Introdução
O cateterismo venoso periférico (CVP) configura-se na atualidade como um dos procedimentos mais praticados a nível dos cuidados de saúde, sendo indispensável (Braga et al., 2018; Mermel, 2017) para, por exemplo, administração de terapêutica, fluidos, nutrientes e hemoderivados, entre outros. É um procedimento invasivo e como tal não é isento de complicações, com impacto negativo na saúde e bem-estar do doente (Salgueiro-Oliveira et al., 2019). A infiltração, obstrução, flebite e infeção constituem algumas das complicações que levam à substituição do cateter com consequente atraso no tratamento, aumento dos custos e ameaça à qualidade dos cuidados (Ray-Barruel et al., 2019).
De todas as complicações, a flebite representa o evento adverso mais comum (Chang & Peng, 2018; Xu et al., 2017) e grave (Nobre & Martins, 2018) relacionada com o CVP. Caracteriza-se pela inflamação da túnica íntima da veia e é usualmente associada a edema, dor, eritema, cordão fibroso palpável e febre (Lv & Zhang, 2020; Nobre & Martins, 2018). Pode ser classificada de acordo com a sua etiologia em: mecânica, relacionada com tamanho e características do material do CVP, localização e incorreta fixação; química, relacionada com as características das soluções e fármacos a infundir; e por fim, bacteriana, relacionada com a má técnica de inserção e cateterizações prolongadas (Chang & Peng, 2018).
No que concerne à infeção nosocomial da corrente sanguínea (INCS) relacionada com o cateterismo, esta representa uma das infeções associadas aos cuidados de saúde mais frequente, associada a taxas significativas de morbilidade e mortalidade, aumento dos custos hospitalares e prolongamento dos internamentos. A sua incidência é duas a 64 vezes maior nos cateteres venosos centrais do que nos CVP (Mermel, 2017). Contudo, e dado o elevado número de doentes com CVP, a INCS relacionada com o CVP, não deve ser desvalorizada, dado representarem 19% das INCS e 23,5% das bacteriémias por Staphylococcus aureus (Fernando et al., 2018).
Face ao exposto depreende-se que é premente a adoção de medidas que minimizem estas consequências e centros de referência, como o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), elaboraram um conjunto de guidelines (divulgadas em 2002 e atualizadas em 2017), para a prevenção da infeção relacionada com cateteres intravasculares. A troca do CVP a cada 72h ou 96h por forma a diminuir o risco de infeção ou flebite em adultos, constituiu uma dessas guidelines (O'Grady et al., 2017). Também ela defendida na revisão sistemática de Mermel (2017), baseada em estudos que revelam consistentemente que há um aumento da colonização bacteriana e aumento do risco de INCS, nos CVP que permanecem por mais de 3 dias. Lv & Zhang (2020), corroboram esta troca, concluindo na sua meta-análise que tempos de permanência longos são fatores de risco para o desenvolvimento de flebites.
No entanto, esta medida não é consensual na comunidade científica. Vários estudos apontam que a troca do CVP por rotina é tida como uma medida desnecessária e sem benefícios, aumentando inclusivamente os custos (Rickard et al., 2012; Rickard et al., 2010; Webster et al., 2007). Nesse sentido, as organizações de saúde, devem mudar as suas políticas e esta troca deverá apenas ocorrer quando clinicamente indicado (obstrução, infiltração e sinais de infeção). Esta mudança conduzirá a uma redução efetiva de custos e uma mais-valia para os doentes, que serão poupados do desconforto da troca do CVP por rotina (Webster et al., 2019). Também, as guidelines da Intravenous Nurses Society, corroboram que a substituição dos CVP deve ocorrer apenas quando clinicamente indicado, tendo por base a avaliação do local de inserção e/ou sinais e sintomas de complicações sistémicas, como sendo: qualquer nível de dor/sensibilidade com ou sem palpação; alterações na cor (eritema ou branqueamento); alteração da temperatura da pele; edema; tumefação; extravasamento de fluido ou saída de conteúdo purulento pelo local de inserção; outro tipo de disfunção, como por exemplo, resistência na administração de fluidos. Constituem exceção, cateteres colocados em condições subótimas de assepsia (por exemplo: urgência e emergência), que deverão ser removidos e substituídos, o mais rapidamente possível, dentro de 24-48 horas (Gorski et al., 2021).
