Introdução
O trauma é um importante problema de saúde pública a nível global, resultando em mais de 14.000 mortes e situações de invalidez diárias (American College of Surgions Committee on Trauma, 2017; American College of Surgions Committee on Trauma, 2019). A Organização Mundial de Saúde (OMS) (World Health Organization [WHO], 2020) estima que 5,2 milhões de crianças, com menos de 5 anos, morreram em 2019, maioritariamente de causas evitáveis e tratáveis. As crianças, pela sua imaturidade, curiosidade, crescimento e desenvolvimento, encontram-se, especialmente, propensas a causas externas de trauma, sendo as lesões uma das principais causas de morbidade e mortalidade mundiais (Associação para a promoção da segurança infantil [APSI], 2017; Park, Min, Cha, Jo, & Kim, 2020). Em Portugal, os traumatismos e as lesões por causas externas são a principal causa de mortalidade entre os 0 e os 19 anos (APSI, 2017). A análise de tais situações tem despertado, mundialmente, a realização de estudos do tratamento/socorro desses eventos na população infantojuvenil (Colson, Alberto, & Fritzeen, 2020), sem descurar, simultaneamente, a implementação de amplas medidas preventivas (WHO, 2008; Sleet, 2018). Já em 2008, a OMS (WHO, 2008) alertava que a boa recuperação de lesões traumáticas dependia da disponibilidade, acessibilidade e qualidade do tratamento/socorro prestado. Segundo o World Report on Child Injury Prevention, a oferta de tratamento/socorro prestado pelos serviços de pré-hospitalar é infelizmente variável, consoante o nível económico do país, que vão desde a total indisponibilidade a imitações de alcance e de capacidade (WHO, 2008). A mesma fonte apontava como problemas mais críticos nos cuidados da criança com trauma: a carência de serviços de socorro, a necessidade de profissionais de pré-hospitalar treinados e o prolongamento temporal excessivo entre o incidente traumático e a admissão hospitalar (WHO, 2008).
O termo trauma é definido, atualmente, como um evento nocivo que ocorre quando há libertação de formas específicas de energia física ou quando há barreiras ao fluxo de energia (American College of Surgions Committee on Trauma, 2017). No cuidado à vítima pediátrica de trauma o tempo é crucial. Assim, é essencial uma abordagem sistemática (também denominada como "avaliação inicial") que possa ser aplicada com rapidez e precisão, bem como a implementação atempada, das intervenções que visam a preservação da vida humana (Park et al., 2020). A multiplicidade de causas de trauma representa, por si só, um obstáculo significativo à sua avaliação e tratamento, pelas equipas de cuidados de saúde do pré-hospitalar. Esta complexidade é ainda acrescida quando se tem em consideração a idade da vítima de trauma. As prioridades para avaliar, gerir e tratar a vítima pediátrica com trauma são as mesmas do que as tidas em consideração em qualquer outra vítima de trauma de idades distintas, todavia, estes indivíduos, podem ter respostas fisiológicas que não seguem os padrões espectáveis, além de apresentarem diferenças anatómicas que, inevitavelmente, requerem equipamentos e considerações especiais (Park et al., 2020).
As características anatómicas e fisiológicas únicas dessa população pediátrica, combinadas com os mecanismos comuns de lesão, podem produzir padrões de lesões e velocidades da perda de calor distintas (Filipescu et al., 2020). As quantidades de sangue, fluidos e medicação variam com o desenvolvimento da criança em causa. Como as crianças têm menor massa corporal do que os adultos, a energia transmitida por objetos (por exemplo um para-choques ou uma queda), resulta na aplicação de uma força superior exercida por área corporal. Essa energia mais concentrada é, por sua vez, transmitida a um corpo que tem menos gordura, menos tecido conjuntivo e uma maior proximidade entre os múltiplos órgãos do que num adulto (Filipescu et al., 2020; Quinn, Palmer, Bernard, Noonan, & Teague, 2020). Além disso, a cabeça de uma criança é, proporcionalmente, maior do que a de um adulto, o que resulta numa maior frequência de lesões cerebrais contundentes nessa faixa etária (Lang et al., 2020).
