Introdução
A pandemia COVID-19 constituiu-se um desafio mundial, tendo sido uma das maiores crises que os países desenvolvidos experimentaram em muitas gerações, fruto do desconhecimento epidemiológico e clínico, colocando em evidência os mais frágeis (Lacerda & Januário, 2020). A crise pandémica levou a várias mudanças e foram inéditas as medidas instituídas, desde a restrição de viagens, ao encerramento de escolas e locais de trabalho. Estas circunstâncias únicas acabaram por criar novas mudanças e desafios quer para a economia, sociedade e famílias, mas também para as crianças, como indivíduos dependentes das suas famílias, os quais foram colocados numa posição de risco (Richardson et al., 2020).
Os momentos de crise e de mudança, neste caso devido à pandemia COVID-19, são momentos de transição, sendo descritos como a alteração de uma situação estável para outra situação estável, sendo que esse processo é despoletado por um evento crítico, uma mudança de caráter individual ou do ambiente. Durante os processos de transição são frequentes as situações de perda das redes de suporte social, de trabalho, de objetos significativos e ocorrem mudanças nos objetivos familiares. Estas mudanças, caracterizam-se por diferentes fases dinâmicas, marcos e readaptações e podem ser definidos através de processos e/ou resultados finais (Meleis, 2010).
Assim, face à crise sanitária provocada pela pandemia, emerge a seguinte questão de investigação: Quais as experiências e desafios parentais durante o confinamento imposto pela Pandemia COVID-19? Foram assim estabelecidos os seguintes objetivos: conhecer as experiências parentais no acompanhamento de filhos em idade escolar durante o confinamento imposto pela pandemia COVID-19 e compreender de que forma essa experiência interferiu com o exercício da parentalidade.
1. Enquadramento teórico
A crise pandémica de COVID-19 que decorreu de 2020 a 2023, levou a um processo de transição quer na criança, quer na parentalidade, sendo esta última, caracterizada como um processo complexo (Ordem dos Enfermeiros [OE], 2015) baseado na tentativa, erro e sucessos (Brazelton, 2021). Existem vários fatores que podem causar transições no seio da família, tais como, o desemprego, divórcio situações de doença ou morte, desastre naturais, apresentando-se estas como uma oportunidade de crescimento e fortalecimento da família (Boss et al., 2016). Hockenberry & Wilson (2014) referem que os fatores parentais que afetam a transição para a parentalidade estão relacionados com a idade, a qualidade da relação parental, o sistema de suporte, a experiência prévia no cuidado a criança e os efeitos de stress no comportamento parental.
Neste processo de transição é fundamental a parceria entre mãe e pai, sendo que, é a sua competitividade e os sentimentos pelos filhos, que lhes permite aprender o papel de pai e de mãe ao longo do ciclo de vida da criança, com vantagens evidentes para esta (Brazelton, 2021).
Na idade escolar os pais deparam-se com uma enorme variedade de preocupações entre elas, a saúde, segurança e bem-estar dos seus filhos (Hockenberry & Wilson, 2014)
Apesar das crianças durante a pandemia apresentarem um baixo risco de dano físico/saúde provocado pela infeção SARS-CoV-2, o seu bem-estar foi afetado direta e indiretamente (Richardson et al., 2020).
Segundo o Policy Brief: The Impact of COVID 19 in Children da UNICEF, o impacto da pandemia nas crianças pode ser agrupado tendo em conta as seguintes dimensões: o empobrecimento, a aprendizagem, a saúde e a segurança. Este impacto deriva da forma como esta crise sanitária afeta as crianças: a infeção pelo próprio SARS-CoV-2, o impacto socioeconómico imediato decorrente das medidas de mitigação da pandemia e os potenciais efeitos a longo prazo (United Nations Children´s Fund, 2020).
De acordo com Schady et al. (2023), verifica-se que o impacto da pandemia nas crianças relativamente à aprendizagem, apresentou uma perda até 10% nas crianças em idade escolar. Esta perda foi maior nos países em desenvolvimento e empobrecidos.
