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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp14 Viseu jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.29352/mill0214e.30276 

Ciências da vida e da saúde

Burnout em enfermeiros nos cuidados ao doente crítico em contexto pós pandemia COVID-19: estudo em medicina intensiva

Burnout in Nurses in the Care of the Critical Patient in the context of the COVID-19 Pandemic: study in Intensive Medicine

Burnout en enfermeras en el cuidado del paciente critico en el contexto de la pandemia COVID-19: estudio en medicina intensiva

Marta Martins1 
http://orcid.org/0000-0002-0351-2963

Maria Augusta Veiga-Branco1 
http://orcid.org/0000-0002-7963-2291

1 Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal


Resumo

Introdução:

A Síndrome de Burnout, tornou-se expressiva, na pandemia de Covid-19, com consequências na vida pessoal e profissional dos enfermeiros.

Objetivo:

Reconhecer a perceção de comportamentos da Síndrome de Burnout, por enfermeiros em Medicina Intensiva, pós pandemia Covid-19; analisar as relações entres as variáveis sociodemográficas e profissionais e o nível da Síndrome de Burnout.

Método:

Estudo transversal e analítico, a partir dos resultados da aplicação Copenhagen Burnout Inventory, numa amostra de 61 enfermeiros, maioritariamente do sexo feminino (70.5%) e com idades entre 21 e 45 anos.

Resultados:

Foram reconhecidos comportamentos da Síndrome de Burnout, segundo a perceção dos enfermeiros em Medicina Intensiva: 42.6% da amostra percecionou Síndrome de Burnout elevado. Verificaram-se relações estatisticamente significativas entres as variáveis sociodemográficas e profissionais e o nível da Síndrome de Burnout percecionado. 73.8% perceciona comportamentos da Síndrome de Burnout relativos ao trabalho, 60.7% percecionam Síndrome de Burnout a nível pessoal e 19.7% da amostra perceciona Síndrome de Burnout relativo à interação com o doente.

Conclusão:

O nível elevado da Síndrome de Burnout percecionado pelos enfermeiros em contexto laboral e pessoal e, até na interação com o doente, fundamentam a proposta que aqui se coloca: a experiência de intensidade e proximidade pessoal com o doente, merece neste momento uma atenção especial em termos de formação e, sobretudo, atendimento específico para despiste de evolução da Síndrome de Burnout e quaisquer sinaléticas pré depressivas.

Palavras-chaves: síndrome de Burnout; enfermeiros; pandemia; Covid-19

Abstract

Introduction:

The Burnout Syndrome has become expressive during COVID-19 pandemic, with consequences for nurses in their personal and professional lives.

Objective:

To recognize the perception of Burnout Syndrome behaviors among intensive care unit nurses in the post-pandemic period; to study the relationship between independent variables and the level of Burnout Syndrome.

Methods:

Cross-sectional, analytic study based on the results of the Copenhagen Burnout Inventory application in a sample of 61 nurses, mostly female (70.5%) and aged between 21 and 45 years old.

Results:

Burnout Syndrome behaviors were recognized, according to the perception of Intensive Care Medicine nurses: 42.6% of the sample perceived high Burnout Syndrome. There were statistically significant relationships between sociodemographic and professional variables and the level of Burnout Syndrome perceived. 73.8% perceived Burnout Syndrome behaviors related to work, 60.7% perceived Burnout Syndrome at a personal level, and 19.7% of the sample perceived Burnout Syndrome related to interaction with the patient.

Conclusion:

Nurses precepted high Burnout Syndrome levels in their work and personal lives and even related to interaction with patients, which substantiates the proposal presented in this study: the experience of intensive and personal proximity with patients deserves special attention in terms of training at this point, and, above all, specific assistance needs to be addressed to identify Burnout Syndrome and other pre-depressive signs.

Keywords: Burnout syndrome; nurses; pandemic; Covid-19

Resumen

Introducción:

El Síndrome de Burnout se ha vuelto expresivo en la pandemia de la Covid-19, con consecuencias en la vida personal y profesional de los enfermeros.

Objetivo:

Reconocer la percepción de los comportamientos de Síndrome de Burnout por parte de enfermeros en Medicina Intensiva, después de la pandemia de Covid-19; estudiar las relaciones entre las variables independientes y el nivel de Síndrome de Burnout.