Do profissional de saúde do pré-hospitalar, que aborda a vítima pediátrica de trauma, espera-se que sustente a sua ‘tomada de decisão’ num equilíbrio entre princípio e prioridade, sendo que por princípio entende-se os cuidados necessários para alcançar a melhoraria ou sobrevivência da vítima, e por prioridade entende-se a sequência como o princípio é alcançado, dentro do intervalo de tempo que o profissional de saúde do pré-hospitalar dispõe para o conseguir (American College of Surgions Committee on Trauma, 2017). A prioridade para realizar o princípio depende, por sua vez, de quatro fatores: a situação existente, a condição do doente, a base de conhecimentos do profissional de saúde e os equipamentos disponíveis (American College of Surgions Committee on Trauma, 2017; Oosterwold et al., 2017; Purvis, Carlin, & Driscoll, 2017).
Na vítima pediátrica de trauma a avaliação e gestão da via aérea (A) está associada a intervenções de estabilização da cervical, isto é, ações que evitam o movimento (excessivo) da coluna vertebral (Van de Voorde et al., 2021). O profissional deve presumir a existência de uma eventual lesão na coluna vertebral na criança politraumatizada, especialmente na presença de uma lesão visível na cabeça ou no pescoço ou perante uma alteração do estado de consciência no status decorrentes do trauma (Quinn, Palmer, Bernard, Noonan, & Teague, 2020). A coluna vertebral deverá, então, ser protegida de mobilizações (passivas e ativas) excessivas, para evitar o desenvolvimento ou progressão de eventual défice/sequelas neurológicas (American College of Surgions Committee on Trauma, 2019). Assim, a imobilização das zonas anatómicas da cabeça e da coluna vertebral numa posição neutra, na criança pequena (devido à dimensão proporcionalmente aumentada da cabeça em relação ao corpo) tem de ser um elemento prioritário dos cuidados de saúde pré-hospitalares (Van de Voorde et al., 2021). É de notar que se trata de um posicionamento distinto do utilizado nos adolescentes (sub-luxação da mandibula). A imobilização da vítima, independentemente da idade, tem então como objetivo conter os movimentos da vítima, assegurando, simultaneamente, o alinhamento da cabeça e do pescoço e a imobilização e estabilização da coluna vertebral, procedendo à imobilização em bloco total, para minimizar o risco de lesões adicionais/secundárias às do mecanismo de trauma primário (Fernando Camargo-Arenas et al., 2019). As especificidades anatómicas e fisiológicas encontradas no grupo etário pediátrico levam a que as evidências encontradas quanto à tipologia e técnicas de imobilização sejam escassas e dispersas. Neste sentido a realização de uma Revisão Scoping permitirá identificar e mapear as técnicas de imobilização executadas no pré-hospitalar no trauma pediátrico. Uma pesquisa nas Base de Dados JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, na Cochrane Database of Systematic Reviews, PROSPERO, MEDLINE e CINAHL, permitiu verificar que não existe outra revisão, publicada ou em progresso, até à presente data sobre a temática em estudo.
Neste sentido, foram formuladas as seguintes questões de investigação:
Quais as técnicas de imobilização utilizadas nas situações de trauma pediátrico no pré-hospitalar?
Quais as especificidades clínicas presentes na seleção das técnicas de imobilização?
Quais os profissionais que aplicam as técnicas de imobilização?
1. Métodos
O presente estudo será conduzido, usando a metodologia recomendada pelo Joanna Briggs Institute (JBI) (Peters et al., 2020), seguindo a checklist do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses for Scoping Reviews Extension for (PRISMA-ScR) (Tricco et al., 2018; McGowan et al., 2020). O presente protocolo será realizado de acordo com Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis Extension for Scoping Review Protocols (PRISMA-ScR) guidelines (Moher et al., 2015).
