Introdução
Um dos aspetos que pode comprometer a segurança dos doentes, é a qualidade da informação, nos momentos e contextos de transferência de cuidados. Essa transferência pode ser ao nível do serviço, ou uma transferência entre serviços. Essa transferência, por sua vez, pode ser intra-hospitalar ou inter-hospitalar. A questão central da transferência, seja de que tipo for, relaciona-se com a eficácia da comunicação entre os diferentes profissionais da equipa multidisciplinar (Haddeland et al., 2022).
A passagem de turno de enfermagem é um momento de responsabilidade e responsividade, onde informação relevante deve ser comunicada de forma precisa e clara, de modo a assegurar a continuidade de cuidados e a segurança do doente. A comunicação deficitária e a inexistência de um formato estruturado de transmissão de informação, são fatores que contribuem para a ocorrência de omissões ou confusão, que poderão desencadear incidentes e colocar em risco o doente (Pakcheshm et al., 2020).
Ao enfermeiro compete assegurar a continuidade de cuidados, registar todas as observações e intervenções realizadas. Podendo este ser substituído, apenas quando aquele que o substitui possuir toda a informação necessária para assegurar com qualidade e segurança a continuidade de cuidados ao doente sob sua responsabilidade (Lei nº156/2015, de 16 de setembro).
Assim, surgiu o planeamento deste estudo, que emerge dos pressupostos apresentados e se materializa partindo da seguinte questão de investigação “Qual a perceção dos enfermeiros do serviço de urgência sobre a informação transmitida nas passagens de turno?”. Para dar resposta à questão de investigação foi definido o objetivo geral: conhecer a perceção dos enfermeiros do Serviço de Urgência, que prestam cuidados à pessoa em situação crítica, relativamente à informação transmitida durante as passagens de turno. O objetivo geral compreende os seguintes objetivos específicos: 1) Conhecer a caracterização sociodemográfica e profissional da amostra de enfermeiros do SU; 2) Reconhecer a perceção da amostra relativamente, à auto e hétero comunicação emitida e recebida, durante a passagem de turno entre enfermeiros do SU; 3) Reconhecer a relação entre a atribuição de significado de comunicação de eventos na passagem de turno e a perceção acerca do conhecimento científico; 4) Conhecer a relação entre o perfil de atribuição de significado e as variáveis sociodemográficas; 5) Conhecer a relação entre as problemáticas e constrangimentos da passagem de turno e as características sociodemográficas.
Para cumprir os objetivos foi delineado um estudo quantitativo, transversal, analítico e correlacional.
1. Enquadramento teórico
No domínio da organização e gestão hospitalar, a problemática da eficácia da comunicação nas passagens de turno assume particular pertinência. Pequenos erros na comunicação podem ter um efeito exponencial se multiplicados pelo número de profissionais envolvidos e pelo número de passagens de turno (Hou et al., 2019). Ainda que esses erros comunicacionais entre os profissionais de saúde assumam fraca pertinência, há evidências que sugerem ser responsáveis por atrasos no diagnóstico, na ocorrência de efeitos adversos, no tratamento não eficaz, ou mesmo tratamento incorreto, e aumento do tempo de atendimento ou permanência do doente no serviço de saúde. (Mannix et al., 2017).
Comunicação em saúde
A comunicação está presente em todas as interações humanas, intrapessoais, interpessoais ou sociais. É um processo complexo, dinâmico e recíproco, onde há uma partilha de informação e interpretação de significados. Para que seja eficaz deve assentar em atitudes básicas como respeito, escuta ativa, aceitação e empatia (Sequeira, 2016).
Cerca de 70% dos eventos adversos que ocorrem na área da saúde devem-se a falhas na comunicação. Estas são devidas a lacunas durante a descrição clínica do doente, falta de padronização da comunicação, multitarefas atribuídas aos profissionais, distrações e pressões temporais (Jaulin et al., 2021).
O treino dos profissionais em métodos de transferência e em competências comunicacionais é essencial para uma comunicação clara, precisa e competente (Tortosa-Alted et al., 2021).