Métodos:

Estudio transversal y analítico basado en los resultados del Inventario de Burnout de Copenhague, en una muestra de 61 enfermeros, en su mayoría mujeres (70,5%) y con edades comprendidas entre los 21 y los 45 años.

Resultados:

Se reconocieron conductas de Síndrome de Burnout, según la percepción de las enfermeras de Medicina Intensiva: el 42,6% de la muestra percibió un elevado Síndrome de Burnout. Existieron relaciones estadísticamente significativas entre las variables sociodemográficas y profesionales y el nivel de Síndrome de Burnout percibido. El 73,8% percibió conductas de Síndrome de Burnout relacionadas con el trabajo, el 60,7% percibió Síndrome de Burnout a nivel personal y el 19,7% de la muestra percibió Síndrome de Burnout relacionado con la interacción con el paciente.

Conclusión:

El alto nivel de Síndrome de Burnout percibido por los enfermeros en el contexto laboral y personal e, incluso, en la interacción con el enfermo, fundamenta aquí la propuesta: la experiencia de intensidad y cercanía personal con el enfermo merece especial atención, en términos de formación y, sobre todo, asistencia específica para el cribado de la evolución de Síndrome de Burnout y de cualquier signo predepresivo.

Palabras clave: síndrome de Burnout; enfermeros; pandemia; Covid-19

Introdução

A experiência de intensidade laboral em enfermagem, durante tempos prolongados, a extremamente necessária proximidade com a morbilidade de doentes com falência respiratória aguda, só poderia ter sido percecionada pelos enfermeiros, exatamente como foi: um sentimento de elevada exaustão física, psicológica, social e emocional. Esta experiência, prolongada num tempo de ausência de recursos afetivos, como por exemplo a «privação de família, de espaço pessoal», e a contaminação pelos ruídos, foram construindo um quadro de exaustão progressiva. Este contexto, veio impor no sujeito que é enfermeiro, em cuidados a doentes Covid-19, e num primeiro nível cronológico, atitudes de adaptabilidade, a circunstâncias sentidas como extremas, mas que no tempo em que foram vividos os cuidados e as dificuldades, tudo isso emergiu como algo que tinha que ser suportável. Esses mecanismos psicofisiológicos adaptativos, em condições extremas, acabam por resultar, após longos períodos de exposição, em consequências graves a todos os níveis, tal como vem sendo comprovado na atual literatura em contextos pós pandémicos. Zhang et al., (2020) verificaram problemas psicossociais em profissionais de saúde, e fatores de risco para os desenvolver, considerando que precisavam de atenção e programas de recuperação. Por todos estes pressupostos, e na forma como foram e são sentidos por cada enfermeiro, algumas organizações e, nomeadamente a Organização Mundial de Saúde (OMS), estudaram os elevados níveis de stress, codificando-os e atribuindo-lhe uma taxonomia identificada como Síndrome de Burnout (SB). Segundo a OMS (2022), a SB - codificada na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) - é considerada uma doença ocupacional, como um quadro de stress crónico, relacionado com a esfera do trabalho, por exigências que levam ou levaram a um desgaste mental, superior à capacidade de ser gerido e suportado pela pessoa.

Em março de 2020 foi declarado o primeiro caso confirmado de Covid-19 em Portugal e, rapidamente iria ser declarada pela OMS, uma pandemia global (Baptista et al., 2021). O surto gerou uma crise a nível mundial que afetou todos os países e categorias económicas. A estratégia dos Serviços de Saúde, na proteção da vida humana, teve nos profissionais de saúde que se encontravam na prestação direta de cuidados, assumidos como os profissionais na linha da frente (Alshmemri & Ramaiah, 2020), os protagonistas essenciais. Os enfermeiros de Medicina Intensiva (MI), vivem o desgaste, o medo, a pressão e a exaustão, e, a falta de preparação, na gestão das demandas emocionais dos doentes, estão mais predispostos a desenvolver patologias psicossociais, como a SB, que é exacerbada em períodos excecionais, como uma pandemia (Freitas et al., 2020).

