Introdução
A literatura documenta que o tempo dedicado à prática de atividade física tem um impacto positivo no sucesso escolar, estando relacionado com a obtenção de melhores resultados académicos (Von Hippel & Bradbury, 2015). Uma vez que a atividade física aumenta a socialização, promove a função executiva e reduz a depressão, parece razoável considerar que a mesma possa trazer benefícios ao rendimento escolar. A atividade física pode influenciar a saúde e o desenvolvimento intelectual, resultando em melhoria do desempenho escolar (Kalantari & Esmaeilzadeh, 2015). De acordo com Alexander, Hay, Liu, Faught, Engemann & Cairney (2015), os estudantes que reportam uma atitude mais positiva face ao sucesso escolar, apresentam uma relação positiva com a prática de atividade física.
O interesse por esta temática tem evoluído e segundo Pandolfo, Minuzz, Azambuja e Santos (2018), o número de estudos tem aumentado, mas com incidência na relação entre a prática de atividade física e o rendimento escolar em estudantes até ao ensino secundário, mormente no âmbito da prática de desporto escolar e da disciplina de Educação Física, sugerindo que a prática de atividade física, em contexto escolar e extraescolar, tem consequências positivas para além das relacionadas com a saúde física. Os mesmos autores referem que as evidências sugerem uma relação entre a prática de atividade física regular e o desempenho académico durante a infância e a adolescência, o que é desencadeado pelos efeitos positivos que a atividade física tem no humor, memória, concentração e comportamento na sala de aula. No entanto, embora as evidências sugiram que a prática de atividade física tem efeitos positivos no rendimento escolar, ainda são escassos os estudos que referem esta relação em estudantes do ensino superior. Assim sendo, optou-se por realizar este estudo de revisão sistemática da literatura, através do qual se procura dar resposta à seguinte questão de investigação: Existe relação entre a atividade física e o rendimento escolar nos estudantes do ensino superior?
1. Enquadramento teórico
Estudos de neurociência, com recurso a modelos animais, revelam que, a nível molecular, o exercício aeróbio aumenta os níveis de fatores de crescimento responsáveis pela plasticidade sináptica, particularmente no hipocampo (Voss, Vivar, Kramer & van Praag, 2013). A nível celular, acredita-se que a produção aumentada do fator de crescimento promova o desenvolvimento de novos vasos sanguíneos e neurónios e a sua integração nas redes de células existentes nesta região. Estudos de neuroimagem em adultos, e cada vez mais em crianças, encontraram suporte para a atividade física e as mudanças relacionadas com a aptidão na função e estrutura do cérebro. Por exemplo, o volume do hipocampo é maior em crianças com maior ajuste e pode mediar a relação entre o nível de aptidão e os resultados de memória (Cotman, Berchtold & Christie, 2007; Chaddock, Erickson, Prakash et al., 2010). As evidências sugerem que a prática de atividade física transforma as propriedades funcionais e estruturais de determinadas estruturas cerebrais, o que contribui para a melhoria da capacidade de aprendizagem. A atividade física aumenta as funções executivas, atenção, memória e a velocidade de processamento, a longo prazo. Além disso, tem efeitos imediatos, por exemplo, aumenta a capacidade de memória (Hotting & Roder, 2013). De acordo com os mesmos autores, o cérebro humano adapta-se às novas exigências, alterando as suas propriedades funcionais e estruturais (neuroplasticidade), o que resulta na aprendizagem e aquisição de habilidades. As evidências convergentes de estudos com seres humanos e com animais sugerem que a atividade física facilita a neuroplasticidade de certas estruturas cerebrais e, como resultado, as funções cognitivas. Estudos em animais identificaram um aumento da neurogénese, sinatogénese, angiogénese e a liberação de neurotrofinas como mecanismos neurais que mediam os efeitos cognitivos benéficos da atividade física (Hotting & Roder, 2013). Um estudo realizado por Costa, Rodrigues & Carvalho (2011), em Portugal, demonstrou que os estudantes com níveis mais elevados de prática de atividade física apresentaram uma maior tendência para a obtenção de scores mais elevados em termos de rendimento escolar. Embora os estudantes do sexo feminino não tenham apresentado essa tendência com tais evidências, os estudantes com níveis mais baixos de aptidão física mostraram piores resultados ao nível do seu desempenho académico.
