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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.32 Oeiras abr. 2000

 

AS SOCIEDADES PERIFÉRICAS NA RECONTEXTUALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

António Maria Martins*

 

 

Resumo Na actualidade torna-se difícil as formações sociais periféricas escaparem à lógica de globalização e, como consequência, agravam-se as dificuldades de o seu desenvolvimento ocorrer de forma harmoniosa e sustentada. Esta situação poderá ser minorada na medida em que elas saibam manter as lógicas de produção e troca tradicionais existentes, articulando-as com a lógica global de forma controlada. É evidente que este processo não se encontra facilitado tanto pelas imposições das lógicas globais e regionais como pela possibilidade de o estado-nação ser obrigado a alienar parte da sua soberania, ficando por isso, e não só, enfraquecido nas negociações que ocorrerem com os outros estados e, sobretudo, com as organizações económicas internacionais bastante libertas de impedimentos legais à expansão das suas actividades.

Palavras-chave Globalização, dependência, estado-nação, lógicas económicas.

 

 

Da internacionalização à mundialização da vida económica e ao surgimento de vários pólos hegemónicos

O capitalismo como sistema mundial desenvolveu-se associado à economia industrial, e a Inglaterra assumiu-se, até à Primeira Guerra Mundial, como país dominante ao nível da produção industrial e do volume do comércio mundial, hegemonizando, mesmo, todo o processo (Murteira, 1979, 63). A seguir à crise da década de 20, período em que se verificou uma diminuição do comércio internacional, são os EUA a assumirem a posição dominante da vida económica internacional (Murteira, 1979, 66). Esta passagem é acompanhada da transnacionalização do capital através da exportação das filiais de grandes empresas para países onde as condições de rendibilidade do capital fossem superiores.1A hegemonização da economia pelos EUA teve o seu apogeu na década de 60, fase da maturidade do capitalismo internacional, que se caracterizou pelo domínio dos monopólios, por um certo autoritarismo e pela criação de estados de dependência (Sunkel et al., 1970; Santos, 1970: 48), assumindo mesmo a forma do que viria a ser designado por "imperialismo económico" (Roxborough, 1981: 60-72).2

Esta situação ocorreu marcada pelo "uniformismo dicotómico" (Masine, 1993: 390) entre uma economia planificada a leste e uma economia de mercado a ocidente, a que correspondeu um sistema político centralizado, no primeiro caso, e parlamentar no segundo. A internacionalização da vida económica, política, ideológica e social processou-se, neste período, condicionada por estas posições diferenciadas e contraditórias, mas ambas de forma hegemónica.

O período a partir da década de 70 foi marcado, de acordo com John Naisbitt (1988: 69-78), por um conjunto de alterações com enorme significado: enfraquecimento da posição hegemónica dos EUA e a emergência de novas potências económicas que configuram uma tripolarização (EUA, Japão e Europa); o surgir de novos países industrializados (Singapura, Hong Kong, Taiwan, Formosa, Coreia do Sul, Brasil (…);3modificações na política económica chinesa quer pela adopção das regras da economia capitalista, quer pela sua abertura ao mercado internacional; tendência para a diluição do sistema dicotómico entre o Leste e o Ocidente (Bertrand, 1992: 63; Mateus et al., 1995: 29).

Na tripolarização a que nos referimos, e de acordo com análise prospectiva feita por Gérard Lafay em Industrie mondiale: trois scènarios pour l´an 2000, tanto os EUA como a Europa irão perder peso em todos os sectores industriais a favor da Ásia desenvolvida, liderada pelo Japão. Este, apesar de alguns limites no campo militar e dos recursos naturais e das relações conflituosas com os EUA (Ishara, 1991), apresenta enormes potencialidades no campo económico e tecnológico e orientado para a globalização.

Não é apenas ao nível macroeconómico que as alterações se processaram. Ao nível microeconómico têm ocorrido modificações de redimensionamento das empresas e da forma como são controladas e geridas.4A economia internacional tem vindo, assim, a assumir novas configurações no sentido da unidade/universalidade5 e da diversidade (Masine, 1993: 390). Diversidade que resulta de factores históricos, culturais, das aspirações dos povos ou que é a própria natureza do capitalismo que engendra: "A flexibilidade do próprio sistema reconhece às perspectivas mais particularizantes uma autonomia de acção (…) cujos contornos são de extrema importância para o entendimento da dinâmica sistémica de transformação" (Fortuna, 1987: 165).