As consequências na produtividade e na saúde física e mental, promoveram a necessidade do conhecimento aprofundado no tema, para, em futuros surtos infeciosos, as intervenções e os métodos implementados, poderem ir ao encontro da atenuação das inquietações e receios dos profissionais (Silva et al., 2021). Deste modo, torna-se pertinente o olhar para a saúde em geral e, para a componente mental em particular, visto que o bem-estar e a qualidade de vida no trabalho, influenciam as intervenções prestadas (Barba et al., 2021). Emerge, neste sentido, a pertinência da temática, e torna-se relevante, reconhecer, de que modo, a pandemia pode ter afetado estes profissionais da linha da frente, no que a investigação, pode contribuir com estratégias e metodologias. Assim, para o desenvolvimento desta pesquisa, foi formulada a seguinte questão de investigação: “Será que os profissionais de saúde, em funções de cuidados à pessoa em situação crítica em Medicina Intensiva, apresentam, segundo a sua perceção, níveis de burnout, na fase pós pandemia Covid-19?”. Com base nesta questão, assume-se como objetivo geral: Reconhecer a existência de atitudes da SB, na perceção dos enfermeiros a exercer funções em MI, em contexto pós pandemia Covid-19. Os objetivos específicos, que orientam as ações da pesquisa, expressam-se:

Caracterizar do ponto de vista sociodemográfico e profissional, a amostra de enfermeiros, em funções em MI, em contexto pós pandemia Covid-19;

Identificar o nível da SB percecionado pelos enfermeiros a exercer funções em MI, em contexto pós pandemia Covid-19;

Estudar a relação entre as variáveis sociodemográficas e o nível da SB, percecionado pelos enfermeiros em funções em MI, em pós pandemia Covid-19;

Estudar a relação entre as variáveis profissionais e o nível da SB, percecionado pelos enfermeiros em funções em MI, em contexto pós pandemia Covid-19.

1. Enquadramento teórico

Síndrome de Burnout

O contexto laboral, assume-se atualmente, como um determinante de desgaste de saúde biopsicossocial, pelo que a SB é uma das formas de agressão ao bem-estar subjetivo dos trabalhadores, o que prejudica fortemente a sua saúde (Areosa & Queirós, 2020), com sintomas disfóricos, como cansaço, com diminuição de desempenho laboral, por comportamentos negativos (Luceño-Moreno et al., 2020).

Como foi já apresentado, a SB expressa-se como um stress crónico, com tal intensidade, que o desgaste mental se torna superior à suportabilidade de gestão da pessoa que o vive (OMS, 2022). Esta síndrome é definida pela depressão e exaustão psicológica, física e mental (Borges et., 2021).

Síndrome de Burnout nos profissionais de saúde

O contexto laboral da enfermagem caracteriza-se por excessiva carga de trabalho, e de forma prevalente. Desde as experiências de sobrecarga até às situações com um nível elevado de riscos, para o próprio e para os outros (Gomes 2021), o facto é que, implica saber gerir a dor, sofrimento e morte, repercutindo-se em manifestações de níveis elevados de stress (Pereira et al., 2020), em atividades suscetíveis à SB, tornando-os também mais predispostos e vulneráveis. Os seus efeitos são, geralmente, evidentes dentro de uma sintomatologia depressiva cujo alcance transcende o cenário meramente ocupacional e envolve o universo pessoal, familiar e social (Martínez-López et al., 2020). É possível analisar os efeitos da SB como uma dualidade entre o desgaste físico e mental, bem como o risco que se coloca ao nível de cuidados prestados (Almeida et al., 2021).

Síndrome de Burnout em contexto de pandemia Covid-19

A OMS, em março de 2020, declara o surto mundial Covid-19, causado pela Síndrome Respiratória Aguda Grave - CoronaVirus 2 (SARS-Cov-2), como uma pandemia devido a sua alta transmissibilidade e letalidade. O cenário desconhecido desta pandemia significou para a população mundial pânico e medo de contágio, que rapidamente se tornou uma epidemia global (Martínez-López et al., 2020).

O decurso do surto, uma doença infeciosa pouco conhecida e com a capacidade de causar repercussões na saúde pública, contribuiu para desencadear medo, ansiedade (Magalhães et al., 2021), sofrimento psicológico e cansaço (Duarte et al., 2020). Deste modo, originou-se uma elevada taxa de contaminações e óbitos e, igualmente complicações a nível mental para a sociedade e prestadores de cuidados de saúde (Magalhães et al., 2021).

A enfermagem apresenta demandas aumentadas a nível da sua atuação, em situações de emergência à saúde, no qual existe uma elevada propensão para a exposição a riscos. Durante a pandemia, 20% dos casos confirmados em todo o mundo eram profissionais da saúde (Amorim et al., 2021).

