Introdução
A sépsis e o choque sético constituem grandes problemas de saúde afetando milhões de pessoas anualmente sendo emergente a sua identificação precoce e o tratamento apropriado nas primeiras horas, tendo como objetivo principal a melhoria dos resultados (Rhodes et al., 2017). A Surviving Sepsis Campaign delineou várias diretrizes que sintetizaram uma abordagem que impulsiona e direciona o tratamento ao doente com sépsis e choque sético. Ressalva-se que, apesar de serem um grande suporte, nada substitui o “verdadeiro” juízo clínico, tornando-se assim necessário o desenvolvimento de protocolos ou guidelines que permitam o reconhecimento precoce e o início de um tratamento adequado e mais dirigido, sobretudo nas primeiras horas (Rhodes et al., 2017).
Foi em 1991 que se estabeleceu a primeira definição de sépsis, sendo esta considerada um síndrome de resposta inflamatória sistémica à presença de infeção por parte do hospedeiro. Uma sépsis complicada por uma disfunção de órgão, denominou-se de sépsis severa tendo maiores probabilidades de evolução para choque sético, ou seja, uma hipotensão refratária a volume induzida pela sépsis (Bone et al., 1992).
Em 2012 ocorreu a segunda reestruturação das definições, sendo sépsis considerada um síndrome de resposta inflamatória sistémica (SIRS) associada à infeção, com ≥ 2 critérios de SIRS. Constituem critérios de SIRS: febre (> 38ºC) ou hipotermia (< 36ºC), frequência cardíaca > 100 batimentos por minuto, frequência respiratória > 22 ciclos por minuto ou pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial (PaCO2) < 32 mmHg e contagem de leucócitos > 12000 ou < 4000 ou >10% de formas imaturas. A sépsis severa era considerada quando existia pelo menos uma disfunção de órgão e choque sético na presença de hipotensão refratária a volume (Singer et al., 2016).
Mais recentemente, as definições de sépsis e choque sético foram revistas em 2016. A sépsis passou a ser tida como uma resposta do organismo desregulada, devida à presença de disfunção de um ou mais órgãos. Se esta condição não se verificar estamos apenas na presença de infeção. Assim, a sépsis é definida como uma “disfunção de órgãos causada pela resposta desregulada à infeção, sendo um aumento de ≥ 2 pontos no SOFA (Sequential Organ Failure Assessment) que se associa a 10% de aumento da mortalidade hospitalar”. O choque séptico é “um subgrupo da sépsis com alterações circulatórias, celulares e metabólicas particularmente profundas com risco de morte maior do que o da sépsis, reconhecendo-se pela necessidade de vasopressores para obter pressão arterial média (PAM) ≥ 65 mmHg e lactato sérico > 2 mmol/L (> 18 mg/dl) na ausência de hipovolémia e tem mortalidade > 40%” (Singer et al., 2016, p.805). Esta nova definição pretende distinguir uma sépsis de uma infeção não complicada, e ainda assim facilitar o seu reconhecimento precoce e um tratamento mais eficaz e dirigido em doentes com sépsis ou em risco de a desenvolver (Singer et al., 2016).
Face às novas definições, tem existido consenso de que o diagnóstico da sépsis é conduzido para fases mais tardias, tornando-se premente a adoção de estratégias em conformidade (Carneiro, Andrade-Gomes, & Póvoa, 2016). A sépsis e choque sético são emergências médicas e é importante que o tratamento e a ressuscitação hídrica comecem imediatamente. Recomenda-se ainda que a administração de antimicrobianos via endovenosa seja iniciada o mais rápido possível após o reconhecimento e dentro de 1 hora para sépsis e choque sético (Rhodes et al., 2017). Neste âmbito, o estudo realizado por Peltan et al. (2019) demonstrou-se que, a cada hora de atraso no tempo entre a entrada do doente na urgência e a administração do antibiótico, aumentava em 10% a taxa de mortalidade em um ano. Adicionalmente apontou que se houvesse uma diminuição do tempo médio para 1 hora e 30 minutos, poderia ser prevenida 1 morte em cada 61 doentes.
