Introdução
Nos últimos anos tem-se verificado, em Portugal, um aumento no número de estudantes inscritos no ensino superior. Segundo dados da Pordata (2020), em 1978 existiam 81.582 estudantes inscritos no ensino superior, em 2015 este número era de 349.658 e em 2019 de 385.247. Na região centro e em Viseu também se tem verificado um aumento do número de estudantes no ensino superior (em 2015 registou-se 75.693 alunos inscritos na região centro e 4.739 em Viseu, em 2019 eram 82.439 inscritos no centro e 5.112 em Viseu). Perante este cenário, é fundamental que as instituições de ensino superior sejam promotoras de comportamentos saudáveis e constituam settings privilegiados para a promoção de estilos de vida saudáveis e capacitação da comunidade escolar (Fernandes, 2016). O comportamento hedonista, por parte dos estudantes do ensino superior, assenta na descoberta de toda uma nova e repleta vida de prazeres e felicidade imediatos nas suas horas de diversão. A entrada no ensino superior é um momento de viragem relevante na vida de qualquer estudante (Conselho Nacional de Juventude et al., 2015). Nesta etapa os jovens deparam-se com desafios sociais que são muitas vezes acompanhados de alterações nos estilos de vida. No entanto, é fundamental não descurar os cuidados do quotidiano devendo optar por escolhas e hábitos de vida saudáveis (Fernandes, 2016).
Devido às exigências e desafios que o percurso académico exerce sobre o estudante, sobretudo no período de lazer/social, frequentemente, as preferências dos estudantes recaem em atividades menos promotoras da sua saúde (Conselho Nacional de Juventude et al., 2015) tornando a prática de exercício físico e os bons hábitos de sono prioridades adiáveis. Por outro lado, priorizam a diversão e o prolongamento da mesma durante o período da noite. Assim, o objetivo principal desta revisão integrativa da literatura é descrever a influência do exercício físico no sono em estudantes do ensino superior.
1. Enquadramento teórico
O sono é um processo biológico natural do organismo e essencial à reparação e manutenção do equilíbrio biopsicossocial do ser humano (Associação Portuguesa do Sono, 2020). A importância e a compreensão do sono têm crescido, designadamente na investigação científica, por um lado pelo impacto que a vida moderna exerce sobre o ciclo sono-vigília e, por outro lado, pelo impacto que os maus hábitos de sono acarretam na saúde dos indivíduos, famílias e comunidades (Conde, 2017). O sono desempenha funções importantes e indispensáveis à vida (Halson, 2008). A má qualidade do sono afeta negativamente os dias das pessoas portadoras deste distúrbio, com sensação de sono não reparador, dificuldade na concentração, falta de energia, distúrbios do humor (irritabilidade, agressividade) e diminuição do rendimento escolar ou laboral (Associação Portuguesa do Sono, 2020).
O exercício físico é caracterizado por uma atividade física planeada, repetida e organizada, com o propósito de melhorar um ou mais elementos da aptidão física (Santa-Clara et al., 2015). Segundo a evidência científica, inatividade física é um fator de risco importante para as principais doenças não-transmissíveis e está associada à morte prematura de cerca de 5,3 milhões de pessoas anualmente em todo o mundo (Lee et al., 2012). Vários são os benefícios que o exercício físico exerce sobre a saúde independentemente da idade, género, entre outros aspetos. Nomeadamente, na juventude estes mesmos benefícios englobam a melhoria da aptidão cardiorrespiratória e muscular, melhoria da saúde óssea, redução do risco de morte por doença cardiovascular (hipertensão arterial, acidente vascular cerebral), diabetes mellitus tipo 2, síndrome metabólica, cancro do cólon e da mama, depressão, menor risco de fratura da anca ou vertebral e manutenção do peso (Médis, 2018).