Mais recentemente, estudos revelam que o aumento da prática regular de atividade física, ao melhorar a capacidade fisiológica, aumenta a capacidade de atenção e desencadeia a liberação de neurotransmissores, melhorando os processos cognitivos. A prática de atividade física aeróbica aumenta a aptidão cardiovascular e é considerada como um adjuvante na melhoria da função cerebral através da neurogénese e angiogénese em áreas responsáveis pela memória e aprendizagem, bem como promove a cognição (Álvarez-Bueno, Pesce, Cavero-Redondo, Sánchez-López, Pardo-Guijarro & Martínez-Vizcaíno, 2016). Além disso, há evidências de que a prática de atividade física regular promove a autoperceção positiva, a regulação emocional e o funcionamento cognitivo, que podem ser fatores que contribuem para melhorar a performance cognitiva e o rendimento escolar (Tomporowski, McCullick, Pendleton & Pesce, 2015; Álvarez-Bueno et al., 2016). Na sua umbrella review, Barbosa, Whiting, Simmonds, Moreno, Mendes e Breda (2020) verificaram algumas associações positivas ou mistas entre a prática regular de atividade física e o rendimento académico. A partir de meta-análises, observaram que uma baixa prática atividade física teve nulos ou pequenos efeitos positivos no desempenho académico em crianças e adolescentes.
Estudantes de escolas tailandesas participaram num estudo realizado por Chen, Fox, Ku e Taun (2013) e ficou demonstrado que a melhoria da aptidão cardiovascular, decorrente da prática de atividade física regular, influenciou o desempenho académico, embora não se tenham registado associações diretas entre a aptidão física e a performance académica. Corroborando estes resultados, o estudo de Kantomaa, Stamatakis, Kankaanpää, Kajantie, Taanila e Tammelin (2015), com estudantes finlandeses, revela que os jovens com elevados níveis de desempenho académico foram os que despendem de mais tempo com a prática de atividade física. Estes apresentaram maiores chances de ter melhor rendimento escolar em comparação com os seus pares sedentários.
Um estudo realizado por Esteban-Cornejo, Hallal, Mielke, Menezes, Gonçalves, Wehrmeister et al. (2015), que teve como objetivo examinar as associações entre a atividade física com as atividades académicas e o desempenho cognitivo, revela que os estudantes que são ativos em níveis moderados tendem a ter níveis de performance cognitivos superiores.
2. Métodos
Tendo-se como objetivo a sistematização do conhecimento atual sobre a relação entre a atividade física e o rendimento escolar nos estudantes do ensino superior, realizou-se uma revisão integrativa da literatura, que consiste num método que faculta a síntese de conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática. A prática baseada na evidência torna-se na atualidade o ponto fulcral para o desenvolvimento do conhecimento em enfermagem (Souza, Silva & Carvalho, 2010).
De acordo com os autores supracitados, a revisão integrativa da literatura traduz-se numa ampla abordagem metodológica, possibilitando a inclusão de estudos experimentais e não-experimentais para uma compreensão completa do fenómeno analisado. Combina dados da literatura teórica e empírica, tendo como objetivos: “definição de conceitos, revisão de teorias e evidências e análise de problemas metodológicos de um tópico particular” (Souza, Silva & Carvalho, 2010, p. 103).
Para selecionar os estudos primários para esta revisão integrativa da literatura, aplicou-se o método PI[C]O (Quadro 1): participants - participantes [P]; interventions - intervenções [I]; comparators - comparações [C], caso existam; outcomes - resultados [O].
Tendo por base estes pressupostos teóricos, definiu-se a questão de investigação que se enuncia:
- Existe relação entre a atividade física e o rendimento escolar nos estudantes do ensino superior?
Com o objetivo de se limitarem os estudos, foram definidos e aplicados critérios de seleção mais específicos (cf. quadro 1). Estes critérios são justificados com o facto de a maioria dos estudos sobre o tema em análise terem maioritariamente como participantes estudantes até ao ensino secundário, como demonstrou a pesquisa sem filtros. Assim, optou-se por estes limitadores para se obterem estudo que incidissem em estudantes do ensino superior.
PICO | Critérios de inclusão | Critérios de exclusão |
Participantes | Estudantes do ensino superior | Idade ≤ 18 anos |
Intervenções | Atividade física e rendimento escolar | Estudos relativos às variáveis em estudo. |
Comparações | Não aplicável | |
Resultados “Outcomes” | Os resultados em que há relação entre a prática de atividade física e o rendimento escolar | Estudos que não vão ao encontro dos outcomes esperados. |
Para a identificação de estudos relevantes em conformidade com os critérios definidos, realizaram-se pesquisas que incluíram os estudos publicados entre janeiro de 2015 e outubro de 2020, nos idiomas português e inglês, recorrendo às seguintes plataformas eletrónicas de bases de dados: PubMed e B-On.