A falta de um tratamento específico e a ausência de uma vacina, associado a um elevado número de casos, resultou no aumento da procura de sistemas de saúde, maior número de internamentos e sobrecarga de trabalho (Luz et al., 2021) e, por consequente, exponenciou a pressão física e psicológica a nível hospitalar (Barello et al., 2020).

A SB já era considerada uma doença psíquica angustiante, dentro da classe dos profissionais de saúde, contudo, a pandemia tornaram-na ainda mais expressiva na conjuntura da atualidade (Almeida, et al., 2021).

2. Métodos

Estudo transversal, com metodologia quantitativa e analítica.

2.1 Amostra

Constitui-se de 61 profissionais de enfermagem, em funções em Medicina Intensiva (MI), maioritariamente do sexo feminino (70.5%) e com idades entre os 21 e os 45 anos (96,7%).

2.1.1 Critérios de inclusão e exclusão

Considerou-se inclusivo, ser licenciado em enfermagem, exercício em MI e a participação voluntária no estudo; e critério de exclusão não trabalhar em MI.

Instrumento de Recolha de Dados

O Instrumento de Recolha de Dados (IRD), insere 2 sessões de variáveis independentes: sociodemográficas e profissionais, e, a variável dependente: a Síndrome de Burnout. Assim, apresenta-se a operacionalização das variáveis independentes:

Sociodemográficas: idade (num intervalo entre 21 a 45 anos) e sexo (F ou M).

Profissionais: a operacionalização destas variáveis, dizem respeito ao grau académico, Especialidade em Enfermagem, regime laboral, tipo de vínculo contratual, tempo de trabalho profissional, número de anos em MI, tipo de horário, acumulação de funções e reconhecimento financeiro.

A variável dependente, ou seja, a SB, que insere a Escala Copenhagen Burnout Inventory (CBI) (Kristensen, et al. 2005), na versão validada para a população portuguesa (Fonte, 2011), para profissionais de saúde, foi operacionalizada através de 19 itens, que enunciam atitudes e comportamentos, divididos em três escalas, gerando 3 dimensões da SB, que por sua vez se operacionalizaram como a seguir se apresenta:

SB pessoal - através de seis (6) itens - avaliam o nível de exaustão física, psicológica e da exaustão experienciada pela pessoa;

SB relacionada com o trabalho - sete (7) itens - avaliam o nível de fadiga física e psicológica e a exaustão auto-percebida em relação ao seu trabalho;

SB relacionada com o doente - seis (6) itens - avaliam o nível de fadiga física, psicológica e de exaustão auto-percebida em relação ao trabalho com os doentes.

Cada uma destas variáveis/itens, será operacionalizada - e mantendo o respeito pela terminologia autoral - através de uma Escala de Lickert de frequência cronológica, com cinco celas. A frequência com que é auto percecionada a SB pessoal, determina uma avaliação, numa escala entre: zero (0) “nunca/quase nunca” e cem (100) “sempre”. Relativamente à SB relacionada com o trabalho, nas três primeiras celas varia entre zero (0) “muito pouco” e cem (100) “muito”; e nas últimas quatro, varia entre zero (0)“nunca/quase, nunca” e cem (100)” sempre”. Na SB relacionada com o doente, nas primeiras três celas varia entre zero (0) “muito pouco” e cem (100) “muito”, nas últimas duas varia entre zero (0) “nunca/quase, nunca” e cem (100) “sempre” (Fonte, 2011). As pontuações podem variar do mínimo de zero (0) ao máximo de cem (100), sendo que:

Pontuações mais elevadas estão associadas a níveis da SB mais elevados. Considerou-se como nível elevado da SB os valores iguais ou superiores cinquenta (50);

Pontuações com valores menores estão associadas a níveis da SB inferiores. Considerou-se como nível inferior da SB os valores menores a cinquenta (50) (Fonte, 2011).

2.3 Procedimentos

Para a concretização do estudo foi apresentada a Declaração da Orientadora Científica para a solicitação de parecer à Comissão de Ética da Instituição do Norte, onde se desenvolveu o estudo. Por consideração e respeito profissional, foi considerada a apresentação de solicitação de autorização, às entidades responsáveis diretas pela unidade onde foram colhidos os dados (ao diretor clínico e enfermeira responsável). Foi realizada, também, a solicitação autoral do IRD, para a sua utilização.