Na dimensão da saúde, nas crianças, as formas graves de infeção pelo coronavírus foram raras, ocorrendo principalmente em crianças com comorbilidades complexas. Contudo, as medidas de restrição impostas apontam para um efeito na vida futura das crianças a vários níveis, que dificilmente se poderá esbater (Lacerda & Januário, 2020).
Com o encerramento das escolas devido à pandemia COVID-19, as famílias com crianças em idade escolar viram-se obrigadas a manter os seus filhos em casa, acompanhando-os nos processos de ensino-aprendizagem exigidos pelas instituições de ensino. Tal exigência acarretou um grande consumo de tempo para as famílias, o que agravou as inquietações e potenciou conflitos. As atividades propostas pelas escolas foram realizadas em simultâneo com o teletrabalho dos adultos, que associadas às restantes dinâmicas da família contribuíram para o aumento dos níveis de ansiedade. Descreveram-se tensões e conflitos que se refletiram no equilíbrio do desenvolvimento emocional das crianças e suas famílias (Alçada, 2020). Este encerramento das escolas levou a restrição de atividades físicas e contactos sociais por parte da criança, a maior dependência de equipamentos eletrónicos e de aplicações informáticas, assim como a explosão de comportamentos de ansiedade, fobia social e depressão (Lacerda & Januário, 2020).
A pandemia também causou repercussões nos comportamentos associados ao estilo de vida de crianças em idade escolar. De acordo com a World Health Organization (2023), entre o período pré-pandemia COVID-19 e período pandémico (2020-2022), tendo por base a perceção dos pais/encarregados de educação, houve alterações nas dimensões do consumo alimentar; comportamentos familiares; atividade física e comportamentos sedentários; características do ambiente familiar; estado nutricional infantil e, saúde mental e bem-estar.
De realçar o aumento de consumo de snacks; o aumento do tempo despendido a ver televisão; jogar computador ou utilizar redes sociais; perceção de algum aumento de peso; diminuição dos contactos sociais; maior ocupação profissional das famílias e diminuição do rendimento familiar.
Estas alterações vivenciadas pelos pais e crianças durante a pandemia, são associadas a consequências muitas vezes negativas e com potenciais efeitos a longo prazo (United Nations Children´s Fund, 2020).
Portanto, o exercício da parentalidade, num contexto adverso, sofre um processo de adaptação e de transição que pode ter riscos associados, porque a qualidade da interação e relação pais/filhos pode ser afetada ou posta em causa. Assim sendo, é imperativo investigar como a pandemia interferiu na forma como os pais experienciaram este período de crise e como este interferiu com o exercício da parentalidade, para que os enfermeiros possam intervir nos ambientes facilitadores ou dificultadores desse processo de transição sejam eles pessoais, comunitários ou familiares.
2. Métodos
Tendo em conta a temática investigada desenvolveu-se um estudo descritivo, exploratório de natureza qualitativa e descritiva. Esta tipologia de estudo permite a exploração e descrição de temas pouco conhecidos e é uma forma de estudar a sociedade, com o foco de interesse no modo como as pessoas interpretam as suas experiências e o mundo que as rodeia (Vilelas, 2020).
Neste estudo a população alvo foram pais, com filhos dos seis aos dez anos, a frequentar o primeiro Ciclo do Ensino Básico, durante o confinamento imposto pela pandemia COVID-19.
Para o desenvolvimento do estudo foi obtido o parecer favorável da Comissão de Ética de uma Instituição de Ensino Superior da Região Centro (Parecer Nº33/SUB/2021).
Amostra
Dadas as contingências sanitárias, optou-se por uma amostra não probabilística, em rede, também designada “Bola de Neve”. Recorreu-se inicialmente a um grupo de quatro participantes recrutados através de colegas/amigos, garantindo-se que a investigadora se isentou da relação prévia com os participantes e foram considerados os seguintes critérios de inclusão: ser pai/mãe de filhas/os em idade escolar, dos seis aos dez anos e a frequentar o primeiro Ciclo do Ensino Básico; ser membro do agregado familiar da criança; ser maior de 18 anos; saber ler e escrever e ter acesso a equipamento informático e a redes de comunicação digital.