Existem estudos que evidenciam uma relação bidirecional entre o sono e o exercício físico, ou seja, os indivíduos que praticam exercício físico dormem melhor e por outro lado quem dorme melhor pratica mais exercício físico (Atkinson & Davenne, 2007; Kline, 2015). É consensual que a repercussão do exercício físico sobre o sono se faz de forma diferente entre sujeitos sedentários e indivíduos treinados. Também o tipo de exercício (aeróbio, anaeróbio ou de força) tem consequências no sono. É consensual que o sono permite recuperar o esgotamento de energia e os danos tecidulares provocados pelo exercício (Faria et al., 2009; Santos, Tufik & De Mello, 2007).
2. Métodos
Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, considerada por muitos autores como uma ferramenta fundamental para iniciar estudos ou procurar semelhanças e diferenças nos artigos consultados (Souza, M., Silva, M. & Carvalho, R., 2010).
De acordo com o problema em estudo e segundo a metodologia PI[C]OD, formulou-se a seguinte questão de investigação: Será que o exercício físico influencia o sono em estudantes do ensino superior?
A pesquisa dos artigos científicos ocorreu com recurso às seguintes bases de dados: PubMed, B-On e Science direct. A pesquisa foi realizada entre os meses de agosto e outubro de 2020 considerando a data de publicação dos artigos entre 2015-2020.
Foram definidos e aplicados critérios de seleção, critérios de inclusão e exclusão, específicos para delimitar os artigos pesquisados, conforme quadro 1.
Critérios de seleção | Critérios de inclusão | Critérios de exclusão |
---|---|---|
Participantes | Estudantes do ensino superior (≥17 anos) | Idade ≤ 17 anos |
Intervenções | Exercício físico e sono. | Estudos que não analisem o exercício físico e sono. |
Comparações | Não aplicável | |
“Outcomes” | Influencia do exercício físico no sono em estudantes do ensino superior. | Estudos que não avaliem a influência do exercício físico no sono em estudantes do ensino superior. |
Tipos de estudo | Estudos experimentais, quase-experimentais, transversais, caso controlo, de coorte, ensaios clínicos controlados, randomizados, ensaios controlados aleatórios, exploratórios | Outros tipos de estudos não contemplados nos critérios de inclusão |
Considerou-se, também, como critérios de inclusão a data de publicação 2015-2020 por forma a selecionar literatura atual; artigos publicados nos idiomas português, inglês e espanhol porque são os idiomas de maior compreensão pelos investigadores, e com disponibilidade do artigo em full-text.
Utilizaram-se como descritores e conjugados com os operadores boleanos “exercise” OR “sleep”; “physical exercise” OR “sleep”, AND “higher education students”; “exercício” OR “sono”; “exercício físico” AND “sono” AND “estudantes do ensino superior”. Apesar de alguns termos não constituirem descritores MeSH, os mesmos foram utilizados porque são referenciados nas pesquisas efetuadas.
Da pesquisa efetuada encontrámos 40 artigos científicos, 33 na PubMed, 2 na B-On e 5 na Science direct. Numa primeira fase foram excluídos 7 porque estavam duplicados nas bases de dados utilizadas. Numa segunda fase analisou-se os artigos, procedeu-se à leitura dos títulos dos diferentes estudos, seguida da leitura dos respetivos abstracts de modo a se aplicarem os critérios de seleção. De seguida realizou-se uma leitura integral dos estudos selecionados, por dois investigadores. Excluímos 28 por não apresentarem texto integral e pela data de publicação. Assim, foram considerados elegíveis cinco em full-text e na data de publicação considerada (2015-2020). Destes apenas foram considerados quatro artigos por cumprirem todos os critérios de inclusão acima apresentados.
3. Resultados
De acordo com os artigos selecionados e no sentido de sintetizar os resultados obtidos recorreu-se à organização dos mesmos como Quadro 2.