Uma pesquisa preliminar na Cochrane Database for Systematic Reviews, JBI Evidence Synthesis e PROSPERO revelou apenas a existência de uma revisão sistemática (Webster et al., 2019) mas que apresentava como limitação o facto de apenas incluir ensaios clínicos randomizados e controlados. Também na PROSPERO existia um registo (Zhang, 2020) que partilhava a mesma limitação. Assim, e porque existe fundamento para a realização de uma revisão sistemática, foi definido como questão de investigação: “Qual é o efeito da substituição de cateteres venosos periféricos quando clinicamente indicado, em comparação com a substituição por rotina?”. Como objetivo pretende-se avaliar os efeitos da substituição de cateteres venosos periféricos quando clinicamente indicado em comparação com a substituição por rotina.
1. Métodos
A revisão sistemática seguiu o método proposto pela Joanna Briggs Institute (Tufanaru et al., 2017) e foi redigida de acordo com o Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses (PRISMA) (Page et al., 2021).
O protocolo da revisão foi realizado e seguido pelos autores embora não tenha sido publicado e/ ou registado. Contudo, o mesmo pode ser providenciado mediante pedido.
A pesquisa foi realizada do dia 26 a 28 de fevereiro de 2021 nas seguintes bases de dados: PubMed, Cochrane Library, Embase, CINAHL Complete (via EBSCO), Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP) e OpenGrey. Apenas foram incluídos estudos em Português, Inglês, Francês e Espanhol sem limite de data de publicação. A estratégia de pesquisa aplicada à Pubmed foi: “Search: ((((("catheterization, peripheral"[MeSH Terms]) OR ("infusions, intravenous"[MeSH Terms])) OR (catheter*[Title/Abstract])) OR (cannul*[Title/Abstract])) AND ((((((("device removal"[MeSH Terms]) OR (remov*[Title/Abstract])) OR (replace*[Title/Abstract]))) OR (change[Title/Abstract])) AND (routine[Title/Abstract])) OR (clinically-indicat*[Title/Abstract]))) AND (((("phlebitis"[MeSH Terms]) OR ("infections"[MeSH Terms]) OR (infect*[Title/Abstract])) OR (phlebit*[Title/Abstract])) OR (catheter-associated blood stream infection[Title/Abstract])) Filters: English, French, Portuguese, Spanish”. Para as restantes bases de dados esta estratégia foi adaptada aos léxicos específicos.
Posteriormente à realização da pesquisa, todas as citações identificadas foram transferidas para o Endnote V7.7.1 (Clarivate Analytics, PA, EUA) e os duplicados removidos. Para avaliar a sua elegibilidade, os títulos e resumos foram analisados por dois revisores independentes (MJE e ES). Na ausência de consenso foi incluído um terceiro revisor (AD) como critério de desempate. O Endnote V7.7.1 também foi utilizado como ferramenta de registo do cegamento dos revisores. Após a remoção dos duplicados, a biblioteca dos artigos foi distribuída pelos revisores para seleção independente, e após esse procedimento, as bibliotecas foram reconciliadas para análise da concordância da seleção.
De seguida, foram definidos e aplicados rigorosos critérios de inclusão (Quadro 1).