Em outro estudo, constatou-se que os serviços de urgência não conseguiam realizar procedimentos essenciais nos tempos adequados para o diagnóstico precoce da sépsis, resultando num atraso na administração dos antibióticos em 159 minutos. Os autores sugerem assim que os hospitais adotem programas de melhoria de desempenho, nomeadamente na realização da triagem de prioridades (Husabø et el., 2019).
Como a evidência nesta área se encontra dispersa procurámos sintetizar o impacto da utilização de protocolos de atuação em serviços de urgência. Assim, definiu-se como questão de investigação: “Qual o impacto da utilização de protocolos de atuação em serviços de urgência na abordagem ao doente com sépsis?” e como objetivo descrever o impacto da utilização de protocolos de atuação em serviços de urgência na abordagem ao doente com sépsis em relação à redução do tempo até à toma do primeiro antibiótico e mortalidade.
Previamente ao início da revisão foi realizada uma pesquisa preliminar no dia 5 de março de 2021 na JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, Cochrane Database of Systematic Reviews, PROSPERO e PubMed revelou que não havia nenhuma outra revisão sistemática publicada ou em curso.
1. Métodos
A revisão sistemática seguiu o método da Joanna Briggs Institute (Tufanaru et al., 2017) e foi redigida de acordo com o Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses (PRISMA) (Page et al., 2021).
O protocolo da revisão foi realizado e seguido pelos autores embora não tenha sido publicado e/ou registado. Contudo, o mesmo pode ser enviado mediante pedido.
A pesquisa foi realizada no dia 6 de março de 2021 nas plataformas Cochrane Library e PubMed; e no dia 7 de março de 2021 nas plataformas Embase, CINAHL complete (Via EBSCO), OpenGey e RCAAP - Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal. Foram incluídos estudos em Português, Inglês, Francês e Espanhol com datas de publicação de 1 de janeiro de 2001 a 31 de janeiro de 2021. A justificação deste intervalo temporal é devido ao facto da abrangência das definições de Sépsis-2 e Sépsis-3 (Rhodes et al., 2017).
A estratégia de pesquisa aplicada à Pubmed foi: “Search: (((((((("systemic inflammatory response syndrome"[MeSH Terms]) OR ("sepsis"[MeSH Terms])) OR ("shock, septic"[MeSH Terms])) OR (SIRS[Title/Abstract])) OR (Systemic Inflammatory Response Syndrome[Title/Abstract])) OR (Sepsis*[Title/Abstract])) AND ((((("clinical protocols"[MeSH Terms]) OR ("guidelines as topic"[MeSH Terms])) OR (Protocol*[Title/Abstract])) OR (Guideline*[Title/Abstract])))) AND ((((("antibiotics, antitubercular"[MeSH Terms]) OR ("mortality"[MeSH Terms])) OR ("time factors"[MeSH Terms]) OR (Antibiot*[Title/Abstract])) OR (Mortalit*[Title/Abstract])) OR (Time*[Title/Abstract]))) AND (("emergency service, hospital"[MeSH Terms]) OR (Emergenc*[Title/Abstract])) Filters: English, French, Portuguese, Spanish, from 2001/1/1 - 3000/12/12”. Nas restantes bases de dados esta estratégia foi adaptada aos léxicos específicos.
Após a pesquisa, todas as citações identificadas foram transferidas para o Endnote V7.7.1 (Clarivate Analytics, PA, EUA) e os duplicados removidos. Para avaliar a sua elegibilidade, os títulos e resumos foram analisados por dois revisores independentes (CF e ES). Na ausência de consenso foi incluído um terceiro revisor (AD) como critério de desempate. Endnote V7.7.1 também foi utilizado como ferramenta de registo do cegamento dos revisores. Após a remoção dos duplicados, a biblioteca dos artigos foi distribuída pelos revisores para seleção independente e após esse procedimento as bibliotecas foram reconciliadas para análise da concordância da seleção.
