Introdução
O carácter transversal, central e estratégico dos processos de comunicação em saúde demonstram a sua relevância nos diferentes contextos de atuação do fisioterapeuta, já que comunicação em saúde engloba todas as áreas nas quais esta é relevante, através da transmissão de mensagens com o intuito de promover, educar para a saúde, prevenir, evitar fatores de risco e doenças, sugerir, recomendar mudanças de comportamento e autocuidados, informar sobre a saúde, a doença e planos de tratamento (Teixeira, 2004).
As competências de comunicação clínica/em saúde (CCC/S) podem ser aprendidas, treinadas e otimizadas e estão comprovadamente em contínuo desenvolvimento desde a fase inicial de formação, o que reforça a importância da introdução do seu ensino na aprendizagem pré-graduada (Dong et al., 2015; Morgado et al., 2019; Taveira-Gomes et al., 2016).
Na emergente transformação digital a World Physiotherapy (2020) aponta o ensino online como um recurso alternativo à tradicional sala de aula, podendo os alunos beneficiar de uma maior autonomia.
Com o presente estudo pretendeu-se verificar a eficácia de um programa e-learning de treino de CCC/S, para alunos de fisioterapia e conhecer a sua perceção quanto à intervenção.
1. Enquadramento teórico
Segundo Sequeira (2016) Comunicação Clínica e em Saúde ocorre num contexto de prestação de cuidados de saúde, com regras próprias, em função dos profissionais de saúde em interação e do tipo de intervenção, de acordo com códigos deontológicos e de ética, está presente num ato clínico e refere-se à comunicação que os profissionais estabelecem para avaliarem uma situação, realizarem uma intervenção, bem como para documentarem os cuidados prestados e planearem os próximos contactos, estando ainda presente nos momentos de partilha de experiências clínicas entre os diferentes elementos da equipa de saúde. Logo, para além das competências gerais, como qualquer profissional de saúde, o fisioterapeuta tem de adquirir competências para além das do domínio técnico, com destaque para as CCC/S, cuja relevância encontra-se reforçada pelas diretrizes nacionais e internacionais da profissão (Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, 2020; European Network of Physiotherapy in Higher Education, 2017; Ordem dos Fisioterapeutas, 2021; World Physiotherapy - Europe region, 2018), particularmente os Cuidados Centrados na Pessoa, a Tomada de Decisão Partilhada e a Empatia (Santos et al., 2020), sendo esta última identificada por consenso de peritos como uma das competências de comunicação centrais na formação pré-graduada em fisioterapia e na aprendizagem contínua de fisioterapeutas (Queirós et al., 2021; Santos et al., 2021). A relação existente entre empatia terapêutica e cuidados centrados na pessoa tem implicações na prática e no ensino nos dois campos (Hardman & Howick, 2019).
Com a premente necessidade de se envolver os indivíduos com alterações de comunicação ou perturbações da linguagem na tomada de decisões partilhada, proporcionando-lhes a participação no estabelecer de objetivos de tratamento e de vida (Baylor & Darling-White, 2020), é exigido ao fisioterapeuta uma adequação da comunicação que permita ao paciente participar na discussão e tomada de decisões em matéria de cuidados de saúde (Agaronnik et al., 2019; Carragher et al., 2021).
O ensino de competências de comunicação tem sido historicamente relegado para uma subdisciplina de outras unidades curriculares ou limitado às noções básicas (Santos et al., 2021) assim, importa conhecer o que resulta e o que não resulta (Headly, 2007) já que acrescentar novos conteúdos a um currículo acarreta custos em termos de tempo e dinheiro.
Em 2021 a Sociedade Portuguesa de Comunicação Clínica em Cuidados de Saúde (SP3CS) apresentou as linhas orientadoras e recomendações para o ensino/aprendizagem de CCC/S dos estudantes e profissionais de saúde, documento que se propõe a reforçar a relevância da comunicação na relação clínica e a “necessidade de aprender, ensinar, desenvolver, praticar, treinar e consolidar competências de comunicação clínica” (SP3CS, 2021, p. 2).
