Introdução
As quedas representam um grave problema de saúde pública uma vez que estão na origem de uma significativa morbimortalidade, sendo este conceito aplicado para traduzir a relação entre a morbilidade e a mortalidade deste problema. Estas surgem “na origem de uma significativa morbilidade ou mortalidade, sendo uma das principais causas de internamento hospitalar” e “o seu impacto pode ser enorme e com consequências pessoais, familiares e sociais, para além das implicações financeiras para os serviços de saúde” (Despacho n.º 1400-A/2015, 10 de fevereiro de 2015, p. 3882-(7). De acordo com o referido Despacho as “quedas representam, portanto, um grave problema de saúde pública e requerem, na maioria das vezes, cuidados médicos, estimando-se que a estadia hospitalar possa variar entre quatro e 15 dias e que cerca de 20% da população idosa com fratura da anca provocada por uma queda, morra após um ano” (Despacho n.º 1400-A/2015, 10 de fevereiro de 2015, p. 3882-(7). Por tal, as quedas configuram-se como um acontecimento de elevado impacto económico nas famílias, na comunidade e na sociedade.
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2021) refere que, em cada ano, estima-se que 684.000 pessoas morram de quedas em todo o mundo, das quais mais de 80% em países de baixo e médio rendimento. Os idosos com idade igual ou superior aos 65 anos sofrem o maior número de quedas fatais, ou seja, quedas graves que requerem internamento prolongado e resultam em incapacidades. As estratégias de prevenção da queda devem enfatizar a educação, o treino, a criação de ambientes mais seguros, dar-se prioridade às investigações relacionadas com as quedas em idosos, particularmente no domicílio e o estabelecimento de políticas eficazes para reduzir o risco nesta população.
Alicerçado nestes postulados definiu-se a seguinte questão de investigação: Qual o risco de queda em idosos inscritos em Centros de Dia do concelho do Tábua e quais os fatores de risco? Para dar respostas à questão definiram-se como objetivos: avaliar o risco de queda no domicílio em idosos inscritos em Centros de Dia no concelho do Tábua; identificar as variáveis sociodemográficas e clínicas relacionadas com o risco de queda no domicílio, nos idosos em estudo; identificar os fatores habitacionais associados à queda na amostra supracitada.
1.enquadramento teórico
Pode definir-se queda como “um deslocamento do corpo não intencional para um nível inferior à posição inicial, sendo que este deslocamento não é corrigido em tempo útil, determinado por circunstâncias multifatoriais que comprometem a estabilidade corporal” (Torrão, 2016, p. 27). Segundo a OMS (2008), as quedas são definidas como um acontecimento cujo resultado é ficar inadvertidamente no chão ou num outro nível mais baixo, não sendo dada a relevância à ocorrência de lesão ou não. O mesmo é reforçado pela Classificação Internacional para Prática de Enfermagem (CIPE, 2017), que define queda pelo foco de cair: “executar uma descida de um corpo a nível superior para um nível inferior devido a desequilíbrio, desmaio ou incapacidade de sustentar pesos e permanecer na vertical”. Portanto, uma queda sucede quando “uma pessoa que cai inadvertidamente no pavimento ou para um nível mais baixo, com ou sem lesão”, classificando-se em “quedas fisiológicas previstas”, referentes às que “ocorrem nas pessoas com risco de queda, designadamente com alterações da marcha e uso de dispositivos médicos de locomoção e pessoas confusas, desorientadas no tempo e/ou espaço”; “quedas fisiológicas imprevistas” que sucedem em pessoas que não apresentam risco de queda; “quedas acidentais” relativas às “pessoas que não apresentam risco de queda” (Direção-Geral de Saúde, Norma n.º 008/2019, p. 7). De acordo com o mesmo disposto legal, as quedas têm sido igualmente definidas “como um fenómeno multifatorial complexo, uma síndrome e uma indicação de uma condição de saúde emergente ou agravada” (p. 7). Nesta linha de pensamento, a queda pode ser classificada em três categorias: (i) quedas fisiológicas previstas, referem-se àquelas que se devem a fatores como a idade, a patologia, a medicação ou os procedimentos médicos; (ii) quedas fisiológicas imprevistas que se relacionam com os fatores fisiológicos; (iii) quedas acidentais resultantes das condições ambientais/organizacionais, isto é, de fatores extrínsecos (Yuan-Yuan et al., 2016). Bittencourt et al. (2017, p. 2) também referem que entre as causas que influenciam a queda encontram-se os fatores de risco intrínsecos e/ou extrínsecos. Os intrínsecos referentes aos que se associam às características da pessoa e às modificações associadas à idade, ao género e às condições clínicas, entre os quais os mais frequentes são “a doença, o uso de dispositivos, a alteração na marcha, a deficiência ocular, auditiva e cognitiva, a mobilidade prejudicada e histórico anterior de quedas”. Os fatores de risco extrínsecos relacionam-se com as condições do ambiente e com as situações que compreendem os cuidados de saúde. Dos fatores de risco extrínsecos destacam-se “interruptores fora do alcance, escadas, piso escorregadio, tapetes, iluminação imprópria e calçados inadequados”.
O Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2015-2020 (Despacho n.º 1400-A/2015, de 10 de fevereiro de 2015) tem como um dos seus objetivos estratégicos prevenir a ocorrência de queda. A literatura internacional refere que as quedas são a causa subjacente de cerca de 10 a 15% de todos os episódios que acorrem aos serviços de urgência. E, por sua vez, podem, também, originar estados de dependência, perda de autonomia, confusão, imobilização e depressão, que conduzem a restrições variadas nas atividades do dia-a-dia (Despacho n.º 1400-A/2015, de 10 de fevereiro de 2015). Uma das principais causas de óbito por lesões domésticas não intencionais são as quedas, sendo as pessoas idosas e doentes provavelmente as mais vulneráveis a lesões acidentais (Daly et al., 2015).
Neste contexto, o conhecimento das pessoas a quem os cuidados se destinam é essencial, considerando-se que a pessoa cuidada é o ser humano com necessidades, que se encontra em constante interação com o ambiente e que tem a capacidade de se adaptar a esse mesmo ambiente, mas que devido à doença, situações de risco ou vulnerabilidade a potenciais doenças, experiencia ou está em risco de experienciar desequilíbrio, manifestando-se esta situação por necessidades não satisfeitas ou mostrando incapacidade para cuidar de si mesmo (Meleis, 2012), o que consubstancia estudar o risco de queda nos idosos no domicílio, para se promover a saúde e dar resposta adequada às suas necessidades, contribuindo para a redução do risco de queda nesta população.
Este estudo decorreu na Unidade de Cuidados na Comunidade Pedra da Sé, integrada no Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) Pinhal Interior Norte. A escolha deste contexto de pesquisa prendeu-se com a inexistência de um estudo que espelhasse a realidade deste acontecimento na amostra referida e que permitisse implementar intervenções baseadas em evidências pelos profissionais desta unidade funcional, apesar dos enfermeiros serem confrontados com este diagnóstico e tratar-se de uma prioridade atual do SNS, como já referido pelo Despacho n.º 1400-A/2015. É uma problemática mais prevalente em idosos e o envelhecimento em Portugal é uma realidade, designadamente no concelho de Tábua.
2. Métodos
Trata-se de um estudo transversal analítico. Esta investigação enquadra-se num estudo quantitativo, não experimental, com características dos estudos descritivos-correlacionais, de cariz transversal. Recorre-se à metodologia descritiva uma vez que os dados proporcionam realidades objetivas no que respeita às variáveis em estudo, suscetíveis de serem conhecidas. Este tipo de estudo “visa analisar a distribuição e relações entre variáveis que são estudadas tal e qual existem, em contexto natural, sem manipulação, sendo quase sempre classificados em função desses três objetivos básicos: descrever, explicar ou ainda explorar” (Coutinho, 2021, p. 317). Assume-se também como transversal, na medida em que os dados foram recolhidos num só momento, numa amostra representativa da população de idosos inscritos em Centro de Dia no concelho de Tábua, que permitam descrever e detetar possíveis relações entre as variáveis (Coutinho, 2021).
2.1. Amostra
A população de idosos inscritos em Centros de Dia no concelho de Tábua é de 192, abrangidos pela Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) Pedra da Sé. Para o estudo foram selecionados aleatoriamente os seguintes Centros de Dia: Casa do Povo de Meda de Mouros, Casa do Povo de Mouronho e Centro Social e Paroquial de Póvoa de Midões, com um total de idosos de 83. Definimos como critérios de inclusão ser idoso (idade ≥65 anos), voluntariamente aceitar participar no estudo e apresentar capacidades cognitivas para responder ao formulário. Recorreu a uma amostra não probabilística por conveniência de idosos inscritos nos Centros de Dia selecionados para o estudo. Após a aplicação dos critérios de inclusão, a amostra final ficou constituída por 54 idosos.