Critérios de Inclusão | |
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Participantes | Idade superior a 18 anos; possuir CVP para a administração de terapêutica intermitente ou contínua; doentes em regime de internamento. |
Intervenções | Substituição de CVP apenas por indicação clínica; todos os CVP foram incluídos independentemente do tipo de material que os constitui; a substituição do CVP por rotina comparada com substituição do CVP por indicação clínica foi avaliada para todas as durações de tempo; foram excluídos outros cateteres que não periféricos (exemplo, centrais, centrais inseridos perifericamente, entre outros). |
Comparações | Substituição do CVP por rotina. |
Outcomes | Flebite; infeção da corrente sanguínea relacionada com o cateter. |
Desenho | Estudos experimentais e quasi-experimentais; RCT; estudos comparativos. |
A apreciação crítica da qualidade dos estudos foi realizada por dois investigadores independentes (MJE e ES), através do instrumento da colaboração Cochrane, “Cochrane Risk of Bias Tool”, no caso dos ensaios clínicos randomizados e controlados e o instrumento da Joanna Briggs Institute “JBI Critical Appraisal Checklist for Quasi-Experimental Studies”, no caso do estudo Quase-Experimental. Na ausência de consenso foi incluído um terceiro revisor (AD) como critério de desempate. Após a avaliação crítica, todos os estudos foram incluídos independentemente dos resultados. Não se optou pela aplicação de cut-offs de inclusão. Os resultados da avaliação crítica foram considerados na síntese narrativa e relatados sob a forma de tabelas.
Os dados também foram extraídos por dois revisores independentes (MJE e ES) e foi utilizado um instrumento de colheita de dados construído pelos autores para minimizar o risco de viés e que incluía as características do estudo, dos participantes, das intervenções os outcomes e respetivos resultados. A presença de desacordo entre os revisores foi resolvida com a inclusão de um terceiro revisor (AD). Os resultados foram agrupados numa tabela e objeto de síntese narrativa.
Por fim, foram realizadas meta-análises binárias através do programa Review Manager 5.4.1. e do OpenMeta[Analyst] para os outcomes flebite e infeção da corrente sanguínea relacionada com o CVP. As dimensões dos efeitos foram expressos em riscos relativos e os seus intervalos de confiança de 95% foram calculados através do método de Mantel-Haenszel. A heterogeneidade foi avaliada pelos testes do qui-quadrado e I 2. As análises estatísticas incluíram os modelos de efeitos aleatórios apenas na presença de heterogeneidade moderada a elevada (I 2>50%) e, na sua ausência, modelos de efeitos fixos (Santos, & Cunha, 2013).
2. Resultados
Após a identificação dos estudos excluíram-se 586 por serem duplicados. Dos 3287 potencialmente relevantes, 3254 foram excluídos após leitura do título e resumo, ficando 33 estudos para leitura de texto integral. Posteriormente foram aplicados os critérios de inclusão definidos previamente, tendo-se selecionado sete estudos para inclusão. Em todas as fases da seleção de estudos verificou-se consenso entre os dois revisores. Não houve necessidade de recorrer ao terceiro revisor. Adicionalmente foram incluídos dois estudos provenientes das referências bibliográficas dos estudos analisados em texto integral, mas que cumpriram todos os critérios previamente definidos (Figura 1).