Em comparação com outras profissões da saúde, como medicina, medicina dentária e enfermagem, a utilização das novas tecnologias no ensino em fisioterapia é muito pouco estudada (Ødegaard et al., 2021). Apesar de escassa, a investigação nesta área revela potencial na implementação de metodologias digitais e evidencia que estas têm a capacidade de melhorar o desempenho das competências técnicas, a aquisição de conhecimentos e a consolidação das aprendizagens (Røe et al., 2019). Apesar de não ser um fenómeno novo, o formato e-learning ganhou um outro ímpeto com a pandemia de COVID-19. O acesso a plataformas de ensino permite aos alunos a flexibilidade e a independência necessária para aprenderem sem os limites físicos e de tempo, permitindo que estes se mantenham ativamente envolvidos no processo de aprendizagem (Pitikoe et al., 2021).
Embora existam críticas a métodos de aprendizagem usando meios digitais no ensino em fisioterapia (Ødegaard et al., 2021; Unge et al., 2018), os resultados sugerem que os modelos de ensino digital à distância são tão ou mais eficazes em comparação com o ensino tradicional (Ødegaard et al., 2021; Røe et al., 2019), sendo uma prática cada vez mais comum, é apresentado pela World Physiotherapy (2020) como um recurso educacional a ser mais utilizado no futuro, formato que se tem mostrado particularmente promissor no ensino de CCC/S há mais de uma década (Headly, 2007).
2. Métodos
Tratou-se de um estudo longitudinal quasi-experimental.
Os estudos quase-experimentais são por norma o método mais indicado para fazer inferências causais, sendo adequado para observar os efeitos de uma intervenção particular num grupo específico, permitindo trabalhar um vasto número de variáveis em simultâneo, apresentando como limitação o facto de não envolver amostras aleatórias, o que poderá condicionar a generalização das suas conclusões (Euzébio et al., 2021). Pattison et al.(2019) defendem este tipo de estudos no campo da pesquisa educacional, já que se trata de um poderoso instrumento, em que se parte dos dados empíricos de uma situação, para estabelecer relações de causa-efeito.
2.1 Amostra
Foram definidos como critérios de inclusão: ser maior de idade e ser aluno do 2º ou 3º ano da licenciatura em fisioterapia da Escola Superior de Saúde-Fernando Pessoa (ESS-FP) e como critérios de exclusão: não ser fluente em português e já ter feito formação específica em CC/S. Assim, a seleção da amostra foi intencional e de conveniência.
A amostra final foi constituída por 34 alunos inscritos no ano letivo de 2021/2022 na licenciatura em fisioterapia da ESS-FP, cuja mediana da idade era 21 (19-30), maioritariamente do sexo feminino, do 3º ano e que haviam realizado pelo menos um momento de ensino clínico/estágio.
2.2 Instrumentos de recolha de dados
Foram desenvolvidos dois questionários específicos: o Sociodemográfico (idade, género, ano de curso, formação anterior em CCC/S, frequência de estágio/ensino clínico), aplicado pré-intervenção e o de Avaliação/Satisfação da formação (objetivos, conteúdos, estruturação, aplicabilidade, recursos e materiais, expetativas/necessidades, plataforma, formato, tipo de sessões), aplicado pós-intervenção.
Foram utilizados dois instrumentos de autorresposta adaptados e validados à população portuguesa: o IRI- Índice de Reatividade Interpessoal (Limpo et al., 2010) e o PPOS- Patient-Practitioner Orientation Scale (Grilo et al., 2018). A versão portuguesa do IRI é constituída por 24 itens, divididos por quatro subescalas (tomada de perspetiva, preocupação empática, desconforto pessoal e fantasia) cada uma com seis itens. O PPOS é utilizado para avaliar as atitudes em cuidados centrados no paciente, com duas subescalas Sharing e Caring, constituída por 18 itens, correspondendo a cada subescala nove itens.
2.3 Análise estatística
Recorreu-se à mediana e âmbito interquartil e ao teste não paramétrico Wilcoxon Signed Ranks test para a comparação dos scores pré e pós intervenção, usando-se um nível de significância de 5%.
