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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.73 Oeiras set. 2013

https://doi.org/10.7458/SPP2013732809 

Os sítios na internet dos sindicatos portugueses: navegação à vista?

The websites of Portuguese trade unions: surfing for rights?

Les sites internet des syndicats portugais: navigation à vue ?

Los sitios en la Internet de los sindicatos portugueses: navegación casual?

 

Raquel Rego*, Paulo Marques Alves**, Jorge Silva*** e Reinhard Naumann****

* Investigadora auxiliar no Socius — ISEG-UTL. E-mail: raquelrgo@iseg.utl.pt

** Investigador do Dinâmia’CET-IUL e professor auxiliar do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). E-mail: paulo.alves@iscte.pt

*** Assistente de investigação do Socius —ISEG-UTL. E-mail: jmr.dasilva@gmail.com

**** Investigador do Dinâmia’CET-IUL e diretor adjunto do Centro Nacional do Observatório Europeu de Relações Industriais. E-mail: naumann@feslisbon.org

 

RESUMO

Em Portugal, os estudos de relações industriais têm dado pouca atenção ao papel das novas tecnologias de informação e comunicação. Procurando contribuir para colmatar esta lacuna, este artigo apresenta uma caracterização do uso da internet pelos sindicatos portugueses através de uma tipologia dos seus sítios, e verifica se existem associações estatisticamente significativas entre a tipologia e a filiação nas principais confederações nacionais. Partimos, com efeito, do princípio de que a fragmentação sindical resulta em estratégias de comunicação diversas. No final esboçamos algumas hipóteses explicativas para os resultados encontrados.

Palavras chave: sindicatos, internet, tipologia, Portugal.

 

ABSTRACT

Studies on industrial relations in Portugal have not paid much attention to the role of the latest information and communication technologies. In seeking to help fill this gap, this article characterises the use of the Internet by Portuguese trade unions, by presenting a typology of their websites and determining whether there are statistically significant associations between that typology and each union’s membership of the main national confederations. The authors base themselves on the principle that the fragmented nature of the trade union structure in Portugal leads to different communication strategies. The conclusion sets out a number of hypotheses that may help explain the results of the present study.

Keywords: trade unions, Internet, typology, Portugal.

 

RÉSUMÉ

Au Portugal, les études sur les relations industrielles ne se sont guère penchées sur le rôle des nouvelles technologies de l’information et de la communication. Cet article entend colmater cette lacune en présentant une caractérisation de l’utilisation d’internet par les syndicats portugais, en esquissant une typologie de leurs sites et en vérifiant s’il existe des associations statistiquement significatives entre la typologie et l’affiliation aux principales confédérations nationales. L’article part en effet du principe que l’éclatement du mouvement syndical est étroitement lié aux stratégies de communication différentes. Quelques hypothèses susceptibles d’expliquer les résultats trouvés sont présentés à la fin.

Mots-clés: syndicats, Internet, typologie, Portugal.

 

RESUMEN

En Portugal, los estudios de relaciones industriales han dado poca atención al papel de las nuevas tecnologías de información y comunicación. Procurando contribuir para superar esta falla, este artículo presenta una caracterización del uso de la internet por los sindicatos portugueses a través de una tipología de sus sitios y verifica si existen asociaciones estadísticamente significativas entre la tipología y la filiación en las principales confederaciones nacionales. Partimos, con efecto, del principio de que la fragmentación sindical resulta en estrategias de comunicación diversas. Al final, esbozamos algunas hipótesis explicativas para los resultados encontrados.

Palabras clave: sindicatos, Internet, tipología, Portugal.

 

Introdução

A utilização e expansão do uso da internet têm sido monitorizadas em Portugal por organismos como o OberCom / Observatório de Comunicação, composto por meios de comunicação social, associações afins e inclusive pelo Gabinete para os Meios de Comunicação Social, um serviço integrado na Presidência do Conselho de Ministros. Pouca atenção parece, contudo, ser dada à relação da internet com públicos específicos, como sucede com os trabalhadores por conta de outrem. Ao mesmo tempo, no campo da sociologia do trabalho em geral e das relações industriais em particular, os investigadores portugueses têm mostrado pouco interesse pelas associações sindicais e patronais do ponto de vista organizacional e, neste sentido, as suas estratégias comunicacionais têm sido também desprezadas.