Dos nove estudos selecionados para o corpus deste estudo, oito são RCT e um é um estudo Quase Experimental. Da avaliação da qualidade metodológica, verificou-se que dos RCT incluídos, de um modo geral, fez-se uso da randomização no processo de seleção, o que permitiu controlar as diferenças dos participantes alocados a cada um dos grupos em estudo, utilizando-se métodos como: envelopes fechados (Barker et al., 2014); números aleatórios gerados por computador (Vendramim et al., 2020; Rickard et al., 2012; Rickard et al., 2010; Webster et al., 2008; Webster et al., 2007) e lançamento de moeda (Xu et al., 2017). O viés de seleção foi também minimizado pelo facto de em todos os estudos, ter sido ocultada a alocação. No que ao viés de desempenho e deteção diz respeito, os revisores verificaram que todos os estudos eram estudos não cegos, ou seja, não foi ocultado nem aos participantes, nem aos avaliadores o tipo de intervenção. Este elevado risco de viés prende-se com o facto de não ser possível ocultar aos participantes e aos avaliadores, a intervenção a que cada um está a ser sujeito. Contudo, tal como referido por Apóstolo (2017), não poderão estes estudos ser considerados como de baixa qualidade por este facto, dada a impraticabilidade da ocultação, devido à natureza da intervenção, mas logicamente não estarão livres de viés pelo facto de os participantes terem conhecimento da intervenção a que estão sujeitos. Dos estudos selecionados não se verificaram perdas de amostra desde a randomização à avaliação de follow-up, o que lhes confere um baixo risco de viés de atrito, para além de que, em praticamente todos os estudos (Vendramim et al., 2020; Xu et al., 2017; Rickard et al., 2012; Rickard et al., 2010; Webster et al., 2008; Webster et al., 2007), procederam à análise Intention-To-Treat (ITT). A Figura 2 apresentamos análise crítica/ risco de viés dos RCT.
Da análise do estudo quase-experimental, verificamos que obteve seis respostas positivas, com a questão relativa aos cuidados que foram prestados aos participantes nos dois grupos, para além da intervenção de interesse a não serem claramente explicitados, bem como, a não ficar clara a realização de várias avaliações de resultados no pré e pós-intervenção e se essas avaliações foram comparadas tendo sido medidas da mesma forma.
As características e especificações dos estudos incluídos foram agregadas e incluídas no Quadro 2.
Autores/Ano/País | Tipo Estudo/Participantes | Intervenções | Outcome/Resultados | Conclusões | |
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Controlo | Experimental | ||||
Barker et al., 2004 (Reino Unido) | RCT / n=47 adultos com necessidade de terapia endovenosa exceto nutrição parentérica | Troca apenas se dor, sinais de tromboflebite, cateter não funcionante (26 participantes) | Troca eletiva de 48/48h. Apenas 2 tentativas de cateterização. (21 participantes) | Tromboflebite: Rotina: 1/21 Indicação Clínica: 11/26 | A troca por rotina resulta numa redução da incidência da flebite. É uma prática recomendada para todos os doentes que necessitam de terapia endovenosa. |
Nishanth et al.,2009 (Índia) | RCT / n= 42 adultos admitidos para cirurgia abdominal major, que não necessitam de nutrição parentérica, terapia endovenosa menos de 3 dias | Substituição apenas se dor, sinais de tromboflebite, cateter não funcionante (21 participantes) | Troca eletiva de 48/48h. 21 participantes | Tromboflebite: Rotina: 2/21 Indicação Clínica: 21/21 | A troca por rotina resulta numa redução da incidência da tromboflebite. É uma prática recomendada para todos os doentes que necessitam de terapia endovenosa. |
Rickard et al., 2012 (Austrália) | RCT / n= 3283 adultos com cateter venoso periférico mais de quatro dias, que não possuam uma infeção da corrente sanguínea, nem tenha sido colocado na urgência. | Substituição se completa a terapia; flebite; infiltração; oclusão; substituição acidental ou suspeita de infeção (1593 participantes) | Troca eletiva de 3/3 dias (1690 participantes) | Flebite: Rotina: 114/1690 Indicação Clínica: 114/1593 Infeção da corrente sanguínea: Rotina: 1/1690 Indicação Clínica: 0/1593 | Não existe benefício na troca por rotina em relação à diminuição da flebite ou infeção da corrente sanguínea. A troca por indicação clínica é segura. Os cateteres devem ser removidos por indicação clínica. |