Do processo de amostragem utilizado foram recrutados 32 potenciais participantes, sendo que 15 acabaram por não responder, agendar ou concretizar a respetiva entrevista. Assim, a amostra foi constituída por 17 participantes.
Instrumento de recolha de dados
O instrumento de recolha de dados utilizado foi uma entrevista semiestruturada elaborada para o efeito, composta por duas partes, em que a primeira integrava questões para caracterização sociodemográfica dos participantes e do seu agregado familiar e a segunda um guião de quatro questões abertas, destinadas a conduzir o entrevistado para obter informação sobre as suas experiências parentais durante o confinamento, nomeadamente as estratégias de redução do impacto da pandemia e do confinamento nos filhos; os sentimentos parentais no acompanhamento dos filhos no ensino não presencial; as experiências parentais e o apoio à parentalidade recebido durante o confinamento. O instrumento foi construído para o efeito e validado por cinco peritos, duas docentes na área da Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, duas Enfermeiras Especialistas em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica e uma Professora do primeiro ciclo do ensino básico, que através de análise crítica verificaram a pertinência de cada questão face aos objetivos do estudo. Procedeu-se também a um pré-teste, a três pais com características similares aos participantes. Verificou-se pelo pré-teste que algumas das questões eram complexas, extensas e levavam a repetições. Foram então reformuladas no sentido de simplificação e adequação aos objetivos.
As entrevistas foram conduzidas pela investigadora principal de forma virtual em 2021, em sala própria e reservada, com a garantia da ausência de acesso a terceiros. Os participantes foram informados dos objetivos do estudo assim como o respetivo enquadramento. Foi-lhes fornecida a garantia do carácter confidencial e voluntário para participação no estudo e solicitado consentimento informado verbal para a participação e para a gravação. A duração de cada entrevista foi aproximadamente de 30 minutos e as respostas fornecidas foram gravadas em formato de áudio. Posteriormente o conteúdo das entrevistas foi transcrito para documento word, sendo atribuído um código sequencial (E1 a E17) a cada entrevista.
Análise de dados
Para sustentar a compreensão e significado dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, de acordo com Bardin (2020) dando cumprimento às etapas de pré-análise, de exploração do material e tratamento/interpretação dos resultados das entrevistas/falas, tentando captar o universo das perceções, das emoções e das interpretações das experiências dos pais, vividas naquele contexto. Numa primeira fase duas das investigadoras procederam à leitura “flutuante” de forma independente para conhecer os dados colhidos e delinear o processo de análise, tendo em conta os objetivos. Foi definida de forma consensual a edição a fazer às transcrições como forma de constituir o “corpus” das entrevistas não descorando a exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Posteriormente as investigadoras procederam a uma nova leitura cuidadosa do corpo de cada entrevista, para elaboração dos indicadores e índices de referência de forma consensual. No caso de divergências foi analisado por um terceiro investigador, tendo havido consenso. Foi efetuada a classificação e agregação dos conceitos, identificadas as unidades de contexto e os recortes, definidas as categorias/subcategorias e quantificada a nomeação dos conceitos. Tendo em conta a grande quantidade dos dados recolhidos considerou-se que o processo de categorização seria aplicado a várias dimensões de análise relativas às experiências parentais em estudo. Na segunda fase as investigadoras procederam à exploração do material aplicando o quadro de referência definido na fase de pré-análise. Na terceira fase foram elaborados quadros de resultados aos quais foram aplicadas operações estatísticas simples de frequência absoluta e relativa.
3. Resultados
No que diz respeito à caracterização sociodemográfica dos participantes, constatou-se que 76,5% dos participantes eram do sexo feminino, com média de idades de 38,6(±3,4) anos. A idade mínima foi de 33 anos e a idade máxima de 46 anos. Relativamente ao estado civil verificou-se que a maioria (82,4%) dos participantes eram casados e residiam em zonas urbanas (64,7%). No que concerne à escolaridade 35,3% dos participantes eram licenciados, 17,6% detentores de título de mestre e 11,8% eram doutorados. Relativamente à situação laboral verificou-se que apenas um participante se encontrava desempregado (7,7%). A maioria dos participantes estavam ou estiveram em regime de teletrabalho e, ainda, 70,6% confirmaram flexibilidade no seu horário de trabalho. De referir que 58,8% dos participantes pertenciam a famílias nucleares, constituídas por pai, mãe e dois filhos.