Este artigo resulta de uma investigação em curso, que pretende compreender como as tecnologias de informação e comunicação (TIC), e muito em particular a internet, contribuem para a ação e democratização do movimento sindical. Ao utilizarmos uma abordagem empírica centrada no caso português, com este artigo pretendemos também alimentar o conhecimento do movimento sindical português relevando a análise organizacional. Trata-se de um estudo exploratório no qual um dos objetivos específicos é analisar em que medida e para que fins os mais de 300 sindicatos portugueses utilizam a internet.

A investigação da qual decorre este artigo visa recolher futuramente mais dados, quer do ponto de vista dos sindicatos, quer dos utilizadores dos seus sítios. Com efeito, só deste modo podemos compreender todo o processo de comunicação.

O artigo começa por apresentar uma revisão breve da literatura sobre o sindicalismo e as TIC, com um enfoque particular no caso português. Depois expõe a metodologia usada na abordagem empírica, designadamente a tipologia concebida para a análise documental dos sítios, e o setor de atividade escolhido para a sua aplicação. Por fim, é feita a classificação dos sítios, designadamente por filiação nacional, e é testada a associação entre as categorias da tipologia e a filiação. Conclui-se com a discussão dos principais resultados encontrados.

 

A comunicação sindical no estudo das relações industriais em Portugal

Podemos dizer que as relações industriais em Portugal têm uma comunidade relativamente pequena de investigadores, apesar de esta em 2012 ter promovido um evento de importância europeia, a saber, a Conferência Europeia de Relações Industriais (IREC), em conjunto com o encontro do grupo de relações industriais da Associação Europeia de Sociologia (ESA).

[1] Os estudos portugueses em torno do movimento sindical, em particular, são tematicamente dispersos. Com efeito, os enfoques são múltiplos: a evolução das estruturas sindicais portuguesas e do número de sindicalizados (Cerdeira, 1997; Stoleroff e Naumann, 1998), a desigualdade de género (Ferreira, 2002), casos empíricos em contexto de trabalho (Rosa, 1988), questões jurídicas (Ferreira, 2012), a integração europeia (Costa, 2012), designadamente ao nível dos conselhos de empresa (Costa e Araújo, 2009), mas também o impacto da globalização (Estanque e outros, 2005; Silva, 2007; Costa, 2008), a negociação coletiva e a concertação social (Neves, 2001; Lima, 2004), o sistema de relações industriais português (Stoleroff e Naumann, 2000), entre outros. Isto não considerando o trabalho de recolha sistemática de informação que é feito a nível sectorial e nacional pelo centro nacional do Observatório Europeu das Relações Industriais (EIRO).[2]

Recentemente, os debates nacionais têm também dado atenção à chamada crise do sindicalismo (Estanque e outros, 2005; Estanque e Costa, 2011), envolvendo de resto os próprios sindicalistas, incluindo alguns dirigentes que se têm destacado pelo prosseguimento dos seus estudos a nível superior no domínio das relações industriais, como é o caso do ex-coordenador e ex-secretário-geral da maior confederação sindical portuguesa, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional (CGTP-IN) (Silva, 2007). Carvalho da Silva assumiu responsabilidades na central ao longo de mais de 20 anos e, presentemente, é coordenador do polo de Lisboa do Centro de Estudos Sociais (sediado em Coimbra).

No entanto, raros são os estudos que analisam os sindicatos enquanto organizações, sujeitas por exemplo à clássica “lei de ferro da oligarquia” (Michaels, 1915), ou aos efeitos mais recentemente identificados da profissionalização das organizações sem fins lucrativos (Rego, 2010). A relação entre sindicatos e partidos políticos, por exemplo, que, diríamos, é provavelmente responsável por representações sociais negativas sobre os sindicatos, é um tema que ainda não mereceu nenhum estudo de fôlego, embora lhe sejam feitas várias referências (Estanque e outros, 2005; Costa, 2008; Lança, 2010).