Após o parecer positivo da Comissão de Ética, efetuou-se o contacto com os enfermeiros do serviço. Foram apresentados os objetivos da investigação e solicitada a colaboração, através do preenchimento do IRD, garantido o anonimato e confidencialidade das informações obtidas.

A análise estatística dos dados foi realizada com o programa IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 26 para Windows. As variáveis categóricas foram estudadas através de estatística descritiva, pelo que se apresentarão através de frequências absolutas (n) e relativas (%), e, as variáveis contínuas, através dos valores mínimo, máximo e média (x) e desvio-padrão (σ).

A consistência interna entre os itens do Copenhagen Burnout Inventory (CBI) e das suas 3 dimensões foi avaliada através do coeficiente Alpha de Cronbach, considerando-se valores superiores a 0.70 como indicadores de consistência interna adequada.

Para estudar a associação entre os níveis da SB e as variáveis sociodemográficas e profissionais, foram utilizados o Teste T de Student (comparação das variâncias entre as médias dos dois grupos independentes) e a ANOVA (comparação das variâncias entre as médias dos três grupos independentes). Para as conclusões dos resultados dos testes estatísticos foi considerado um nível de significância de 5%, ou seja, as diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando o valor de significância foi inferior a 0.05 (p < 0.05).

3. Resultados

Caraterização sociodemográfica da amostra

A amostra de enfermeiros em Medicina Intensiva (MI), em contexto pós pandemia Covid-19, apresenta-se conforme a seguir se expõe (Tabela 1): 61 enfermeiros, maioritariamente do sexo feminino (70.5%), com idades entre os 21 e os 45 anos (96,7%). Relativamente às habilitações literárias, 19.7% têm um mestrado e 26.2% detêm uma Especialidade em Enfermagem.

Tabela 1 Apresentação da distribuição dos valores absolutos e percentuais das variáveis de caraterização sociodemográfica 

VARIÁVEIS n %
Sexo Feminino 43 70.5%
Masculino 18 29.5%
Idade 21-45 anos 59 96,7%
Grau académico Licenciatura Mestrado 49 12 80.3% 19.7%
Especialidade em enfermagem Não 45 73.8%
Sim 16 26.2%

Legenda: n - Frequência absoluta; % - Frequência relativa. Fonte: Elaborada pelos autores

Caraterização profissional da amostra

No que respeita às variáveis de caracterização profissional (Tabela 2), verifica-se que, 41.0% trabalham em regime de exclusividade, 86.9% trabalham em horário rotativo/turnos e 27.9% acumulam funções. Quanto ao tipo de vínculo contratual, 73.8% são efetivos/permanentes. Da amostra, 11 (18.0%) trabalham há menos de 6 anos na função atual, 36 (59.0%) trabalham entre 6 e 15 anos e 14 (22.9%) trabalham há mais de 15 anos. A maioria da amostra, 96.7%, afirmaram não sentir reconhecimento financeiro.

Tabela 2 Apresentação da distribuição dos valores absolutos e percentuais das variáveis de caraterização profissional 

VARIÁVEIS n %
Regime laboral Com exclusividade 25 41.0%
Sem exclusividade 36 59.0%
Tipo de vinculo contratual Efetivo/Permanente 45 73.8%
Contrato/Termo 16 26.2%
Tempo de trabalho profissional 1-5 anos 11 18.0%
6-15 anos 36 59.0%
16-30 anos 13 21.3%
>30 anos 1 1.6%
Anos em MI 1-5 anos 40 65.6%
6-15 anos 14 23.0%
16-30 anos 6 9.8%
>30 anos 1 1.6%
Horário Fixo 8 13.1%
Rotativo/Turnos 53 86.9%
Acumulação de funções Não 44 72.1%
Sim 17 27.9%
Reconhecimento financeiro Não 59 96.7%
Sim 2 3.3%

Legenda: n - Frequência absoluta; % - Frequência relativa. Fonte: Elaborada pelos autores

Estudo do nível da Síndrome de Burnout

A caraterização dos níveis da SB dos enfermeiros da amostra é apresentada na Tabela 3. A análise global às 19 perguntas do questionário e em cada uma das 3 dimensões apresentaram valores de Alpha de Cronbach superiores a 0.70 - valor mínimo recomendado para garantir a consistência interna entre os itens em estudo de escalas. Neste estudo, o valor global do nível da SB variou entre 18.4 a 73.7, (x=47.1; σ= 13.2) - sendo que, 42.6% dos enfermeiros se percecionaram dentro da SB alta. Relativamente às três dimensões da SB, verifica-se que 73.8% da amostra se percecionou em elevado nível da SB relacionada com o trabalho; também, 60.7% da amostra, se percecionou em elevado nível da SB pessoal e ainda, 19.7% da amostra com elevado nível da SB relacionada com o doente.