Vendramim et al., 2020 (Brasil) | RCT / n=1319 adultos com cateter venoso periférico por mais de 96h, que não tenham diagnosticada infeção da corrente sanguínea ou sépsis. | Substituição se completa a terapia; se dor ou desconforto; evidência de flebite; infiltração; oclusão; substituição acidental ou suspeita de infeção da corrente sanguínea (672 participantes) | Troca eletiva de 96/96h (647 participantes) | Flebite: Rotina: 64/647 Indicação Clínica: 55/672 Infeção da corrente sanguínea: Rotina: 0/647 Indicação Clínica:0/672 | Doentes com cateteres venosos periféricos removidos por indicação clínica apresentam menos episódios de flebite do que aqueles em que a troca ocorreu por rotina. A severidade da flebite é similar entre os dois grupos e dor e infiltração estão mais associados a cateteres removidos por indicação clínica. |
Xu et al.,2017 (China) | RCT / n= 1198 adultos com cateter venoso periférico por mais de três dias sem infeção da corrente sanguínea, sem terapia imunossupressora, nutrição parentérica e cateteres colocados na emergência ou noutro hospital | Troca eletiva a cada 3 dias (645 participantes) | Troca por indicação clínica (redução ou cessão do ritmo de perfusão; infiltração; eritema ou sensibilidade no redor do local de inserção; desconforto referido pelo doente; suspeita de infeção ou substituição do cateter). (553 participantes) | Flebite: Rotina: 77/645 Indicação Clínica: 76/553 Infeção da corrente sanguínea: Rotina: 0/645 Indicação Clínica: 0/553 | A troca por rotina não reduz o risco de flebite e de outras complicações associadas à cateterização, por sua vez, aumenta o desconforto do doente e a carga de trabalho dos enfermeiros. |
Rickard et al., 2010 (Austrália) | RCT / n=362 adultos com cateter venoso periférico mais de quatro dias, que não tenham diagnosticada nenhuma infeção da corrente sanguínea, ou estejam em unidades pediátricas, cirurgia de ambulatório, psiquiatria, obstetrícia, cuidados intensivos, diálise | Substituição se cateter falhar; ocorrer flebite e o tratamento endovenoso ainda seja necessário (185 participantes) | Troca eletiva de 3/3 dias (177 participantes) | Flebite: Rotina: 12/177 Indicação Clínica: 18/185 Infeção da corrente sanguínea: Rotina: 0/177 Indicação Clínica: 0/185 | A troca por rotina envolve dor ao doente, tempo dos profissionais, custos com equipamentos, desperdício ambiental. A troca de cateter eletivamente é uma prática inefetiva e poderá ser substituída pela troca por indicação clínica. A troca por rotina aumenta os custos de saúde, o desconforto dos doentes, mas não reduz as complicações da cateterização. |
Webster et al., 2007 (Austrália) | RCT / n=206 adultos com cateter venoso periférico mais de 4 dias que não tenham diagnosticada nenhuma infeção da corrente sanguínea ou sujeitos a terapia imunossupressora | Troca a cada 3 dias (103 participantes) | Troca se clinicamente indicado (103 participantes) | Flebite: Rotina: 2/103 Indicação Clínica: 1/103 Infeção da corrente sanguínea: Rotina: 0/103 Indicação Clínica: 0/103 | O risco de um efeito adverso relacionado com o cateterismo periférico não é afetado pela troca dos cateteres apenas por rotina e os custos diminuídos consideravelmente. |
Webster et al., 2008 (Austrália) | RCT / n=755 participantes com idade ≥18 anos, sem bacteriémia, sem terapia imunossupressora e em quem seja esperado ou programado um cateter venoso periférico por mais de 4 dias. | Troca por rotina a cada 3 dias (376participantes) | Troca se indicação clínica: flebite, infiltração, febre inexplicada (379 participantes) | Flebite: Rotina: 12/376 Indicação Clínica: 16/379 Infeção da corrente sanguínea: Rotina: 1/376 Indicação Clínica: 1/379 | A troca de cateteres venosos periféricos quando clinicamente indicado não têm efeito na incidência de falha dos mesmos, baseado num outcome composto por flebite ou infiltração. |
Maier, 2019 (Estados Unidos da América) | Quasi-experimental / n= 133 adultos com cateter internados por mais de quatro dias numa unidade cuidados intensivos, serviço de pneumologia e serviço médico-cirúrgico e o cateter periférico não tenha sido colocado no serviço de urgência ou no pré-hospitalar | Troca a cada 72 a 96h (67 participantes) | Troca se o cateter apresentar Visual Infusion Phlebitis superior a dois (66 participantes) | Flebite: Rotina: 1/67 Indicação Clínica: 0/66 | Uma avaliação cuidadosa dos cateteres venosos periféricos, permitirá estender o tempo de permanência do mesmo para além das 72 a 96h recomendadas, aumentando a satisfação quer dos profissionais, quer dos pacientes, bem como o desperdício. |
Meta-análise
As meta-análises binárias foram realizadas para os outcomes“flebite” e “infeção da corrente sanguínea relacionada com o cateter” e contaram com uma amostra de 7212 e 7123 doentes respetivamente. Os resultados por outcome são apresentados na figura 3.