A comunicação, dimensão fundamental no seio de uma organização e na sua relação com o exterior, quer no sentido de estabelecer alianças, quer na perspetiva da intervenção pública, não parece ser tema fundamental nos estudos sobre os sindicatos. Várias são as referências à importância do diálogo face a face, da deslocação dos sindicalistas aos locais de trabalho, à necessidade de promover ações solidárias, mas pouco se reflete, por exemplo, sobre o discurso. Ainda assim algumas dissertações (Rosa, 2005; Alves, 1993; Barreto, 1992) focaram a ação comunicacional dos sindicatos. Podemos em todo o caso dizer que só hoje é notória uma consagração ao tema, e por via não das formas convencionais de comunicação, mas estimulada pelas TIC, que surgem muitas vezes como potenciadoras da ação de pequenos sindicatos e mesmo como sustentação de sindicatos virtuais, como formas de recrutamento e mobilização, contribuindo para o que se tem chamado revitalização do movimento sindical (Diamond e Freeman, 2002).

Com efeito, para além do nosso estudo,[3] a realização do primeiro encontro “Vias para a Revitalização do Sindicalismo”, dedicado ao tema “A utilização das TIC pelos sindicatos portugueses”, que decorreu em 13 de dezembro de 2011 no ISCTE-IUL, em Lisboa, ou a perspetiva da criação de um Observatório da Comunicação Sindical, anunciada recentemente em livro (Rebelo e Brites, 2012), são sinais claros disso.

Do mesmo modo, a comunicação de Correia e colegas (2012), onde os autores apresentam dados de um inquérito aos sindicatos facultando em detalhe a percentagem que possui computador, internet, telemóvel, etc. Mas também, com base num estudo de caso, mostram que não existe uma estratégia comunicacional, pois o digital divide começa em muitos casos nos próprios dirigentes sindicais.

O debate sobre a relação entre sindicatos e internet chega com algum atraso a Portugal. A literatura anglo-saxónica desde os anos 90, ou seja, desde o início da expansão da internet, tem-se debruçado sobre ela (Lee, 1997, 2000; Waterman, 2001; Greene e Kirton, 2003). A maioria dos autores adota uma postura otimista perante as potencialidades que a internet pode ter na inversão do declínio da densidade sindical (Visser, 2006). A revitalização sindical, de que tanto se fala hoje a propósito do declínio da filiação em sindicatos, poderá beneficiar do uso das TIC.

Por um lado, porque as TIC permitirão recrutar grupos distantes, como as mulheres, que são geralmente sobrecarregadas com tarefas domésticas que lhes deixam pouco tempo para se envolverem na esfera pública; os jovens, à partida com menos experiência e possivelmente mais céticos em relação à necessidade dos sindicatos; os trabalhadores dos setores das novas tecnologias, habituados à individualização das relações de trabalho; os trabalhadores por turnos, que sofrem de limitações de tempo; e ainda todos os trabalhadores que se sentem constrangidos em participar numa situação face a face (Lee, 1997; Waterman, 2001; Greene e Kirton, 2003).

Por outro lado, as TIC podem proporcionar novas formas de tomada de decisão, sobretudo mais céleres e abrangentes, ao viabilizarem a consulta dos trabalhadores, aproximando deste modo os dirigentes das bases. Em suma, as TIC podem contribuir para a democracia interna.

Nesta postura favorável às TIC, a literatura tem, no entanto, desprezado a importância do “face a face”, modalidade de comunicação não só importante para uma comunicação mais profunda, como indispensável em alguns setores económicos, ou seja, perante algumas populações. Com efeito, haverá que não perder de vista que há duas condições necessárias para o sucesso da comunicação via internet: uma estratégia de descentralização por parte dos dirigentes sindicais e uma capacidade de apreensão por parte dos utilizadores (Diamond e Freeman, 2002; Martínez Lucio, 2003). Isto quer dizer que, na chamada “sociedade da informação”, ou na “sociedade em rede” em que vivemos (Castells e Cardoso, 2006), a par de um knowledge divide existe também um digital divide. A desigualdade de acesso à informação corresponde em parte também a uma desigualdade do domínio das infraestruturas respetivas. A chamada iliteracia digital é, por conseguinte, um fenómeno que deve ser considerado no momento de conceção de uma estratégia comunicacional, sobretudo quando estamos perante camadas de trabalhadores menos letrados (ainda que haja sempre exceções à regra). Os dados estatísticos oficiais têm mostrado que são os homens, os mais jovens e os mais escolarizados quem mais usa a internet (INE/UMIC, 2010). Uma grande parte das camadas trabalhadoras fica, em suma, excluída.

