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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.64 Oeiras set. 2010

 

Protestos rurais em Pernambuco, Brasil: 1964 a 1968

 

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

Doutor em Sociologia, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do Grem — Grupo de Pesquisas em Antropologia e Sociologia das Emoções, CNPq/UFPB. E-mail: maurokoury@gmail.com

 

Resumo

Este artigo objetiva passar em revista os protestos e as greves rurais na agroindústria açucareira de Pernambuco, Brasil, no período compreendido aos anos de 1964 a 1968, e levantar algumas questões sobre o processo de reestruturação do movimento sindical rural após a instauração da ditadura militar no Brasil em 1964.

Palavras-chave protestos rurais, greves rurais, autoritarismo, reestruturação do movimento sindical.

 

Rural protest in Pernambuco, Brazil: 1964-1968

Abstract

The objective of this article is to re-examine the rural protests and strikes in the sugar industry in Pernambuco, Brazil, between the years 1964 and 1968, and to raise certain issues regarding the process of reorganizing the rural trade union movement after the installation of the military dictatorship in Brazil in 1964.

Key-words rural protests, rural strikes, authoritarianism, reorganization of the rural trade union movement.

 

Protestations rurales à Pernambuco, Brésil: 1964 à 1968

Résumé

Cet article passe en revue les protestations et les grèves rurales dans l’agro-industrie sucrière de Pernambuco, au Brésil, pendant les années 1964 à 1968, et il soulève quelques questions sur le processus de restructuration du mouvement syndical rural après l’instauration de la dictature militaire au Brésil en 1964.

Mots-clés protestations rurales, grèves rurales, autoritarisme, restructuration du mouvement syndical.

 

Protestas rurales en Pernambuco, Brasil: 1964 a 1968

Resumen

Este artículo pretende revisar las protestas y huelgas rurales en la agroindustria azucarera de Pernambuco, Brasil, en el periodo comprendido en los años de 1964 a 1968, y levantar algunas cuestiones sobre el proceso de reestructuración del movimiento sindical rural después de la instauración de la dictadura militar en Brasil en 1964.

Palabras-llave protestas rurales, huelgas rurales, autoritarismo, reestructuración del movimiento sindical.

 

Introdução

Este artigo passa em revista os protestos sociais ocorridos na Zona da Mata pernambucana,[1] Brasil, entre os anos de 1964 a 1968. Tem o foco na reestruturação do movimento sindical rural no Brasil pós-1964. A análise incide em uma região, onde a agroindústria açucareira predomina desde a época da colonização no país, e onde o sindicalismo rural caracterizou-se, desde o início, como um dos mais importantes do país.

É um artigo descritivo que retrata os acontecimentos dos primeiros anos após o golpe militar, através da análise do sofrimento social dos trabalhadores rurais e dos mecanismos políticos, sociais e econômicos que levaram os trabalhadores a uma mobilização permanente e a protestos sociais. E como este clamor foi sentido, compartilhado ou rechaçado pelo movimento sindical rural, e como o próprio regime ditatorial reagiu a estes acontecimentos.

A repressão logo após o golpe esfacela os movimentos sociais e políticos no campo e na cidade brasileiros. Em Pernambuco, a repressão recai sobre dois movimentos sociais significativos, as ligas camponesas e os sindicatos rurais, que são desarticulados. As ligas camponesas postas na ilegalidade e destruídas, e os sindicatos, embora poupados enquanto instituição, repensados e repostos a funcionamento sob um rígido controle estatal.

A necessidade de poupar a instituição sindical provinha do fato de a estrutura sindical brasileira já conter em sua legislação as formas de sua submissão ao controle, fiscalização e condicionamento estatal. Precisando apenas de ajustes para tornar a legislação sindical brasileira em uma das mais arbitrárias do mundo.

A legislação sindical tornou-se um aparelho de coerção, e os sindicatos veículos manipuláveis para uma possível legitimação passiva, tanto quanto agenciadores da economia política do Estado junto aos trabalhadores. Aos sindicatos estaria destinado o papel de “agente mediador” entre Estado e trabalhadores.

A ação de mediação é exercida através dos mecanismos de persuasão, coerção e manipulação das reivindicações e lutas dos trabalhadores, cabendo aos sindicatos a busca de manutenção da ordem às bases. O que os fazia agir no sentido de esvaziar pressões coletivas, encobrindo sua função como órgão de representação dos trabalhadores. Em troca dessa mediação o Estado se comprometia a concretizar programas de ação de cunho assistencial destinados aos trabalhadores.

O Estado assumia algumas reivindicações caras ao movimento, através do controle da instituição sindical e pela ação de mediação a ela conferida nessa troca. Ao assumi-las e transformá-las, as remetia aos trabalhadores via sindicatos, de forma paternalista, como forma de amainar tensões sociais. A rede sindical servia como agente apaziguador de tensões e de um veio de ação estatal.

O Estado ao se comprometer com o movimento sindical conclamando a participarem juntos na reformulação de reformas sociais, entre elas a reforma agrária (Castelo Branco, 1966: 264), estabelece a contradição. O movimento sindical rural como colaborador e agente do Estado junto as suas bases, e como fonte de pressão para execução pelo Estado dos compromissos assumidos de reformas sociais.

Na Zona da Mata, esta contradição se esclarece pelo envolvimento do clero católico com o movimento sindical rural, nos anos pré-golpe, e pela participação do clero no conjunto de forças envolvidas no golpe.[2] Nesse enlace, o clero pôde desenvolver um movimento de reação às ligas camponesas e ao movimento sindical rural de esquerda, que se iniciava e se desenvolvia em Pernambuco.

A entrada do clero no campo foi equipada por estudos, assistência técnica e política no intento de possibilitar um projeto coerente e contrário aos movimentos presentes, e como uma alternativa a proposta política das ligas de uma “reforma agrária na lei ou na marra”. Os estudos sobre a questão agrária e a reforma agrária do IBAD (1961) e do IPES (1964), e a assistência técnica e monetária da CLUSA e da USAID-Aliança para o Progresso para o Cooperativismo e o Sindicalismo Rural foram reforços significativos à expansão do movimento sindical rural católico e de sua plataforma política em Pernambuco.

O principal eixo da construção política da plataforma sindical do clero se assentava na idéia de colaboração entre classes. Colaboração baseada em garantias junto ao patronato[3] e ao Estado de cumprimento e legalização dos direitos do trabalhador rural. Essa idéia de “direitos” permearia, após o golpe, toda a estratégia organizativa da estrutura sindical rural em Pernambuco, seja no apoio ao golpe, seja no processo de cisão e cobranças do sindicalismo e do clero ao Estado e ao patronato pelo não cumprimento do conjunto de garantias motivadoras da aliança e compromisso com o Estado autoritário no país (Koury, 1983; Sigaud, 2001; Rosa, 2006).

A aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963 foi vista como um grande passo no processo de cidadania rural e na garantia dos direitos trabalhistas. Restava pressionar o patronato rural, através da lei, para que o mesmo cumprisse a exigência da lei e efetivasse a cidadania e os direitos do trabalho. O patronato na agroindústria açucareira era visto como um problema, talvez o principal, pelo clero, à garantia dos compromissos da aliança sindicalismo e Estado. Os atritos com o patronato durante os primeiros anos do golpe seriam avaliados em depoimentos e relatórios, pelo clero, como a causa principal da perda de confiança dos trabalhadores no papel do sindicato e das possibilidades de aliança com a legislação trabalhista e com o Estado em seu conjunto.

O patronato era acusado de mentalidade retrógada, que tornava turva sua visão da importância da ação sindical e do cumprimento da legislação trabalhista rural. Na avaliação do clero, o patronato, acostumado a ser dono dos seus trabalhadores e de suas famílias, dentro dos tradicionais e velhos laços do latifúndio, não conseguia enxergar em longo prazo e boicotava a organização sindical dos trabalhadores rurais e o trabalho dos sindicatos de pressão e garantia dos direitos para as suas bases… (Sorpe, 1965)

O que significava que os sindicatos rurais “católicos” se encontravam de mãos amarradas e tenderiam a perder terreno a qualquer outra tendência presente no movimento (depoimento do padre Crespo, em Tamer, 1968: 135-136). O padre Crespo se referia ao crescimento das esquerdas no campo nos primeiros anos da década de 1960, e de como o clero estreitou laços com setores que tramavam o golpe militar. Referia-se, também, aos acordos construídos na aliança e as dificuldades com o patronato na Zona da Mata. Dificuldades que só pioraram com o advento do golpe, pela violência nas relações com os sindicatos e em relação à ação pelos direitos dos trabalhadores.

A importância de uma contraproposta a proposta de reforma agrária das ligas não se reduzia unicamente à vontade de esvaziar politicamente o movimento, mas na procura de “modernizar” a estrutura agrária do país. A contraproposta de modernização agrária se colocava como uma das demandas urgentes à quebra dos redutos de conservadorismo e das barreiras à mudança cultural dos latifúndios (IBAD, 1961: 181). Entre 1961 a 1964, o IBAD e o IPES compuseram um programa de modernização do campo e de reforma agrária que deveria ser executado logo após a derrubada do regime constitucional do país.

A modernização da estrutura agrária era uma de suas principais metas, como contenção das áreas de tensão no campo, onde os movimentos sociais ganharam forte expressão política, e como possibilidade de refrear o bloco agrário no processo hierárquico de composição do poder político do Estado, consolidando a burguesia industrial associada como bloco hegemônico.

Após o golpe esta seria uma das áreas de atrito com o Estado, pelas dificuldades de programar as reformas necessárias à modernização das relações no campo, e pelo peso da aliança do Estado com os chamados latifundiários, impondo limites ao avanço da questão agrária no país. Para o clero, junto com setores remanescentes do IBAD-IPES que pensavam a questão agrária no país, a reformulação da estrutura agrária se fazia imperativo no processo de modernização do país.

Os setores de origem ibad-ipesiana envolvidos com a questão agrária, logo após o golpe militar, se organizaram como grupos de pressão junto ao governo federal para levar à prática o programa de reformulação da estrutura agrária por eles proposto. Junto a estes setores estava o clero católico: a CNBB no plano nacional e os setores ligados ao movimento sindical rural em Pernambuco. Como grupos de pressão conseguem, nos primeiros meses do golpe, o encaminhamento do projeto de lei que evidencia o “Estatuto da Terra” e sua posterior aprovação pelo Congresso Nacional, sendo transformado em lei, de número 4.504, em 30 de novembro de 1964. Esta lei engloba a reforma agrária e a política para o desenvolvimento rural.

O Estatuto da Terra encontrará forte reação do lado mais conservador agrário, também participante da aliança que tornou possível o golpe militar. Esta reação criou uma barreira eficaz à implantação do conteúdo da lei, e de todo e qualquer programa de reforma da estrutura agrária, mostrando o seu poder de influência junto ao Estado, e abrindo um leque de questionamentos dos setores de origem ibad-ipesiana e da igreja católica envolvidos com a questão agrária e a modernização do campo. O que causou tensões e, em alguns momentos, conflitos com o Estado.

Estas tensões e conflitos no interior da base aliada criaram arestas, compelindo o Estado a ampliar a rede sistêmica de coerção e controle. Esta ampliação da coerção objetivava a diminuição das pressões dos grupos aliados sem, contudo, se desfazer do apoio político deles. Segundo Silva (1971), o Estado autoritário no Brasil, após os primeiros atritos da base aliada, procurou manter a coalizão e apoio dos dois grandes blocos, o agrário e o industrial, ao mesmo tempo em que procurava uma maior abertura ao capital multinacional e a ampliação do seu poder de influência na economia nacional. Nesse jogo procurava, sob sua mediação, subordinar o bloco agrário e o industrial ao capital internacional e promover as mudanças necessárias à modernização capitalista no país.

O Estatuto da Terra, no jogo de acomodações internas dos grupos no poder, seria paulatinamente esvaziado e o conceito de reforma agrária no seu interior redefinido. Os processos de esvaziamento e redefinição foram se fazendo na dinâmica interna dos conflitos entre os grupos no poder, de sua acomodação, e da possibilidade de ampliação da modernidade agrária e do controle do trabalho no campo.

O jogo de acomodações e o crescente esvaziamento e redefinições no Estatuto da Terra, associado ao desrespeito do patronato rural aos direitos trabalhistas no campo causaria, entre os anos de 1964 a 1968, tensões entre a igreja e o Estado, gerando atritos e questionamentos da relação entre o sindicalismo rural e a política econômica e social do governo.

Os atritos não significavam uma cisão entre o clero e o Estado, mas sim, estranhamentos e cobranças dos compromissos de reformas assumidos e não executados. No interior do movimento sindical, esses questionamentos denotaram atitudes de cobranças, a partir das reivindicações da base, frente à ação do patronato e da burocracia estatal.

Após 1964, o clero foi indicado para administrar o movimento sindical rural em Pernambuco, e procurou amainar a repressão patronal aos trabalhadores, sobretudo os ligados ao movimento sindical, e pressionar o governo para implantação das reformas sociais para o campo. A intransigência do patronato em não permitir a mediação sindical nas questões do trabalho rural, e reprimir violentamente qualquer mobilização dos seus trabalhadores e perseguir as lideranças sindicais a partir da base, associada ao clima de insegurança vivido pelos sindicatos e sindicalistas, fragiliza ainda mais a estrutura sindical e afasta os trabalhadores do movimento.

A crise periódica da agroindústria em Pernambuco complicava, também, a vida dos trabalhadores, com o atraso do pagamento dos salários por meses a fio, associado ao impedimento do plantio de lavoura de subsistência e a uma política de expulsão dos trabalhadores permanentes.