Foram considerados os seguintes critérios de inclusão:
Participantes: adultos com idade ≥ 18 anos que dão entrada no Serviço de Urgência polivalentes, com pelo menos um destes critérios de suspeita ou diagnóstico de SIRS, sépsis, sépsis severa ou choque sético;
Intervenções: apenas estudos que incluam protocolos de atuação na abordagem ao doente com sépsis (protocolos propriamente ditos, via verde, guidelines, entre outros);
Comparador: cuidado padrão, sem utilização de protocolos de atuação na abordagem ao doente com sépsis;
Outcome: estudos que tratem pelo menos um dos seguintes critérios - tempo até à administração do primeiro antibiótico ou mortalidade;
Contexto: apenas serviços de urgência polivalentes;
Desenho: estudos quantitativos - coorte, quasi-experimentais e experimentais.
A avaliação da qualidade dos estudos foi realizada por dois revisores independentes (CF e ES) através dos instrumentos da Joanna Briggs Institute “JBI Critical Appraisal Checklist for Quasi-Experimental Studies”, “JBI Critical Appraisal Checklist for Cohort Studies” e “JBI Critical Appraisal Checklist for Randomized Controlled Trials” (Tufanaru et al., 2017). Na ausência de consenso foi incluído um terceiro revisor (AD) como critério de desempate. Após a avaliação crítica, todos os estudos foram incluídos independentemente dos resultados. No entanto, os resultados da avaliação crítica foram considerados na síntese narrativa e relatados sob a forma de tabelas.
Os dados foram extraídos por dois revisores independentes (CF e ES) e foi utilizado um instrumento de colheita de dados construído pelos autores para minimizar o risco de viés. A presença de desacordo entre os revisores foi resolvida com a inclusão de um terceiro revisor (AD). Os resultados foram agrupados numa tabela e objeto de síntese narrativa.
Por fim, foram realizadas meta-análises através do programa Review Manager 5.4.1. As dimensões dos efeitos foram expressas em diferenças de médias (para dados contínuos) ou em riscos relativos (para dados dicotómicos) e os seus intervalos de confiança de 95% foram calculados através do método do inverso da variância ou do método de Mantel-Haenszel. A heterogeneidade foi avaliada pelos testes do qui-quadrado e I 2. As análises estatísticas incluíram os modelos de efeitos aleatórios apenas na presença de heterogeneidade moderada a elevada (I 2>50%) e, na sua ausência, modelos de efeitos fixos (Santos & Cunha, 2013).
2. Resultados
Após a identificação dos estudos e da aplicação da metodologia referida anteriormente apenas 7 estudos foram selecionados para o corpus da revisão. O processo de seleção dos estudos encontra-se representado no flowchart (Figura 1).
Os resultados da avaliação crítica encontram-se sumariados na Tabela 1.
Estudos | Q1 | Q2 | Q3 | Q4 | Q5 | Q6 | Q7 | Q8 | Q9 | Q10 | Q11 | Q12 | Q13 |
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Song et al., 2019 | S | S | S | S | S | S | S | S | S | --- | --- | --- | --- |
Tse et al., 2017 | S | S | S | S | S | S | S | S | S | --- | --- | --- | --- |
McColl et al., 2016 | S | S | S | S | S | S | S | S | S | --- | --- | --- | --- |
Delawder & Hulton, 2019 | S | S | S | S | S | S | S | S | S | --- | --- | --- | --- |
Francis et al., 2009 | S | S | S | S | S | NA | S | S | S | NA | S | --- | --- |
El Khuri et al.,2019 | S | S | S | S | NA | NA | S | S | S | NA | S | --- | --- |
ARISE & ANZICS, 2014 | S | S | S | NA | NA | NA | S | S | S | S | S | S | S |
Respostas: S - Sim; N- Não; NA - Não aplicável ou incerto; U - Não esclarecido.
As características e especificações dos estudos incluídos foram agregadas e incluídas nas Tabelas 2 e 3.