Com base nas respostas dos participantes e por meio da análise de conteúdo, de acordo com Bardin (2020), emergiram quatro dimensões. Os tabelas que se seguem pretendem ilustrar todas as categorias e subcategorias, organizadas segundo as dimensões em estudo: Estratégias parentais de mitigação do impacto o confinamento, nos filhos; Sentimentos parentais no acompanhamento dos filhos no ensino não presencial; Experiências parentais durante a pandemia; Apoio à parentalidade durante a pandemia.
Na análise das respostas verificou-se que os pais referiram como Estratégias de mitigação do impacto da pandemia durante o confinamento, a realização de Atividades lúdicas com os filhos, no Interior e Exterior de casa e ainda os Recursos digitais (Ecrãs e Redes sociais). Emergiram, assim, duas categorias e quatro subcategorias, apresentadas na tabela 1.
Categoria | Subcategoria | Unidade de registo | N | % |
---|---|---|---|---|
Atividades lúdicas | Exterior | “andar de bicicleta” “jogar à bola” “caminhadas” E1, E4, E6, E15 “ir (…) praia” E2, E9 " jardinagem” “horta” E5, E7, E17 | 9 | 53 |
Interior em casa | “teatros e dramatizações” E4 “jogos, pintura” E5, E7 “trabalhos manuais” E6, E16 “fazer bolos” E17 | 6 | 35 | |
Recursos digitais | Redes sociais | “teams para ela falar com as amigas” E1, E15 “Com os colegas da escola criaram um grupo no WhatsApp” E16 | 3 | 18 |
Ecrãs | “sessões de cinema” (…) E7, E17 | 2 | 12 |
Da análise de conteúdo relativa à dimensão dos Sentimentos parentais no acompanhamento dos filhos no ensino não presencial, emergiram duas categorias (Sentimentos positivos e negativos) e cinco subcategorias (Satisfação, Empenho, Frustração, Impotência e Tensão), tal como abaixo apresentado na tabela 2.
Categoria | Subcategoria | Unidade de registo | N | % |
---|---|---|---|---|
Positivos | Satisfação | “conseguia por si fazer os trabalhos e (…) a professora (…) ajudou” E3, E4, E12 “ele até tem muita facilidade na aprendizagem (…) gosta de estudar” E6, E9, E11, E16 “apesar de tudo, correu bem” E15, E17 | 9 | 53 |
Empenho | “o apoio foi de fiscalização, de ver que o trabalho estava a ser feito e” E2 “fazemos de tudo para ajudá-la (…) tentei dar o meu melhor” E4, E7, E12, E14 “estava sempre ao pé dele, porque eles distraem-se (…) tínhamos de tentar explicar da melhor maneira” E6, E9, E17 | 8 | 47 | |
Negativos | Frustração | “a qualidade da aprendizagem não foi a melhor” E1, E7, E 11, E12, E13 “o apoio que nós demos, não foi (…) o que nós queríamos dar” E14 “podia ter feito mais” E16 | 7 | 41 |
Impotência | “mudaram aquilo tudo e a forma de ensino (…) não sei sequer como fazer” E1, E9, E154 “porque nós somos pais dela, não somos professores” E7 “impotente” E8 | 5 | 29 | |
Tensão | “às vezes também me passei um bocadinho” E7, E15 “tenho a noção de que foi um grande centro de tensão entre mim e o meu filho” E8 | 3 | 18 |
Como se verifica na tabela 3, a análise de conteúdo relativa às Experiências parentais durante a pandemia evidenciou duas categorias (Experiências positivas e negativas) e quatro subcategorias (Reforço da vinculação, Stress parental, Desequilíbrio familiar/profissional/escola dos filhos e Alterações das rotinas).