1.2 Segurança do doente
A segurança do doente é definida como a “redução de risco de dano desnecessário à pessoa que recebe os cuidados de saúde, para um mínimo aceitável” (DGS, 2017, p.4). Esta pode ser comprometida em momentos vulneráveis, tais como a admissão e alta hospitalar, e nas mudanças de turno. A qualidade da transição de cuidados é fundamental na segurança do doente, está associada à melhoria da qualidade dos cuidados prestados, à diminuição de eventos adversos e à diminuição da mortalidade (DGS, 2017).
1.3 Transição de Cuidados
A transição de cuidados ocorre em qualquer momento em que se verifique a mudança de responsabilidade de cuidados, e deve assegurar, a todo o momento, a continuidade e segurança dos mesmos (DGS, 2017). A comunicação eficaz nesse processo é essencial para garantir que o doente receba os cuidados adequados e evitar erros e complicações (Arora & Farnan, 2022).
Os enfermeiros são os profissionais de saúde que mais tempo passam com o doente, sendo fundamentais na dinâmica da prestação de cuidados. A transição de cuidados de enfermagem é um momento crucial, onde deve ser transmitida toda a informação necessária para a continuidade de cuidados de qualidade ao doente (Loefgren Vretare & Anderzén-Carlsson, 2020).
As características pessoais, como as competências de comunicação, oral e escrita, determinam o sucesso da comunicação (Spilioti et al., 2019). Ao compreender os fatores que contribuem para a qualidade da comunicação na transição de cuidados, é possível desenvolver intervenções dirigidas para o problema. Alguns desses fatores são a liderança, relacionamento com os colegas, número de profissionais, carga de trabalho, trabalho cognitivo, interrupções, stress, ansiedade e fadiga, pressão de tempo, formato da passagem de turno e a experiência profissional (Hada et al., 2019; Rikos et al., 2019; Kim et al., 2022).
As especificidades do SU, a complexidade do ambiente, a elevada afluência de doentes, a pressão do tempo e as constantes distrações contribuem para a possível existência de falhas na transição de cuidados (O’Connor et al., 2020).
2. Metodologia
Estudo de carácter quantitativo, descritivo, transversal e correlacional, a partir da análise de resultados da aplicação de um questionário a 59 enfermeiros do SU de um hospital do norte de Portugal.
Amostra
A população foi definida como todos os enfermeiros a exercer funções no serviço de urgência geral de um hospital do norte de Portugal ( SUGHNP), no período em que decorre o estudo, tendo sido a amostra os 59 enfermeiros respondentes, selecionados a partir do critério de inclusão: exercer funções no SUGHNP, com prestação direta de cuidados à pessoa em situação crítica; e critérios de exclusão: enfermeiros ausentes do serviço por baixa médica, licença de parentalidade, férias, e enfermeiros com funções de gestão, não envolvidos na prestação direta de cuidados.
Instrumento de recolha de dados
Para responder à questão “Qual a perceção dos enfermeiros de urgência sobre a informação transmitida nas passagens de turno?” e em resposta ao objetivo formulado, foi selecionado e aplicado um Instrumento de Recolha de Dados (IRD), que insere uma parte inicial de variáveis sociodemográficas e o questionário “Handover Evaluation Scale” elaborado por O’Connell, B., Macdonald, K. e Kelly, C. (2008), adaptado por Tranquada (2013) para a população portuguesa, com a respetiva autorização da autora.
Análise estatística
Os dados recolhidos foram compilados numa base de dados no programa estatístico IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Os resultados caracterizadores da amostra de enfermeiros são expressos em frequência, absoluta e relativa expressa em percentagem. Calcularam-se estatísticas descritivas (média e desvio padrão) para a pontuação de cada resposta no questionário para avaliar perceção dos enfermeiros sobre a comunicação durante a transição das equipas de enfermagem, assim como frequências relativas para cada um dos quatro níveis de resposta. As variáveis dependentes continuas (pontuação das respostas) não apresentaram uma distribuição normal, avaliada através do teste de Kolmogorov-Smirnov e pela observação dos histogramas de frequência das pontuações nos diferentes itens/scores da escala e dos parâmetros curtose e enviesamento. Assim, na realização da estatística inferencial, utilizaram-se testes não paramétricos, o teste de Mann-Whitney quando a variável independente tem duas categorias e o teste de Kruskal-Wallis para os casos de mais de duas categorias. Os resultados são apresentados como média de ordens. A relação entre as percentagens de situações significativas que o enfermeiro considera transmitir com as questões acerca da perceção dos enfermeiros sobre a comunicação foi estabelecida por correlações de Sperman.