Não obstante estas diferenciações criadoras de heterogeneidades, o sistema económico capitalista expande-se e intensifica-se. É o que Riccardo Petrella (1990: 29-43) designa por "mundialização da economia": "A mundialização da economia é um novo fenómeno nascente que representa uma nova fase na organização do capitalismo industrial e financeiro avançado em relação aos processos já em vias de internacionalização e de multinacionalização".

Neste sentido, a economia mundial tende cada vez mais a configurar-se como um sistema caracterizado pela(o): expansão-universalização; aumento da integração entre as partes; diluição de impedimentos, normativos ou geográficos; alteração das suas estruturas e das suas regras de funcionamento. A par destas alterações, os centros reguladores da vida económica tendem a deslocar-se para estruturas supranacionais, com o consequente enfraquecimento do estado-nação.

 

Mundialização e novas formas de competição e de dependência

As alterações que estão a ocorrer na mundialização da economia não são apenas de quantidade, ligadas à ocupação de novos espaços pelo efeito da globalização, mas também de alterações qualitativas ao nível da estrutura, das regras de funcionamento e dos suportes normativos. Se as relações internacionais, características da sociedade industrial, foram relações de dependência ou de interdependência, hoje, as tendências vão no sentido da integração da economia mundial, facto que se apresenta como um processo "irreversível" (Bertrand, 1992: 63). Assiste-se a um crescimento contínuo do comércio externo, total e de todos os países, liberaliza-se a circulação de bens, mercadorias e capitais, intra e entre blocos económicos.6Estes blocos emergentes tendem não só para o intensificar da integração económica, mas também para a unificação: monetária, política e social, como é o caso da União Europeia. A integração económica caracteriza-se, pois, pelo desenvolvimento de interconexões entre redes de produção, de informação e financiamento, e pelo aumento da velocidade de circulação de saberes, tecnologias e capitais em redor de pólos cada vez mais diversificados (Smouts, 1993: 517).

Estas mudanças imprimem alterações não só ao nível macroeconómico, no que interferem na estrutura do capitalismo internacional (Smouts, 1993: 523), como ao nível das estratégias de concorrência, da organização da produção, do trabalho, das novas tecnologias e dos requisitos em conhecimentos detidos pela força do trabalho.

Na mesma linha dos sectores produtivo e comercial, também o capital financeiro está a mundializar-se, isto é, a deixar de conhecer fronteiras e de ter "pátria"7 e de ser controlado pelos bancos centrais: "(…) o dinheiro (…) tornou-se transnacional e deixou de poder ser controlado pelos estados-nação ou mesmo através das suas actuações conjuntas" (Drucker, 1993: 143).

Na senda da maximização dos lucros, o capital financeiro desloca-se intra e entre mercados financeiros, provocando alterações nas economias e na estabilidade das próprias moedas (Toffler, 1984: 226). Esta situação é agravada pela passagem da moeda tradicional à moeda electrónica, possibilitando uma enorme mobilidade e quase inexistência de tempos na sua circulação. Dá-se uma certa emancipação do capital financeiro relativamente ao sector produtivo e comercial, passando ele a ser a própria essência do "jogo" e a gerar, por si só, mais lucros ou prejuízos do que o sistema produtivo (Toffler, 1984: 228; Amaro, 1990: 12).

Ao nível da informação, o processo de mundialização é ainda mais acentuado não apenas na ainda dominante comunicação de massas, ligada ao marketing publicitário e de propaganda, mas também pela sua diversificação, para atender a grupos específicos, e, ainda, pela sua selectividade com base nas escolhas dos sujeitos utilizadores: "(…) a informação, no bom e no mau sentido, tornou-se verdadeiramente transnacional e ficou totalmente fora do controlo de qualquer nação" (Drucker, 1993: 144).

Mundializam-se também as disfuncionalidades ligadas ao consumo de drogas, às doenças contagiosas, à poluição do meio ambiente, ao terrorismo internacional, condicionando a criação de estruturas supranacionais não sujeitas ao controlo por parte de qualquer estado-nação (Bertrand, 1992: 65; Drucker, 1993: 146). A mundialização dos diferentes aspectos referidos apresenta-se com capacidades destrutivas de identidades nacionais e, sobretudo, culturais.