Estudo, ano, país, tipo de estudo | Participantes/ Contexto | Intervenção/ Protocolo | Outcomes | Resultados (antes e após protocolo) |
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El Khuri et al.,2019, Líbano Coorte | Adultos ≥ 18 anos admitidos no serviço de urgência com critérios de sépsis severa ou choque sético. | Protocolo desenvolvido pelo hospital baseado no protocolo original EGDT. Tem como objetivos principais o início da antibioterapia após colheita de hemoculturas, na 1ªh após ativação do protocolo e até 3h desde a entrada e alcançar um débito urinário ≥ 0,5ml/kg/h e PAM ≥ 65 mmHg nas primeiras 6 horas. | *Mortalidade até 28 dias *Tempo até administração de antibiótico | *O tempo médio de administração de antibióticos: 2,8 ± 2,6h vs 2,0 ± 3,6h, (p=0,054). *Mortalidade durante a permanência no hospital: 47,6% vs 31,7% (p=0.006) |
Francis et al., 2009, Canadá Coorte | Adultos ≥ 18 anos com critérios de sépsis severa | Protocolo desenvolvido para uma triagem de reconhecimento precoce, um atendimento em tempo útil, assim como um conjunto de intervenções diagnósticas e terapêuticas adequadas. Pode ser ativado em qualquer momento. Sessões de formação foram realizadas junto dos profissionais. | *Tempo médio até à administração do antibiótico *Comparação com as guidelines da SSC relativamente ao tempo para administração de antibiótico na sépsis, bem como a antibioterapia empírica inicial. | *Tempo até à administração do antibiótico (163 min vs 79 min, (p<0,001). *Doentes que receberam Antibiótico até 1 h conforme a SSC após protocolo subiu de 24,3% para 38,5% (p=0,043) |
Estudo, ano, país, tipo de estudo | Participantes/ Contexto | Intervenção/ Protocolo | Outcomes | Resultados (Antes e após protocolo) |
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Song et al., 2019, Coreia do Sul, Quasi-experimental | Adultos ≥ 18 anos admitidos no serviço de urgência com critérios de sépsis severa ou choque sético. | Intelligent Sepsis Management System (ISMS): se qSOFA ≥ 2 na triagem o nome do doente aparece em violeta, visível para os médicos: *Sem infeção, o nome retorna a branco; *Se infeção: sistema calcula escala de SOFA (SOFA ≥ 2 é Sépsis; SOFA 0-1: qSOFA positivo mas Sépsis negativo) e i - SMS alerta para 3ª etapa: colheitas, antibiótico e fluidoterapia. Possui alerta de doentes com possível choque sético e medidas adicionais a cumprir. | *Mortalidade até 30 dias (todas as causas); * Tempo até ao início do antibiótico desde a chegada ao serviço de urgência. | *Mortalidade: (37,3% vs 29,5%, p=0,037). *Tempo até ao início do antibiótico (125 min vs 121 min, p=0,597) *Cumprimento das diretrizes da SSC (10,8% vs 54,6%, p<0,001) |
Tse et al., 2017, China, Quasi-experimental | Adultos ≥ 18 anos com critérios de sépsis severa com entrada na sala de emergência e que, de acordo com as guidelines de triagem do hospital, tenham prioridade nível 1 (crítico) ou nível 2 (emergente) | Protocolo baseado em critérios de inclusão, procedimentos gerais e direcionados ao tratamento da sépsis, suporte hemodinâmico, tempo e escolha dos antibióticos empíricos. Efetuadas sessões de treino a todos os profissionais. | *Taxa de colheita de hemoculturas *Taxa de administração de antibióticos no SU *Mortalidade intra-hospitalar (morte de todas as causas durante a admissão) | *Administração de antibióticos no SU (38,7% vs 72,7%, p=0,011) *Mortalidade (25,8% vs 33%, p=0,590), sendo que o grupo após protocolo teve mais casos de choque sético grave. |