Tabela 3 Apresentação da distribuição dos valores de Alpha de Cronbach das medidas descritivas e dos valores dos níveis da SB 

Dimensões da SB (CBI) Alpha de Cronbach Medidas descritivas Níveis da SB
Mín. - Máx. x (σ) Baixo (<50) Alto (≥50)
SB pessoal 0.913 12.5 - 91.7 52.0 (17.4) 24 (39.3%) 37 (60.7%)
SB r/c o trabalho 0.710 25.0 - 85.7 55.7 (12.6) 16 (26.2%) 45 (73.8%)
SB r/c o doente 0.874 0.0 - 66.7 32.2 (18.1) 49 (80.3%) 12 (19.7%)
SB - global 0.908 18.4 - 73.7 47.1 (13.2) 35 (57.4%) 26 (42.6%)

Legenda: r/c - relacionado com; x - Média; σ - Desvio padrão. Fonte: Elaborada pelos autores

Para dar resposta ao objetivo que preconiza o estudo da relação entre variáveis sociodemográficas e profissionais e os níveis da SB, foram usados teste estatísticos no sentido de reconhecer estas relações e a respetiva significância. Não foram observadas quaisquer diferenças estatisticamente significativas, entre as variáveis sociodemográficas e o nível da SB total nem nas suas dimensões (p>0.05).

Como se verifica na Tabela 4, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre o tipo de vínculo contatual, o tempo de trabalho profissional e os anos em MI. Comparativamente aos enfermeiros com o tipo de vínculo contratual efetivo/permanente, os enfermeiros com contrato/termo têm níveis mais elevados da SB, tanto na dimensão global da SB (x=53.9 vs. x=44.7; p=0.017) como nas dimensões da SB pessoal (x=60.2 vs. x=49.1; p=0.028), SB trabalho (x=61.4 vs. x=53.7; p=0.036) e da SB relativa ao doente (x=38.8 vs. x=29.9; p=0.092). Relativamente ao tempo de trabalho profissional, observou-se uma tendência de níveis da SB mais elevados nos enfermeiros com 6 a 15 anos na função e inferiores nos enfermeiros com mais de 15 anos na função. As diferenças foram estatisticamente significativas na SB global (p=0.037) e na SB relacionada com o trabalho (p=0.043) e, próximas da significância estatística na SB relacionada com o doente (p=0.053). Registou-se uma tendência semelhante relativamente ao número de anos em MI: níveis da SB mais elevados nos enfermeiros com 6 a 15 anos em MI e inferiores nos enfermeiros com mais de 15 anos em MI. Neste caso, as diferenças foram significativas na SB relacionada com o trabalho (p=0.048) e próximas da significância estatística na SB pessoal (p=0.076).

Tabela 4 Apresentação da distribuição dos valores estatisticamente significativos, da associação entre as variáveis profissionais e os níveis da SB 

SB (pontuação de 0 a 100)
Global Pessoal Trabalho Doente
Tipo de vínculo contratual
Efetivo/Permanente (n = 45) 44.7 (12.2) 49.1 (16.6) 53.7 (11.5) 29.9 (18.3)
Contrato/Termo (n = 16) 53.9 (14.1) 60.2 (17.7) 61.4 (14.2) 38.8 (16.4)
Teste T de Student p=0.017 p=0.028 p=0.036 p=0.092
Tempo de trabalho profissional
1-5 anos (n = 11) 44.9 (14.2) 45.5 (17.9) 53.2 (14.3) 34.5 (16.6)
6-15 anos (n = 36) 50.5 (11.1) 55.7 (15.4) 58.9 (10.3) 35.5 (17.9)
>15 anos (n = 14) 40.2 (15.4) 47.6 (20.6) 49.5 (14.7) 22.0 (17.1)
ANOVA p=0.037 p=0.133 p=0.043 p=0.053
Número anos em MI
1-5 anos (n = 40) 47.5 (11.6) 49.8 (16.3) 56.3 (11.6) 34.9 (16.0)
6-15 anos (n = 14) 50.7 (11.5) 61.0 (12.0) 59.4 (9.8) 30.1 (20.8)
>15 anos (n = 7) 38.2 (21.6) 46.4 (27.2) 45.4 (18.9) 21.4 (22.1)
ANOVA p=0.120 p=0.076 p=0.048 p=0.171