Esses fatores em conjunto dificultavam as relações de trabalho no campo, e complicavam as relações entre sindicato e igreja, e as relações entre os trabalhadores e a estrutura sindical. Essas dificuldades e complicações faziam com que a estrutura sindical rural vivesse uma ambivalência nas suas ações e atitudes: amedrontar-se e buscar desestimular ações reivindicativas de suas bases, e/ou procurar meios de comprometer o Estado à execução dos compromissos com as reformas sociais no campo. Essa ambiguidade se ampliava ainda, na medida em que a luta pela aplicação do Estatuto da Terra e do Estatuto do Trabalhador Rural significava, também, a transformação paulatina da mão de obra permanente em temporária, e a expulsão dos trabalhadores permanentes para a periferia das cidades.

Sem força política e poder de representação, sobrava aos sindicatos sobreviver à sombra desta ambiguidade, aumentando o distanciamento dos trabalhadores sujeitos ao desmando do patronato. Aos sindicatos e à estrutura sindical restavam os mecanismos de apaziguamento e controle de tensões, sob promessas de resoluções encaminhadas via Estado. Órgão de mediação entre trabalhadores e o Estado, o sindicalismo rural entrava em contradição consigo mesmo. Contradição não resolvida, de ser “em tese” órgão de representação dos trabalhadores, e ser “na prática” um órgão de controle das aspirações desta mesma classe. Contradição acentuada quando os compromissos assumidos pelo Estado tendiam a ser desrespeitados e engavetados, tornando-se fontes de tensão e pressão para a sua legislação e execução.

As pressões pelo cumprimento do Estatuto da Terra, ou pela execução da lei dos dois hectares, bem como as reivindicações trabalhistas que, de uma forma ou de outra, chegavam aos sindicatos rurais, as mediando através da burocracia jurídica, podem ser exemplos desta contradição vivida pela estrutura sindical no campo. O caso exemplar pode ser visualizado na atuação do sindicato dos trabalhadores rurais do município do Cabo, na Zona da Mata Sul,[4] o qual trouxe a si as reivindicações trabalhistas e sociais vindas da base e abrigou movimentos de greve, cuja face potencialmente política se manifestou na greve geral dos trabalhadores do Cabo no ano de 1968.

Relatar e analisar esses movimentos de greve entre os anos de 1965 a 1968 é o objetivo central deste artigo.

Os movimentos de greve

Discutir os focos de reivindicações e os movimentos de greve surgidos em Pernambuco no período remete à discussão da contradição vivida pela instituição sindical no pós-1964, entre ser órgão de colaboração com o Estado e de representação de classe. O momento do golpe é importante para a compreensão do panorama em que se debatia o sindicalismo rural após sua instauração. Embora a legislação sindical brasileira seja arbitrária desde a sua origem, o sindicalismo rural se originou e expandiu em um momento da história política do país em que a questão agrária virou luta pela ampliação da cidadania ao homem do campo. Os movimentos sociais no campo eram uma força política significativa, e lutavam por direitos a reformas sociais, por melhores condições de vida e trabalho. O sindicalismo rural e as ligas camponesas eram canais de expressão e organização na busca da ampliação da cidadania e da visibilidade política do homem do campo.

Com o golpe e a perseguição política e a violenta repressão dele advindas, pulverizou-se os sonhos e lutas camponesas. As ligas foram exterminadas e a experiência sindical rural foi redefinida. Nessa redefinição, a estrutura sindical passou ao controle do Estado sob a administração do clero, e assumiu o papel de mediador. Tornou-se um veículo de legitimação das ações governamentais e um órgão primordialmente apaziguador de tensões e de colaboração com o Estado. Fato que, inicialmente, parecia se adequar aos planos do clero, centrado na pacificação das tensões sociais no campo nas relações capital e trabalho, e no conceito “cristão” de colaboração entre classes como fundamento da paz e da harmonia sociais.

Na Zona da Mata, as funções de colaboração e de apaziguamento de tensões irão medrar a maior parte das ações sindicais no período estudado. Quando existiam pressões dos trabalhadores para uma ação de defesa das reivindicações e dos direitos trabalhistas e de permanência na terra, a função de colaboração e de órgão apaziguador de tensões se tornava mais visível. Enfatizava a contradição da estrutura sindical ao não encontrar soluções do Estado para as situações que levaram a mobilização dos trabalhadores, o sindicalismo buscava a desmobilização, ou pressionar o Estado para apresentar alternativas que pudessem acalmar os ânimos, dizendo-se sem forças para contenção sozinho das bases.

Em 1965 uma grande crise na agroindústria de Pernambuco levou a maior parte dos seus municípios a decretarem “situação de calamidade pública” pelos meses de atraso no pagamento dos salários dos trabalhadores, que ameaçavam invadir as cidades em busca de comida; ao lado do esmorecimento do comércio local pela não circulação dos salários nos armazéns e lojas. Hordas de desvalidos perambulavam pelos municípios da região movidos pela fome e pela ampliação do desemprego rural. Com a desculpa da crise, o patronato pressionava o governo para novas verbas e, ao mesmo tempo, usando o mesmo argumento da crise expulsava grande contingente de “permanentes” dos engenhos e usinas.

Os sindicatos da região, pressionados pelos acontecimentos, solicitam apoio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape). A Fetape por sua vez, através de um memorial escrito sob a supervisão do Sorpe e enviado ao “presidente Castelo Branco”, segundo o Diário de Pernambuco, de 15 de novembro de 1965, alerta para a gravidade da crise e solicita ajuda para contornar “o mais rapidamente possível a situação em que se encontravam os trabalhadores” dos municípios atingidos, “sob o perigo de ser decretada uma greve geral na agroindústria açucareira do Estado”.

Alerta que os sindicatos e a federação não tinham meios para o controle dos trabalhadores, e que o perigo de paralisação iminente teria um caráter espontâneo e independente de qualquer interferência sindical. E concluía o memorial com os seguintes termos:

Como compreendemos que uma greve geral paralisaria toda a atividade açucareira com graves reflexos na economia nacional, solicitamos aos nossos companheiros sindicalistas que implorassem junto às suas bases para dar um crédito de confiança a V. Exa. e ao seu governo, pois, sabedor destas tristes ocorrências V. Exa. tomaria imediatas providências no sentido de resolver o impasse.

Ao denunciar as arbitrariedades vividas pelos trabalhadores e pressionar o Estado para uma solução, a Fetape e os sindicatos envolvidos na crise procuram manter o compromisso com os trabalhadores e assumir o seu papel de órgão de classe representando suas bases. Mas, de forma concomitante, esta ação de denúncia e pressão institucional, através de um memorial, evidencia o papel a eles atribuído pelo Estado de órgão apaziguador de tensões, quando invita as bases para um voto de confiança ao governo federal, na tentativa de desmobilização de uma possível greve geral pela fome e desespero dos trabalhadores.

A pressão e o cobrar uma solução do governo federal se torna, apenas, uma satisfação na impossibilidade de evitar uma possível greve geral espontânea dos trabalhadores. Afirma a necessidade da ajuda do Estado para solucionar a crise da agroindústria, e amplia o grau de desespero e desamparo dos trabalhadores nela envolvidos.