Autor | Título | Amostra | Objetivos | Principais Resultados/ Conclusão |
---|---|---|---|---|
Kline, 2015 | The bidirectional relationship between exercise and sleep: Implications for exercise adherence and sleep improvement | - | Sustentar o uso do exercício como tratamento não farmacológico para a perturbação do sono, esboçar pesquisas futuras que são necessárias para estabelecer a viabilidade do exercício como um tratamento comportamental do sono, descrever pesquisas recentes que enfatizaram a influência potencial do sono de má qualidade nos níveis de atividade diurna, e discutir se melhorar o sono pode facilitar a adoção e/ou melhorar adesão a um estilo de vida fisicamente ativo. | Tanto o sono de má qualidade/insuficiente quanto a inatividade física são prioridades significativas de saúde pública. O interesse pela relação bidirecional entre exercício e sono aumentou nos últimos anos, presumivelmente devido ao aumento do reconhecimento do valor do sono e a modificabilidade de comportamentos de sono e exercício. São necessárias pesquisas adicionais para superar o enigma atual - embora o exercício possa ser um tratamento comportamental importante para melhorar o sono de má qualidade e/ou insuficiente, o sono reparador pode ser um impedimento fundamental para iniciar e/ou manter um estilo de vida fisicamente ativo. |
Chang et al., 2016 | Association between exercise participation and quality of sleep and life among university students in Taiwan | n = 1230 estudantes universitários Idade = 18-25 anos | Investigar a associação atual entre a participação em exercícios físicos, a qualidade do sono e a qualidade de vida entre estudantes universitários de Taiwan. | Os estudantes com melhor autoperceção de saúde ou satisfação com a participação em exercícios físicos apresentaram melhor qualidade do sono e melhor qualidade de vida. |
Dolezal et al., 2017 | Interrelationship between sleep and exercise: a systematic review | Idades dos diferentes estudos 21-26 anos | Resumir a literatura mais recente explorando como diferentes modalidades de exercício influenciam as qualidades subjetivas e objetivas do sono e o impacto da qualidade e duração do sono sobre o desempenho dos exercícios. | -Vários estudos em jovens adultos, principalmente universitários, revelaram efeitos mistos do exercício físico sobre o sono. Variações nos métodos destas investigações tornam difícil comparar os resultados entre os estudos (Lang et al., 2016). -Yamanaka et al. (2015) avaliaram os efeitos agudos do exercício aeróbio diário em jovens adultos do sexo masculino ao longo de seis noites. Estes investigadores relataram que o exercício diário de intensidade moderada teve vários efeitos dependendo da hora do dia em que o exercício físico era executado. A interpretação desses resultados sugere que o momento da prática do exercício físico é importante para a qualidade do sono. Os autores concluíram que o exercício físico no início do dia pode melhorar a qualidade do sono noturno. -Alley et al. (2015) concluíram que, independentemente do tempo do dia, praticar exercícios de resistência melhora a qualidade do sono. -Harp (2015) avaliou os efeitos crónicos do exercício no sono em jovens adultos durante 15 semanas de prática de exercício físico. Concluíram que idade, sexo e composição corporal relacionam-se com a qualidade do sono. |
Badicu, 2018 | Physical Activity and Sleep Quality in Students of the Faculty of Physical Education and Sport of Brasov, Romania | n=419 estudantes da Transilvania University of Brasov Idade ≥18 anos | Avaliar o nível de atividade física e a qualidade do sono em alunos da Faculdade de Educação Física e Desporto de Brasov, Roménia e analisar a correlação entre estes dois parâmetros. | Existem diferenças estatísticas significativas entre o nível de exercício físico e a qualidade do sono. |
3. Discussão
Estudos têm demonstrado a importância e a influência do exercício físico e do sono nos bons hábitos de saúde e qualidade de vida, em diversos grupos etários. O estilo de vida adotado pelos jovens representa um grande risco para a saúde, devido às exigências académicas, ao aumento do recurso às novas tecnologias, às alterações alimentares, às relações sociais, à falta de exercício físico e à má qualidade e quantidade de sono. O exercício físico é muitas vezes considerado como um componente geral de bem-estar. Para além da importância da análise do exercício físico neste grupo etário, a discussão sobre o sono é particularmente relevante para os estudantes do ensino superior porque as alterações provocadas pelo ingresso na universidade, a saída de casa dos pais, mudanças a nível social e emocional também acarretam alterações nos padrões de sono, as quais, por sua vez, constituem crescente preocupação no âmbito da saúde pública e da educação. Estudos científicos revelam que o exercício regular melhora a duração do sono, a qualidade do sono, reduz o atraso no início do sono e melhora a eficiência do sono e a qualidade de vida em geral (Chang et al., 2016; Podhorecka et al, 2017; Kline, 2015).