3. Resultados
A caracterização sociodemográfica e profissional da amostra é apresentada na tabela 1.
Variável | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 43 | 72,9 |
Masculino | 16 | 27,1 |
Idade | ||
< 31 | 4 | 6,8 |
31-40 | 40 | 67,8 |
41-50 | 8 | 13,6 |
≥ 51 | 7 | 11,9 |
Habilitações académicas | ||
Licenciatura | 40 | 67,8 |
Mestrado | 19 | 32,2 |
Curso de Especialista | ||
Sim | 30 | 50,8 |
Não | 29 | 49,2 |
Especialidade | ||
Enfermagem Médico Cirúrgica | 26 | 86,7 |
Enfermagem de Reabilitação | 1 | 3,3 |
Enfermagem Comunitária | 3 | 10 |
Tempo de serviço (anos) | ||
< 10 | 20 | 33,9 |
11-20 | 28 | 47,5 |
> 21 | 11 | 18,6 |
Tempo de serviço no Serviço de Urgência (anos) | ||
< 10 | 36 | 61,0 |
11-20 | 14 | 23,7 |
> 21 | 9 | 15,3 |
Tipo de vínculo | ||
Contrato sem termo | 45 | 76,3 |
Contrato com termo (certo + incerto) | 14 | 23,7 |
Na tabela 2 organizam-se os itens relacionados com a comunicação numa perspetiva de o enfermeiro ser o recetor da comunicação. Na tabela 3 consideraram-se os itens relacionados com a adequação e qualidade da comunicação envolvida nas passagens de turno, com uma avaliação global da eficácia, que envolve o emissor da comunicação e o contexto.
Item | M | DP | Discordo totalmente | Discordo | Concordo | Concordo totalmente | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
% | % | % | % | ||||
2. Consigo manter-me concentrado(a) na informação, enquanto está a ser transmitida | 3,03 | 0,69 | 3,4 | 11,9 | 62,7 | 22,0 | |
3. A forma como a informação é transmitida é fácil de acompanhar | 3,03 | 0,72 | 3,4 | 13,6 | 59,3 | 23,7 | |
10. A informação transmitida é subjetiva [i] | 2,27 | 0,61 | 0 | 35,6 | 55,9 | 8,5 | |
15. É possível avaliar os doentes durante as passagens de turno. | 2,63 | 0,74 | 6,8 | 32,2 | 52,5 | 8,5 | |
16. É importante poder avaliar os doentes durante as passagens de turno | 3,08 | 0,88 | 6,8 | 13,6 | 44,1 | 35,6 | |
17. É benéfico realizar a passagem de turno junto do doente | 2,90 | 0,88 | 6,8 | 23,7 | 42,4 | 27,1 | |
19. Sinto que há informação importante que não é transmitida [i] | 2,02 | 0,68 | 3,4 | 13,6 | 64,4 | 18,6 | |
20. Durante as passagens de turno sinto que sou pressionado(a) para terminar rapidamente [i] | 2,61 | 0,72 | 8,5 | 49,2 | 37,3 | 5,1 | |
21. Leio sempre a totalidade da informação escrita, referente aos doentes, que me é fornecida nas passagens de turno | 2,71 | 0,79 | 3,4 | 39,0 | 40,7 | 16,9 | |
22. Conheço o procedimento multissectorial da instituição para a realização da passagem de turno | 2,54 | 0,90 | 16,9 | 22,0 | 50,8 | 10,2 | |
23. Tenho dificuldade em organizar a informação a transmitir, referente a doentes com historial de saúde mais complexo e/ou extenso [i] | 2,68 | 0,80 | 15,3 | 42,4 | 37,3 | 5,1 | |
24. É importante reformular a estrutura das passagens de turno [i] | 2,00 | 0,93 | 6,8 | 22,0 | 35,6 | 35,6 | |
25. Considero que tenho conhecimentos científicos suficientes para atribuição do respetivo significado a todas as situações que enfrento durante o turno | 3,25 | 0,51 | 0 | 3,4 | 67,8 | 28,8 | |
26. Considero que o meu percurso académico, até ao presente momento, me preparou para todas as situações com que me deparo durante o turno | 2,78 | 0,72 | 1,7 | 33,9 | 49,2 | 15,3 | |
27. Por vezes deparo-me com novas situações para as quais nem sempre me sinto cientificamente preparado [i] | 2,39 | 0,81 | 11,9 | 23,7 | 55,9 | 8,5 | |
28. Considero que a minha experiência profissional, até ao presente, me preparou para todas as situações com que me deparo durante o turno. | 2,85 | 0,66 | 1,7 | 25,4 | 59,3 | 13,6 | |