Categoria | Subcategoria | Unidade de registo | N | % |
---|---|---|---|---|
Positivas | Reforço da Vinculação | “passei mais tempo com os meus filhos” E2, E3, E6, E8, E7, E10, E12, E15 “usufruíram mais do pai (…) criou-se ali (…) uma ligação” E5 | 9 | 53 |
Negativas | Stress parental | “desafio (…) gerir o tempo e coordenar as tarefas” E1, E3, E4 “frustrante (…) não conseguimos dar-lhes tudo aquilo que eles precisam” E2, E15 “às vezes queria deixar de ser mãe por 5 min” E6 “isto tem que ser dito: a paciência, não dá para tudo” E8 “tive o meu espaço bombardeado” E9 “horrível. É muito complicado” E10, E11 “foi difícil (…) lidar com (…) estas emoções” E13 “não foi fácil (…) mantê-las (…) fechadas em casa” E14 “tenho noção que não fui boa mãe” E16 “quem se cansou mais fui eu (…) fadiga emocional” E17 | 14 | 82 |
Desequilíbrio familiar/profissional/escola dos filhos | “gestão (…) para equilibrar a parte profissional e a parte familiar. É que as fronteiras se esbatem” E1, E3 “foi desafiante pelo meu trabalho em si” E4 “uma mãe é uma mãe e um pai é um pai e um professor é um professor” E5 “somos colocados num papel que (…) não deveria ser o nosso” E8 “terem que fazer a escola e nós a trabalhar” E14 “dar as aulas (…) cuidar da casa e (…) fazer alguma coisa que nos era pedida no trabalho” E15 “os prazos e o trabalho acabaram por falar mais alto” E16 | 8 | 47 | |
Alterações das rotinas | “acordar cedo para não ser aquela coisa de levantar e já estar a ouvir, pai” E1 “eles estavam ao cuidado da avó durante (…) semana (…) essa parte transferiu-se para casa” E3 “máscaras e álcool gel (…) coisas que se têm que preparar agora” E4 “ainda não nos sentimos à vontade para (…) ir para um sítio com muita gente” E5 “de repente eu tive que ter horários para tomar pequeno almoço, almoço, lanche e jantar” E9 “no início, ponhamos as compras num determinado local e só passavam dali quando estivessem todas desinfetadas” E13 “de um momento para o outro ficámos ali fechados” E15 “quando íamos à rua era todo um ritual” E17 | 8 | 47 |
Na dimensão do apoio à parentalidade emergiram duas categorias (Suporte familiar e Ausência de apoio) e três subcategorias (apoio do Cônjuge, apoio da Família alargada e Solidão), conforme apresentado na tabela 4.
Categoria | Subcategoria | Unidade de registo | N | % |
---|---|---|---|---|
Suporte Familiar | Apoio do Cônjuge | “pelo meu marido, tentamos apoiar mutuamente” E4, E13, E7, E8 “alguma coisa partilho com o meu marido” E5, E10, E16 “fora o meu marido, mais ninguém me apoiou” E9, E15 | 9 | 53 |
Apoio da Família alargada | “sogros” E1, E8, E14 “comecei a contar com os meus pais para algumas tarefas” E2, E7, E11 “apoio diário da minha família” E5 “os meus pais (…) dos meus sogros (…) da família envolvente” E12 | 8 | 47 | |
Ausência de apoio | Solidão | “não (…) consegui gerir” E3 “estive sempre sozinha” E6 “não, eu é que ajudei” E17 | 3 | 18 |
Nesta investigação todos os pais afirmaram ter aplicado Estratégias para reduzir o impacto da pandemia nos filhos e foram muito imaginativos e empenhados, sendo que 53% desenvolveram Atividades lúdicas no Exterior das suas casas. Neste estudo as atividades com menos expressividade, nas respostas, dos pais foram relacionadas com as ferramentas digitais. Apenas 18% recorreram a Redes sociais e 12% à utilização de Ecrãs como forma de minimizar nos filhos o isolamento imposto pelo confinamento.