2.2. Instrumento de recolha de dados
Utilizou-se um formulário anónimo, integrando uma secção de caracterização sociodemográfica, clínica e variáveis contextuais à queda, bem como a Escala de Avaliação do Risco de Queda no Domicílio, validada para a população portuguesa por Gonçalves, Chaves e Duarte (2012). O instrumento de recolha de dados foi constituído por três secções, a secção A referente à caracterização sociodemográfica, que contém sete questões que permitem recolher informações acerca da idade, género, estado civil, nível de escolaridade, local de residência, Centro de Dia e com quem vive. A Secção B diz respeito aos dados clínicos e variáveis contextuais à queda, contém seis questões relativas aos dados clínicos, nomeadamente: presença de doença, tipo de doença, medicação, alterações visuais, alterações auditivas e utilização de meios para se deslocar. Consta ainda desta secção quatro questões contextuais à queda: quedas no domicílio e nos últimos 12 meses, local da queda e motivo da queda. A secção C contempla a Escala de Avaliação do Risco de Queda no Domicílio que permite identificar os principais obstáculos e barreira existentes no domicílio para o risco de queda, isto é, os fatores de risco existentes no domicílio que possam levar à queda dos idosos. Avalia os compartimentos/espaços presentes na habitação do idoso, sala de estar/jantar, quarto de dormir, instalações sanitárias, corredor, cozinha, escadas ou degraus, pátio/jardim e quintal. Em primeiro lugar, foi perguntado se o espaço existe e, caso exista, os idosos responderam “sim” ou “não” de acordo com as características do mesmo. Ao “sim” foi-lhe atribuído o valor 1 e ao “não” o valor 0, com o objetivo de se alcançar um somatório final mediante o qual se atribui o risco de queda. Deste modo, quanto maior número de respostas “sim” que o compartimento obtiver maior é o risco. Esta análise foi realizada através do valor médio final (mediana). O risco de queda foi calculado para cada divisão da habitação, sendo que, quando o valor obtido para a divisão foi superior à mediana, diz-se que a divisão apresenta alto risco de queda, e quando o valor obtido foi inferior ou igual à mediana, diz-se que a divisão apresenta baixo risco de queda (Gonçalves, 2013, pp. 35-36).
2.3. Procedimentos
Foi pedido autorização aos autores da Escala de Avaliação do Risco de Queda no Domicílio para a utilização da mesma no presente estudo. Foi solicitado o Parecer à Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Centro, bem como ao coordenador da UCC Pedra da Sé. Também foi pedido parecer às direções técnicas dos Centros de Dia contemplados no estudo. A recolha de dados decorreu em 2021, cuja aplicação dos formulários, foi realizada através de visita domiciliária, previamente agendada, aos idosos que aceitaram participar no estudo. Como se tratava de um formulário de hétero-preenchimento, o mesmo foi completado aproximadamente em 20 minutos. Teve-se em consideração o momento mais oportuno para a sua aplicação, de acordo com a disponibilidade dos idosos. Assim sendo, procurou-se evitar que os idosos se sentissem coagidos ou forçados a participar no estudo, mas motivados para a sua participação. Foram salvaguardados os direitos dos idosos e os princípios éticos fundamentais, através do Consentimento Informado, bem como através das indicações presentes no formulário, que foram lidas a cada idoso antes de se dar início ao seu preenchimento: o tema e o objetivo da investigação, pedido de colaboração, garantia de anonimato e confidencialidade das respostas, agradecimento da colaboração e disponibilidade dispensadas. Estas indicações foram sempre disponibilizadas com recurso a uma linguagem acessível para que fossem bem percetíveis. Todos os idosos que responderam ao formulário deram o seu consentimento informado, havendo uma participação voluntária dos mesmos.
2.4. Análise estatística
Após a recolha de dados, estes foram inseridos numa base de dados do Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão Statistics 26, onde posteriormente foram tratados através da análise estatística descritiva e inferencial, com intuito de dar resposta aos objetivos. Para o tratamento estatístico recorreu-se à estatística descritiva e inferencial. Com a estatística descritiva, determinou-se frequências absolutas e relativas, algumas medidas de tendência central, mais concretamente médias e desvio padrão. Em relação à análise inferencial recorreu-se ao teste não paramétrico (Qui-quadrado). A magnitude de associação entre um fator e a doença foi estimada através do cálculo do Odds Ratios (OR), com os respetivos intervalos de confiança a 95% e/ou nível de significância p<0,05.