A utilização do conceito de mundialização da economia e o aparente fim dos dualismos clássicos ao nível económico, político e ideológico não alteram as dicotomias aos diferentes níveis que desde sempre estiveram presentes na vida das sociedades.

Como temos vindo a referir, a economia capitalista, nas suas diferentes componentes, está em processo de mundialização e de ocupação de todos os espaços no seu interior. Esta dinâmica realiza-se através de elementos dissemelhantes (quer ao nível das realidades "macro", quer "micro"), configurando a realidade emergente novas dicotomias, de que resulta a transfiguração das realidades existentes.

A nível macroeconómico, pode detectar-se a formação de grandes blocos económicos que virão a aglutinar conjuntos de países limítrofes hegemonizando um dado espaço económico e geográfico (Drucker, 1993: 149). Neste contexto, são previsíveis duas lógicas: uma, regionalizada, onde a circulação de mercadorias e de capitais tenderá a liberalizar-se; outra, global, na qual a circulação de mercadorias e capitais, apesar de se intensificar, vai estar cada vez mais dependente da reciprocidade. Isto pelo facto de não ser previsível a formação de apenas um bloco que consiga impor as suas regras aos outros estados, como tem sido prática na fase de maturidade do capitalismo internacional: "Jamais um único país dominará o mundo da mesma maneira que os EUA o fizeram após a Segunda Guerra Mundial" (Naisbitt, 1988: 71).

Resta saber em que sentido evoluirá o princípio da dependência e da existência de países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Pela exposição que temos vindo a fazer, pode parecer que caminhamos no sentido do esbater destas dicotomias que têm polarizado os países sob diferentes formas. Contudo, se retomarmos os princípios essenciais referidos, essa evidência não se verifica porque, por um lado, não foi dito que a lógica capitalista e da sua reprodução tenha sido substituída e, por outro, foi reafirmado que esta passagem está a ocorrer sobretudo nos países onde o capitalismo se desenvolveu e que têm condicionado e continuam a condicionar a economia mundial. Neste sentido, é previsível que se processem alterações de fundo na lógica de funcionamento da economia capitalista, sendo difícil, todavia, que elas alterem, de forma substantiva, as relações de dependência. Neste momento, as actividades que caracterizaram a sociedade industrial estão a desenvolver-se nos países do Sul (dependentes e subdesenvolvidos), enquanto os do Norte desenvolvem o saber, a informação e as tecnologias de ponta: "É demasiadamente tarde para retomar a nossa supremacia na indústria, porque deixámos de ser uma economia industrial. (…) Devemos abdicar das nossas antigas tarefas na indústria e empreender as tarefas do futuro" (Naisbitt, 1988: 70, 72). A passagem da sociedade industrial para a sociedade da informação permitiu aos EUA retomar o domínio económico nos anos 90 que estava a perder nos anos 80 para o Japão.

O que parece estar a verificar-se é a emergência de uma nova divisão internacional do trabalho, na qual os países, de acordo com o seu posicionamento em blocos, irão ocupar novas posições e alterar a sua estrutura de produção quer pela mudança de actividades, quer pela modernização tecnológica e dos processos de trabalho e de funcionamento. Este facto pode não implicar que a sua posição relativa, quanto a indicadores de bem-estar, se altere substancialmente.

Na actual fase de transição da sociedade moderna, muitas das actividades desenvolvidas pelos países centrais estão a ser substituídas por novas actividades características da sociedade da informação e do saber, e a deslocar-se para outros países, em especial para os que possuem melhores condições em recursos técnicos e humanos e onde o custo da mão-de-obra é mais atractivo. Torna-se, por conseguinte, difícil definir se uma actividade é central ou periférica: "Uma actividade que é central num dado momento pode tornar-se periférica no momento seguinte e vice-versa" (Fortuna, 1993: 62). A tendência é para que a criação e evolução de um produto ocorra nos países do centro e se desloque para as periferias logo que alcance a maturidade e a sua produção dependa de mão-de-obra intensiva. Este processo é condicionador de dependências técnicas e de recursos humanos e implica, regra geral, a criação de problemas, particularmente ambientais.