Tendo em conta os escassos estudos incluídos na presente investigação e, apesar da evidência mostrar que a prática de exercício físico melhora o sono, dependendo das horas do dia a que este é praticado, é possível observar que nem todos os estudos corroboram da mesma conclusão. É de notar que a idade, o género, a área de residência, a cultura, a universidade que os estudantes frequentam, os estilos de vida adotados, entre outros, são fatores que podem influenciar a prática de exercício físico e a sua relação com o sono. Também se torna difícil analisar o problema quando a maior parte dos estudantes do ensino superior, a nível mundial, não pratica exercício físico.
Um estudo conduzido por Podhorecka et al. (2017) mostrou que existe uma correlação estatística significativa entre o esforço físico e o sono, as pessoas que realizam atividade física intensa ou moderada acordaram com menos frequência durante a noite, adormeceram mais rápido e relatam sono de melhor qualidade.
Wu et al. (2015) constataram que com o aumento da prática de exercícios físicos, os estudantes universitários expressaram um aumento na promoção e proteção em relação à depressão, sintomas psicopatológicos e sono insatisfatório. No estudo realizado por Chang et al. (2016) com uma amostra de 1230 estudantes universitários concluiu-se que os estudantes com melhor autoperceção de saúde ou satisfação com a participação em exercícios físicos apresentaram melhor qualidade do sono e melhor qualidade de vida. Na meta análise realizada por Dolezal et al. (2017) concluiu-se que vários são os efeitos que o exercício físico exerce sobre o sono dos jovens adultos. No estudo de Oliveira (2016) realizado com uma amostra de 75 jovens adultos concluiu-se que as variáveis relativas à prática desportiva foram as que tiveram mais impacto causaram na qualidade do sono. E no estudo de Kline (2015) concluiu-se que, apesar da necessidade de efetuarem mais estudos, existe realmente uma relação bidirecional entre o exercício físico e o sono.
Sono e exercício físico dois hábitos fundamentais para um melhor desempenho académico e profissional e qualidade de vida em geral. A evidência tem mostrado que o exercício está associado a um sono de melhor qualidade e quantidade. Há estudos que demonstram a eficácia do exercício como tratamento não farmacológico para o sono insuficiente e de má qualidade e outros mostram que o sono não reparador pode contribuir para baixos níveis de atividade física, enfatizando uma relação bidirecional robusta entre exercício e sono (Kline, 2015).
Contudo pouca atenção tem sido dada à possibilidade de que os vários componentes de um regime de exercícios (por exemplo, dose, modo, tempo) tenham efeitos diferenciais no sono. Os estudos experimentais normalmente avaliam exercícios aeróbicos de intensidade moderada ou exercícios de resistência de intensidade moderada sono (Kline, 2015).
Conclusão
Uma das medidas de higiene do sono inclui a prática de exercício físico. Os estudos mostraram que a prática de exercíco físico, dependendo do tipo e continuidade do mesmo, pode melhorar a qualidade e quantidade do sono. As instituições do ensino superior devem ser promotoras de estilos de vida saudáveis, designadamente da prática de exercício físico e capacitação da comunidade académica quanto aos benefícios de um sono reparador.