Esta revisão Scoping está registada no Open Science Framework. Foi obtido um parecer favorável da Comissão de Ética (Parecer n.º 25/SUB/2021) para a consecução final desta Revisão Scoping.
1.1 Critérios de inclusão dos estudos
Os critérios de inclusão dos estudos, considerados para esta Revisão Scoping, serão as crianças, que segundo a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (International Council of Nurses [ICN], 2019) um cliente dos cuidados de enfermagem e o Trauma um foco da prática de enfermagem. Segundo a mesma fonte, Imobilização é uma ação, praticada por enfermeiros, com vista à restrição; manter alguém ou algo restrito em movimento (ICN, 2019).
Participantes
Doravante, o termo pediátrico irá abranger crianças dos 0 aos 12 anos de idade inclusive, uma vez que em idades superiores, as técnicas de imobilização utilizadas nas situações de trauma, no pré-hospitalar, são maioritariamente semelhantes às aplicadas ao adulto (American College Of Surgions Committee On Trauma, 2019).
Conceito
Os conceitos de interesse para a Revisão Scoping serão técnicas de imobilização e trauma pediátrico. Assim, para efeito desta revisão, serão apenas consideradas menções que se destinam a identificar a(s) técnica(s) e o(s) equipamento(s) de imobilização utilizados. As técnicas e equipamentos empregues, em contexto de intra-hospitalar, serão excluídas.
Contexto
Para a presente revisão será considerado, exclusivamente, o socorro pré-hospitalar posto em prática por profissionais de saúde que implementam cuidados em ambulância. Serão considerados estudos envolvendo quer cuidadores do foro médico (modelo francófono-benelux), quer paramédico (modelo anglo-saxónico), limitado a estudos oriundos de países com semelhanças em termos económicos (per capita) a Portugal (high-income economies) (World Bank, 2021). Todos os descritivos de técnicas de imobilização, ocorridas em contexto de socorro de emergência intra-hospitalar (por exemplo, serviços de urgência/emergência), serão excluídos.
Tipo de estudos
Esta Revisão Scoping considerará, como elegíveis para análise, todos os estudos primários, observacionais e ensaios clínicos, assim como, revisões da literatura que cumpram com os critérios de inclusão. Serão também consideradas todas as pesquisas secundárias em qualquer paradigma e método, pesquisa de texto ou opinião, bem como, documentos desenvolvidos por organizações profissionais, órgãos de acreditação e agências governamentais que cumpram com os critérios de inclusão.
1.2 Estratégia de pesquisa
A estratégia de pesquisa terá como objetivo encontrar estudos publicados e não publicados, que vão ao encontro das questões em revisão. Inicialmente foi realizada uma pesquisa limitada no PubMed e CINAHL, seguida da análise das palavras presentes nos títulos e resumos e das palavras-chave usadas para descrever os artigos. Num segundo momento, serão usadas todas as palavras-chave e termos identificados para realizar uma segunda pesquisa na base de dados PubMed. A estratégia de pesquisa será, então, refinada com a ajuda de uma bibliotecária da área clínica/médica. A pesquisa bibliográfica será aberta, incluindo simultaneamente, pesquisa em bases de dados on-line de revisão por pares e em bases de dados dedicadas a fontes de literatura cinzenta (sem evidência de ter sido divulgada em publicações alvo de revisão por pares), conduzida numa procura sistemática por estudos relevantes. A estratégia de pesquisa proposta para a base de dados PubMed, aplicada a título exemplificativo, pode ser consultada na Tabela 1.