 

Tendências para a criação de órgãos supranacionais: enfraquecimento do estado-nação

A sociedade industrial desenvolveu-se sob a égide de uma superestrutura configurada no estado, a que correspondia, ou se fazia corresponder,8uma nação circunscrita a um território bem delimitado (Baechler, 1995: 87-91). As finalidades atribuídas ao estado-nação, nas sociedades modernas, são essencialmente as de garantir a soberania, manter a ordem e promover o bem-estar dos cidadãos. Estas atribuições, e o seu desempenho, têm dado origem a outras designações de estado,9 com as quais não nos ocuparemos aqui.

A evolução do estado-nação que hoje conhecemos processou-se em articulação estreita com o modo de produção capitalista, permitindo que este se desenvolvesse de forma articulada dentro de fronteiras estáveis e em ambientes sistémicos normalizados. Em paralelo com esta evolução e fortalecimento mútuo, o mercado desenvolveu-se e surgiram ideologias nacionalistas, enfatizou-se a nação e desenvolveram-se símbolos ligados à arte, à música, à literatura e à cultura (Toffler, 1984: 7). Neste contexto, o controlo interno e das relações internacionais passava pelas definições exclusivas dos estados-nação, sendo diminuto o exercício do poder por outras organizações, mesmo das organizações internacionais (Romão, 1989: 235).

Do ponto de vista histórico, o estado-nação desencadeou ou foi suporte de acções conducentes à sua expansão quer sob a forma de megaestados, quer sob a forma de impérios, sem que, em ambos os casos, se tenha conseguido a criação de homogeneidades políticas, económicas e sociais coerentes, e desde logo sem transcenderem de forma duradoura o estado-nação.

Decorrente da articulação dos elementos referidos, o estado-nação apresentou-se como o agente aglutinador das práticas económicas, político-ideológicas e administrativas, jurídicas, sociais e culturais que se territorializaram10num dado espaço geográfico delimitado por fronteiras, das quais o estado era o garante. As alterações que se têm vindo a operar, aos diferentes níveis, no interior de um dado espaço territorial e no seu exterior apresentam-se com força suficiente para provocar alterações no estado-nação quer através da transferência de poderes para instituições supranacionais, quer porque as dimensões que lhe deram consistência deixaram de se confinar a esses mesmos espaços e tendem, como temos vindo a referir, a mundializar-se: "A história da humanidade conhece já múltiplas formas territoriais (as cidades-estado, (…) os feudos, (…) as tribos, o chão (…), mas a mais recente, como se sabe, é o estado-nação. Não há razão nenhuma para pensar que, ao contrário das outras, ele tenha …vida eterna" (Amaro, 1990: 11).

A lógica da globalização das economias nacionais, bem assim como das tecnologias, do saber, da informação e da cultura, e ainda das disfuncionalidades ligadas ao ambiente, ao terrorismo internacional, ao não cumprimento dos direitos humanos, às doenças infecto-contagiosas, etc., são os elementos que mais se evidenciam no desgaste e enfraquecimento do estado-nação (Reich, 1993; Kennedy, 1993). Por conseguinte, o estado-nação deixa de ser capaz de dar respostas às necessidades evidenciadas pelo processo descrito quer como regulador das relações internacionais, particularmente ao nível da criação de regras que normalizam as relações comerciais e de garantia da sua aplicação, quer porque as disfuncionalidades, ao ultrapassarem as barreiras nacionais, implicam políticas globais e de aplicação rápida, quer ainda como forma de normalizar as práticas sociais e culturais no interior do seu espaço territorial (Santos, 1994: 130): "De facto o estado-nação vai perdendo progressivamente controlo sobre variáveis tão importantes como: a moeda, a inflação, as taxas de câmbio, os movimentos de capitais, as taxas de juro, as formas culturais, as identidades regionais e locais, os meios de comunicação, a produção de informação, etc." (Amaro, 1990: 15).

A poluição, tanto como o dinheiro ou a informação, não tem fronteiras (…), as florestas na Escandinávia, (…) estão a ser destruídas pela poluição produzida na Escócia, na Bélgica e na Alemanha (…). Assim a economia do saber exige unidades económicas substancialmente maiores do que as de um estado-nação, razoavelmente grande (Drucker, 1993: 146-151).