Porventura, um atual menor interesse pela investigação académica no campo das relações industriais, diríamos até uma menor centralidade, não do trabalho mas do estudo do trabalho,[4] e alguma resistência existente dentro das próprias estruturas sindicais poderão contribuir para explicar o ainda escasso conhecimento que temos sobre o funcionamento destas organizações, assim como das suas congéneres patronais. Neste sentido, o livro do sindicalista Florival Lança (2010) chama-nos a atenção a título excecional para a influência de fações não assumidas existentes no momento de tomada de decisão dentro das organizações sindicais. O olhar sobre o interior destas organizações parece mais comum noutros contextos nacionais, como nos relata Steve Early (2011) a propósito das cisões e tensões no seio do movimento sindical norte-americano.

 

Metodologia

Estamos conscientes de que para compreender o uso da internet por parte dos sindicatos portugueses deveríamos ter em conta os vários atores envolvidos, isto é, por um lado, o ponto de vista dos responsáveis no sindicato pela estratégia comunicacional e em particular pela internet, por outro lado, o dos utilizadores, quer efetivos quer potenciais. Mas ao mesmo tempo sabemo-nos limitados em recursos. A realização de uma investigação desta natureza sem financiamento levou-nos, assim, a fasear a abordagem e a centrarmo-nos nos próprios sítios da internet nesta primeira aproximação ao tema, cuja consulta não comporta custos senão os do tempo consagrado pelo investigador à sua análise.

O primeiro passo dado foi conhecer a taxa de penetração da internet no movimento sindical português, sendo a existência de um sítio na internet o indicador relevado. É, de qualquer modo, de admitir que haja também organizações que tenham o serviço de internet, designadamente um endereço de correio eletrónico, mas não uma página própria, como de resto indiciam Correia e colegas (2012).

Assim, perante a inexistência de dados organizados e acessíveis, começámos por recensear todos os sindicatos com sítio na Web. Esta tarefa afigurou-se algo morosa, uma vez que a base de dados oficial dos sindicatos portugueses, que o Ministério do Trabalho deveria fornecer, não está atualizada e muito menos dispõe de semelhante indicador. Baseámo-nos, pois, na base de organizações sindicais aturadamente criada por Alves (2009) e iniciámos deste modo a nossa procura em motores de pesquisa na internet, como o Google.

Criada a base de organizações sindicais com sítios próprios, importava analisá-los. Perante as escassas e limitadas propostas de tipologias reunidas (Ward e Lusoli, 2002; Santos e outros, 2005), nas quais se detetaram várias limitações (Rego, Naumann e Alves, 2010),[5] e após uma pesquisa aleatória de dezenas de sítios de sindicatos, criámos uma tipologia própria. Retivemos de outras o que nos parecera significativo, a saber o conteúdo e a interatividade, mas adicionámos-lhe uma dimensão a nosso ver fundamental: a forma (id., ibid.). Esta dimensão havia sido não só desprezada pelas tipologias reunidas, como nos parece ser uma das duas que mais especificidade traz ao canal de comunicação que é a internet. Com efeito, para além da interatividade, ou da possibilidade de uma participação mais livre, num mundo onde a imagem tem tanto peso, desprezar efeitos de som, imagem e mecanismos amigos do utilizador seria, a nosso ver, uma lacuna importante. Estas são, em suma, as características que efetivamente mais vantagens trazem à internet face a canais de comunicação como os jornais ou mesmo o face a face dos plenários.

Deste modo a nossa tipologia apresenta a seguinte estrutura:

- dimensão conteúdo: aqui distinguimos essencialmente se as informações disponíveis respeitam apenas à vida do sindicato, facultando por exemplo contactos, serviços, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, etc., ou se as informações vão para além da vida do sindicato e fornecem dados que dizem respeito, por exemplo, à economia ou setor de atividade em que o sindicato se insere, ou ainda informações mais triviais, como a previsão meteorológica ou as principais notícias político-económicas do dia, mas que constituem ainda assim uma fonte acrescida de atração do público alvo;