Database | Search terms | N.º de revisões obtidas | |
PubMed | #1 | ("immobilization"[MeSH Terms] OR "immobilisation"[Title/Abstract] OR "restraint, physical/methods"[MeSH Terms] OR "protective devices"[MeSH Terms] OR "retention activity"[Title/Abstract] OR “restrict activity"[Title/Abstract] OR “stabilization spinal"[Title/Abstract] OR “spinal"[Title/Abstract] OR “head immobiliz*"[Title/Abstract] OR “belt"[Title/Abstract] OR “spine board"[Title/Abstract] OR “restraint system"[Title/Abstract] OR “Vacuum mattress"[Title/Abstract] OR “coquille"[Title/Abstract] OR “cervical collar"[Title/Abstract] OR “extrication device” [Title/Abstract] OR “KED” [Title/Abstract]) | 377.975 |
#2 | ("emergency medical services"[MeSH Terms] OR “emergency medical technicians"[MeSH Terms] OR "first aid"[MeSH Terms] OR "ambulances"[MeSH Terms] OR "air ambulances"[MeSH Terms] OR "ambulance*"[Title/Abstract] OR “prehospital”[Title/Abstract] OR “pre-hospital”[Title/Abstract] OR “out-of-hospital"[Title/Abstract] OR out of hospital[Title/Abstract] OR “at the scene"[Title/Abstract] OR "paramedic*"[Title/Abstract] OR “ems”[Title/Abstract] OR “emt”[Title/Abstract] OR “emergency service*”[Title/Abstract] OR “emergency medical service*”[Title/Abstract] OR “emergency technician*”[Title/Abstract] OR “emergency practitioner*”[Title/Abstract] OR “emergency dispatch”[Title/Abstract] OR “emergency resus*”[Title/Abstract] OR “emergency care”[Title/Abstract] OR “medical emergency”[Title/Abstract] OR “prehospital care” [Title/Abstract]) | 228.129 | |
#3 | ("multiple trauma"[MeSH Terms] OR "wounds and injuries"[MeSH Terms] OR "trauma"[Title/Abstract] OR “polytrauma"[Title/Abstract] OR “fractur*”[Title/Abstract] OR “accident”[Title/Abstract] OR “lesion"[Title/Abstract] OR “cervical spine"[Title/Abstract] OR “golden hour”[Title/Abstract]) | 1.544.744 | |
#4 | ("infant, newborn"[MeSH Terms] OR "infant"[MeSH Terms] OR "child, preschool"[MeSH Terms] OR "child"[MeSH Terms] OR "pediatric*"[Title/Abstract]) | 2.687.377 | |
#5 | #1 AND #2 AND #3 AND #4 | 540 |
As bases de dados, a incluir na revisão, serão: CINAHL Plus with Full Text, PubMed, Cochrane Central Register of Controlled Trials, The JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports and Cochrane Database of Systematic Reviews. A pesquisa de documentos de literatura cinzenta contemplará a RCAAP - Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal, OpenGrey - System for Information on Grey Literature in Europe, Banco de teses da CAPES. A abertura à inclusão de literatura cinzenta, com recurso a vários desenhos e metodologias de estudos distintas, tem como finalidade a obtenção de uma visão suficientemente abrangente do mapeamento final obtido.
Os resultados da pesquisa serão exportados de cada base de dados para um software de gestão de referências bibliográficas (Mendeley), com vista à remoção de eventuais artigos duplicados.
1.3 Seleção de estudos
Os investigadores conduzirão um processo de triagem e seleção de estudos para determinar a elegibilidade dos artigos gerados da pesquisa inicial. Este processo de triagem baseia-se em três elementos: título, resumo e revisão do texto completo. A triagem por título e resumo será conduzida de forma independente por dois investigadores (SF e PL), de acordo com os critérios de inclusão. As eventuais divergências entre os dois revisores serão resolvidas por meio de um terceiro revisor (MM). Serão feitas revisões de texto completo, igualmente, por ambos os revisores (SF e PL) para todos os artigos considerados com potencial relevância para a revisão. Este processo será documentado com um fluxograma PRISMA-ScR (Figura 1). O recurso a esta ferramenta ilustrativa permitirá sistematizar as etapas de pesquisa/seleção dos artigos, encerrando, em si mesmo, o resumo do processo metodológico num fluxograma (PRISMA), (McGowan et al., 2020). Após este terceiro momento, serão, ainda, analisadas as listagens de referências bibliográficas de todos os artigos/relatórios incluídos na procura de estudos adicionais. Segue-se uma discussão subsequente para estabelecer um consenso final de quais os artigos que serão, efetivamente, incluídos na Revisão Scoping.