29. Considero que a interação com a equipa multidisciplinar tem resultado auxiliadora no esclarecimento de situações dúbias que vivencio durante os turnos | 3,27 | 0,61 | 0 | 8,5 | 55,9 | 35,6 | |
30. Considero que o nível de formação não tem relação com as situações às quais eu atribuo significado [i] | 2,95 | 0,84 | 27,1 | 45,8 | 22,0 | 5,1 | |
31. Não há relação entre o nível de conhecimento e atribuição de significado para as situações que vivencio em cada turno [i] | 3,03 | 0,87 | 33,9 | 40,7 | 20,3 | 5,1 |
Item | M | DP | Discordo totalmente | Discordo | Concordo | Concordo totalmente | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
% | % | % | % | ||||
1. Consigo esclarecer a informação que foi transmitida | 3,37 | 0,61 | 0 | 6,8 | 49,2 | 44,1 | |
4. A informação transmitida é atualizada | 3,25 | 0,63 | 0 | 10,2 | 54,2 | 35,6 | |
5. É proporcionada informação suficiente para assumir a prestação de cuidados aos doentes | 3,17 | 0,75 | 3,4 | 10,2 | 52,5 | 33,9 | |
6. Tenho oportunidade de colocar questões sobre assuntos que não compreendi | 3,64 | 0,58 | 0 | 5,1 | 25,4 | 69,5 | |
7. A duração da passagem de turno é adequada | 3,24 | 0,84 | 3,4 | 15,3 | 35,6 | 45,8 | |
8. Tenho oportunidade de discutir informações confidenciais referentes aos doentes. | 3,12 | 0,79 | 3,4 | 15,3 | 47,5 | 33,9 | |
9. É possível obter a informação da passagem de turno através do processo do doente [i] | 1,98 | 0,75 | 1,7 | 22,0 | 49,2 | 27,1 | |
11. É proporcionada informação adequada sobre todos os doentes internados | 2,88 | 0,67 | 0 | 28,8 | 54,2 | 16,9 | |
12. A informação é transmitida de forma estruturada | 2,63 | 0,67 | 3,4 | 37,3 | 52,5 | 6,8 | |
13. Já tive de contactar o/a enfermeiro(a) anteriormente responsável pelos meus doentes, para obter mais informação sobre estes [i] | 2,14 | 0,92 | 11,9 | 13,6 | 50,8 | 23,7 | |
14. A passagem de turno é sujeita a interrupções por outros eventos e/ou atividades do serviço [i] | 1,46 | 0,65 | 1,7 | 3,4 | 33,9 | 61,0 | |
18. Durante as passagens de turno é transmitida informação irrelevante para o cuidado dos doentes [i] | 2,27 | 0,98 | 13,6 | 23,7 | 39,0 | 23,7 |
Tendo em consideração que o ponto médio da escala é 2,5, ao analisar a tabela 2, constata-se que 16 dos 19 itens têm uma pontuação superior a esse valor, o que mostra a perceção favorável em relação à maioria dos aspetos abordados. Os resultados mais elevados foram registados na questão “Considero que a interação com a equipa multidisciplinar tem resultado auxiliadora no esclarecimento de situações dúbias que vivencio durante os turnos” com um valor médio de 3,27±0,61. No extremo oposto encontram-se a questão “É importante reformular a estrutura das passagens de turno [i]” (2,00±0,93).
Pela análise da informação na tabela 3, observa-se que os participantes têm uma perceção clara sobre a oportunidade de esclarecer dúvidas durante a passagem de turno, como se pode inferir pelas respostas favoráveis aos itens “Tenho oportunidade de colocar questões sobre assuntos que não compreendi” (3,64±0,58) e “Consigo esclarecer a informação que foi transmitida” (3,37±0,61). A perceção dos enfermeiros acerca das interrupções refletiu-se na baixa pontuação média do item “A passagem de turno é sujeita a interrupções por outros eventos e/ou atividades do serviço [i]” (1,46±0,65). No item “É possível obter a informação da passagem de turno através do processo do doente [i]” também se observou uma das pontuações mais reduzidas (1,98±0,75).