- dimensão interatividade: esta dimensão subdivide-se também em duas categorias, isto é, o sítio pode permitir comunicação num só sentido, unidirecional, ou bidirecional, o que será a interatividade efetiva; no primeiro caso, incluem-se os sítios de sindicatos que apenas disponibilizam informação, facultando por exemplo formulários que podem ser impressos, preenchidos e enviados por correio postal; já no segundo caso, estamos perante o processo comunicacional em sentido completo, pois o utilizador pode reagir por vezes em direto, como sucede com os fóruns, blogues, etc.;

- dimensão forma: esta última dimensão também surge como dicotómica, podendo corresponder a uma forma simples, sempre que estejamos perante uma imagem não dinâmica, sem som, no fundo à semelhança da forma de um jornal, onde apenas se faz uso da cor, do tamanho e estilo de letra; ou a uma forma complexa pois, para além daquelas variáveis, o utilizador depara-se ainda com vídeos, som, ligação às redes sociais, possibilidade de usar os RSS, ou permitir o acesso ao sítio por invisuais, por exemplo.

A tipologia de análise dos sítios apresenta-se sinteticamente no quadro 1.

 

 

Num primeiro momento, a exploração dos sítios foi feita de forma transversal, mas a limitação de recursos levou-nos a circunscrever a nossa classificação a um setor de atividade. Pretende-se mais tarde alargar a tarefa a todos e facultar deste modo indicadores que possam ser recolhidos ao longo do tempo, assim como comparados com os de outros contextos.

Deste modo, selecionámos o setor público e em particular a administração direta do estado para o exercício empírico. A delimitação deste setor inclui todas as formas legais de relações de trabalho estabelecidas entre os cidadãos e o estado em três níveis de administração: o central, o regional e o local. Ainda que se trate apenas do primeiro setor onde se aplicou a tipologia, a escolha evidencia a relevância do setor público a dois níveis essencialmente. Por um lado, é um setor que aumentou de forma muito significativa sobretudo após o 25 de Abril de 1974, em resultado, entre outras razões, da vontade de criar um estado de bem-estar. Os ministérios com maior relevância no emprego público central foram os da Educação e da Saúde. Nestes dois ministérios concentra-se mais de metade do emprego total da administração central (BOEP, 2008). Ao mesmo tempo, é um setor que depois de 2005 começou a ver diminuir o volume de emprego e, mais recentemente, a ser atingido pelas medidas decorrentes do acordo entre o governo português e a troika (FMI, UE, BCE), designadamente ao implementarem a contratação individual e promoverem um estado mínimo (Memo, 2012; Costa, 2012). Por outro lado, trata-se de um setor com uma forte sindicalização, com uma mão de obra com um grau de escolaridade elevado e com estímulos públicos para que os seus trabalhadores utilizem as TIC. Esta pareceu-nos portanto uma escolha pertinente para começarmos a explorar a nossa tipologia.

De notar que a elevada fragmentação sindical deste setor se traduz na existência de uma estrutura dual: poucas organizações de grande dimensão — algumas entre as maiores em Portugal, quer em representatividade quer em recursos — e muitos pequenos sindicatos que representam certas profissões ou serviços com poucos recursos. Com efeito, no setor público convivem sindicatos com muitos milhares de membros com outros com poucas centenas (Lima, 2008). O baixo nível de filiação em organizações de topo é outra característica estrutural do sistema sindical no setor público. De qualquer modo, quisemos averiguar se existe alguma associação entre a filiação confederal e a tipologia, pelo que usámos o teste do qui-quadrado (2).

A ação coletiva das principais confederações sindicais portuguesas difere a vários níveis, desde a sua participação na concertação social, onde a CGTP-IN se recusa frequentemente a assinar os acordos, optando por uma ação mais de mobilização de rua, ao contrário do que sucede com a União Geral de Trabalhadores (UGT), que investe mais na mesa negocial, pelo que levantámos a hipótese de que estas diferenças poderiam também ver-se refletidas no uso dado aos sítios pelos seus sindicatos: mais informação sobre o sindicato ou também, para além dele, dispositivos de participação à distância, formas atrativas de captação de utilizadores.