A análise estatística foi realizada com recurso ao software Microsoft Excel 14.0 (Office 2010) para Windows® e IBM SPSS Statistics 27.0.1®.
2.4 Procedimentos
O presente estudo foi alvo de parecer positivo por parte da Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa e de autorização por parte da Direção da ESS-FP, bem como permissão dos autores para a utilização dos instrumentos de avaliação IRI e PPOS.
Programa em formato e-learning, através da plataforma Moodle®, estruturado em oito módulos; as sessões assíncronas, com a duração estimada de 90 minutos de estudo autónomo em cada um dos primeiros sete módulos, permitiu ao participante acesso contínuo aos conteúdos programáticos, através de recursos e materiais pedagógicos, tais como: vídeos-modelo; Power Point com o tema da sessão; PDF (recursos bibliográficos), progredindo na formação obrigatoriamente por ordem numérica (crescente) dos módulos, só sendo permitido início de um módulo após conclusão do anterior; módulos que estiveram disponíveis para conclusão por um período de seis semanas. O oitavo módulo, em sessão síncrona com a investigadora, com a duração de quatro horas, realizou-se em pequenos grupos, para em pares ou tríades, treinarem e aplicarem os conhecimentos adquiridos, através de casos clínicos (fictícios), situações hipotéticas, com apresentação e discussão de propostas, por parte dos alunos, de quais as competências a utilizar em cada caso e de role-play com feedback dos pares e da investigadora, com momentos de reflexão sobre o desempenho e promoção de mudanças no sentido de uma comunicação mais adequada.
Os métodos pedagógicos foram essencialmente: o expositivo, interrogativo e demonstrativo, com disponibilização de chat e email, onde o formando pôde solicitar esclarecimento de dúvidas, assim como receber feedback ao longo da formação.
Os módulos da formação foram antecedidos do módulo zero (de 90 minutos) em modo síncrono com a investigadora, com os objetivos específicos de: conhecer a temática da investigação; ficar esclarecido em relação ao objetivo, natureza e procedimento do estudo; dar assentimento informado, livre e esclarecido; conhecer objetivos, estrutura e conteúdos programáticos da formação; fazer com sucesso registo na plataforma da formação; responder ao questionário sociodemográfico, PPOS e IRI.
3. Resultados
Verificou-se, da primeira para a segunda avaliação, um aumento nas pontuações da subescala IRI tomada de perspetiva (TP) e uma diminuição nas subescalas IRI preocupação empática (PE), desconforto pessoal (DP) e fantasia (F), resultando num aumento da empatia cognitiva e diminuição da empatia afetiva; e um aumento nas pontuações de ambas as subescalas PPOS, Sharing (S) e Caring (C); variações sem significado estatístico (Tabela 1).
(Sub)Escala | 1ª avaliação mediana (âmbito interquartil) | 2ª avaliação mediana (âmbito interquartil) | p |
---|---|---|---|
IRI | 2,5 (2,1 ; 3,0) | 2,4 (2,0 ; 2,7) | 0,521 |
IRI-TP | 3,2 (2,5 ; 3,5) | 3,3 (2,7 ; 3,7) | 0,616 |
IRI-PE | 3,2 (2,7 ; 3,5) | 3,0 (2,7 ; 3,5) | 0,599 |
IRI-DP | 1,6 (1,2 ; 2,3) | 1,5 (1,0 ; 2,0) | 0,340 |
IRI-F | 2,3 (1,3 ; 2,7) | 2,0 (1,2 ; 2,8) | 0,742 |
Empatia Cognitiva | 3,2 (2,5 ; 3,5) | 3,3 (2,7 ; 3,7) | 0,616 |
Empatia Afetiva | 2,4 (1,8 ; 2,8) | 2,2 (1,8 ; 2,5) | 0,406 |
PPOS | 4,0 (3,7 ; 4,3) | 4,2 (3,7 ; 4,5) | 0,249 |
PPOS-S | 3,6 (3,1 ; 4,0) | 3,8 (3,4 ; 4,3) | 0,133 |
PPOS-C | 4,5 (4,1 ; 4,8) | 4,7 (3,9 ; 4,9) | 0,830 |
Sobre possíveis diferenças em relação ao sexo (Tabela 2), constatou-se que nos sujeitos do sexo feminino as diferenças obtidas da primeira para segunda avaliação no IRI são idênticas às encontradas na totalidade da amostra, com exceção da subescala preocupação empática cuja mediana diminuiu na totalidade da amostra e aumentou na subamostra do sexo feminino, mas sem significado estatístico. Na escala PPOS, nos sujeitos do sexo feminino, os resultados seguiram a mesma tendência de subida, em particular na subescala Sharing, que do primeiro para o segundo momento de avaliação apresenta um aumento da mediana, com diferença estatisticamente significativa.
