcool, tais como ansiedade, depressão, raiva ou incapacidade de lidar com qualquer tipo depressão extra, essa avaliação pode ser comprometida (Latham, 2014). Neste contexto, são apresentadas as estratégias grupais dirigidas às famílias, conforme as suas necessidades, para fortalecer a educação em saúde e promover a aproximação e vínculo entre profissionais e famílias (Lima e Mângia, 2015; McCrady & Flanagam, 2021).

Quando a família tem dificuldades na tomada de decisão, o enfermeiro pode assumir a liderança tendo a família como parceira para conduzir uma negociação familiar, com enfoque nos pontos fortes e dar suporte de forma a manter atitudes perseverantes e encorajadoras das famílias. A liderança pode ser com partilhada, entre os membros da família para não existir sobrecargas emocionais ou físicas de um membro familiar (Zerbetto et al., 2017).

A rede de suporte da comunidade, através dos vínculos com os vizinhos, parentes, amigos, serviços de saúde, organizações re ligiosas, escolares, recreativas e de lazer, entre outras, permite conexões abertas e ativas nas dimensões informativa, emocional, recursos de bens e serviços, e uma inte ração social positiva (Reinaldo & Pillon, 2007; Zerbetto et al., 2017). Para Lima e Mângia (2015) as estratégias de apoio e a ampliação da rede social possibilita a expressão de sentimentos negativos e ambivalentes associados à coabitação diária com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool.

Conclusão

O desenvolvimento da presente RIL evidenciou que as famílias desempenham um papel fundamental na motivação, reconhecimento e apoio da necessidade de mudança para a recuperação do individuo com comportamento aditivo de álcool.

A integração da família no tratamento é uma forma altamente eficaz de maximizar os resultados positivos e facilitar a recuperação e a saúde do individuo e família.

As intervenções dos enfermeiros nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool, identificando as melhores práticas, têm eficácia comprovada. De um modo geral, concluímos que o enfermeiro desempenha um papel basilar na promoção, prevenção e tratamento nas famílias, enquanto foco de cuidados.

A resiliência é um fator determinante para o tratamento, dado que a família perante comportamentos aditivos se reestrutura, reorganiza o seu sistema e aperfeiçoa as suas forças, alcançando recursos internos e externos para a sua superação.

Durante a realização deste artigo a escassez de evidências científicas sobre esta temática foram um obstáculo, contudo motivaram o nosso empenho na sua elaboração.

Deixamos como sugestão a realização de estudos que permitam através dos seus resultados a elaboração de um procedimento que sirva de guia orientador para os enfermeiros intervirem nas famílias com indivíduos com comportamentos aditivos de álcool.

Com o término deste artigo concluímos que objetivo inicialmente proposto foi alcançado, dado que conseguimos efetuar uma sumula das intervenções.

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Recebido: 30 de Junho de 2021; Aceito: 12 de Julho de 2021

Autor Correspondente Mónica dos Santos Silva Rua do Vale 84 - Alcaidaria - Milagres, 84 2415-11 Leiria - Portugal silva.monicadsantos@gmail.com

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