Não se quer supor, aqui, que os sindicatos rurais e a Fetape não estivessem sensibilizados com a situação dos trabalhadores na crise, mas sim demonstrar as dificuldades do sindicalismo e o compromisso com o Estado, que se colocavam acima das questões de representação de classe. O papel de mediação entre os trabalhadores e o Estado tornava visíveis estas “dificuldades” e mostrava a ambiguidade do movimento sindical, entre ser um órgão de classe, quando utilizava a sua função de representação de classe para “alertar” o governo da grave crise e solicitar sua intervenção; e o seu papel de colaboração, afirmando a sua impossibilidade para desmobilizar uma possível greve geral, e solicitando ao Estado ação urgente para a resolução, mesmo que momentânea, da crise. A função de representação de classe sendo subsumida pela função de colaboração com o Estado no controle dos trabalhadores.

Neste duplo jogo de representação e colaboração o sindicalismo rural procurava sobreviver, no interior de uma política de apoio ao Estado, movida pelo clero que o protegia, e uma crise permanente de que se aproveitava o patronato para protelar dívidas trabalhistas e expulsar contingentes de trabalhadores de suas terras, aumentando a miséria e o desamparo. Fato que refletia o refluxo político do movimento dos trabalhadores, sem condições de impor uma representação consistente do aparelho sindical, e a cultura do medo instalada pela repressão advinda do recente golpe.

Os canais de representação permitidos pelo Estado ao sindicalismo eram os da mediação, apaziguamento e colaboração. O medo de represálias, e a própria ideologia confusa dos dirigentes sindicais que assumiram os sindicatos como interventores ou “indicados” pelo clero após o golpe, os impedia de estimular a mobilização dos trabalhadores à greve. A “lei de greve”, como o decreto-lei n.º 4.330, de 1.º de junho de 1964 ficou conhecido, serve aqui como um exemplo dessa função e limitação do sindicalismo rural no pós-golpe.

O processo lento e burocrático estipulado pela “lei de greve”, mesmo se os sindicatos rurais procurassem encampar as reivindicações dos trabalhadores e o movimento paredista dele decorrente, de forma legal, encontraria o efeito contrário ao desejado. Primeiro, porque os prazos exigidos pela lei, para se chegar até a greve tornava-se missão burocraticamente longa, saindo das mãos dos sindicatos e trabalhadores para as mãos do Ministério do Trabalho (MT), através das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT) e Tribunais Regionais do Trabalho (TRT). Segundo, o movimento tende a se isolar por unidade de produção: usina x, engenho y, e assim por diante, fragmentando e dificultando uma organização paredista geral, e isolando cada unidade de produção, ou mesmo cada indivíduo, em suas reivindicações específicas no contexto da burocracia em que juridicamente se vê envolvido o sindicato. Alguns exemplos podem ser vistos em Koury (1976). As DRT e TRT assumem assim, de uma forma indireta, a liderança do movimento, se tornando porta-vozes de um processo de conciliação entre os trabalhadores e empregadores, e da luta pelos direitos, vistos como burocráticos e desmobilizantes.

Esse problema é sentido em Pernambuco entre 1966 a 1968. A Fetape era contrária, no momento, por medo de repressão, a qualquer tipo de manifestação e mobilização “camponesa”. Quando solicitada a ajudar, se colocava como um agente desmobilizador e procurava encaminhar as reivindicações para o setor jurídico. Muitas vezes comunicando as “autoridades locais” — governador, prefeitos, comandos militares e até o governo federal — de qualquer possibilidade de insatisfação coletiva dos trabalhadores, e alertando os sindicatos do perigo de caminhar para uma greve e os cuidados que deveriam ter com agentes externos ao movimento. Neste período a federação enviou diversos ofícios às autoridades militares sobre a “infiltração” de estranhos nos sindicatos e nas unidades de produção da Mata pernambucana, e outros tantos alertando os sindicatos rurais da região sobre o perigo desta influência (Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio, 1965 a 1968).

Em novembro de 1966 o sindicato rural do Cabo marcou uma assembléia geral e, contrariando a Fetape, decidiu assumir as reivindicações dos trabalhadores sob sua jurisdição e encaminhar um processo de greve, contrariando o pároco do Cabo, o padre Antônio Melo.[5]

Este processo de greve segue todos os requisitos da “lei de greve”. Como primeiro passo, anuncia nos grandes jornais do Estado a data, hora e local da assembléia nos prazos exigidos pela legislação.

Após a realização da assembléia geral e da decisão pela greve, a direção do sindicato encaminha ofícios notificando os empregadores e a DRT da decisão de greve na agroindústria canavieira do município. Esta primeira fase da “lei de greve” é terminada e se espera as decisões do delegado regional do trabalho junto ao MT sobre o caráter não político do movimento. Verificada a instrumentalidade do movimento a DRT marca uma reunião conciliatória entre o patronato, os trabalhadores rurais e o sindicato para o dia 7 de dezembro de 1966, quatro dias antes do dia estipulado para o início do movimento. O que fez adiar por mais um dia o início do movimento, conforme a “lei de greve” que dita à necessidade de cinco dias úteis, entre a primeira reunião de conciliação e o dia marcado para a eclosão do movimento, para que a Delegacia do Trabalho ache meios para a conciliação entre as partes e evitar a deflagração da greve.

Passado o prazo legal exigido por lei, os trabalhadores rurais do município do Cabo entram em greve no dia 13 de dezembro de 1966. Esta greve engloba os trabalhadores de quatorze engenhos e se estende até o dia 30 de março de 1967, tendo como reivindicações o pagamento de salários e férias atrasados e a manutenção dos “permanentes” e a conservação de seus roçados junto a suas casas nas propriedades em que trabalhavam.

O TRT julga pela legalidade do movimento e pela justiça das reivindicações, mas afirma da não possibilidade de atender a um dissídio coletivo no município, decretando que cada unidade de produção entre com uma reclamação individual para receberem os atrasados, e que no caso dos permanentes e dos roçados caberia uma ação individual de cada trabalhador junto ao IBRA e as Delegacias de Trabalho.[6]

O tribunal alerta também o patronato contra possíveis represálias destes contra os trabalhadores. Durante o período em que os trabalhadores dos 14 engenhos do município do Cabo estiveram parados, o patronato desrespeitando a justiça do trabalho e a “lei de greve”, iniciou a contratação ilegal de trabalhadores clandestinos trazidos da região Agreste do estado, e aproveitando para destruir lavouras de subsistência dos trabalhadores permanentes em greve e ameaçar de expulsão sumária das suas terras.

Sobre as represálias do patronato logo após a greve, os relatos das entrevistas realizadas pelo autor com militantes do movimento sindical e de partidos políticos presentes no Cabo na época, bem como em ofícios e notas emitidos pela federação e pelo sindicato rural do Cabo, e em notícias dos jornais da época pesquisados e já citados, são unânimes em afirmar o seu aumento. Represálias visíveis no avanço da pressão para expulsão dos moradores dos engenhos e usinas locais, bem como no uso de tratores para destruir as lavouras de subsistência dos trabalhadores.