3. Resultados
Caraterização do estado de saúde dos idosos
A amostra final ficou constituída por 54 idosos, 37,0% (n=20) idosos do Centro de Dia da Casa do Povo de Mouronho, 35,2% (n=19) do Centro Social e Paroquial de Póvoa de Midões e 27,8% (n=15) do Centro de Dia da Casa do Povo de Meda de Mouros. A amostra é maioritariamente do género feminino (n=28; 51,9%), com uma idade média de 80,81±7,9 anos, prevalecendo os idosos com idade superior aos 80 anos (n=34; 63,0%), viúvos (n=32; 62,7%), que sabem ler e escrever (n=34; 63,0%), estando 57,4% (n=31) a viverem sozinhos e 42,6% (n=23) vivem com outras pessoas, dos quais a maioria vive com os filhos e com o cônjuge (Tabela 1). Todos residiam em meio rural.
Masculino | Feminino | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
n (26) | % (48,1) | n (28) | % (51,9) | n (54) | % (100,0) | |
Idade | ||||||
≤ 80 anos | 10 | 38,5 | 10 | 35,7 | 20 | 37,0 |
>80 anos | 16 | 61,5 | 18 | 64,3 | 34 | 63,0 |
Estado civil | ||||||
Solteiro(a) | 5 | 20,0 | 1 | 3,8 | 6 | 11,8 |
Casado(a) | 9 | 36,0 | 4 | 15,4 | 13 | 25,5 |
Viúvo(a) | 11 | 44,0 | 21 | 80,8 | 32 | 62,7 |
Nível de escolaridade | ||||||
Analfabeto(a) | 4 | 15,4 | 6 | 21,4 | 10 | 18,5 |
Sabe ler e escrever | 15 | 57,7 | 19 | 67,9 | 34 | 63,0 |
1.º e 2.º ciclos do ensino básico | 7 | 26,9 | 3 | 10,7 | 10 | 18,5 |
Vive sozinho | ||||||
Sim | 15 | 57,7 | 16 | 57,1 | 31 | 57,4 |
Não | 11 | 42,3 | 12 | 42,9 | 23 | 42,6 |
Vive com quem | n (11) | % (11,0) | n (12) | % (12,0) | n (23) | % (100,0) |
Filhos | 3 | 27,3 | 7 | 58,3 | 10 | 43,5 |
Cônjuge | 6 | 54,5 | 4 | 33,3 | 10 | 43,5 |
Irmãos | 1 | 9,1 | --- | ----- | 1 | 4,3 |
Sobrinhos | 1 | 9,1 | 1 | 8,3 | 2 | 8,7 |
Centro de Dia | n (26) | % (48,1) | n (28) | % (51,9) | n (54) | % (100,0) |
Casa do Povo de Meda de Mouros | 8 | 30,8 | 7 | 25,0 | 15 | 27,8 |
Casa do Povo de Mouronho | 10 | 38,5 | 10 | 35,7 | 20 | 37,0 |
Centro Social e Paroquial de Póvoa de Midões | 8 | 30,8 | 11 | 39,3 | 19 | 35,2 |
Verificou-se que a maioria dos idosos possuía uma doença (n= 50; 92,6%). Dos que referiram ter uma doença, as mais prevalentes foram a Hipertensão Arterial Sistémica (n=16; 29,6%) superior nos homens (46,2% vs. 14,3%, p=0,01), a diabetes (n=15; 27,8%) com maior percentagem nos homens (34,6% vs. 21,4%, p=0,28), a patologia cardiovascular (n=12; 22,2%) com maior percentagem também em homens (26,9% vs. 17,9%, p=0,46), a patologia psiquiátrica (n=8; 14,8%) superior em mulheres (25,0% vs. 3,8%, p=0,03), e as patologias osteoarticulares (n=7; 13,0%) com maior percentagem em mulheres (21,4% vs. 3,8%, p=0,05). A maioria dos idosos referiu fazer uso de medicações (n=49; 90,7%). Dos idosos que tomam medicação, 10 idosos (20,4%) referem que tomam apenas 1 medicamento e os restantes idosos que referiram tomar medicação são considerados polimedicados minor, ou seja, segundo Jackson (2004), tomam entre 2 e 4 medicamentos. Os medicamentos que os idosos mais fazem uso são os anti-hipertensores/diuréticos (n=26; 48,1%), oftálmicos e os antidislipidémicos (n=18; 33,3%), os psicofármacos (n=15; 27,8%), os antidiabéticos/insulina (n=13; 24,1%), os anticoagulantes (n=12; 22,2%) e os anti-inflamatórios/analgésicos (n=11; 20,4%). Constatou-se ainda que 44,4% (n=24) dos idosos possuem acuidade visual preservada, 33,3%(n=18) usam óculos e 22,2%(n=12) vêm com dificuldade. Entre os idosos que referem ter alterações visuais, com igual valor percentual (n=8; 25,0%, respetivamente), encontram-se os que sofrem de hipermetropia e astigmatismo, seguindo-se os que possuem miopia (n=7; 21,9%), 15,6%(n=5) tem como causa da alteração visual mais que duas patologias, 9,4%(n=3) sofrem de retinopatia e 1 (n=1; 3,1%) idoso referiu ter cataratas. Um pouco mais de metade dos idosos encontravam-se com a acuidade auditiva preservada (n=30; 55,6%), enquanto 42,6%(n=23) referem que ouvem com dificuldade e 1 (1,9%) idoso usa prótese auditiva. Dos idosos que têm alterações auditivas, 67%(n=16) atribui a causa ao processo de envelhecimento e, com igual valor percentual (n=4; 16,7%, respetivamente), os idosos que atribuem a causa à otite e por zumbido. Prevaleceu os idosos que não utilizam qualquer meio para se deslocarem (n=29; 53,7%), enquanto 25,9%(n=14) utilizam a bengala, 13,0%(n=7) cadeira de rodas, 3,7%(n=2) muletas e 3,7%(n=2) usam outros meios para deslocação (andarilho).
Variáveis contextuais à queda
Relativamente à ocorrência de quedas, encontrou-se que a maioria dos idosos não vivenciou qualquer episódio de queda no domicílio (n=42; 77,8%), enquanto 22,2% (n=12) referiu que já tiveram uma queda no domicílio (seis homens e seis mulheres). Dos idosos que referiram já ter caído, a maioria (n=10; 83,3%) referiu que esta ocorreu nos últimos 12 meses. Em relação ao local onde ocorreu a queda, verificou-se que 25,0%(n=3) das quedas ocorreram no quarto, em igual percentagem da ocorrência na rua, 16,7%(n=2) dos idosos referiram que a queda ocorreu na casa de banho e em igual percentagem na sala e no quintal. O principal motivo de queda foi por tonturas/desequilíbrio/AVC (n=6; 50,0%), seguindo-se o tropeçar (n=4; 33,3%) e, com menor percentagem, os idosos que referiram como causa o piso escorregadio/irregular (n=2; 16,7%) (Tabela 2).
n | % | |
---|---|---|
Alguma vez teve uma queda | ||
Sim | 12 | 22,2 |
Não | 42 | 77,8 |
Nos últimos 12 meses teve alguma queda | ||
Sim | 10 | 83,3 |
Não | 2 | 16,7 |
Local da queda | ||
WC | 2 | 16,7 |
Quarto | 3 | 25,0 |
Sala | 2 | 16,7 |
Quintal | 2 | 16,7 |
Rua | 3 | 25,0 |
Motivo da queda | ||
Tonturas/desequilíbrio/AVC | 6 | 50,0 |
Tropeçar | 4 | 33,3 |
Piso escorregadio/irregular | 2 | 16,7 |
Pela análise da Tabela 3, podemos verificar que o risco de queda não se associou com o género e estado civil. Relativamente ao risco de queda em idosos com idade superior a 80 anos, verificou-se que a probabilidade foi maior na sala de estar, corredor, contudo sem diferenças significativas e a probabilidade foi menor na divisão quarto, cozinha, pátio/jardim sem diferenças significativas. Encontrou-se associação entre o alto risco de queda no quintal e a idade >80 anos (OR = 1,84; IC95% 1,02 - 3,31) e nas instalações sanitárias uma associação borderline (OR = 1,65; IC95% 1,00 - 2,72). Em relação às habilitações literárias, uma vez que a amostra em estudo tem um n reduzido, e aquando da estratificação não nos foi permitido calcular o OR.
