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Sociologia, Problemas e Práticas
versão impressa ISSN 0873-6529
Sociologia, Problemas e Práticas n.66 Oeiras maio 2011
Classes sociais. Condição Objectiva, Identidade e Acção Colectiva [Manuel Carlos Silva, 2009, Vila Nova de Famalicão, Edições Húmus]
Nuno Nunes*
* Assistente de investigação do CIES-IUL. E-mail: nuno.nunes@iscte.pt
O livro Classes Sociais, da autoria de Manuel Carlos Silva, inscreve-se no que de melhor a sociologia portuguesa tem produzido ao longo dos anos na temática das classes e das desigualdades sociais, não fosse o autor do texto um dos protagonistas do desenvolvimento e consolidação da sociologia das classes sociais em Portugal. A obra, que reúne alguns textos já anteriormente publicados, é um ensaio sobre as classes sociais, onde o autor constrói um “estado da arte teórico e problemático” apurado, rico e actualizado dos elementos centrais das teorias e estudo das classes sociais.
O ponto de partida do livro é uma revisitação das teorias marxistas, neomarxistas, neoweberianas, bem como uma reavaliação crítica das teorias funcionalistas da estratificação, mas a importância do subtítulo da obra —Condição Objectiva, Identidade e Acção Colectiva — apela a toda uma problematização presente na sociologia contemporânea das classes sociais, que remete para problemas teóricos centrais, como são os das relações entre estrutura e acção, das mediações entre classe objectiva e classe subjectiva, ou da articulação dos níveis de análise, desde o estrutural ao interactivo. Em simultâneo, a sua argumentação teórica rigorosa lança desafios à investigação sociológica e aos objectos empíricos sobre classes sociais, quando interpela sobre as suas condições objectivas de vida, hábitos e estilos de vida, as suas práticas e representações na vida quotidiana, as suas formas de organização ao nível sindical e político-partidário, as suas identidades e condições de acção colectiva.
A obra é-nos apresentada, em modo de prólogo, por Salvador Giner, presidente da Academia das Ciências da Catalunha, com o sugestivo título de “El retorno de la clase social”. Precisamente, Salvador Giner reconhece o trabalho de Manuel Carlos Silva e os contributos da sociologia das classes sociais em Portugal, ao mesmo tempo que apela à necessidade de se reivindicar e promover o retorno da questão das classes por parte das ciências sociais e a respectiva capacidade de compreender e explicar satisfatoriamente as desigualdades sociais.
No capítulo dois, o autor começa por dar conta da evolução do conceito de classe e por delimitá-lo com o seu usual contraponto — o de estrato social —, procurando mostrar que a conceptualização das classes sociais detém um alcance analítico mais teórico e dinâmico que o conceito de estratificação social. No terceiro capítulo, procura-se mostrar como as desigualdades sociais têm constituído uma constante em diversos tipos de sociedade ao longo da história (desde a Antiguidade até aos dias de hoje). Parte integrante da modernidade, a relação desigualdades sociais/classes e os conflitos de classe têm estado presentes no desenvolvimento das sociedades industriais, que tiveram no incremento do Estado-providência uma das suas principais conquistas.
Os capítulos seguintes (quatro, cinco e seis) são sobretudo de discussão teórica, onde é feita a exposição e o confronto das teorias clássicas em torno da estratificação e das classes sociais: a teoria da estratificação sustentada pelo estruturo-funcionalismo em marcante contraste com a teoria das classes sociais defendida e desenvolvida quer pelo (neo)marxismo, quer pelo (neo)weberianismo. A seguir, o autor avalia as teorias clássicas, prosseguindo a reflexão de autores de inspiração marxista e weberiana por uma pró-teoria que caminhe em direcção a uma concepção multidimensional e sintética de classe.
O autor considera fundamental o enriquecimento do marxismo através dos contributos de Max Weber. É solidamente sustentada uma posição teórica de síntese, o que significa, para o campo (neo)marxista, uma adequada leitura de Marx e Engels e a ruptura com as teorias economicistas-estruturalistas e histórico-culturalistas, e para o campo (neo)weberiano, a valorização relativa do económico e a desconstrução de uma certa substancialização ou reificação do poder.
A visão multidimensional das classes sociais que o autor propõe (principalmente nos capítulos sete e oito), arreiga-se no que de melhor a sociologia das classes sociais — tributária de um “transparadigmatismo de síntese”, como refere João Ferreira de Almeida — tem produzido ao longo dos últimos anos, solidamente ancorada nos decisivos contributos de Pierrre Bourdieu, e que encontra também em Erik Olin Wright, Veit Bader e Albert Benshop válidos contributos prospectivos para o desenvolvimento das teorias das classes sociais. A consagração de diversos patamares de definição e construção das classes, desde a condição objectiva até à acção colectiva, incorporando certos conceitos mediadores como os de habitus, estilos de vida, identidade, género e etnicidade, sem obnubilar o contexto das instituições, dos conflitos, dos sistemas organizacionais, bem como dos quadros de relações interaccionais, assume para o autor um carácter decisivo.
Nos capítulos nove e dez, são-nos oferecidos elementos teóricos válidos para uma integrada consolidação dos conceitos de vida quotidiana (ou quotidiano), estilos de vida, identidade e acção colectiva no corpus científico do estudo das classes. No essencial, o autor alerta para a tendência dominante para subestimar ou até ignorar os constrangimentos estruturais, argumenta como os estilos de vida e os padrões de consumo não estão desligados das clivagens de classe, que a centralidade do trabalho constitui um dos pilares das identidades colectivas e individuais, e são apresentadas as linhas gerais do modelo de acção colectiva de Bader.
O autor faz ainda uma breve revisitação dos estudos sobre classes sociais produzidos em Portugal e lança algumas propostas de refinamento das tipologias de classes existentes.
O livro que Manuel Carlos Silva agora nos oferece é sem dúvida um excelente contributo de rigor e síntese teórica e que nos proporciona, como o fazem as boas obras, horizontes de desenvolvimento analítico e empírico. Em suma, trata-se de um valioso contributo para o aprofundamento da problemática das desigualdades sociais nas sociedades contemporâneas.