A contratação de mão de obra “clandestina” também aumentou bastante logo após o período da greve. Numa breve análise nos processos da justiça do trabalho de Pernambuco se constata nas queixas dos trabalhadores permanentes nos engenhos e usinas locais do aumento de pressão patronal, com relatos de lavouras destruídas e do avanço do plantio da cana até a porta das casas dos trabalhadores, de ameaças veladas ou abertas de milícias privadas, ou “capangas” na terminologia local, e, em muitos casos, de derrubada das casas dos permanentes. Em todos os casos, demonstrando a perda de força política do movimento sindical rural e as “mãos amarradas” do sindicalismo em Pernambuco.

O aparente ganho político de enfrentar uma legislação feita para impedir qualquer mobilização como a da “lei de greve”, e ter a greve considerada legal pela justiça do trabalho e muitas das reivindicações aceitas parecia se esvanecer na fragmentação do movimento por unidade de produção e por família, de um lado, e pela morosidade do julgamento das ações movidas pelos trabalhadores individualmente, ou por unidade de produção, por outro. Associado ao aumento das pressões para expulsão da mão de obra permanente no campo e da contratação abusiva da mão de obra clandestina pelo patronato, e do subsequente aumento do sofrimento social vivido cotidianamente pelos trabalhadores sujeitos a esse processo.

Na avaliação da Fetape e do Sorpe a greve apenas serviu para aumentar a expulsão dos permanentes e para beneficiar o patronato, que aproveitou a crise para solicitar mais subsídios a fundo perdido ao governo federal, através do Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA). Na avaliação do sindicato rural do Cabo e de alguns militantes de esquerda disponibilizados para o trabalho no campo na região, apesar das dificuldades de garantia dos itens ganhos na pauta de reivindicações pelo movimento grevista, o fato da mobilização dos trabalhadores de quatorze engenhos do município e de conseguirem organizar uma greve considerada justa e legal pela justiça do trabalho já eram elementos passíveis de uma avaliação positiva do movimento.

A luta subsequente, mesmo que por unidade de produção ou mesmo por família ou trabalhador, poderia ser vista como outra etapa da mobilização se encampada e levada adiante pelo sindicato. É nesta avaliação que o presidente do sindicato rural do Cabo e o padre Antônio Melo aprofundam as tensões em suas relações, desde que o sindicato optou por encaminhar as reivindicações dos trabalhadores em um movimento de greve. Conflito que se pode compreender através das questões sobre como a ação sindical poderia seguir daí em diante e quais os limites desta ação quando a própria justiça do trabalho devolveu-a para os trabalhadores individuais ou por unidade de produção. Tensão que chega ao limite de rompimento em 1968, quando da última greve geral dos trabalhadores rurais do município antes do endurecimento do regime militar em 1969, como se verá adiante.

A crise na agroindústria se aprofunda nos anos seguintes, de 1967 e 1968. Aumenta a penúria, a miséria e o sofrimento social (Dejours, 2001) dos trabalhadores como um todo. Este sofrimento moldurava o estado de miséria continuada dos trabalhadores, agravada pelo não pagamento dos salários atrasados e demais direitos trabalhistas, como férias, décimo terceiro salário e outros, que, embora constantes das reivindicações da greve de 1966 e regulamentadas pela justiça do trabalho de Pernambuco, não foram cumpridas pelo patronato até o final de 1967. Este aumento do sofrimento social se encontrava agravado pelo aumento da pressão sobre os trabalhadores permanentes para expulsão dos engenhos e usinas, e ainda pela contratação de “clandestinos” em toda a região (Koury, 2007).

Na cidade de Palmares, na Zona da Mata Sul, o bispo local faz um memorando ao governo estadual e ao federal os alertando sobre o sofrimento e a miséria dos trabalhadores rurais na região e no município: afirma que já estavam comendo ratos e invadindo armazéns da cidade em busca de comida. Relata também a decadência da cidade e de outras que vivem exclusivamente das receitas pagas pelas usinas e engenhos e dos salários dos trabalhadores rurais. Fala, enfim, da “panela de pressão” que se tornou a Zona da Mata como um todo, e o município de Palmares em particular, com a grave crise vivida na região.

O mesmo relato se encontra nos ofícios enviados pela Arquidiocese de Recife e Olinda e pela Fetape sobre a situação vivida pelos trabalhadores rurais da região açucareira do estado, ao governo estadual e ao governo federal. A Fetape ainda alerta aos sindicatos da região sobre o perigo de infiltração subversiva no meio sindical, e envia ofícios para o comando militar em Recife relatando a presença de “elementos estranhos” rondando os sindicatos e do perigo para a paz social da região (Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio, durante o ano de 1967).

A crise da agroindústria, o sofrimento desmedido dos trabalhadores rurais e a cultura do medo implantada e reforçada pela ditadura tornam a Zona da Mata de Pernambuco, principalmente a sua parte sul, em 1967, um cenário de conflitos e tensões potencialmente explosivo. O general Costa e Silva, então no comando do governo militar brasileiro, decide marcar uma viagem a Pernambuco e visitar a Zona da Mata, principalmente as cidades de Palmares e do Cabo, onde se protagonizava a crise de forma mais aguda.

Neste mesmo ano de 1967 a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) consegue retirar o interventor mantido no poder desde a instauração do golpe em 1964, elegendo para a presidência José Francisco da Silva, pequeno proprietário do Agreste pernambucano com passagens pelo trabalho clandestino nos tempos de colheita e plantio da cana na Zona da Mata, segundo depoimento ao autor. José Francisco é um sindicalista formado nas hostes do Sorpe. Começou sua militância como delegado sindical no município de Vicência, no Agreste pernambucano, em 1961, e atuou, até 1967, como secretário geral da federação em Pernambuco. A eleição para a presidência da Contag se afigura como um novo momento no processo de organização dos trabalhadores rurais brasileiros pós-golpe e tem reflexos nos acontecimentos advindos da crise de 1967 e 1968 na região. Em sete eleições sucessivas, José Francisco da Silva será reeleito presidente da Contag, onde permanece até 1989, e entre 1990 a 1995 atuará na diretoria da entidade, sendo posteriormente alçado como assessor da confederação.

A visita de Costa e Silva a Pernambuco e as cidades de Palmares e do Cabo é conturbada. O esquema de segurança em torno dele dificulta as manifestações públicas agendadas pelos sindicatos e pela igreja. Mesmo assim os sindicatos conseguem uma série de reuniões intermediadas pela secretaria do trabalho e ação social de Pernambuco, onde apresentam uma série de reivindicações e relatam a grave crise por que passam os trabalhadores rurais na agroindústria açucareira local.

Várias lideranças sindicais da Zona da Mata e o presidente da Fetape, com apoio de todos os bispos da região e do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, com a adesão formal de vários sindicatos de trabalhadores urbanos e de várias entidades de intelectuais, artistas e estudantis de Pernambuco, conseguem entregar um documento a Costa e Silva contendo um relato da crise na Zona da Mata e várias reivindicações dos trabalhadores rurais do estado como um todo. No rol de reivindicações se encontram, entre outros itens:

- a necessidade de extensão da previdência social ao trabalhador rural;

- a orientação jurídica para questões trabalhistas ao trabalhador rural;

- a garantia do pagamento do salário mínimo integral;

- a proteção dos trabalhadores em relação à represália do patronato;

- a aplicação do decreto n.º 57.020, conhecido como “lei dos dois hectares de terra”;

- a execução do Estatuto da Terra.