No fundo, no caso português temos representado o dilema da ação sindical de que Offe (1985) nos fala com clarividência, e que se cristaliza no que Boaventura de Sousa Santos refere como um “sindicalismo de contestação” por parte da CGTP-IN, derivado da infiltração do Partido Comunista no período da clandestinidade, e um “sindicalismo da participação” por parte da UGT, que se pretende demarcar da CGTP-IN desde o início. Isto sem que, para Santos, nem um nem outro pareçam sustentáveis (Santos, em Estanque e outros, 2005).

O trabalho de campo, isto é, de pesquisa na internet e classificação, foi feito em meados de 2010.

 

Resultados e discussão

Caracterização geral

Identificámos 182 sindicatos com o seu próprio sítio, excluindo-se deste número aqueles cujos sítios não funcionavam no momento da pesquisa. Estas organizações representam cerca de 57% do total de sindicatos portugueses.[6] Esta taxa de penetração da internet é só ligeiramente superior à taxa de penetração nos agregados familiares, que, em 2010, era de 50% (INE/UMIC, 2010). Os sindicatos não parecem ser portanto mais vanguardistas do que o resto da sociedade, o que de resto já se verificou com a questão da igualdade de género (Ferreira, 2002).

De notar também, numa primeira aproximação ao terreno, que alguns sindicatos anunciam, com o respetivo logotipo, que beneficiaram de fundos públicos para apoiar a criação ou melhoria dos seus sítios, o que parece ser um sinal claro da existência de oportunidades para um investimento na comunicação. Este é o caso de uma organização de trabalhadores dos portos, o Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro (STPA), que tem beneficiado do Programa Operacional da Sociedade da Informação (POSI).

Relativamente aos blogues, uma solução alternativa ao sítio, à partida até mais interativos, pois há geralmente a possibilidade de ser feito um comentário e inserida uma informação, verificámos que um número muito restrito de sindicatos tem um blogue em vez de um sítio. Há também os que apresentam no sítio a ligação a um blogue. Este é o caso da Associação Sindical dos Funcionários da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASF-ASAE). Considerámos então para a análise também os blogues, quando não existiam sítios.

Ainda que o nosso enfoque não fosse sobre as estruturas de cúpula mas sobre as associações sindicais de base, aquelas à partida a que o trabalhador recorrerá em primeira instância para obter informação, para conhecer quem o representa, etc., não podíamos deixar de observar também os sítios das principais organizações que agregam sindicatos. Deste modo, o quadro 2 dá conta do peso destas estruturas sindicais com sítio, isto é, de federações e confederações.

 

 

Ao consultarmos os sítios das principais confederações sindicais — aliás as únicas a usufruírem do estatuto de “parceiro social”, na medida em que estão representadas na Comissão Permanente de Concertação Social do Conselho Económico e Social Português, estrutura de diálogo social ao mais alto nível —, verificámos que ambos possuem muita informação e suportes multimédia. As duas confederações a que nos referimos são a CGTP-IN, a mais representativa, com mais de metade do total de sindicalizados, e a UGT, que representa aproximadamente um quarto dos sindicalizados, segundo várias fontes, entre elas o Observatório Europeu de Relações Industriais (EIRO). De notar também que a UGT assinala ter beneficiado de fundos europeus para renovar o seu sítio. A terceira confederação considerada, a União dos Sindicatos Independentes (USI), que representará apenas 11 sindicatos filiados conforme anuncia no seu sítio, utiliza igualmente suportes multimédia e fornece várias informações sobre as suas atividades. Finalmente, a quarta confederação que destacamos, a Confederação Geral dos Sindicatos Independentes (CGSI), com escassos milhares de membros, apresenta-nos um sítio que qualificamos como básico, pois contém pouca informação e é desprovido de quaisquer soluções multimédia.

Considerando-se então a filiação formal dos sindicatos nestas confederações nacionais, observámos diferenças que importa realçar. De facto, os dados mostram que a grande maioria (70%) dos sindicatos filiados nas chamadas confederações independentes, na CGSI e na USI, tem um sítio. Também o têm a maioria (66%) dos sindicatos filiados na UGT. Pelo contrário, encontrámos a taxa de sítios mais baixa entre os não filiados (54%) e entre os filiados na CGTP-IN (53%).

A figura 1 representa estes resultados mostrando que, apesar de a proporção de sítios (ou, se quisermos, de sindicatos) ser inferior, se considerarmos o número de trabalhadores em questão, há mais filiados na CGTP-IN que têm à partida acesso ao sítio do seu sindicato, do que trabalhadores de outras confederações.