(Sub)Escala | 1ª avaliação mediana (âmbito interquartil) | 1ª avaliação mediana (âmbito interquartil) | p |
Sexo feminino n=24 | |||
IRI | 2,7 (2,3 ; 3,0) | 2,6 (2,3 ; 2,9) | 0,668 |
IRI-TP | 3,1 (2,5 ; 3,5) | 3,3 (2,7 ; 3,8) | 0,272 |
IRI-PE | 3,2 (2,8 ; 3,7) | 3,3 (2,8 ; 3,5) | 0,626 |
IRI-DP | 1,8 (1,2 ; 2,3) | 1,7 (1,2 ; 2,0) | 0,269 |
IRI-F | 2,4 (1,7 ; 3,1) | 2,3 (2,0 ; 3,3) | 0,715 |
Empatia Cognitiva | 3,2 (2,5 ; 3,5) | 3,3 (2,7 ; 3,8) | 0,272 |
Empatia Afetiva | 2,5 (2,2 ; 2,8) | 2,4 (2,2 ; 2,8) | 0,563 |
PPOS | 4,0 (3,7 ; 4,3) | 4,2 (3,7 ; 4,7) | 0,133 |
PPOS-S | 3,6 (3,0 ; 3,9) | 3,8 (3,5 ; 4,7) | 0,023 |
PPOS-C | 4,5 (4,1 ; 4,8) | 4,7 (3,9 ; 4,9) | 0,976 |
Sexo masculino n=10 | |||
IRI | 2,1 (2,0 ; 2,6) | 2,0 (2,0 ; 2,4) | 0,575 |
IRI-TP | 3,0 (2,7 ; 3,6) | 3,1 (2,6 ; 3,7) | 0,683 |
IRI-PE | 2,9 (2,4 ; 3,3) | 2,7 (2,4 ; 3,1) | 0,610 |
IRI-DP | 1,2 (0,9 ; 2,2) | 1,1 (0,8 ; 1,7) | 0,878 |
IRI-F | 1,4 (1,3 ; 2,4) | 1,2 (1,0 ; 1,7) | 0,235 |
Empatia Cognitiva | 3,0 (2,7 ; 3,6) | 3,1 (2,6 ; 3,7) | 0,683 |
Empatia Afetiva | 1,8 (1,6 ; 2,4) | 1,8 (1,6 ; 1,9) | 0,444 |
PPOS | 4,0 (3,8 ; 4,6) | 4,1 (3,8 ; 4,3) | 0,859 |
PPOS-S | 3,7 (3,4 ; 4,3) | 3,8 (3,2 ; 3,9) | 0,326 |
PPOS-C | 4,5 (4,0 ; 4,8) | 4,6 (3,6 ; 4,8) | 0,678 |
Em relação a diferenças entre os estudantes do 2º e 3º ano (Tabela 3), constatou-se que, apesar de não serem estatisticamente significativas, no IRI a empatia cognitiva aumentou da 1ª para a 2ª avaliação nos estudantes do 2º ano e diminuiu nos do 3º ano e, contrariamente, a empatia afetiva diminuiu nos alunos do 2º ano e aumentou nos do 3º ano. Constatou-se que, em relação aos dois tipos de empatia, os estudantes do 2º ano apresentam as mesmas variações da amostra total, enquanto os do 3ºano apresentam variações contrárias. Já nas pontuações da PPOS, apesar de se ter verificado um aumento da 1ª para a 2ª avaliação na amostra total, verificou-se uma diminuição na subescala Caring nos estudantes do 2º ano, mas sem significado estatístico.