Apenas artigos nos idiomas inglês, francês, espanhol e português serão incluídos nesta revisão, por serem os idiomas que os revisores dominam. A pesquisa foi, ainda, limitada a artigos publicados entre 1 de janeiro de 2001 e a data da pesquisa, uma vez que procuraremos centrar a pesquisa nas técnicas de imobilização, predominantes em uso nas vítimas pediátricas no pré-hospitalar, nos últimos 20 anos.
1.4 Extração dos dados
Os dados serão extraídos dos estudos selecionados, utilizando uma versão modificada do modelo do instrumento de extração de dados da JBI (Tabela 2). Os dois revisores (SF e PL) irão extrair a informação relevante e agrupá-la nas categorias e subcategorias. Os dados relevantes serão, então, extraídos dos artigos incluídos e das restantes fontes para abordar as questões da revisão. No caso de existirem artigos e estudos incluídos em que seja necessário obter mais informações, os investigadores entrarão em contato com os autores dos mesmos. Qualquer discordância, referente aos estudos incluídos, será resolvida por discussão dentro da equipa de investigadores.
A tabela 2 constitui um elemento-chave neste protocolo da Revisão Scoping, pois do seu preenchimento decorrerão as possíveis ilações descritivas passiveis de dar resposta às questões em revisão. Assumimos, contudo, que poderá haver, ainda, necessidade de eventuais refinamentos desta tabela resultantes do normal processo de operacionalização do mapeamento, ao longo do decorrer da revisão.
1 Tolera imobilização/ não tolera imobilização. 2 Entrevista/Observacional/Ensaio clínico/Revisão. 3 Masculino/Feminino. 4 [1 dia aos 11 meses]; [12 meses aos 2 anos]; [3 anos aos 6 anos]; [7 anos aos 12 anos]. 5 Colar cervical (de peça única ou de peça dupla com diferentes tamanhos), Colete de extração, Plano duro, fixadores laterais (cintos de fixação); fitas fixadoras da cabeça; Maca vácuo, Maca resgate, Tala, Lençol, Toalha, Cadeira criança, Cinta pélvica, outra...6 Politraumatizado; Traumatismo vertebro-medular (TVM); Traumatismo cranioencefálico (TCE); Abdominal; Pélvico; Traumatismo do membro superior inespecífico (MS); Traumatismo do membro superior direito (MSDto); Traumatismo do membro superior esquerdo (MSEsq); Traumatismo dos membros superiores bilateral (MSb); Traumatismo do membro inferior direito (MIDto); Traumatismo do membro inferior esquerdo (MIEsq); Traumatismo dos membros inferiores bilateral (MIb). 7 Médico; Enfermeiro; Bombeiro; Socorrista; Paramédico indiferenciado; Paramédico diferenciado.
2. Análise de dados e apresentação de resultados
Nesta etapa, as características gerais de cada estudo serão resumidas. Os estudos serão classificados de acordo com as técnicas de imobilização, utilizadas nas situações de trauma pediátrico, no pré-hospitalar. As especificidades clínicas presentes para a seleção das técnicas de imobilização e os profissionais que aplicam as técnicas de imobilização serão descritos. Serão, ainda, compilados em gráficos de barras alguns resultados para ilustrar contagens e proporções, com recurso ao Microsoft® Excel 2020 for Mac. Os resultados colhidos fornecerão uma visão geral da quantidade de pesquisas, em vez de uma avaliação da qualidade dos estudos. Para além disso, da revisão dos estudos incluídos, identificar-se-ão potenciais lacunas de pesquisa na literatura e determinar-se-ão quais as áreas que requerem uma análise mais profunda, em função das categorias e subcategorias com menor representatividade numérica.