Todos os participantes nesta investigação confirmaram que, em maior ou menor grau, acompanharam os seus filhos nas atividades letivas em casa. Ao concretizar esta tarefa descreveram Sentimentos negativos relacionados com Frustração (41%), Impotência (29%) e Tensão (18%) mas 53% evidenciaram Sentimentos positivos relacionados com Satisfação e 47% salientaram como positivo o Empenho na concretização dessa tarefa.
Em relação às Experiências parentais relacionadas com o confinamento imposto pela pandemia foram, na sua maioria negativas, sendo que as de maior expressividade foram associadas a Stress parental (82%) e 53% relataram Desequilíbrios entre a esfera familiar, profissional e apoio escolar aos filhos. Os pais também referiram que o confinamento acabou por permitir maior tempo de contacto com os seus filhos, o que lhes permitiu reforçar a Vinculação (53%).
No que diz respeito ao Apoio à parentalidade 18% descreveram ausência do mesmo, revelando Solidão. Dos restantes 82% participantes, 53% consideraram que obtiveram o apoio à parentalidade apenas através do Cônjuge, o que evidencia a falta de rede de apoio dos pais durante o confinamento.
4. Discussão
Neste estudo a maior parte dos respondentes foram do género feminino (76,5%, N=13 feminino versus 23,5%, N=4 masculino). Ainda nesta amostra, apenas 7,7% (N=1) das mães estava desempregada, 61,5% (N=8) cumpriam um horário semanal superior a 40h, 38,5% (N=5) das mães não usufruíam de flexibilidade de horário e ainda 61,5% (N=8) laboravam num regime de trabalho presencial.
Em relação ao pais, 75% (N=3) cumpriram um horário semanal inferior a 40h e 100% (N=4) laboraram em regime não presencial, usufruindo de flexibilidade de horário. Este resultado confirma as mães como referência na função parental apesar das restantes funções profissionais e sociais que desempenham. Apesar da colisão entre a função parental e socioprofissional na atualidade, à mulher está ainda associado o papel de mãe como cuidadora e educadora. Os estereótipos masculinos e femininos continuam, ainda, muito marcados na sociedade promovendo uma relação assimétrica entre homens e mulheres. Estes resultados corroboram com os encontrados por outros autores, em que as questões da (des)igualdade de género afetaram e acentuaram, de forma desigual e injusta, as mulheres que acumularam as novas rotinas de teletrabalho com as funções de cuidados familiares, durante a pandemia COVID-19. As mulheres foram a linha da frente nos cuidados familiares e na educação dos filhos e evidenciaram sobrecarga no seu quotidiano durante o confinamento (Loureiro et al., 2020).
Na perspetiva dos pais, relativamente à dimensão “Estratégias parentais de mitigação do impacto do confinamento, nos filhos”, verificou-se que estes evidenciaram um grande esforço para desenvolver atividades com os filhos durante o confinamento. Desenvolveram Atividade lúdicas no Exterior e Interior das suas casas, mas necessitaram também de recorrer a Estratégias tecnológicas.
No que concerne às Atividades lúdicas exteriores deram exemplos como jardinagem e cuidar da horta, atividades desportivas como andar de bicicleta, caminhadas e correr. No entanto, de acordo com Moore et al. (2020), Burkart et al. (2022) e World Health Organization (2023), apesar da criatividade dos pais para desenvolverem ou renovarem as atividades de lazer com os filhos, as crianças em idade escolar durante o confinamento viram aumentadas as suas atividades sedentárias comparativamente a anos anteriores principalmente nos dias de semana, o que contraria os resultados obtidos na presente investigação. Tal diferença talvez possa ser justificada com o acesso privilegiado das crianças pertencentes à amostra, a locais recreativos externos como casa com espaço exterior, jardins, parques e praias e também as próprias condicionantes culturais.
As Atividades lúdicas no interior de casa foram uma estratégia apontada pelos pais: jogos, pinturas, trabalhos manuais e até teatros, podendo considerar-se que durante o confinamento imposto pela pandemia os pais desenvolveram muitas atividades artísticas com os seus filhos, o que está em consonância com Armstrong & Ross (2021).