(Sub)Escala | 1ª avaliação mediana (âmbito interquartil) | 2ª avaliação mediana (âmbito interquartil) | p |
2º ano (n=11) | |||
IRI | 2,4 (2,2 ; 2,9) | 2,4 (2,0 ; 2,6) | 0,398 |
IRI-TP | 3,3 (2,5 ; 3,8) | 3,5 (3,3 ; 3,8) | 0,266 |
IRI-PE | 3,3 (3,0 ; 3,3) | 2,8 (2,5 ; 3,3) | 0,159 |
IRI-DP | 1,8 (1,2 ; 2,5) | 1,5 (0,8 ; 1,7) | 0,073 |
IRI-F | 2,3 (1,3 ; 2,7) | 1,3 (1,0 ; 2,2) | 0,286 |
Empatia Cognitiva | 3,3 (2,5 ; 3,8) | 3,5 (3,3 ; 3,8) | 0,266 |
Empatia Afetiva | 2,4 (1,9 ; 2,8) | 1,9 (1,5 ; 2,3) | 0,091 |
PPOS | 4,0 (3,7 ; 4,5) | 4,2 (4,0 ; 4,4) | 0,444 |
PPOS-S | 3,2 (3,1 ; 4,3) | 3,8 (3,7 ; 4,3) | 0,141 |
PPO-C | 4,8 (4,2 ; 4,9) | 4,7 (3,9 ; 4,9) | 0,440 |
3º ano (n=23) | |||
IRI | 2,5 (2,0 ; 2,9) | 2,5 (2,0 ; 2,9) | 0,843 |
IRI-TP | 3,2 (2,5 ; 3,5) | 3,0 (2,5 ; 3,7) | 0,808 |
IRI-PE | 3,0 (2,7 ; 3,7) | 3,0 (2,7 ; 3,5) | 0,640 |
IRI-DP | 1,5 (1.0 ; 2,3) | 1,5 (1,0 ; 2,0) | 0,961 |
IRI-F | 2,3 (1,3 ; 2,8) | 2,2 (1,7 ; 3,3) | 0,732 |
Empatia Cognitiva | 3,2 (2,5 ; 3,5) | 3,0 (2,5 ; 3,7) | 0,808 |
Empatia Afetiva | 2,3 (1,7 ; 2,8) | 2,4 (1,9 ; 2,6) | 0,884 |
PPOS | 4,0 (3,7 ; 4,3) | 4,2 (3,4 ; 4,7) | 0,386 |
PPOS-S | 3,7 (3,2 ; 4,0) | 3,8 (3,1 ; 4,5) | 0,357 |
PPOS-C | 4,4 (4,0 ; 4,7) | 4,7 (3,9 ; 4,9) | 0,903 |
Verificou-se uma correlação estatisticamente significativa entre as pontuações da PPOS e IRI, de acordo com o coeficiente de correlação de Spearman (rho =0,340, p=0,049): na 2ª avaliação, os valores da empatia estão positivamente correlacionados com os valores das atitudes de uma orientação mais centrada no paciente.
Quanto aos resultados da avaliação e satisfação da formação (Tabela 4), na perspetiva dos participantes, os objetivos da formação foram, para uma grande maioria, “muito claros”, assim como os conteúdos, que foram considerados, por uma grande maioria “totalmente adequados” e, quanto à sua aplicabilidade “totalmente aplicáveis”. Quanto à estrutura do programa de formação, a maioria classificou-a como “totalmente correta”. Os recursos e materiais pedagógicos disponibilizados foram “abundantes” para uma larga maioria. Em relação às expetativas e necessidades, a maioria afirmou terem sido “totalmente atingidas”.