3. Discussão
O socorro pré-hospitalar às vítimas pediátricas de trauma é uma etapa importante no tratamento delas, uma vez que os profissionais de saúde do pré-hospitalar são os primeiros profissionais de saúde com quem elas contactam e que são capazes de realizar intervenções que visam o socorro clínico direcionado à recuperação e à própria sobrevivência (Seid, Ramaiah & Grabinsky, 2012; Quinn, Palmer, Bernard, Noonan & Teague, 2020). Contudo, mesmo com todos os avanços nos sistemas de socorro pré-hospitalar (Williamson, Ramesh, & Grabinsky, 2011), mundialmente as lesões traumáticas continuam a ser a principal causa de morbilidade e mortalidade na população pediátrica (American College of Surgions Committee on Trauma, 2019; WHO, 2020). Tal realidade interpela-nos e leva-nos a refletir sobre a realidade atual. Nada melhor do que iniciar essa reflexão, identificando o que é a prática atual, como base para investigações futuras.
No cuidado e gestão da vítima de trauma, os profissionais de saúde do pré-hospitalar baseiam a sua tomada de decisão no equilíbrio de vários fatores: o tempo despendido na aplicação de equipamentos de imobilização complexos (por exemplo, o colete de extração), o custo dos equipamentos de imobilização, as contraindicações no uso de alguns equipamentos de imobilização, a duração do transporte e a rede viária de evacuação, os efeitos sobre o conforto das vítima, o risco de compromisso respiratório e complicações hemodinâmicas causadas por eventuais pressões da imobilização das cintas de fixação (Guerrero, Caballero, & Aguilera Moreno, 2017; American College Of Surgions Committee On Trauma, 2019). Embora existam protocolos padrão que orientam a tomada de decisão dos profissionais na imobilização da coluna vertebral (para a utilização diferenciada dos vários equipamentos existentes), nos diversos Sistemas de Resposta de Emergência mundiais (American College Of Surgions Committee On Trauma, 2019), surgem, mais recentemente autores que se afastam da imobilização mandatória e generalizada e exploram a imobilização seletiva no pré-hospitalar (Oosterwold et al., 2017; Purvis, Carlin, & Driscoll, 2017). É verdade que a condição clínica da maioria das crianças vítimas de trauma não se deteriora durante o socorro, nem apresenta alterações hemodinâmicas, contudo, algumas crianças com lesões multissistémicas têm uma deterioração rápida e podem desenvolver complicações graves (American College Of Surgions Committee On Trauma, 2019). Os protocolos de tratamento para as vítimas pediátricas com trauma enfatizam a gestão agressiva da permeabilização da via aérea com estabilização da cervical (A) no pré-hospitalar e, simultaneamente, o transporte precoce destas vítimas, para uma unidade capaz de tratar a criança com lesões multissistémicas. Esta questão temporal é uma prioridade a que os profissionais de saúde do pré-hospitalar devem estar especialmente atentos para minimizar o tempo no local onde ocorreu o trauma, procurando cumprir a ‘golden hour’ (WHO, 2008; Guerrero et al., 2017; Park et al., 2020). As falhas nas intervenções que asseguram a permeabilização da via aérea com estabilização da cervical (A) no pré-hospitalar chegam mesmo a ser apontadas, por vários autores, como sendo das principais causas para o deterioramento clínico da vítima pediátrica de trauma e, consequentemente, o surgir de eventuais necessidades de reanimação (Park et al., 2020; Van de Voorde et al., 2021). Vários são os autores que reforçam que a utilização de técnicas de imobilização na vítima de trauma é determinante, quer nos resultados da sua recuperação e desfecho clínico positivo desse incidente, a curto prazo, quer na redução da incidência de co-morbilidades neuro sensitivas e/ou musculares subsequentes e na sobrevida final, a longo prazo (American College of Surgeons, 2019; Nolte et al., 2020). Assim, a avaliação e o tratamento bem-sucedido de crianças vítimas de trauma carecem, inevitavelmente, da utilização de equipamentos imediatamente disponíveis, bem como de implementar a(s) técnica(s) de imobilização que melhor se adequa(m) a cada vítima (Nolte et al., 2020).