McColl et al., 2016, Canadá, Quasi-experimental | Adultos ≥ 18 anos, no serviço de urgência com suspeita de infeção severa e critérios de SIRS ≥ 2, baseado no protocolo STEP. | Protocolo: doentes suspeitos já com sinalização própria no processo eletrónico, dando início ao protocolo de avaliação e tratamento direcionado que já existia anteriormente no hospital: avaliação dos sinais vitais, lactato sérico, fluidoterapia e antibióticos específicos. Realizadas sessões de educação e colocados diversos meios visuais (ex: posters) | *Taxa de mortalidade até 30 dias (todas as causas) *Tempo desde a triagem até à avaliação do médico *Tempo até à administração de antibióticos | *Taxa de mortalidade (17,3% vs 30,7%, (p=0.006). *Tempo triagem - avaliação médica (74,4 min vs 59,3 min, p=0,01). *Tempo até à administração dos antibióticos (100,5 min vs 70,5 min, p<0,001). |
Delawder & Hulton, 2019; EUA, Quasi-experimental | Adultos ≥ 18 anos que deram entrada no serviço de urgência com indicadores clínicos de sépsis, sépsis severa ou choque sético. | Algoritmo de alerta de sépsis, iniciado pelo enfermeiro da triagem em doentes com SIRS ≥ 3, avisando telefonicamente a central. O coordenador da unidade vai atribuir o médico. Toda a equipa responde e dá início à checklist de procedimentos para 1h, 3h e 6h da SSC. Todos os profissionais receberam formação. | *Taxa de mortalidade durante a admissão *Tempo até ao cumprimento das diretrizes das 3h e 6h: hemoculturas, antibióticos, lactato sérico e fluidoterapia. | *Tempo até antibiótico: 107 min antes e após protocolo (p≤0,05). *Taxa de mortalidade de 12,75% vs 4,88%. |
ARISE & ANZICS, 2014, Austrália, Nova Zelândia, Hong Kong, Finlândia, Irlanda RCT | Adultos ≥ 18 anos até 6 horas no serviço de urgência, com suspeita ou infeção confirmada + SIRS ≥ 2 + hipotensão refratária a volume ou hipoperfusão. | Protocolo EGDT (Early Goal Directed Therapy) | *Mortalidade até 90 dias (qualquer causa), aos 28 dias e UCI *Mortalidade intra-hospitalar aos 60 dias *Mortalidade de causa específica aos 90 dias | *Mortalidade até 90 dias (18,8% vs 18,6%), p=0.90 *Mortalidade aos 28 dias com EGDT (15,9% vs 14,8%), p=0,53) *Mortalidade aquando da alta hospitalar (15,7% vs 14,5%), p=0,53 *Tempo até antibiótico foi similar nos dois grupos, 67 min vs 70 min. |
2.1 Meta-análise
As meta-análises foram realizadas para os outcomes Mortalidade (todo o tempo hospitalar), Mortalidade a 30 dias e tempo para antibióticos e contaram com uma amostra de 1944, 2862 e 489 doentes respetivamente. Os resultados por outcome são apresentados na figura 2.
Para o outcome mortalidade (todo o tempo hospitalar), os resultados da meta-análise apontam que o grupo que utilizou protocolos na abordagem ao doente com sépsis é favorecido, ainda que não atinja a significância estatística (RR=0,84, IC95%=0,63-1,14, p=0,27). Os estudos apresentam uma heterogeneidade moderada (I 2=53%).
Para o outcome mortalidade a 30 dias, os resultados da meta-análise apontam que o grupo que utilizou protocolos na abordagem ao doente com sépsis também é favorecido, mas de forma estatisticamente significativa (RR=0,80, IC95%=0,68-0,95, p=0,01). Os estudos apresentam uma heterogeneidade ligeira (I 2=15%).
Por fim, para o outcome tempo para antibiótico, os resultados da meta-análise apontam que o grupo que utilizou protocolos na abordagem ao doente com sépsis também é favorecido, com uma redução de 41,83 minutos, de forma estatisticamente significativa (MD=-41,83, IC95%=-77,89- -5,77, p=0,02). Os estudos são homogéneos (I 2=0%).
Discussão
O impacto da utilização de protocolos de atuação em serviços de urgência na abordagem ao doente com sépsis em relação à redução do tempo até à toma do primeiro antibiótico e mortalidade constituiu o ponto de partida desta revisão sistemática.
É consensual na comunidade científica a necessidade da identificação e tratamento precoce e oportuno da sépsis sobretudo nas primeiras horas, tendo um impacto na melhoria dos resultados (Rhodes et al., 2017; Tse et al., 2017). Todavia, a emancipação da nova definição de sépsis (Sépsis-3) por um lado e devido à sua “aparente complexidade” conduziu a um atraso do seu diagnóstico (Carneiro et al., 2016). Foi nesse sentido que considerámos prioritário identificar se a aplicação de protocolos tem ou não impacto na abordagem e tratamento precoce destes doentes.