A utilização da plataforma Moodle® foi considerada “facilíssima” pela maioria. Quando questionados se o formato online facilitou a aprendizagem, metade considerou que o facilitou “totalmente”. Quanto à preferência do tipo de formação e sessão, a maioria preferia formação presencial; tratando-se se sessões online, a maior parte preferia que fossem síncronas.
O módulo oito (síncrono e teórico-prático) foi o mais assinalado pelos participantes como preferido; no final, 14 alunos acrescentaram que gostariam de ver incluídos na formação outros temas, entre os quais: “Comunicação com pessoas com quadro depressivo”; “Como lidar quando sabemos que não vai melhorar o estado do paciente”; “Comunicação em contexto hospitalar”; “Como falar com um paciente que está a passar uma fase de luto”; “Aprofundar mais o tema da paralinguística e também a linguagem gestual” e “humor”.
Todos os 34 participantes recomendariam a formação a outros, sendo que a maioria o faria “sem hesitar”.
Objetivos da ação da formação | n (%) |
Compreensíveis | 1 (3) |
Claros | 7 (21) |
Muito claros | 26 (76) |
Conteúdos da ação de formação | |
Adequados | 1 (3) |
Bastante adequados | 3 (9) |
Totalmente adequados | 30 (88) |
Estruturação do Programa da ação de formação | |
Correta | 5 (14) |
Bastante correta | 6 (18) |
Totalmente correta | 23 (68) |
Aplicabilidade dos conteúdos da ação de formação | |
Aplicáveis | 1 (3) |
Bastante aplicáveis | 10 (29) |
Totalmente aplicáveis | 23 (68) |
Recursos e Materiais pedagógicos | |
Necessário | 1 (3) |
Adequado | 6 (18) |
Abundante | 27 (79) |
A formação correspondeu às suas expectativas e necessidades? | |
Suficiente | 2 (6) |
Muito | 10 (29) |
Totalmente | 22 (65) |
Utilização da Plataforma da ação de formação | |
Fácil | 2 (6) |
Muito fácil | 5 (15) |
Facilíssimo | 27 (79) |
O formato online facilitou a aprendizagem? | |
Pouco | 2 (6) |
Indiferente | 4 (12) |
Muito | 11 (32) |
Totalmente | 17 (50) |
Que formato de formação prefere? | |
Presencial | 18 (53) |
Online | 10 (29) |
Indiferente | 6 (18) |
Numa formação online, que formato de sessão prefere? | |
Assíncrona | 12 (35) |
Síncrona | 15 (44) |
Indiferente | 7 (21) |
4. Discussão
O presente estudo apresenta como limitações o tamanho e tipo de amostra, existindo assim a possibilidade de se obterem outros resultados com uma amostra maior e incluindo alunos de fisioterapia de outras Escolas de Saúde, ainda assim, permitiu implementar, avaliar e comparar os resultados de um programa de formação em CCC/S em alunos do 2º e 3º ano da licenciatura em fisioterapia.
4.1 Empatia
A diminuição nos valores totais do IRI da primeira para a segunda avaliação e os valores mais altos de empatia nos sujeitos do sexo feminino do que nos do sexo masculino, estão de acordo com os encontrados anteriormente (Bas-Sarmiento et al., 2019). O mesmo não sucede quando se compara valores totais de empatia entre os anos de formação, já que no presente estudo são mais altos nos estudantes do 3º ano do que nos do 2º ano, em oposto ao anteriormente constatado, em que se verifica decréscimo ao longo da formação pré-graduada (Bas-Sarmiento et al., 2019; Soundy et al., 2021).
O início da unidade curricular “Ensino clínico” durante o programa de formação pode ter fragilizado o equilíbrio essencial entre a empatia e o distanciamento emocional necessário na prestação de cuidados, o que pode em parte justificar o único aumento da empatia afetiva, observada nos alunos de 3º ano, já que o elemento afetivo da empatia tem sido apontado como um fator suscetível de esbater as fronteiras profissionais e causar burnout nos profissionais e estudantes de saúde (Tan et al., 2021).