Foram utilizados os termos previamente citados, conjugados com os operadores boleanos da seguinte forma: “Exercise” [MeSH Major Topic] OR "Exercise, Physical [Entry Term(s)] OR “Physical Activity” [Entry Term(s)] AND “Students” [MeSH Major Topic] AND “Education” [MeSH Major Topic] AND “Universities” [MeSH Major Topic] AND “Performance” AND “Cognitive Performance”. Apesar dos dois últimos termos não serem descritores MeSH, optou-se por incluí-los na pesquisa, uma vez que são termos recorrentes na literatura sobre a temática em estudo e referem-se ao desempenho cognitivo/académico, estando relacionados com o rendimento escolar.
Os descritores supracitados, em língua portuguesa e inglesa, foram utilizados nos referidos motores de busca científico, com o objetivo de realizar uma pesquisa mais profunda e para a obtenção dos textos completos das publicações que tinham sido identificadas. Foram encontrados 11 estudos (PubMed n=7; B-On n=4), dos quais 5 foram excluídos por se encontrarem duplicados nas bases de dados e 3 apenas davam acesso ao abstract, tendo sido excluídos. Tendo em conta o objetivo da pesquisa, ficou-se com 3 estudos primários, cujos outcomes dão resposta à questão de investigação.
3. Resultados
No quadro seguinte, apresenta-se os resultados dos estudos incluídos, cuja discussão é feita a posteriori.
Estudo 1 | Machek, O., & Janota, J. (2019) |
Objetivo | Determinar a relação entre a atividade física e o rendimento escolar de estudantes do ensino superior |
Participantes | 159 estudantes de Mestrado da Faculdade de Administração de Empresas, Universidade de Economia, Praga, com uma idade média de 24.15 anos; a maioria dos participantes situavam-se na faixa etária do 23-27 anos, no entanto, havia também dois estudantes mais velhos com 29 e 30 anos. |
Resultados | Os resultados sugerem que o exercício aeróbico tem um efeito positivo no rendimento escolar, mas apenas entre os estudantes do género feminino. Não foi encontrado nenhum efeito do exercício anaeróbio no rendimento escolar. O rendimento escolar também foi influenciado negativamente pela idade dos estudantes, sendo os estudantes mais velhos os que menos praticam atividade física e apresentam pior rendimento escolar. |
Estudo 2 | Felez-Nobrega, M., Hillman, C.H., Dowd, K.P., Cirera, E., & Puig-Ribera, A. (2018). |
Objetivo | Averiguar a relação entre o comportamento sedentário, a prática de atividade física e rendimento escolar |
Participantes | 120 estudantes do ensino superior (com uma idade média de 20.6 ± 2.3 anos) |
Resultados | A prática de atividade física leve, moderada a vigorosa e o tempo sedentário total, tempo total em pé e número total de pausas sedentárias correlacionaram-se com o rendimento escolar. Independentemente do nível de prática de atividade física, a quantidade de tempo de interrupção de momentos sedentários de 10-20 minutos durante a semana foi positivamente correlacionada com o rendimento escolar. Dado que estudantes do ensino superior passam a maior parte do dia em ambientes que levam à permanência prolongada de sedentarismo, os dados sugerem que as interrupções de períodos prolongados de tempo sentados com intervalos promotores de prática de atividade física podem otimizar as operações cognitivas associadas ao rendimento escolar. |
Estudo 3 | Chung, Q.E., Abdulrahman, S.A., Khan, M.K.J., Sathik, H.B.J., & Rashid, A. (2018). |
Objetivo | Determinar a relação do nível de atividade física com o rendimento escolar e o nível de autodeterminação. |
Participantes | 244 estudantes de medicina da Cyberjaya University College of Medical Sciences (CUCMS) |
Resultados | Metade dos estudantes do sexo masculino (51.7%) praticava atividade física para melhoria da saúde, em comparação com apenas 24.7% das mulheres. A chance de ter melhor rendimento escolar foi duas vezes maior entre os estudantes ativos fisicamente (odds ratio [OR] = 1.89, IC de 95% [1.09, 3.27], p=0.023) do que entre os estudantes não ativos. Os estudantes mais ativos fisicamente foram os do género masculino (OR=3.16, IC 95% [1.61, 6.14], p<0.01), bem como os estudantes com peso normal comparativamente aos estudantes com excesso de peso. |
4. Discussão
A análise dos artigos que constituíram o corpus de análise desta revisão integrativa da literatura indica que todos são consensuais quanto ao facto de haver relação entre a prática de atividade física e o rendimento escolar de estudantes do ensino superior. Os estudos confirmam uma associação significativa entre o nível de atividade física moderada e vigorosa e um melhor desempenho académico melhor, comparativamente aos estudantes com níveis mais elevados de inatividade física.