A diferença na habilitação académica determinou diferenças na avaliação de cinco itens. A questão relacionada com as interrupções durante a passagem de turno foi mais bem avaliada (p=0.044) pelos enfermeiros licenciados (OM=32,66) do que pelos mestres (OM=24,39). As questões 26, 28, 30 e 31, que estão relacionadas com a importância do conhecimento e da experiência, foram avaliadas de forma mais favorável (p<0,05) pelos enfermeiros com mestrado.
Os enfermeiros especialistas consideram que o conhecimento e formação são importantes na comunicação associada à passagem de turno, em oposição (p<0,05) aos que não o são, nos itens 26, 27, 30 e 31, com pontuações mais elevadas.
O tempo de serviço, quer total, quer no SU determinou diferenças pontuais na perceção dos enfermeiros sobre a comunicação na passagem de turno.
Verificou-se que 79,7% dos enfermeiros consideram conseguir transmitir 70 a 90% das situações significativas.
Para esclarecer quais os aspetos que melhor contribuem para a perceção de quantidade de informação transmitida, calcularam-se correlações entre essa variável e os itens do questionário. Observa-se a perceção de que a comunicação é eficaz, pois o enfermeiro consegue manter-se concentrado (ρ=0,287; p=0,028), a informação é fácil de acompanhar (ρ=0,385; p=0,003), atualizada (ρ=0,262; p=0,045), tem oportunidade de colocar questões (ρ=0,246; p=0,030), a informação não é subjetiva (ρ=0,247; p=0,030), é sobre todos os doentes internados (ρ=0,319; p=0,007) e transmitida de forma estruturada (ρ=0,346; p=0,004). São os enfermeiros com pontuações mais elevada nestes itens que apontam ter uma perceção de transmitir mais informação significativa durante as passagens de turno.
Foi incluída, no questionário, uma questão em que os participantes podiam sugerir melhorias. Observou-se que 20 enfermeiros (36%) indicaram ser necessárias melhorias no processo de passagem de turno. Das sugestões apresentadas, a maioria colocou-se ao nível da organização (65%) e das interrupções (45%), como por exemplo: “uniformização da passagem de turno”; “Instituir sistema de passagem de informação organizado de forma a evitar “esquecimentos” de informação que pode ser importante”; “Educar a equipa multidisciplinar para respeitar o momento de passagem de turno”; “Não haver interrupções por outros colaboradores com assuntos que não têm interesse para a passagem de turno”.
A suficiência da informação transmitida (item 5; p=0,007), a adequação da informação (item 11; p=0,023), a eventual necessidade de contactar o enfermeiro anterior para esclarecimentos (item 13; p=0,034), e a perceção de haver informação importante que não é transmitida (item 19; p=0,041) é menor nos enfermeiros que propõem melhorias.
4. Discussão
De uma forma geral a resposta dos enfermeiros foi favorável às questões incluídas no questionário, com pontuações médias acima do centro da escala de resposta. A capacidade de manter a concentração é um aspeto que é partilhado por grande parte dos enfermeiros que integraram o presente estudo. As passagens de turno exigem um nível bastante elevado de consciência, que está associado à capacidade dos profissionais se concentrarem na produção e na compreensão da linguagem, traduzindo-a cognitivamente em elementos relacionados com o cuidado aos doentes (Spilioti et al., 2019).
Confirmou-se que há uma perceção dos enfermeiros de que há informação importante que não é transmitida, ou está desatualizada, assim como há informação partilhada desnecessária. Esta perceção de falhas na comunicação pode ser determinada pela diferente experiência profissional e conhecimentos prévios dos enfermeiros, assim como aspetos pessoais, e competências de comunicação oral e escrita (Hada et al., 2019).
A oportunidade de esclarecer dúvidas é um aspeto consensual nos enfermeiros que participaram no presente estudo. Esta visão dinâmica da comunicação na passagem de turno, que não se limita à entrega e receção acrítica de um conjunto de informações, é a principal virtude da passagem de turno ser feita em reunião entre os enfermeiros que estão de saída e os que estão a entrar (Spilioti, 2019).