Quando os alunos são expostos a experiências difíceis, a diminuição da empatia pode ser uma resposta para aliviar a ansiedade de serem confrontados com o sofrimento e a doença e/ou por razões ligadas ao contexto clínico, nomeadamente a contactos com modelos de comportamento negativos por parte de profissionais de saúde para com os pacientes (Roling et al., 2020). Estas experiências podem fazer com que os alunos se tornem menos empáticos, como um mecanismo de adaptação à cultura do contexto em que estão inseridos, não devendo o contraste entre as duas dimensões da empatia (afetiva e cognitiva) definir conceitos antagónicos de empatia, mas sim indicar que dimensão de empatia é mais adequada em determinado contexto e/ou situação clínica (Jeffrey, 2016).
4.2 Cuidados Centrados na Pessoa/Paciente
O aumento na pontuação das dimensões da PPOS (Sharing e Caring), tanto nos resultados gerais como por sexo, com significado estatístico no aumento da subescala Sharing nos participantes do sexo feminino, vai ao encontro do constatado anteriormente (Silva et al., 2017), em que as mulheres apresentam resultados mais elevados nas duas subescalas da PPOS.
À comparação entre alunos de 2º e 3º ano, na primeira avaliação, os alunos do 2º ano apresentaram valores mais altos na subescala Caring da PPOS, mas mais baixos na subescala Sharing, valores que sobem da primeira para a segunda avaliação em todos os alunos, com exceção do Caring nos alunos de 2º ano, que descem. A inexistência ou pouca experiência na interação com pacientes poderá ser uma condicionante, já que na ausência de prática clínica em fisioterapia o aluno terá mais dificuldade em compreender a natureza da relação terapêutica. Investigação qualitativa sobre relação terapêutica (Morera-Balaguer et al., 2018) apresenta-a como parte integrante dos cuidados de fisioterapia centrados no paciente, uma vez que há elementos da relação terapêutica que são únicos da fisioterapia (McCabe et al., 2021; Miciak et al, 2019).
É ainda de referir que a correlação positiva estatisticamente significativa entre as pontuações do IRI e PPOS, tal como num estudo anterior (Hardman & Howick, 2019), permite afirmar que mais empatia poderá proporcionar mais cuidados centrados na pessoa, traduzindo-se numa maior adesão aos tratamentos e melhores resultados em saúde (Allen & Roberts, 2017). Depreende-se, assim, que a aposta em programas que melhorem a comunicação empática poderá ser um bom ponto de partida para melhorar os cuidados centrados na pessoa.
4.3 Programa de Formação e-learning
A maioria dos estudantes avaliou a aplicabilidade da formação com o nível mais elevado, o que vai ao encontro do preconizado pela andragogia, que pressupõe que a necessidade de aprendizagem dos estudantes adultos é motivada pela vontade de aplicar ao longo do percurso profissional ou pessoal, os conhecimentos adquiridos (Ferreira & MacLean, 2018). Tal também se verifica ao analisar os resultados obtidos na classificação do item “necessidades e expetativas”, com uma maioria a avaliá-la como totalmente atingidas.
Após análise dos restantes resultados do questionário de avaliação da formação, foi possível verificar que uma grande maioria classificou com o nível mais alto de satisfação os objetivos, conteúdos e recursos pedagógicos da formação, sendo bons indicadores, já que é vital que a elaboração de programas de ensino em e-learning se coadune com os objetivos de aprendizagem que correspondam às necessidades sentidas, sendo essencial um paradigma diferente para a conceção pedagógica e a disponibilização de conteúdos (Ferreira & MacLean, 2018; Pitikoe et al., 2021).