Estes resultados podem ser explicados, segundo Chung, Abdulrahman, Khan et al. (2018), com os efeitos positivos da atividade física na melhoria da circulação sanguínea para o cérebro, crescimento de novas células cerebrais e proteínas neurotróficas derivadas do cérebro, níveis aumentados de neurotrofinas e neurotransmissores, bem como às mudanças na plasticidade sináptica e densidade da coluna vertebral que têm o potencial de mediar os efeitos benéficos na aprendizagem e na memória, o que está em conformidade com Vivar, Potter e van Praag (2013).
As evidências apresentadas no presente estudo indicam que há uma relação entre o rendimento escolar, uma melhor aptidão física e boa capacidade aeróbia. A intensidade da prática de atividade física também parece influenciar o rendimento escolar (Felez-Nobrega, Hillman, Dowd et al., 2018). Estes dados corroboram os encontrados numa revisão sistemática que mostrou a existência de uma associação positiva dos programas de atividade física sobre os resultados académicos, bem como associações positivas entre a atividade física e as medidas de cognição (Mota, Picado, Assunção, Alvito et al., 2015; Álvarez-Bueno et al., 2016). Batista, Cubo, Honorio e Martins (2016) investigaram a influência da atividade física no autoconceito, na autoestima e no rendimento escolar e também encontraram uma correlação positiva. Os estudantes que participavam ativamente em desportos individuais e coletivos ou que praticavam educação física revelaram-se mais autoconfiantes e tiveram melhores resultados em termos de rendimento escolar. Os resultados do estudo de Hotting e Roder (2013) sugerem que o exercício físico pode desencadear processos facilitadores da neuroplasticidade e, com isso, potenciar a capacidade da pessoa de responder a novas exigências relativas às adaptações comportamentais, o que é corroborado por Barbosa et al. (2020). De facto, há estudos que sugerem que a combinação do treino físico e cognitivo pode resultar num aprimoramento mútuo de ambas as intervenções. Além disso, sugerem que, para manter os benefícios neurocognitivos induzidos pela atividade física, deve manter-se num aumento do nível de aptidão cardiovascular (Hotting & Roder, 2013). Mais recentemente, a literatura tem levantado a hipótese de que a prática regular de atividade física melhora a função executiva, o que, por sua vez, tem um impacto na inibição, na memória de trabalho e na flexibilidade cognitiva, componentes associados ao rendimento escolar (Sneck, Viholainen, Syväoja, Kankaapää, Hakonen, Poikkeus & Tammelin, 2019). Além disso, Zhang, Räsänen, Koponen, Aunola, Lerkkanen e Nurmi (2017) e Lowrie, Logan e Ramful (2017) referem que a prática de regular de atividade física, ao contribuir para a melhoria das habilidades cognitivas e da capacidade de memória de trabalho, contribuiu para um aumento da capacidade de aprendizagem, o que se traduz em melhor rendimento escolar.
Conclusão
Este estudo, apesar das limitações encontradas, sendo a mais evidente o facto de serem escassos os estudos que abordem a relação entre a atividade física e o rendimento escolar nos estudantes do ensino superior, evidencia o impacto positivo que a prática de atividade física tem no rendimento escolar. Ficou demonstrado que os estudantes com melhores resultados académicos são os que mais se envolvem na prática de atividade física. Todavia, também ficou demonstrado que os estudantes do ensino superior revelam ainda baixos níveis de prática de atividade física, devido às atividades académicas, que os leva a tempos mais longos de sedentarismo. Existem muitas evidências de que a prática regular e moderada de atividade física tem benefícios incontestáveis para a saúde física, psicológica e social, contribuindo de forma significativa para o bem-estar geral dos estudantes, com implicações positivas no seu rendimento escolar.
Face ao exposto, considera-se que será importante realizarem-se mais estudos com estudantes do ensino superior, uma vez que têm sido mais estudados os que se encontram em níveis de ensino inferiores (ensino básico e secundário), ou seja, a maioria das pesquisas situavam-se em faixas etárias abaixo dos 18 anos. Será também importante que as instituições do ensino superior desenvolvam programas de educação para a saúde para motivar os estudantes para a prática de atividade física. Estimular a prática de atividade física em estudantes do ensino superior pode ser um meio favorecedor do desenvolvimento das suas competências sensoriais, motoras, cognitivas e emocionais, um meio potenciador de melhor rendimento escolar.