A visita de Costa e Silva a Pernambuco e as cidades da Mata citadas elevam as expectativas dos trabalhadores e sindicalistas. As diversas reuniões com sindicalistas e a entrega do documento sobre a Zona da Mata e as reivindicações do movimento subscrito pela igreja católica só conseguem de concreto apenas promessas vagas de estudos para solução da crise na região.

Com o prolongamento e aprofundamento da crise, e sem qualquer manifestação do governo federal ou estadual, na última quinzena de dezembro de 1967 o sindicato rural do Cabo cede a pressões dos delegados sindicais em assembléia geral e decide por uma nova greve. Esta segunda greve repete os ditames exigidos pela “lei de greve” e tem início em 15 de janeiro de 1968.

A pauta de reivindicações, além dos mesmos itens presentes na greve anterior até então não cumpridos, isto é, pagamento dos salários atrasados de 1963 a 1967; férias de 1963 a 1967, incluía três novos itens: o primeiro, jornada de oito horas de trabalho em substituição a “tarefas” (“tarefa” na Mata pernambucana é a medida diária a ser cumprida por um trabalhador no corte da cana, estipulada em uma quantidade determinada de “braças”; uma “braça” é equivalente a 2,3 m² ou 0,26 toneladas; um trabalhador rural na Mata pernambucana tem por “tarefa” o corte de oito toneladas por dia, o equivalente a pouco mais de 30 braças); o segundo item diz respeito à assinatura da carteira profissional de todos os trabalhadores, permanentes e clandestinos, contratados para o corte e plantio da cana.[7]

O terceiro novo item, a reforma agrária, se sempre se colocou como uma importante alínea na pauta de reivindicação do movimento camponês, na Zona da Mata tem como elemento significativo a questão dos dois hectares de terra na manutenção dos sítios dos trabalhadores permanentes nas propriedades rurais e na desapropriação de engenhos como forma de pagamento dos salários e outros direitos trabalhistas atrasados.[8]

Esta segunda greve do Cabo tem início à zero hora do dia 15 de janeiro de 1968 e cruzam os braços os trabalhadores rurais de quinze engenhos e, após doze dias de paralisação, chegam a um acordo nas juntas de conciliação e julgamento. Neste acordo são aceitos o pagamento dos salários e demais direitos atrasados desde 1963, a troca de tarefa por horas de trabalho ficou de ser estudada, e a aplicação da reforma agrária a ser recomendada como uma medida de aplicação federal do Estatuto da Terra, não sendo da alçada da junta de conciliação do estado.

A Fetape, mais uma vez, se coloca contrária ao movimento, afirmando em nota que o mesmo poderia prejudicar o “andamento dos compromissos assumidos” por Costa e Silva durante a sua visita a Pernambuco. Mostra-se ainda preocupada com a tensão na região, afirmando que a greve no Cabo “incentiva novos focos de greve” nos sindicatos da região.

A preocupação da federação com a tensão na Zona da Mata a faz marcar reuniões sistemáticas com sindicalistas de outros municípios com o intuito de desmobilizar os trabalhadores e “chamar a lucidez” os sindicatos rurais da região que queriam “seguir o exemplo do Cabo” (Jornal do Comércio, de 19 de janeiro de 1968).

Uma das consequências desta segunda paralisação e do movimento de apoio de vários setores da igreja católica e de segmentos da sociedade civil pernambucana foi a aplicação do Estatuto da Terra. Através do IBRA é desapropriada uma área de 3.326,24 hectares do engenho Tiriri no município do Cabo para a função de reforma agrária. Esta área deveria contemplar 320 famílias do município, compostas por permanentes e ex-permanentes do engenho desapropriado, como pagamento dos atrasados. Cada família receberia dez hectares. A decisão sobre quais famílias receberiam a terra, porém, ficou sob a coordenação do padre Antônio Melo, e não do sindicato rural do município.

O padre Melo, ao assumir o comando da distribuição das terras desapropriadas, descredencia o sindicato de qualquer poder, mesmo que consultivo e, em reunião com as famílias possíveis de serem contempladas, transforma o projeto de distribuição em uma espécie de loteamento e cria a Cooperativa Agrícola do Tiriri. Os “lotes do padre Melo” como ficaram conhecidos na região, foram distribuídos a “lotistas”, também na denominação local, que receberam em ato público festivo os compromissos de compra e venda de cada lote. Parte do pagamento ficou condicionada aos atrasados e a outra parte seria paga diretamente ao padre Melo anualmente, de acordo com o lucro da terra em regime de cooperativa, em um prazo de vinte anos.[9]

Este fato desagradou a diretoria e a presidência do sindicato rural do Cabo. Considerado pela Fetape como “homem” do Padre Antônio Melo, desde a primeira greve, iniciou um relativo afastamento do controle do pároco, ampliando o dissenso a partir da segunda greve, principalmente, pela forma com que os lotes de terra foram distribuídos.

O presidente do sindicato rural do município se manifesta contente com o final pacífico do movimento, porém, ameaçando o patronato com uma nova greve caso não fosse cumprido o acordo realizado com o aval da DRT (Diário de Pernambuco, 21 de janeiro de 1968). Declara, nesta mesma entrevista, o seu descontentamento com os rumos da distribuição das terras desapropriadas sob a supervisão e comando do padre Melo.

A não observância do acordo realizado na última greve do Cabo, e já passados sete meses do dissídio, faz com que paire no ar um clima de tensão e no dia 15 de agosto de 1968, em assembléia geral, é decretada nova greve no município. Esta terceira greve, além das reivindicações anteriores acrescenta mais um item: o ingresso dos trabalhadores rurais no quadro de contribuintes do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A nova greve é marcada para ter início à zero hora do dia 3 de setembro de 1968 e atinge todos os engenhos e usinas do município.

A Fetape, de início, se coloca contra o movimento, afirmando ao Diário de Pernambuco do dia 16 de agosto de 1968 que “no fim da história, nada se resolve em benefício dos trabalhadores, mas do patrão”. A DRT, por sua vez, apela para “o patriotismo dos empregadores e empregados” para chegarem a um acordo sem precisar de uma nova greve no município, segundo o Jornal do Comércio, de 17 de agosto de 1968.

O medo da federação e dos delegados do trabalho era o de que, caso houvesse a deflagração do movimento grevista no Cabo, poderia o mesmo expandir-se para toda a Zona da Mata, atingindo os canaviais do vizinho estado de Alagoas, em face da similitude das reivindicações, queixas e do sofrimento social dos trabalhadores.

A Fetape envia um documento ao ministro do Trabalho e este, envolvido recentemente com as repercussões das greves de Contagem (Minas Gerais) e Osasco (São Paulo) nos meses de abril e junho de 1968, da greve dos bancários em Minas Gerais entre os meses de julho e agosto e do crescimento e radicalização do movimento estudantil em todo o país, envia um memorando à DRT em Pernambuco solicitando que se envidassem todos os esforços para solucionarem a crise no Cabo.