Sabendo que a perceção dos participantes pode ser influenciada pelas suas competências digitais individuais e que esta perceção condiciona a sua satisfação com a eficácia dos programas e-learning (Camargo et al., 2020), o questionário de avaliação incluiu itens em relação ao formato e-learning, dos quais 79% dos participantes consideraram “facilíssima” a utilização da plataforma e 82% consideraram que o formato online facilitou “muito” ou “totalmente” a aprendizagem. Em relação ao formato da sessão 35% preferia o modo assíncrono e 44% o modo síncrono, possivelmente porque este último permite ao formador motivar e transmitir entusiasmo e promover maior interatividade entre os participantes durante a sessão (Ferreira & MacLean, 2018) e ainda, segundo um estudo sobre a regulação em diferentes ambientes virtuais de aprendizagem no ensino superior, a presença emocional do professor parece beneficiar a aprendizagem e bem-estar do grupo (Oliveira & Morgado, 2020). Não obstante, uma pequena maioria (53%) manifestou preferência pela formação em formato presencial.
Os programas de CCC/S que proporcionam um treino adicional, dedicando mais horas à consolidação das aprendizagens, tendem a obter melhores resultados (Bylund et al., 2010) o que poderá, em parte, justificar os achados, sugerindo que uma distribuição mais equilibrada da carga horária total atribuída pelas componentes teóricas e práticas, aumentando as oportunidades de prática/treino dos conhecimentos adquiridos em cada módulo, permitirá maior consolidação das aprendizagens.
De acordo com Ferreira e MacLean (2018) um programa em formato e-learning é tipicamente desenvolvido com duração e quantidade de conteúdos programáticos pré-determinado, o que pode resultar numa dissipação rápida de conhecimentos, ao não permitir a sua consolidação se os participantes avançarem rapidamente por motivação em concluir a tarefa, ou na redução de bons resultados se forem levados a avançar num ritmo que não é o seu, com consequente redução dos conhecimentos adquiridos. Eventualmente, tal poderá ter acontecido, tendo em conta que alguns momentos de avaliação de unidades curriculares do ano letivo a decorrer coincidiram com o intervalo de tempo disponibilizado para a formação, com eventual redução de tempo destinado às sessões assíncronas.
Conclusão
Após a implementação do programa de formação em CCC/S, verificou-se um aumento estatisticamente significativo nos estudantes do sexo feminino, na componente Sharing em cuidados centrados na pessoa. Apesar das diferenças observadas neste estudo entre os sujeitos em função do sexo, deve-se permanecer cuidadoso quanto a estereótipos, já que não é de descartar a hipótese de que, eventualmente, os resultados possam também ter sido determinados por outros fatores não estudados.
Apesar dos resultados obtidos no IRI, sabe-se que a empatia não é uma competência inata, mas é uma competência de comunicação que pode ser aprendida e melhorada. Tendo isso em consideração, é premente que se procurem diversas alternativas para desenvolver a comunicação empática, que permitam evitar o seu decréscimo.
De acordo com os resultados da avaliação da formação, o estudo permitiu ainda identificar pontos fortes e fragilidades do programa de formação em CCC/S dirigido a alunos da licenciatura em fisioterapia, projetando uma reformulação com maior componente prática e mais sessões síncronas.
A pandemia de COVID-19 teve um efeito catalítico significativo nas alterações dos métodos de ensino em todo o mundo, que originou uma transição abrupta das aulas presenciais para o ensino online. Com as plataformas digitais a permitirem o acesso contínuo a partir de diferentes dispositivos (computador, telemóvel, tablet) aos conteúdos em sessões assíncronas e a momentos de aprendizagem “ao vivo” com os professores em sessões síncronas surge a oportunidade vantajosa de utilizar um modelo “centrado no estudante”, que lhes permite optar livremente pelo local e momento para estudar. Embora na formação de profissionais de saúde se verifique a dificuldade das componentes práticas, poderá um modelo misto, em formato b-learning, ser uma opção ao e-learning no ensino de competências de comunicação clínica/em saúde em estudantes de fisioterapia.
Assim, pretende-se que os resultados obtidos neste estudo possam ser um contributo para a construção de um plano de formação pré-graduada em fisioterapia ajustado às necessidades e desafios da transformação digital, que possa dotar os futuros fisioterapeutas com CCC/S que lhes permita ultrapassar as dificuldades sentidas e capacitá-los de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais, com uma das competências essenciais aos profissionais em início de atividade.