No domínio da eficácia da comunicação têm sido identificados obstáculos, desde logo a capacidade científica do emissor e do recetor, assim como a sua experiência, que pode levar a falhas de comunicação devido à utilização de vocabulário excessivamente técnico e específico, que pode ser do desconhecimento de uma das partes. Esse problema agrava-se se não houver um clima de camaradagem profissional e uma cultura de ensino e aprendizagem no serviço (Kim et al., 2022). Adicionalmente, se o enfermeiro com dificuldades em compreender a mensagem tiver pouca confiança nos seus conhecimentos, pode simplesmente fingir a compreensão do assunto, para não se expor, o que se configura como um comportamento arriscado no contexto da passagem de turno (Rikos et al., 2019).
O conhecimento científico, a formação académica, assim como a experiência, foram tópicos subjacentes às questões que no presente trabalho foram acrescentadas ao questionário. Observou-se uma concordância com a importância destes aspetos para a execução de passagens de turno adequadas e para reduzir o risco associado a esse procedimento.
A importância do ambiente em que decorre a passagem de turno foi também avaliada. Um aspeto considerado foi a possibilidade de fazer a passagem de turno na presença do doente. Este foi um dos aspetos apontados pelos enfermeiros como possíveis melhorias na passagem de turno. Há uma certa unanimidade na literatura quanto ao interesse de fazer a passagem de turno na presença do doente. Quando o paciente está presente na passagem de turno há mais segurança, pois se houver alguma falha, o próprio doente pode alertar o enfermeiro e contribuir para corrigir a situação. O doente envolvido sente-se mais incluído e informado, o que pode contribuir para moderar a ansiedade característica da situação (Oxelmark et al., 2020). Alguns estudos demonstram que os enfermeiros preferem fazer a passagem de turno sem a presença do doente, por poder comprometer a confidencialidade de algumas informações (Paredes-Garza et al., 2022).
No contexto do ambiente, as distrações e interrupções são sistematicamente apontadas como barreiras a uma comunicação eficaz durante as passagens de turno. Durante este processo há uma comunicação por parte do enfermeiro de saída sobre o estado do doente e informações complementares. O enfermeiro que está a entrar no turno, com essa informação vai construir uma imagem mental do doente/processo, e delinear um plano de cuidados, que vai orientar as suas atividades com o doente. Este processo é cognitivamente exigente, pelo que se for interrompido não fica concluído, e haverá um maior risco de o enfermeiro não prestar os cuidados mais adequados (Loefgren Vretare & Anderzén-Carlsson, 2020). Estas interrupções e distrações podem ser profissionais, como equipamentos de monitorização a indicar emergência, doentes a pedir apoio, ou de caracter menos profissional, em que a passagem de turno se assume como um momento social entre colegas, em que a conversa deriva para temas não relacionados com o objeto da passagem de turno (Ahn et al., 2021).
A maioria das características sociodemográficas e profissionais registadas no presente trabalho tiveram somente influências pontuais nos aspetos avaliados pelo questionário, sendo que a visão global é de uma tendência para não haver influência do sexo e da idade do enfermeiro.
Ao nível das variáveis relacionadas com a formação, quer académica, quer profissionalizante, observou-se que os enfermeiros com mais habilitações/formação valorizaram mais as questões relacionadas com a importância do conhecimento, formação e experiência. Essa tendência traduz o padrão encontrado em vários estudos, em que o conhecimento e a formação são apontados como um pilar para o sucesso das passagens de turno (Kim et al., 2022). Existe uma grande preocupação, por parte dos enfermeiros, com a formação adequada sobre os procedimentos associados às metodologias de mudança de turno, para poderem estar mais seguros das suas opções, e contribuírem para a melhoria da segurança do doente e qualidade dos cuidados em geral (Haddeland et al., 2022; Pakcheshm et al.,2020).
Os aspetos que foram avaliados com o questionário sobre a perceção que os enfermeiros têm sobre várias vertentes envolvidas na passagem de turno, podem funcionar como benefícios, ou como barreiras, e contribuem para compreender a complexidade dos momentos de transição de cuidados. Tendo em consideração que as falhas de comunicação são uma das principais causas de erro, torna-se determinante implementar estratégias para reduzir esse potencial problema (Hada & Coyer, 2021). É também com a comunicação eficaz que se consegue empoderar os enfermeiros para a prestação de cuidados adequados e de qualidade (Weston et al., 2022).