Söderholm e colaboradores (2019) afirmam que é inequívoca a necessidade e a importância de realizar pesquisas que incidam na melhoria dos cuidados de saúde prestados no pré-hospitalar. Simultaneamente reconhecem a existência de inúmeras barreiras à investigação nesse contexto, desde a complexidade na pesquisa ou na operacionalização no desenvolvimento e avaliação dessa. Os mesmos autores chegam a ponderar o desenvolvimento de recursos de pesquisa alternativos, como por exemplo, um laboratório avançado de pesquisa pré-hospitalar baseado em simulação, todavia, reconhecem que se trata de um desafio imenso. Os autores (Maurin Söderholm et al., 2019) reconhecem o contexto pré-hospitalar como sendo distinto de outras áreas da prestação de cuidados de saúde, o que implicaria requisitos especiais para a conceção desse tipo de laboratório - em termos de amplitude de simulação (incluindo todo o processo de socorro pré-hospitalar), profundidade (nível de pormenor) do cenário, equipamentos e pessoal competente - à medida da investigação desejável.
A elaboração da Revisão Scoping em questão tem, então, como objetivo último o de identificar e mapear as técnicas de imobilização administradas às vítimas pediátricas de trauma no pré-hospitalar. A opção por este desenho de investigação, deve-se ao fato de se considerar ser o método que com maior rigor nos permitirá alcançar um mapeamento suficientemente abrangente, extenso e cuja natureza e alcance seja fiel à pesquisa empírica, relacionada com as técnicas de imobilização executadas no pré-hospitalar no trauma pediátrico. Durante o processo investigativo de identificação e mapeamento, resultante da operacionalização do presente Protocolo Revisão, os investigadores terão por base as três questões de investigação prévias, procurando na análise dos dados uma visão geral quantitativa da literatura existente relativa às técnicas de imobilização administradas às vítimas pediátricas de trauma no pré-hospitalar.
Após a pesquisa inicial efetuada, serão equacionadas eventuais dificuldades/condicionamentos na análise de alguns artigos/dados (relativas as técnicas e aos equipamentos de imobilização utilizados nas vítimas pediátricas de trauma e à categoria profissional de quem a executa), por parte dos investigadores, como aponta o Grupo de Trabalho de Trauma como sendo uma limitação da Rede de socorro pré-hospitalar e das suas plataformas de registo (Ordem dos Médicos: Grupo de Trabalho de Trauma, 2009). A fim de não condicionar o mapeamento final, assume-se a necessidade de manter uma amostra inicial extensa de artigos, superior a 500, partindo do pressuposto que alguns dos artigos poderão não apresentar a profundidade e o rigor requeridos no registo (Ordem dos Médicos: Grupo de Trabalho de Trauma, 2009, 2009).
Conclusão
O presente estudo destina-se a informar especialistas e interessados sobre o estado da ciência existente, a respeito da área em análise, inclusive de dados que eventualmente ainda não tenham sido divulgados de forma mais generalizada à comunidade científica. Após a publicação bem-sucedida deste protocolo, pretende-se desenvolver uma Revisão Scoping para identificar omissões existentes na pesquisa das técnicas de imobilização, executadas no pré-hospitalar no trauma pediátrico, e identificar eventuais recomendações para preencher essas lacunas.