 

 

Ao centrarmos a nossa atenção sobre a administração pública, acabámos por analisar 97 sítios sindicais. A grande maioria dos sindicatos é de âmbito nacional (74%), seguindo-se os de âmbito regional (23%), e distribuindo-se os restantes entre o local e o internacional. Podemos, pois, esperar encontrar sítios com enfoques diversos.

Ainda relativamente aos sindicatos da nossa amostra, verificámos que 43% dos sindicatos que possuem sítio não têm qualquer filiação, seguidos dos filiados na CGTP-IN, com 30%, e da UGT, com 21%. Os sindicatos com filiação dita independente, ou seja, filiados na CGSI ou na USI, representam portanto cerca de 6% do número total de sindicatos considerados.

Indo ao encontro do peso efetivo em termos de emprego no estado, como referido atrás, a educação e a saúde são as áreas com maior número de sindicatos na amostra. Com efeito, cerca de 28% das organizações estão relacionadas com a educação, seguindo-se os sindicatos da saúde, que recobrem 19% da amostra. Podemos pois afirmar que quase metade (47%) dos sindicatos representam estas atividades, hoje atingidas com a procura de redução da despesa pública, quer por via de criação de parcerias público-privadas, quer pela via da criação dos contratos individuais de trabalho, quer ainda pela delegação na administração local da relação contratual.

 

 

Aplicação da tipologia

Após a análise descritiva da cobertura da internet, avaliada pela existência de um sítio, e dada uma panorâmica sobre os sindicatos com sítio do setor público de administração direta do estado, passamos agora à apresentação dos resultados da aplicação da tipologia de análise de sítios, considerando os sindicatos por filiação confederal.

Como enunciado, quisemos saber se a filiação confederal está de algum modo relacionada com a nossa proposta de tipologia; isto é, se as dimensões conteúdo, interatividade e forma, variam em função da filiação do sindicato ser na CGTP-IN, na UGT ou nas chamadas confederações independentes. Para tal utilizámos o teste de qui-quadrado, uma vez que as variáveis em causa são dicotómicas, permitindo-nos deste modo perceber se existe uma associação entre a filiação confederal e as dimensões da nossa tipologia.

Os resultados encontrados indicam a existência de uma associação entre o conteúdo e a filiação confederal, sendo este resultado estatisticamente significativo.[7] Isto é, verifica-se que, por um lado, os sindicatos filiados na UGT, sem filiação e com outras filiações associam o conteúdo dos seus sítios essencialmente à vida do sindicato, ao passo que os sindicatos filiados na CGTP-IN têm informação nos seus sítios relacionada com matérias que vão para além da vida do sindicato. Isto quer dizer que os sindicatos da CGTP-IN parecem mais interessados em tornar o sítio uma fonte de informação geral, o que potencia a maior frequência da consulta e consequentemente também uma maior exposição aos conteúdos estritamente sindicais. Este é o caso, por exemplo, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, que no seu sítio apresenta uma revista de imprensa com recortes relacionados com a área da saúde em sentido amplo.

Já no que se refere à interatividade e à forma, os resultados encontrados indicaram não existir nenhuma associação estatisticamente significativa entre estas dimensões da tipologia e a filiação confederal.[8]

 

 

Conforme revela a figura 3, a maior parte dos sítios dos sindicatos analisados, independentemente da sua filiação nacional, apresenta um predomínio da comunicação unidirecional.

 

 

A figura 4 mostra-nos também que, de um modo geral, a maior parte dos sítios dos sindicatos apresenta já soluções multimédia ou “amigas do utilizador”, muito especialmente no caso dos sítios dos sindicatos filiados na CGSI ou na USI. De notar, de qualquer modo, que as percentagens aqui nos servem para facilitar a comparação, não sendo estatisticamente adequado usá-las, pois as bases em causa são extremamente baixas. Com efeito, quando assinalamos que 83% dos sindicatos ditos independentes têm sítios com forma complexa, este valor corresponde a cinco casos num total de seis.