Para o outcome flebite, os resultados da meta-análise permitem inferir que o risco relativo (RR) de desenvolver flebite ao efetuar a troca do CVP por indicação clínica quando comparada com a troca por rotina, foi de 1,31 (IC95%=0,93-1,84). Da análise geral, como o resultado combinado da meta-análise toca a linha vertical, não existem diferenças significativas entre os grupos (p=0,13). Os estudos apresentam uma heterogeneidade moderada (I 2=66%).
Em relação ao outcome infeção da corrente sanguínea relacionada com o cateter podemos inferir que o resultado da meta-análise também não é significativo (p=0,997) e o RR foi de 0,82 (IC95%=0,20-3,4) sugerindo que não existe vantagem entre a troca por rotina sobre a troca por indicação clínica. Os estudos são homogéneos (I 2=0%).
3. Discussão
A periodicidade de troca dos CVP constituiu o ponto de partida para esta revisão sistemática e pretendemos avaliar se essa troca deve ocorrer apenas por indicação clínica, ou se por outro lado, deve ser realizada sistematicamente em intervalos definidos.
Vários estudos apontam que a troca dos CVP deve ocorrer de forma rotineira (Maier, 2009; Barker et al., 2004). Esta “escolha” da troca eletiva do cateter é apresentada como sendo uma estratégia para a redução significativa da incidência de tromboflebites. Uma complicação que segundo Nishanth et al. (2009), não deve ser desvalorizada e que exige que se realizem todos os esforços para que seja evitada e a sua severidade reduzida, dados os efeitos devastadores que lhe estão associados. Barker et al. (2004) reforçam ainda que a troca por rotina não corresponderá a um aumento do número total de cateteres necessários, também este um aspeto a favor da troca por rotina. De salientar, no entanto, que estes foram os únicos estudos a favor da troca por rotina e que se tratam de estudos com uma amostra pequena, com 47 e 42 participantes respetivamente.
Por outro lado, vários estudos apontam que a troca do CVP apenas quando clinicamente indicado, não representa um aumento da incidência de flebite, nem do risco de infeção da corrente sanguínea, sendo considerada uma prática segura (Vendramim et al., 2020; Xu et al., 2017; Rickard et al., 2012). Para além disso, a inserção de um cateter representa um procedimento doloroso, exigindo a perfuração da pele, tecidos e veia com uma agulha pelo menos uma vez ou mais, no caso de inserção difícil (Rickard et al., 2012). Adicionalmente outros estudos acrescentam que o aumento do tempo de permanência do CVP não influência a severidade da flebite (Vendramim et al., 2020) e que a permanência do CVP, enquanto funcionante e sem sinais de flebite, infiltração, oclusão, remoção acidental, ou infeções, conduzirá a uma diminuição do dano vascular, com consequente diminuição na dificuldade de punção (Xu et al., 2017).