Género | Idade | Estado civil | |
---|---|---|---|
Feminino | >80 anos | Casado(a) | |
OR (IC95%) | OR (IC95%) | OR (IC95%) | |
Sala de estar | |||
Alto risco | 1,19 (0,63 - 2,25) | 1,49 (0,94 - 2,34) | 0,45 (0,11 - 1,75) |
Baixo risco | 1* | 1* | 1* |
Quarto | |||
Alto risco | 1,08 (0,64 - 1,81) | 0,87 (0,57 - 1,33) | 1,42 (0,55 - 3,63) |
Baixo risco | 1* | 1* | 1* |
Instalações sanitárias | |||
Alto risco | 1,00 (0,54 - 1,85) | 1,65 (1,00 - 2,72) | 0,77 (0,25 - 2,37) |
Baixo risco | 1* | 1* | 1* |
Cozinha | |||
Alto risco | 1,56 (0,95 - 2,58) | 1,17 (0,49 - 2,83) | 2,93 (0,96 - 8,90) |
Baixo risco | 1* | 1* | 1* |
Escadas ou degraus | |||
Alto risco | 0,80 (0,24 - 2,60) | 0,76 (0,37 - 1,58) | 1,14 (0,31 - 4,10) |
Baixo risco | 1* | 1* | 1* |
Pátio/jardim | |||
Alto risco | 0,62 (0,19 - 2,01) | 0,73 (0,34 - 1,58) | 2,00 (0,15 - 25,75) |
Baixo risco | 1* | 1* | 1* |
Quintal | |||
Alto risco | 0,90 (0,41 - 2,01) | 1,84 (1,02 - 3,31) | 1,06 (0,39 - 2,86) |
Baixo risco | 1* | 1* | 1* |
Legenda: 1* - Classe de referência
A probabilidade de apresentar alto risco de queda na sala de estar, quarto, instalações sanitárias e quintal foi maior em idosos que veem com dificuldade, embora as diferenças não sejam estatisticamente significativas. Nas áreas da habitação como corredor, cozinha, escadas / degraus e pátio/ jardim a probabilidade de alto risco de queda foi menor nos idosos que possuem acuidade visual prejudicada, sem associação significativa (Tabela 4). Quanto às alterações auditivas, apenas encontrou-se associação com o alto risco de queda no quintal (OR=2,86; IC95% 1,08 - 7,57).
Alterações visuais | Alterações auditivas | |
---|---|---|
Vê com dificuldade | Ouvir com dificuldade | |
OR (IC95%) | OR (IC95%) | |
Sala de estar | ||
Alto risco | 1,19 (0,68 - 2,06) | 1,66 (0,81 - 3,41) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Quarto | ||
Alto risco | 1,09 (0,68 - 1,76) | 0,62 (0,32 - 1,20) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Instalações sanitárias | ||
Alto risco | 1,29 (0,78 - 2,13) | 1,29 (0,59 - 2,78) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Corredor | ||
Alto risco | 0,59 (0,11 - 3,04) | 0,85 (0,15 - 4,56) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Cozinha | ||
Alto risco | 0,88 (0,42 - 1,85) | 0,82 (0,31 - 2,12) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Escadas ou degraus | ||
Alto risco | 0,96 (0,42 - 2,15) | 0,91 (0,27 - 3,06) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Pátio/jardim | ||
Alto risco | 0,94 (0,40 - 2,19) | 1,65 (0,57 - 4,76) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Quintal | ||
Alto risco | 1,43 (0,72 - 2,83) | 2,86 (1,08 - 7,57) |
Baixo risco | 1* | 1* |
Legenda: 1* - Classe de referência
4. Discussão
Relativamente à ocorrência de quedas, encontrou-se que a maioria dos idosos não vivenciou qualquer episódio de queda no domicílio (n=42; 77,8%), enquanto 22,2%(n=12) referem que já tiveram uma queda no domicílio, dos quais a maioria (n=10; 83,3%) refere que esta ocorreu nos últimos 12 meses. Em relação ao local onde ocorreu a queda, verificou-se que 25,0%(n=3) mencionou o quarto e a rua, e também em igual percentagem (n=2; 16,7%) a casa de banho e o quintal. O principal motivo de queda foi por tonturas/desequilíbrio/AVC (n=6; 50,0%), seguindo-se o tropeçar (n=4; 33,3%). No estudo de Gonçalves (2013), a maioria dos idosos referiu já ter sofrido uma queda no domicílio, mas não nos últimos 12 meses e entre os que caíram, os três locais onde ocorreu a queda foram o quintal, a casa de banho e o quarto, sendo o principal motivo o desequilíbrio, destacando-se também as tonturas, vertigens ou desmaios. Entre os idosos do presente estudo que já sofreram uma queda, a maioria (n=9; 81,8%) apresenta polimedicação minor e 2 (18,2%) idosos tomam apenas 1 medicamento, no estudo de Gonçalves (2013), a maioria dos idosos que já sofreu uma queda apresentava polimedicação major. Bittencourt et al. (2017) referem que entre os fatores de risco intrínsecos da queda em idosos sobressaem as modificações agregadas à idade e às condições clínicas. Comparativamente ao estudo de Gonçalves (2013), a maioria dos idosos tomavam entre 0 a 12 comprimidos por dia, a que lhe corresponde uma média de 4,63 comprimidos. A análise dos seus resultados revela que a maioria afirmou polimedicação major. No estudo de Castilho, Rocha, Magalhães, Vaz e Costa (2020), com uma amostra de 1346 idosos, com idade média de 81,5±5,1 anos, sendo 61,8% do sexo feminino, a polimedicação estava presente em 62,3% verificando-se uma média de 5,5±2,7 fármacos por idoso. A prevalência de polimedicação encontrada na população idosa está dentro do intervalo referido por outros estudos portugueses, nomeadamente de Urzal, Pedro, Oliveira, Romero, Achega, Correia et al. (2019). Smith et al. (2017) no seu estudo verificaram que os fatores de risco de queda em idosos foram ter já sofrido uma queda, viverem acompanhados, problemas visuais e doenças reumatológicas. A par das mudanças demográficas têm ocorrido alterações epidemiológicas com um aumento das doenças crónico-degenerativas, tornando as pessoas mais propensas a viver durante mais tempo com comorbidades e graus de dependência crescentes (Araújo & Martins, 2016). Fazendo-se uma comparação dos resultados encontrados no presente estudo com os de Gonçalves (2013), regista-se um predomínio de diabetes, de patologia cardiovascular e de hipertensão arterial, mas nos idosos do género feminino, o que está em conformidade com os dados do Ministério da Saúde (2018), segundo os quais, a prevalência de hipertensão a nível nacional afeta mais de 71% dos portugueses com idade igual ou superior aos 65 anos e a diabetes 23,8% dos idosos, corroborando as estimativas do Observatório Nacional da Diabetes (2016) para anos subsequentes a 2015. Mendes, Martins e Fernandes (2020), numa amostra de 202 idosos, verificaram que 99 eram diabéticos, os quais tinham mais dislipidemia, comparativamente aos não diabéticos, assim como um maior número de comorbilidades
A avaliação do risco de queda nas diferentes zonas/divisões do domicílio em idosos da amostra não se associou com o género, as alterações visuais e a forma de se deslocar. Contudo, encontrou-se associação entre o alto risco de queda no quintal e a idade >80 anos (OR = 1,84; IC95% 1,02 - 3,31) e nas instalações sanitárias uma associação borderline (OR = 1,65; IC95% 1,00 - 2,72). Encontrou-se também associação entre o alto risco de queda no quintal e as alterações auditivas (OR= 2,86; IC95% 1,08 - 7,57), o que corrobora os resultados encontrados por Gonçalves (2013). Verificou-se também diferenças estatisticamente significativas entre a idade e o risco de queda no quintal (p=0,047). No estudo de Gonçalves (2013), ficou demonstrado haver risco em qualquer das divisões da casa em 57,7%, risco de queda efetivo em 9,2% e ausência de risco de queda no domicílio em 31,3%. A OMS (2021) refere que em cada ano, estima-se que 684.000 pessoas morram de quedas em todo o mundo, das quais mais de 80% em países de baixo e médio rendimento. As alterações fisiológicas, cognitivas que ocorrem com o envelhecimento aumentam o risco de queda. Os idosos com idade igual ou superior aos 65 anos sofrem o maior número de quedas fatais, ou seja, quedas graves que requerem internamento prolongado e resultam em incapacidades. De acordo com o mesmo organismo, as estratégias de prevenção da queda devem enfatizar a educação, o treino, a criação de ambientes mais seguros, dar-se prioridade às investigações relacionadas com as quedas nos idosos e o estabelecimento de políticas eficazes para reduzir o risco nesta população, em particular. Não obstante os resultados encontrados no presente estudo, Bittencourt et al. (2017, p. 2) referem que entre as causas que influenciam a queda em idosos encontram-se os fatores de risco intrínsecos e/ou extrínsecos., estando os primeiros associados às características da pessoa e às mudanças próprias do processo de envelhecimento, à idade, ao género e às condições clínicas. Dos fatores de risco extrínsecos destacam-se os “interruptores fora do alcance, escadas, piso escorregadio, tapetes, iluminação imprópria e calçados inadequados”, o que, no presente estudo, são fatores com reduzida