Vários estudos atestam a necessidade da identificação e tratamento precoce da sépsis. Em particular salientamos os resultados do estudo de Tse et al. (2017), nos quais embora não existam diferenças significativa do impacto na mortalidade, os autores não consideraram vários fatores importantes, nomeadamente a severidade da doença. Ainda assim, concluiu-se que a mortalidade depende do fator tempo e que a antibioterapia aumenta a sobrevida. Por outro lado, o ensaio clínico randomizado elaborado pela ARISE & ANZICS (2014), concluiu que a aplicação do protocolo não reduziu a mortalidade a 28 e 90 dias, bem como a mortalidade intra-hospitalar global. Apesar disso, os autores admitem que os doentes incluídos teriam um risco de mortalidade reduzido, apresentando uma reduzida taxa de doenças crónicas e admissão em lares reduzida e uma elevada taxa de doentes com alta hospitalar antes dos 28 e 90 dias (ARISE & ANZICS,2014). Apesar de todos os artigos terem diferentes protocolos, cada autor definiu os termos e condições de utilização específicas, sendo adaptado em função da orgânica habitual do serviço de urgência.
O estudo realizado por Ferrer et al. (2014) demonstrou que o atraso na administração do antibiótico está associado a um aumento da taxa de mortalidade intra-hospitalar. Por sua vez, a Surviving Sepsis Campaign recomenda que a administração de antimicrobianos via endovenosa seja iniciada o mais precocemente e quanto possível, dentro de 1h, após a identificação de sépsis e choque sético (Rhodes et al., 2017).
Em defesa destas evidências apuradas, salientamos que os nossos resultados da meta-análise são consistentes e corroboram o anteriormente exposto na medida em que atestam que a aplicação de protocolos na abordagem ao doente com sépsis tem impacto na diminuição da mortalidade. É sugerido, inclusive, por Husabø et al. (2019) que é fulcral que os hospitais adotem programas de melhoria de desempenho, nomeadamente ao nível da triagem de prioridades. De igual forma, os nossos resultados demonstram que a utilização de protocolos tem impacto na diminuição do tempo até à administração de antibióticos, com uma redução de 41,83 min (MD=-41,83, IC95%=-77,89- -5,77, p=0,02), indo ao encontro das recomendações emanadas pela Surviving Sepsis Campaign (Rhodes et al., 2017).
Como pontos fortes desta revisão destacamos os rigorosos critérios de inclusão adotados, a abrangência da pesquisa, desde 2001 até março de 2021, a seleção de estudos de qualidade e a rigorosa extração e síntese de dados. Ainda assim, a revisão é alvo de algumas limitações das quais destacamos os idiomas selecionados que poderão ter levado à exclusão de estudos relevantes.
Conclusão
Concluímos que existe evidência de que a aplicação de protocolos tem um impacto significativo na redução do tempo até à administração do antibiótico e na redução da mortalidade. Nesse sentido, estes resultados têm grandes implicações, nomeadamente na abordagem e tratamento precoce dos doentes com sépsis e/ou choque sético.
Como implicações para a prática clínica sugerimos que os hospitais adotem protocolos de abordagem específica a doentes com sépsis e/ou choque sético, e que se baseiem, por exemplo, nas recomendações da Surviving Sepsis Campaign por forma a colmatar as dificuldades na abordagem precoce destes doentes. Naturalmente será exigido um esforço acrescido na sua implementação porque apesar de se ter demonstrado que os tempos são muito importantes no tratamento apropriado e definitivo destas condições, ainda existe dificuldade em criar uma uniformização na prática clínica diária, enfrentando-se dificuldades, nomeadamente na falta de recursos humanos e a sobrelotação dos serviços de urgência que, por vezes, não permitem cumprir os timings apropriados.
Como implicações para a investigação é recomendado que sejam realizados mais estudos primários sobre o tema, em particular estudos observacionais, com vista a analisar a implementação dos protocolos. Posteriormente esta revisão sistemática deve ser atualizada. Também é emergente estudar as dificuldades no âmbito da execução prática dos protocolos e eventualmente a criação e disseminação de um protocolo que possa ser padronizado e comum aos serviços de urgência por forma a permitir a sua comparação e posterior melhoria contínua do processo.