No presente estudo, os pais referiram também a utilização de Recursos digitais, nomeadamente para sessões de cinema e utilização de redes sociais, alegando que foi uma forma de facilitar a socialização dos seus filhos, contudo implicou maior dependência/utilização de equipamentos eletrónicos e aplicações informáticas. Da mesma forma Lacerda & Januário (2020) e Burkart et al. (2022) evidenciaram o confinamento como potenciador dos malefícios da restrição da atividade física e socialização, aumentando a dependência de equipamentos eletrónicos.
Na dimensão "Sentimentos parentais no acompanhamento dos filhos no ensino não presencial”, os pais manifestaram sentimentos ambivalentes, emergindo como Sentimentos positivos a Satisfação e o Empenho e na categoria Sentimentos negativos emergiram a Frustração, a Impotência e Tensão.
Relativamente à Frustração, neste estudo, os pais consideraram que a qualidade do ensino à distância não se compara às aulas presenciais, sendo que os filhos apresentaram reduzidos ganhos, tal como referido por Loureiro et al. (2020). Também Santos e Zaboroski (2020) evidenciaram que muitas crianças apresentaram uma grande dificuldade em conciliar o lazer e as exigências do ensino não presencial, culminando no insucesso na aprendizagem.
A Impotência surge, segundo os pais, porque foram chamados a desempenhar a função de professor, não estando preparados ou capacitados para tal, tal como refere Melo (2020). Ensinar não se reduz a transmitir conteúdos académicos, mas é uma ação vasta e multidimensional, não sendo possível substituir o professor por ninguém, nenhuma máquina ou tecnologia. Educar/ensinar é um ato relacional e emocional. Kolsky et al. (2022) também constataram, tal como neste estudo, que os pais reportaram redução das aprendizagens durante o período de ensino não presencial, referindo um declínio na atenção das crianças. Em casa o ambiente é pouco propício à aprendizagem por ser caótico e ruidoso, sendo que os pais frequentemente se depararam com dificuldades em persuadir os filhos a cumprirem as suas tarefas académicas, apesar do seu empenho.
Durante o confinamento imposto pela pandemia, de acordo com KolsKy et al. (2022) os pais reportaram a escassa literacia digital para apoiar os seus filhos, mas tal não foi evidenciado pelos participantes deste estudo. Estes resultados talvez possam ser justificados pelo elevado nível de escolaridade dos participantes, sendo que aproximadamente 65% eram licenciados, mestres ou doutorados.
Quanto à dimensão “Experiências parentais durante o confinamento imposto pela pandemia”, neste estudo, os pais relataram principalmente Experiências negativas relacionadas com Stress parental (subcategoria com maior expressividade entre todas as dimensões analisadas, 82%), Desequilíbrio familiar/profissional/escolar dos filhos e alterações de rotinas. Apesar do confinamento permitir à família mais momentos de partilha, a qualidade desses momentos estava comprometida pela sobrecarga com múltiplos e diferentes papéis o que tornou o confinamento difícil: professor, colega de brincadeira e cuidador dos filhos sem, contudo, descurar algumas rotinas relacionadas com tarefas domésticas e as responsabilidades profissionais. Estes dados corroboram com os resultados, também, encontrados por diversos estudos, evidenciando a experiência parental stressante e que afetou o bem-estar de todos, fossem adultos ou crianças: Armstrong e Ross (2020), Marchetti et al. (2020), Spinelli et al. (2021), Demaria e Vicari (2021), Jansen et al. (2021) e também Chen et al. (2022). De acordo com um estudo desenvolvido pela Universidade de Oxford, 40% dos pais com filhos em idade escolar experimentaram grandes níveis de stress e ansiedade durante o fecho das escolas porque as crianças dos primeiros anos escolares requerem mais atenção e um acompanhamento muito mais próximo em relação a crianças mais velhas, o que resulta em maior exigência e maior nível de stress (Chen et al., 2022). Este evento crítico impôs tanto aos pais como crianças, novas rotinas e novas competências parentais (Meleis, 2010).