A troca por rotina não é, portanto, uma intervenção efetiva e a permanência do CVP enquanto funcionante e necessário é seguro, sobretudo se pensarmos que a troca por rotina envolve dor para o doente, mais tempo dispensado pela equipa de saúde, mais gastos com equipamentos e mais desperdício ambiental (Rickard et al., 2010). O risco de complicações não é afetado quando a troca do CVP ocorre por indicação clínica e a redução dos custos deverá ser tida em consideração (Webster et al., 2007), ainda que não tenha sido alvo de estudo nesta revisão.
Da troca por rotina, concluiu-se igualmente que é mais propensa a quebras de protocolo (Vendramim et al., 2020; Xu et al., 2017; Rickard et al., 2012), justificada por: tratamento para completar em breve; acessos vasculares difíceis e carga de trabalho excessiva dos profissionais de saúde. Por outras palavras, a condição do doente e suas necessidades, deverão ser consideradas, na decisão da troca do CVP (Vendramim et al., 2020). Nesse sentido, prolongar o tempo de permanência do CVP, não justificará um aumento do risco (Vendramim et al., 2020), sendo seguro remover o mesmo apenas com o surgimento de uma indicação clínica (Xu et al., 2017). Para Vendramim et al. (2020), o risco poderá aumentar por práticas inadequadas de inserção e manutenção. O que implicará, tal como referido por Rickard et al. (2010), uma avaliação diária do CVP, bem como uma revisão diária da necessidade de manter o cateter. Nesse sentido, o CVP deve ser retirado tão breve quanto possível porque o risco só se anula se não existir cateter.
Em defesa destas evidências apuradas, salientamos que os nossos resultados da meta-análise são consistentes e corroboram o anteriormente exposto, revelando que não existem diferenças significativas entre a troca por indicação clínica e a troca por rotina, quer em relação ao outcome flebite, ou à infeção da corrente sanguínea relacionada com o CVP.
Também os resultados isolados do estudo quase experimental de Maier (2019), vão ao encontro aos resultados obtidos nos RCTs, defendendo que com uma cuidadosa observação dos CVP, estes poderão permanecer mais tempo do que as 72-96h, sem prejuízos nas taxas de flebite. Limitar o número de punções representará um aumento na satisfação dos doentes e profissionais e diminuirá os desperdícios. Os autores acrescentam ainda que o uso de uma ferramenta de avaliação objetiva, ao invés do julgamento clínico, ajudará na decisão clínica da troca do CVP.
Como pontos fortes desta revisão salientamos os seus rigorosos critérios de inclusão, a seleção de estudos de qualidade e a rigorosa extração e síntese de dados. Ainda assim, a revisão é alvo de algumas limitações das quais destacamos os idiomas selecionados que poderão ter levado à exclusão de estudos relevantes.
Conclusão
Concluímos que não existe evidência de que a troca por rotina de CVP quando comparada com a substituição por motivo clínico diminua as taxas de flebite e de infeção da corrente sanguínea. Nesse sentido, a troca por indicação clínica representa uma prática segura e sem aumento dos riscos de complicações associadas ao cateterismo periférico.
Como implicações para a prática sugerimos que uma vez que não existem diferenças estatisticamente significativas entre a troca por indicação clínica e a troca por rotina, os profissionais de saúde poderão alterar as suas práticas e passarem a trocar os CVP apenas perante uma indicação clínica. Ainda assim esta prática deve ser complementada com a monitorização dos sinais de flebite e outros, e se possível integrarem um procedimento normalizado e/ou protocolo.
Como implicações para a investigação é recomendado que sejam realizados mais estudos primários sobre o tema, em particular estudos observacionais, com vista a analisar a aplicação das intervenções em ambiente “real” e não apenas experimental. Posteriormente esta revisão sistemática deve ser atualizada.