Conclusão
A comunicação em saúde é um aspeto da máxima importância na prevenção de erros e na melhoria dos cuidados prestados. Sendo o enfermeiro o profissional de saúde que tem uma relação mais próxima com o doente, cabe-lhe garantir que, quando há uma equipa nova a assumir funções, todas as informações são devidamente comunicadas, no sentido que a equipa que entra fique com a informação necessária para continuar os cuidados adequadamente. A qualidade da comunicação, os aspetos individuais de competência de comunicação, a capacidade de concentração e o contexto em que acontece a passagem de turno são determinantes para que a comunicação seja eficaz.
A amostra deste estudo incluiu predominantemente enfermeiros do sexo feminino (72,9%), com idade entre os 31-40 anos (67,8%), licenciados (67,8%), com curso de especialização (50,8%), entre 11 e 20 anos de exercício profissional (47,5%), a maioria (61,0%) a exercer funções no SU há menos de 10 anos, e com contrato sem termo com a instituição (76,3%).
A perceção que os enfermeiros têm sobre a comunicação durante as passagens de turno é genericamente favorável. Nos aspetos relacionados com a autoavaliação que o enfermeiro faz da receção da comunicação associada à passagem de turno, verificou-se que a grande maioria dos itens têm uma pontuação superior ao centro da escala, ou seja, mais favorável é a sua perceção. Os enfermeiros mostraram valorizar a comunicação no contexto da equipa multidisciplinar, e deram ênfase a aspetos relacionados com a importância da formação e da experiência profissional com a qualidade da comunicação. No entanto, apontaram a necessidade de repensar alguns aspetos da passagem de turno, e registaram o facto de haver, por vezes, informação subjetiva ou irrelevante envolvida no procedimento.
No contexto da passagem de turno, a possibilidade de obter esclarecimentos adicionais, e a perceção de que está a receber informação atualizada, quando está a receber o turno, são aspetos que os enfermeiros valorizaram. A ocorrência de interrupções durante as passagens de turno foi dos aspetos mais consensuais sobre as falhas e aspetos que podem ser melhorados no procedimento, com 95% dos participantes a registarem a ocorrência dessas interrupções.
A perceção favorável do enfermeiro traduz-se no elevado nível de situações significativas (entre 70 e 90%) que cerca de 80% enfermeiros reportam conseguir transmitir durante a passagem de turno. As habilitações académicas e ser detentor de curso de especialista tiveram efeitos nos aspetos relacionados com a importância da formação e experiência nas situações vivenciadas no contexto da passagem de turno, com os enfermeiros mestres e/ou especialistas a terem perceções mais favoráveis. O tempo de serviço demonstrou influenciar alguns aspetos da perceção dos enfermeiros, com aqueles que trabalham entre 11 e 20 anos a terem uma perceção mais favorável sobre a importância do seu conhecimento na atribuição de significado às situações que vivencia durante o turno, e a considerar que o seu percurso académico o preparou adequadamente para as situações com que se depara.
Melhorias foram apontadas por 36% da amostra, essencialmente relacionadas com a organização do processo de transição de cuidados e com o problema das interrupções.
Emerge deste trabalho a reflexão sobre a necessidade de ter um ambiente sem interrupções, e equacionar um método estruturado de transmissão de informação, para garantir a qualidade da informação transmitida, e, consequentemente a qualidade dos cuidados prestados.
Contribuições dos autores
Conceptualização, C.A. e M.A.V.B.; tratamento de dados, F C.A. e M.A.V.B.; análise formal C.A. e M.A.V.B.; aquisição de financiamento, C.A. e M.A.V.B.; investigação C.A. e M.A.V.B.; metodologia C.A. e M.A.V.B.; administração do projeto, C.A. e M.A.V.B.; recursos, C.A. e M.A.V.B.; programas, C.A. e M.A.V.B.; supervisão, C.A. e M.A.V.B.; validação, C.A. e M.A.V.B.; visualização, C.A. e M.A.V.B.; redação - preparação do rascunho original, C.A. e M.A.V.B.; redação - revisão e edição, C.A. e M.A.V.B.