A DRT faz uma série de reuniões com a diretoria do sindicato, mas sem darem qualquer garantia de que suas reivindicações seriam cumpridas, fica a mercê da intransigência patronal e da pressão dos trabalhadores para que o sindicato dê prosseguimento à greve. Em uma declaração à imprensa, o delegado do trabalho chama o presidente do sindicato rural do Cabo de intransigente (Jornal do Comércio, 17 de agosto de 1968) e, em uma assembléia tumultuada na sede do sindicato afirma da ilegalidade do movimento e da falta de clareza e generalidade da pauta de reivindicações. Afirma, ainda, que intervirá no sindicato caso o mesmo insista em levar adiante o movimento.

O sindicato rural do Cabo entra com uma ação no TRT para garantir a legalidade do movimento, e envia um relatório ao MT afirmando a legalidade da greve e caracterizando a ação do delegado regional do trabalho de coação. Nos termos do relatório:

[a DRT] pretende impedir a livre manifestação do pensamento dos trabalhadores rurais do Cabo, frustrando-os naquilo que mais direito possuem que é de lutar com todas as armas, para receber salários atrasados, para cujo ganho trabalham intensamente (Diário de Pernambuco, 19 de setembro de 1968).

O ministro do Trabalho envia a Pernambuco o diretor geral da Delegacia Nacional do Trabalho para observar o andamento dos acontecimentos no município, no mesmo momento que o TRT julga o processo encaminhado pelo sindicato rural do município e afirma que o delegado regional do trabalho “não tem competência para julgar sobre legalidade ou não deste e de qualquer outro movimento de greve”. (Jornal do Comércio, 20 de setembro de 1968)

Ao chegar a Pernambuco o diretor geral da Delegacia Nacional do Trabalho segue para o município do Cabo e, em vez de procurar diretamente o presidente do sindicato, vai até a casa da paróquia e tem uma demorada reunião com o padre Melo e com o delegado regional do trabalho. Depois da reunião segue para o sindicato e solicita a sua diretoria um adiamento de quinze dias na deflagração do movimento para que o MT pudesse achar saída para a crise local. O presidente e toda a diretoria do sindicato recusam a proposta e avisam que, logo que publicado o anúncio da legalidade do movimento pelo TRT, entrariam em greve.

A recusa do sindicato em atender ao pedido do diretor geral da Delegacia Nacional do Trabalho desagrada o padre Melo. As relações já tensas entre o presidente do sindicato e o padre tornam-se mais delicadas, beirando a uma ruptura.

A sociedade civil encontra-se mobilizada no apoio aos trabalhadores rurais do município, a Fetape, por sua vez, assessorada pela Contag, revê suas posições contrárias ao movimento, se solidariza com o sindicato e os trabalhadores rurais do Cabo, e se coloca à disposição e fica como um observador atento, mas de fora do movimento.

No dia 1.º de outubro de 1968, o próprio ministro do Trabalho chega à cidade do Recife e segue diretamente para o sindicato. No encontro com o presidente do sindicato apela para o “patriotismo” do mesmo para que ponha um ponto final ao processo de greve, deixando nas mãos das “autoridades” as soluções para a “grave” crise local. Não consegue demover o processo de greve, mas consegue um adiamento para o início do movimento, agora com a data de zero hora do dia 7 de outubro de 1968 para seu começo.

A greve enfim tem início no dia 7 de outubro e nos seus cinco dias de duração recebe apoio e solidariedade de vários segmentos da sociedade civil de Pernambuco e do Brasil. A Fetape e a Contag se colocam à disposição do movimento, mas ficam de observadores atentos, não se envolvendo diretamente com a greve. Os sindicatos rurais da região enviam moções de solidariedade. O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, vai in loco manifestar sua solidariedade, acompanhado com representantes do Movimento de Justiça e Paz, da Ordem dos Advogados e do Conselho de Medicina. O Sorpe, na figura do padre Paulo Crespo, também se solidariza ao movimento.

Na cidade do Recife, no dia 9 de outubro de 1968, os estudantes secundaristas e universitários saem pelas ruas da cidade proclamando solidariedade ao movimento e arrecadando alimentos e dinheiro para o mesmo. Às dezessete horas se reúnem no prédio da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, conhecida como “Fafipinha”, na Rua Nunes Machado, centro estendido do Recife, para avaliação da arrecadação e da continuidade das ações de solidariedade e apoio à greve do Cabo. Às dezenove horas, a pedido da direção da “Fafipinha” a polícia invade o prédio e expulsa com cassetetes e bombas de efeito moral os estudantes lá reunidos. As aulas são encerradas e a faculdade fechada até o dia seguinte.

Delegações estudantis são encaminhadas com o valor arrecadado em dinheiro e mantimentos para a sede do sindicato do Cabo, onde prestam homenagem e relatam os acontecimentos recentes ao presidente do sindicato e ao comando de greve local. O ministro do Trabalho afirma a imprensa que só sairá de Pernambuco quando resolver o impasse causado pela greve no Cabo.

Desde a recusa do presidente do sindicato rural de aceder a pressão para adiamento do movimento, o ministro do Trabalho se recusa a falar diretamente com o mesmo, colocando a DRT ou o padre Melo como intermediários de suas ações. No dia 10 de outubro marca um encontro com o presidente e um porta-voz do comando de greve, mas, ao chegar ao Cabo, diz que antes de conversar com o sindicato precisa do “aconselhamento” do pároco local. Após conversa com o padre marca uma reunião com o sindicato, onde se encontram presentes toda a diretoria e todos os membros do comando de greve, de acordo com o relato de um membro do comando de greve ao autor. Nesta reunião adverte o sindicato e, diretamente, o seu presidente, de que não tolerará desvirtuamento da verdade, insinuando a diretoria de atos de corrupção e o seu presidente de coação moral dos trabalhadores para fins pessoais (Diário de Pernambuco, 11 de outubro de 1968).

No dia seguinte, o ministro do Trabalho anuncia algumas medidas contidas na pauta de reivindicações dos grevistas do Cabo. As reivindicações aceitas pelo ministro do Trabalho foram:

- inscrição imediata dos trabalhadores rurais do Cabo ao INPS;

- designação de uma comissão paritária para revisão das tarefas no campo, fixando um limite de oito horas de trabalho diárias;

- instalação de unidades médicas do INPS no Cabo, dentro de um prazo de oito dias;

- intervenção imediata do MT na Cooperativa Agrícola do Tiriri.

No dia seguinte, após uma assembléia festiva, a greve geral do Cabo é encerrada. Os trabalhadores comemoram a vitória. No dia 25 de novembro de 1968 o TRT alega que os salários atrasados, existentes na pauta de reivindicação, não abrangiam de modo igual todos os trabalhadores do município para justificar o movimento unificado. E dá um parecer condenando o sindicato rural do Cabo de procedimento abusivo frente às condições e limites contidos na “lei de greve”, e dividindo a busca de recebimento dos salários atrasados por unidade de produção.