percentagem, pois em qualquer divisão/zona da habitação a maioria dos idosos relatou que os interrutores estão bem localizados, ausência de piso escorregadio e boas condições de luminosidade natural. Contudo, há que reforçar que os fatores ambientais desempenham um papel de relevância em quase metade das quedas nos idosos, o que se deve a situações como a iluminação inadequada, ambientes monocromáticos, superfícies escorregadias ou irregulares, tapetes soltos, escadas íngremes, degraus altos ou estreitos, móveis frágeis, cadeiras e sanitas baixos, obstáculos no caminho, ausência de corrimãos em escadas, degraus e banheiros, prateleiras muito altas ou baixas e calçados inadequados, o que faz aumentar significativamente a possibilidade de queda em idosos (Gonçalves, 2013). A presença destes fatores, designadamente a presença de tapetes soltos, iluminação inadequada ou superfícies escorregadias, não se verificaram na presente amostra porque há um conjunto de intervenções na área da promoção da saúde aplicadas pela UCC aquando das visitas domiciliárias que se reverteram em ganhos em saúde. Apartir deste estudo outros fatores de risco foram identificados com o objetivo de se elaborarem intervenções na área da promoção da saúde baseadas nas necessidades identificadas por forma a diminuir o risco de queda e futuramente obter mais ganhos em saúde.
Conclusão
Conclui-se que os objetivos traçados foram atingidos e que o instrumento de colheita de dados utilizado foi bem-sucedido para alcançar os objetivos delineados. Apurou-se que cerca de um quinto da amostra já teve episódio de queda. As áreas da casa com alto risco de queda foram o quarto e o quintal. O género, o estado civil e as habilitações literárias não se associaram com o risco de queda, apenas as alterações auditivas e a idade >80 anos se associaram ao risco de queda no quintal. As instalações sanitárias associaram-se com o alto risco de queda em idosos com idade >80 anos. As alterações auditivas e idade >80 anos associaram-se com o risco de queda no quintal.
Os resultados indicam que é urgente avançar para uma política de prevenção, no sentido da prevenção de quedas em idosos. Na verdade, do profissional de saúde espera-se uma resposta com competência teórica e prática aos desafios do envelhecimento individual e populacional e, consequentemente, sendo necessário que se invista na formação dos recursos humanos para que possam intervir de forma eficaz e com qualidade nos cuidados à população idosa.
Entre as limitações, identificam-se, em primeiro lugar, as fragilidades inerentes a um estudo de tipo exploratório no decorrer duma pandemia, o escasso tempo disponível para a colheita dos dados não permitiu a constituição de uma amostra de dimensão que satisfaça totalmente os critérios dos autores mais exigentes. Também o facto de existirem poucos estudos em que a variável característica da habitação tivesse sido analisada, através de uma escala para avaliar o risco de queda no domicílio, pelo que, urge a necessidade de trabalhos futuros em que seja usado a Escala de Avaliação do Risco de Queda no Domicílio. O espaço de tempo em que foi realizado o estudo levou à reduzida dimensão da amostra. Apesar destas limitações, o presente estudo contribuiu para uma melhor compreensão desta problemática e essencialmente abrir portas para novas análises em que se considerem estas e outras variáveis. Deste modo, sugere-se que se replique este estudo com uma amostra maior, incluindo outras variáveis; criação de programas de intervenção multifatorial com o intuito de diminuir o risco de queda em idosos; nos cuidados de saúde primários tem que se implementar discussões sobre a problemática do risco de queda do idoso e criar um plano educacional.
Assim, a prevenção de quedas em idosos deve ser uma prioridade para o planeamento em saúde, visando o empoderando dos idosos e dos cuidadores para as consequências deletérias que a queda pode acarretar. Deve constituir uma prioridade as intervenções com vista à redução do risco de queda do idoso no domicílio, proporcionando uma melhor qualidade de vida para os idosos e cuidadores.