No que concerne à dimensão do “Apoio à parentalidade” os pais consideraram, neste estudo, que receberam apoio maioritariamente dos seus Cônjuges e no seio familiar. Também foi constatado por Armstrong e Ross (2020) e Spinelli et al. (2021) que durante a pandemia os pais deixaram de poder contar com grupos de amigos e com as instituições de ensino e apoio à criança. Essa redução de apoios, limitou a capacidade de estes partilharem os cuidados aos filhos com os cuidadores habituais, o que teve um grande impacto na parentalidade, principalmente quando os pais estavam sujeitos ao regime de teletrabalho.
As famílias viram elementos cruciais de apoio à parentalidade removidos da sua rede de apoio, o que à luz da teoria de Meleis (2010) pode ser vista como uma condição desfavorável nesta situação de transição.
(Meleis, 2010).
Conclusão
Apesar de sentimentos positivos, os participantes revelaram experiências e sentimentos maioritariamente negativos.
No acompanhamento dos filhos durante o ensino não presencial, foram referidos Sentimentos parentais como Frustração, Impotência e Tensão. Em relação às Experiências parentais, estas foram maioritariamente associadas a Stress parental, Desequilíbrio entre a esfera familiar/profissional/apoio escolar aos filhos. O momento de confinamento foi exigente para os pais, muito stressante e difícil. Com as escolas encerradas e em teletrabalho, os pais foram sobrecarregados com tarefas de apoio letivo e recreativo aos seus filhos, para além das exigências profissionais e das tarefas domésticas, ao mesmo tempo que viram os seus recursos de apoio à parentalidade difíceis ou impossíveis de aceder.
Com os resultados obtidos sugere-se a realização de novas investigações com diferentes metodologias, nomeadamente estudos longitudinais, porque o conhecimento é essencial para intervir naquilo que é, foi e será, o real impacto da pandemia COVID-19 nas parentalidades, seja a curto, médio ou longo prazo. É evidente a necessidade de investigar nesta área, como forma de proporcionar aos pais, educadores e profissionais de saúde ferramentas fundamentais para apoiar a criança/família nos processos de transição e adaptação ao exercício da parentalidade. Nesse sentido, o enfermeiro deve participar na elaboração de manuais e guias de apoio à criança/família para o exercício da parentalidade.
Os resultados desta investigação permitem aos enfermeiros conhecer as experiências parentais e compreender em que medida a pandemia COVID-19 exigiu a adaptação e transformação do papel parental, tendo em conta as medidas altamente restritivas no contacto social e outros, porque estão numa posição de destaque e proximidade com os pais, crianças e meio escolar na sua prática profissional. Pelo mesmo motivo facilmente podem intervir junto da criança e no processo de parentalidade, estabelecendo redes de suporte à criança /família e apoio nas funções parentais, capacitando as crianças e suas famílias para a adoção de estratégias de coping e de adaptação.
Referir que, ao longo do estudo surgiram algumas limitações, que de algum modo poderão ter impacto nos resultados, nomeadamente a situação pandémica por COVID-19, constatando-se que, a amostra ficou limitada a participantes que dispunham de meio eletrónicos e acesso à internet, não abrangendo, eventualmente, as crianças/famílias mais desfavorecidas. Este aspeto, constituiu uma preocupação e limitação e pode ter levado a um viés dos resultados. Importa, em estudos futuros, ressalvar o apoio e a proteção das crianças/pais/famílias com menos recursos para maior facilidade de acesso à educação, à saúde e a outros meios, nomeadamente em termos de recursos digitais e equipamento informático/eletrónico que se revelaram de elevada importância no momento de confinamento imposto pela pandemia COVID-19.
Contribuições dos autores
Conceptualização, L.M., M.C. e I.B.; tratamento de dados, L.M. e M.C.; análise formal L.M. e M.C.; investigação, L.M.; metodologia L.M., M.C. e I.B.; administração do projeto, L.M., M.C. e I.B.; recursos, L.M., M.C. e I.B.; programas, L.M. e M.C.; supervisão, L.M., M.C. e I.B.; validação, L.M., M.C. e I.B.; visualização L.M., M.C. e I.B.; redação - preparação do rascunho original, L.M., M.C. e I.B.; redação - revisão e edição, L.M., M.C. e I.B.