No parecer alega, ainda, que as reivindicações sobre a reforma agrária, a aplicação do Estatuto da Terra e o direito à previdência social eram motivos políticos e não econômicos, acusando mais uma vez o sindicato de abusar do seu “poder de manipulação” junto à base. Encerra o parecer, por fim, considerando a greve geral do Cabo ilegal, política e abusiva e não condizente com os “novos tempos” (Diário de Pernambuco, 26 de novembro de 1968). Termina o parecer sugerindo uma intervenção no sindicato.

Conclusão

Este artigo buscou passar em revista os anos de 1964 a 1968, focando o processo de reorganização do movimento sindical rural da Zona da Mata pernambucana. As dificuldades trazidas pelo golpe militar ao campesinato em termos de repressão e dificuldades de reivindicação e defesas dos direitos trabalhistas, e a fase assistencial da estrutura sindical, o controle político sindical pelo clero conservador, as dificuldades com o patronato local, as crises sucessivas da agroindústria no Estado e os primeiros dissensos com o Estado autoritário servem como pano de fundo para a compreensão dos acontecimentos aqui analisados e que tiveram expressão em três processos de greve no município do Cabo que repercutiram em toda a região e no movimento sindical brasileiro.

Em 13 de dezembro de 1968 é promulgado o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) endurecendo o regime militar no país, que passou a concentrar poderes excepcionais, cuja fase mais violenta e repressiva estendeu-se até 1974. Nesse período o sindicalismo rural aprofunda a sua face assistencialista e amplia a rede sindical por todo Pernambuco. A Zona da Mata acelera ainda mais a expulsão da mão de obra permanente, e a agroindústria açucareira contrata cada vez mais mão de obra clandestina e expulsa os seus “permanentes”. Na região Agreste do estado também se aprofunda o processo de expulsão de pequenos proprietários rurais para dar lugar à pecuária extensiva, aumentando as hordas de excluídos e desempregados que se aglutinam em bairros dormitórios nas periferias das cidades e vagam pelo Brasil afora como trabalhadores temporários.

A previdência social rural, item contemplado a partir da greve geral de outubro de 1968 do Cabo, como prometido, é iniciada, porém revertida como mais uma arma de controle dos trabalhadores rurais e da passividade da estrutura sindical rural. Após ter sido criada, sua execução ficou a cargo da estrutura sindical rural, tornando os sindicatos em meros agentes assistenciais do Estado e suas ações dependentes quase que exclusivamente deste serviço (Koury, 1981). O que ampliará a fase majoritariamente assistencial dos sindicatos rurais, e vincula os seus serviços aos associados, difundindo a idéia de que os sindicatos rurais são dos associados e não de todos os trabalhadores rurais. Fato este que se tornará um dos pontos importantes discutidos e modificados na retomada do processo de mobilização dos sindicatos rurais a partir de 1974 (Neves, 1979).

 

Referências bibliográficas

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Tamer, Alberto (1968), O Mesmo Nordeste, São Paulo, Herder.

 

Notas

[1] A Zona da Mata é uma subregião litorânea do Nordeste Brasileiro. Esta subregião se estende desde o estado do Rio Grande do Norte até o sul do Estado da Bahia. A Zona da Mata é formada por uma estreita faixa de terra situada no litoral, com cerca de 200 quilômetros de largura.

[2] Entre elas, a CLUSA — Cooperative League of the United States of America, pela USAID — United States Agency for International Development, através da Aliança pelo Progresso; o IBAD — Instituto Brasileiro de Ação Democrática, e o IPES — Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, e outros.

[3] Patronato é um conceito usado na linguagem corrente dos trabalhadores na Zona da Mata pernambucana, para designar os empregadores ou patrões enquanto categoria.

[4] A Zona da Mata de Pernambuco tem uma divisão entre norte e sul. A Zona da Mata Sul, concentra os grandes núcleos produtores de açúcar e do plantio da cana no estado. Vivia, na época pesquisada, em meio à crise, com a quebra e fechamento de engenhos e usinas (estabelecimentos industriais de produção do açúcar) e falência da agricultura canavieira, e procurava caminhos para a modernização do parque açucareiro. A Zona da Mata Norte concentra um menor número de produtores de açúcar e a monocultura canavieira. Como a Zona da Mata Sul vivia também uma grande crise econômica e procurava caminhos para a modernização do seu parque agroindustrial.

[5] O sindicato rural do Cabo se situava na paróquia do município controlado pelo padre Antônio Melo, um dos tutores do sindicalismo rural em Pernambuco após o golpe. O outro padre era o Paulo Crespo, coordenador do Sorpe. Apesar de ambos pertencerem ao clero conservador, e ambos estarem destinados a tutela sindical no campo pernambucano, havia uma diferença forte entre os dois, e este dissenso passava também a ser da estrutura sindical no estado. Esta diferença é lembrada em vários depoimentos de dirigentes e assessores sindicais e ex-presidentes da federação que colocam o padre Antônio Melo mais a direita que o Paulo Crespo, acusando o primeiro de solicitar a intervenção e prisão de vários dirigentes sindicais de origem católica ligados ao Sorpe.

[6] Este resumo do processo da greve foi obtido no levantamento das notícias diárias veiculadas nos dois jornais pernambucanos: o Diário de Pernambuco e o Jornal do Comércio, de novembro de 1966 a abril de 1967, bem como nas atas do sindicato dos trabalhadores rurais do Cabo e da DRT, e em entrevistas com sindicalistas e militantes de esquerda que acompanharam o processo na época.

[7] Estes dois novos itens da pauta de reivindicação vão ser retomados pelo movimento sindical rural da região nas greves de 1979 e 1980, que marcam a revitalização do movimento rural no Brasil como um todo. A greve de 1979 foi a primeira greve após o endurecimento do regime militar em1969, agora sob a liderança e coordenada pela Fetape, coma paralisação de cerca de vinte mil trabalhadores canavieiros. No ano seguinte, 1980, uma nova greve deixa cerca de 250mil trabalhadores da agroindústria açucareira de Pernambuco parados e dá início a uma série de greves bem sucedidas na época de dissídio na Mata pernambucana. O movimento camponês reassume um papel reivindicativo e representacional em termos de classe trabalhadora do campo no estado. O movimento sindical atesta a sua singularidade e importância política no cenário de mobilização e organização dos trabalhadores rurais (Sigaud, 1980 e 1986).

[8] Este novo item reaparece de forma evidente e com força a partir dos anos de 1990, quando junto como MST -Movimento dos Trabalhadores sem Terra, se inicia uma onda de ocupações de engenhos falidos e de terras ociosas na região. Naquele momento o item aparece como pauta das reivindicações permanentes do campesinato, mas associado diretamente aos dois hectares de terra, isto é, manutenção dos sítios de subsistência dos permanentes, e desapropriação para pagamento de atrasados.

[9] Em1974 o autor entrevistou alguns lotistas do padre Antônio Melo que informaram da desilusão com o assentamento e da dificuldade de pagarem o saldo devedor. Continuavam trabalhando nos engenhos e usinas da região, agora como trabalhadores clandestinos, e muitos repassaram os lotes para pessoas estranhas por não terem condições de manutenção da terra (Koury, 1976).

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