Assiste-se, assim, a uma desterritorialização da vida económica, política, jurídica, cultural da informação e a uma consequente diluição das fronteiras nacionais, que se tornarão cada vez mais artificiais. Ao mesmo tempo, é de esperar que o papel das organizações internacionais (BM, FMI, ONU, GATT, OMS, OTAN, por exemplo) aumente11e possa vir a dar origem a megaorganizações (com poderes reforçados) ou até mesmo a estados-transnacionais (Murteira, 1989: 28).

 

Manutenção de lógicas económicas duais de forma articulada

O processo até aqui descrito aponta, por um lado, para uma universalização da economia capitalista e, por outro, para a emancipação de espaços regionais, com assinalável poder nas relações internacionais. Nestes espaços, a homogeneização, a perda de poder pelas diferentes unidades políticas e a livre circulação de recursos materiais e humanos tenderão a ser incrementados. A estas duas lógicas poderemos acrescentar ainda uma terceira de carácter local que reputamos de grande importância, especialmente nas formações sociais periféricas e mais dependentes.

Estas lógicas locais são resultantes quer das necessidades clássicas de reprodução das forças produtivas utilizadas pelo capitalismo a baixo custo, quer da manifestação de formas de produção ou formas culturais localizadas, quer ainda da manutenção de sistemas produtivos e socioculturais estáveis com capacidade para proporcionar estabilidade política e social e interferir positivamente nos períodos de crise da economia mundial ou regional, sempre possíveis dada a sua natureza e a forte interdependência que se verifica entre as partes: "O local é assim, em certo sentido, o outro lado da mundialização das estratégias produtivas no quadro da divisão internacional do trabalho, mas não é, atente-se, uma entidade desprovida de qualidade (…)" (Reis, 1992: 62).

Rogério Roque Amaro (1990: 14) refere que estas lógicas locais se têm evidenciado devido a vários factores: à crise do estado-nação e à necessidade de dar soluções a várias disfuncionalidades; ao surgimento de pequenas empresas; à tendência para a regionalização do poder político; ao enfraquecimento do modo de produção fordista; ao surgir de novas estratégias das empresas transnacionais; e, por último, o evidenciar da emancipação de culturas localizadas: "Podemos, portanto, dizer que os últimos anos viram emergir ou ressurgir lógicas territoriais de vários sentidos transnacionais, supranacionais e infranacionais" (…) (Amaro, 1990: 15).

No mesmo sentido que os autores anteriormente referidos, Peter Drucker (1993: 147-156) afirma que estamos a ser marcados por três dimensões: transnacionalização, regionalização e diluição de homogeneidades culturais e o evidenciar da diversidade cultural e do individualismo, ambos libertos de comportamentos sociais normalizados e padronizados de acordo com regras preestabelecidas e ou condicionados pelos centros de decisão.

Temos, assim, um conjunto de processos que permitem o surgir e o desenvolvimento de lógicas locais que em muitos casos se encontravam em estado latente.

A possibilidade do desenvolvimento das lógicas locais para lá dos aspectos já referidos resulta, em nosso entender da mundialização da economia capitalista sem necessidade de desenvolver lutas localizadas pela ocupação de espaços; da transferência do poder político e de decisão aos diferentes níveis, particularmente económico, para órgãos supranacionais; do evidenciar de novas formas de organização política distinta daquelas que definiram o estado-nação; da existência de culturas, modos de organização das actividades sociais e económicas milenares anuladas pela imposição do centro nas relações internacionais especialmente durante toda a sociedade industrial e moderna.

Em nosso entender, a existência destas duas lógicas (local com a regional-universal) de forma articulada apresenta-se como bastante positiva para a manutenção de equilíbrios sociais, particularmente em períodos de crise, quer como produtor de bens primários para o mercado interno, quer, e sobretudo, como amortecedor das disfuncionalidades geradas pelas crises que afectam a economia capitalista. A manutenção da economia camponesa assume um enorme significado porque permite a produção de bens em regime familiar e a baixos custos de produção. São os próprios operários da indústria (operários camponeses ou semiproletariado) e os funcionários dos serviços que desenvolvem a produção desses bens em regime de acumulação de funções. O Japão apresentou-se como um caso paradigmático ao conseguir articular com sucesso as formas mais modernas de produzir utilizadas no mundo ocidental com os métodos de gestão típicos do Japão tradicional. Consegue, igualmente, manter intactas as formas tradicionais de produzir, típicas da economia camponesa, é o que Michio Morishima (1988: 520) designa de economia japonesa a duas velocidades.