Legenda: n - Frequência absoluta; p - probabilidade de significância. Fonte: Elaborada pelos autores

4. Discussão

Após esta apresentação de resultados será apresentada a respetiva discussão, onde serão revisitados resultados de anteriores trabalhos e comparados, em análise reflexiva esses e os resultados que aqui se apresentaram. A amostra de 61 enfermeiros, em estudo, no contexto pós pandemia Covid-19, do ponto de vista sociodemográfico e profissional, é maioritariamente feminina (70.5%), corroborando os dados nacionais, já que, segundo a Ordem dos Enfermeiros (OE, 2020), 82.23% dos enfermeiros são do sexo feminino. Da amostra em estudo, 96,7% apresenta idades entre os 21 e os 45 anos, correspondendo à maior percentagem de enfermeiros a exercer funções em Portugal (OE, 2020); e, com habilitações literárias, - para além da licenciatura -, cerca de 1 em cada 5 enfermeiros (19.7%), têm Mestrado, o que representa um valor superior à média nacional (OE, 2020). Ainda em termos formativos, esta amostra revelou que aproximadamente 1 em cada 4 (26.2%) apresenta Especialidade em Enfermagem, realidade que contrasta com a relação a nível nacional, onde apenas 4.11% dos enfermeiros se encontra a prestar cuidados especializados. Todavia, esta divergência não é por acaso, e pode justificar-se pelo fato de a nível nacional, existir um grupo substancial de enfermeiros detentores do título de especialista, mas que não estão a exercer na área de enfermagem, em que se formaram e se tornaram especialistas (OE, 2020).

Foi verificado que apenas 2 dos 61 enfermeiros (3.3%) assumiram sentir reconhecimento financeiro, e, a maioria (96.7%) não o sente, sendo que esta evidência, está associada a uma desfavorável remuneração (Amorim et al., 2021), que está tacitamente aceite, a nível laboral e institucional.

O estudo da relação entre as variáveis sociodemográficas e o nível da SB apresentado pelos enfermeiros a exercer funções em MI, em contexto pós pandemia Covid-19, revelou a não existência de diferenças significativas quanto ao sexo, resultado similar ao de Borges et al. (2021), e, em oposição aos resultados em Gomes (2021).

A análise da relação entre as variáveis profissionais e o nível da SB desta amostra, demonstra que os enfermeiros com contrato a termo, apresentam níveis mais elevados da SB global e das respetivas 3 dimensões, corroborando a maior propensão para desenvolver stress pós-traumático e depressão, encontrados em Luceño et al. (2020) e Areosa et al. (2020).

Curiosamente, mas não menos relevante, importa referir a tendência de níveis da SB relativamente ao tempo de trabalho profissional: os enfermeiros com 6 a 15 anos na função, apresentam níveis mais elevados da SB, do que os grupos com mais e menos tempo de trabalho, e estas diferenças, não são consequência do acaso, porque se apresentam estatisticamente significativas, seja na SB global, seja a relacionada com o trabalho.

Constatou-se uma tendência semelhante, ainda na variável de anos de trabalho em MI: verificaram-se diferenças significativas no nível da SB no trabalho, em que os enfermeiros com 6 a 15 anos no serviço se percecionam com níveis mais elevados da SB do que os enfermeiros com mais de 15 anos no serviço. Tal evidência, pode eventualmente, compreender-se pela insuficiente experiência em situações de stress profissional, comparativamente aos elementos mais experientes, que parecem, segundo a sua perceção, estarem mais fortalecidos em gestão de stress do que os colegas menos experientes, inferência que vai de encontro à relação entre a experiência e confiança profissional, apresentada em Duarte et al. (2020), e de alguma forma, corroborada por Borges et al. (2021).

O estudo dos níveis da SB, através dos comportamentos e atitudes auto percebidos pela amostra de enfermeiros, apresenta alguns pormenores que importa pontuar: em 42.6% da amostra, tornou-se evidente que o nível da SB global, corrobora o já verificado nos resultados de Janeway (2020); sendo que no presente estudo, não se verifica, como no deste autor, uma perceção do dobro da taxa de depressão, em comparação com outros profissionais. Importa referir também, que Martinez-Lopez et al. (2020), tinham já verificado que pelo nível da SB nessa amostra, cerca 43.3% da amostra do seu estudo, percecionou necessidade de tratamento psiquiátrico no futuro, assumindo em resultados, que essa mesma amostra se percecionou mais vulnerável emocionalmente, e com repercussões futuras.

Para dar visibilidade necessária a estas morbilidades e o que podem representar, importa apresentar a diferença de valores da SB encontrados por Magalhães et al. (2021), entre a pré e a pós pandemia: os autores, verificaram um índice da SB na pré, de 25.5%, e, no pós pandemia, esse índice aumentou para 38%.

Relativamente às dimensões da variável dependente nesta amostra, verificou-se que 73.8% percecionaram-se com atitudes e ou comportamentos da SB relacionado com o trabalho, 60.7% com atitudes da SB a nível pessoal e ainda, uma menor parte da amostra, mas considerável, 19.7% perceciona comportamentos e atitudes da SB relacionada com o doente.

A fundamentar estes resultados, agora encontrados, estão os de Duarte et al. (2020) e os do estudo transversal de Almeida et al. (2021): este expõe uma menor percentagem da SB relacionada com o doente (35.4%), seguida da SB pessoal (52.5%) e, por fim, da SB relacionada com o trabalho (53.1%); e Duarte et al. (2020), onde a amostra apresentou elevado nível da SB, especialmente as dimensões de trabalho e pessoal.

Conclusão

Partiu-se dos objetivos formulados para aceder a um conhecimento considerado pertinente, que agora se apresenta em conclusões.

Foi verificada a existência de comportamentos da SB, na perceção dos enfermeiros a exercer funções em MI, em contexto pós pandemia Covid-19, através de três dimensões que a caraterizam: a SB pessoal, a SB relacionada com o trabalho e a SB relacionada com o doente. De entre o total dos elementos da amostra, 42.6% percecionaram-se com nível elevado da SB. Relativamente às três dimensões da variável dependente, 73.8% dos enfermeiros, percecionaram SB relacionada com o trabalho, 60.7% percecionaram que desenvolveram SB a nível pessoal e uma menor parte da amostra (19.7%) assumiram que apresentavam comportamentos da SB relacionada com o doente.

Na literatura atual, a prevenção e combate desta síndrome, conta com intervenções psicológicas através de estratégias de coping, motivação e engagement, ou ainda com técnicas de coaching, ou programas de Educação Emocional aplicada aos grupos laborais. Contudo, o foco deve ser mantido previamente à prevenção da SB, ou seja, na promoção da saúde laboral, com o desenvolvimento de estratégias para anular ou dissipar sinais de stress, e sinalizar quaisquer possíveis causas, evitando os riscos que aqui se reconheceram. Este conjunto de sinergias, refletir-se-á em ganhos em saúde para os que cuidam e os que são cuidados, além do bem-estar das equipas de cuidados e do sucesso ao nível da recuperação. Em suma, é importante salientar, que a SB não se traduz em profissionais menos qualificados, mas sim, em contextos predadores, que os afetam negativamente na sua sanidade mental, impedindo-os de prosperar e inovar, e de serem, portanto, os verdadeiros indicadores de qualidade aos cuidados em saúde.

Agradecimentos

Agradecem-se os contributos do Instituto Politécnico de Bragança e de todos os Enfermeiros participantes no estudo.

Contribuições dos autores

Conceptualização, M.M. e M.A.V.B.; tratamento de dados, M.M. e M.A.V.B.; análise formal M.M. e M.A.V.B.; aquisição de financiamento, M.M. e M.A.V.B.; investigação M.M. e M.A.V.B.; metodologia M.M. e M.A.V.B.; administração do projeto, M.M. e M.A.V.B.; recursos, M.M. e M.A.V.B.; programas, M.M. e M.A.V.B.; supervisão, M.M. e M.A.V.B.; validação M.M. e M.A.V.B.; visualização, M.M. e M.A.V.B.; redação - preparação do rascunho original, M.M. e M.A.V.B.; redação - revisão e edição, M.M. e M.A.V.B.

Conflito de interesses

Os autores declaram não existir conflitos de interesses.

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Recebido: 17 de Março de 2023; Aceito: 14 de Fevereiro de 2024

Autor Correspondente Marta Martins Rua Camilo Castelo Branco nº 109 5300-106 - Bragança- Portugal marta_martins89@hotmail.com

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