O desenvolvimento social, económico e humano a partir do local seria obtido por um conjunto de aspectos que importa referir: recuperação dos padrões culturais tradicionais existentes que garantam o equilíbrio dos indivíduos e dos grupos primários, mas numa perspectiva dinâmica; desenvolvimento das formas tradicionais de produção e organização social, aceitando-se a inovação e as tecnologias exteriores desde que se integrem nos processos existentes; incremento das trocas com o exterior desde que inseridas num processo que garanta o equilíbrio local e a paridade nesse sistema de trocas.

Um processo de desenvolvimento auto-sustentado, em que os elementos antes descritos terão de estar presentes, permitirá a existência de equilíbrios pessoais, económicos e sociais mesmo em tempo de crise da economia mundial, regional e sobretudo nacional; a coesão social e política; e, sobretudo, permitirá criar os alicerces para um desenvolvimento integrado do ponto de vista económico, social e humano.

 

 

Notas

1 Referimo-nos às condições clássicas: existência de matérias-primas, proximidade dos consumidores, existência de capital financeiro e, sobretudo, da existência de força de trabalho dócil e barata.

2 Caracterizava-se pelo domínio de monopólios, pelo domínio do capital financeiro, pela exportação de capital e não de mercadorias, pela formação de monopólios internacionais e pela divisão do mundo entre várias potencias económicas (Roxborough, 1981: 61).

3 Segundo Boaventura de Sousa Santos (1994: 250), está a assistir-se a uma deslocação da economia mundial para a Ásia centrada no Japão e na semiperiferia (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura).

4 A situação de transnacionalização em que grandes empresas, sediadas num dado país, instalam as suas filiais noutros países, controlando todo o processo, tem vindo a dar lugar ao surgimento de novas empresas multinacionais, de capitais mistos, e com autonomia crescente, relativamente à empresa-mãe.

5 "Universalidade", no sentido geográfico e da destruição de outras formas económicas; "unidade", porque, não obstante terem ocorrido profundas alterações nos vários sistemas, a economia capitalista tem-se redimensionado e adaptado às novas condições, mantendo a sua coerência no essencial.

6 Referimo-nos a realidades em diferentes fases de concretização: UE; Nafta, Mercosul; Asean, "Singapura, Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas", e APEC (cooperação económica Ásia Pacífico), que compreenderá, num futuro não distante, os "EUA, Canadá, China, Tailândia, Malásia, Singapura, Indonésia, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Filipinas, Brunei e Nova Guiné" e que formarão uma zona de comércio livre de grandes dimensões.

7 Não obstante existir o ditado, já antigo, de que o "dinheiro não tem pátria", é um facto que sempre existiu um forte controlo monetário, associando-se a moeda e o seu valor a questões de soberania nacional, sendo mesmo vista como objecto legitimador do estado-nação.

8 Quando esta correspondência não se verificava de facto, o processo político, económico, social e cultural era hegemonizado por um grupo, não sendo permitido às minorias o desempenho de qualquer acção contrária ao que previamente estava definido.

9 Referimo-nos, principalmente, ao estado-providência. Trata-se de um estado cuja principal característica é a de intervir ou controlar os mecanismos reguladores da vida económica e social.

10 O conceito de "territorialização" aqui referido identifica-se com o conceito de "território", utilizado por Rogério Roque Amaro (1990:  9), e entendido como "espaço apropriado, organizado e reconhecido de um ponto de vista político, social e ideológico, por uma população que com ele se identifica e nele pretende exercer a sua autonomia".

11 O que não impede que as influências dos estados-nação, particularmente dos mais fortes, não se façam sentir, de forma determinante, sobre as políticas desenvolvidas por estas organizações.

 

 

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*António Maria Martins. Sociólogo — Docente da Universidade de Aveiro. Departamento de Ciências da Educação — Univ. de Aveiro, 3810-193 Aveiro - Portugal. Tel.: 234 370 629; Fax. 234 370 640; E-mail Amartins@dce.ua.pt.

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