 

 

Notas conclusivas

Numa altura em que, por um lado, novos movimentos sociais (de precários, desempregados, etc.) se têm mobilizado de forma inovadora com a importante ajuda das TIC e, por outro lado, Portugal está possivelmente perante o desafio de uma mudança de padrão de relações industriais, importa a nosso ver colocar a análise organizacional na agenda dos estudos das relações industriais. Como diziam Crozier e Friedberg (1977: 21): “Interrogar-se sobre a organização como problema é, portanto, conceber um raciocínio que permita analisar e compreender a ‘natureza’ e as dificuldades da ação coletiva.”

Na sequência das determinações do acordo celebrado entre o governo português e a troika, a austeridade está também a ter implicações importantes nas relações industriais. A questão da representatividade foi colocada em cima da mesa mas só para o lado patronal, parecendo perder-se assim uma oportunidade para os sindicatos serem mais transparentes e recuperarem alguma confiança.

Costa (2012), num artigo recente, dá conta justamente de como a Agenda 2020 introduz medidas regressivas no modelo social europeu, entre elas a liberalização do setor público, e como Portugal passou da integração num modelo social europeu à subjugação a um modelo europeu de austeridade. Uma dessas medidas é o ataque à negociação coletiva, designadamente ao permitir-se a criação de portarias de extensão (PE) apenas para contratos coletivos de trabalho celebrados por associações patronais que representem pelo menos 50% dos trabalhadores das empresas do setor (Memo, 2012). Isto significa que provavelmente o número de PE cairá de forma significativa, por a sua representatividade ser expectavelmente baixa e as empresas não quererem comprometer-se com parâmetros que as concorrentes não vão cumprir.

Portugal insere-se num padrão de relações industriais da Europa do Sul, pontuado por uma grande fragmentação organizacional e uma relativa baixa densidade sindical e patronal. A comunicação sindical surge como uma variável importante, sobretudo se pensarmos na disputa de determinadas camadas da população, como jovens ou trabalhadores do setor das TIC, ou de um modo geral no apelo do universo imagético da sociedade de consumo.

A fragmentação sindical de que falamos corresponde a modelos de sindicalismo distintos: oscilando entre a mobilização e a negociação (Offe, 1985). A este dualismo, traduzido nas duas principais confederações sindicais, CGTP-IN e UGT, é de esperar que corresponda uma distinção ao nível comunicacional. Foi a partir desse pressuposto que iniciámos o estudo empírico de que damos conta neste artigo.

Numa caracterização geral dos sítios na internet, observámos que mais de metade dos sindicatos portugueses têm um sítio e que no setor dos serviços, como esperado, são mais os que têm do que aqueles que não têm.

Outro resultado encontrado numa primeira aproximação ao terreno, e perante o qual não podemos deixar de acrescentar elementos qualitativos complementares para explicar a evidência quantitativa, é que a percentagem de sindicatos com sítio é maior no caso dos ditos independentes e dos filiados na UGT do que entre os sindicatos da mais representativa confederação portuguesa, a CGTP-IN. Com efeito, para a compreensão destes resultados importará considerar, por exemplo, que a CGTP-IN tem uma forte implantação em ramos de atividade económica cuja composição social revela uma menor afinidade com a internet, ou seja, os dos setores primário e secundário, enquanto a UGT evidencia um maior peso de sindicatos do setor terciário. Mas também que as estratégias de ação coletiva de ambas as confederações são distintas, as da CGTP-IN mais mobilizadoras, as da UGT mais institucionais.

Para isolar essas possíveis variações, analisámos em particular os sindicatos de base do setor público de administração direta do estado. A nossa tipologia evidenciou uma relação estatística significativa entre o conteúdo dos sítios e a filiação confederal dos sindicatos. Deste modo, os sindicatos da CGTP-IN apresentam sítios com conteúdos que não se restringem aos serviços, contactos, atividade negocial, etc., da própria organização. Em vez de adotarem uma utilização circunscrita à vida sindical, estes sindicatos parecem pretender criar nos seus sítios fontes de informação alternativa e complementar, espaços de sociabilidade, etc. Mas para testar esta interpretação sobre o conteúdo dos sítios, seria necessário prosseguir com a análise empírica e ouvir os responsáveis pelos próprios sítios, assim como os seus utilizadores. De resto, de acordo com Costa (2008), no que diz respeito às relações transnacionais por exemplo, há um desfasamento claro entre o discurso e a prática.

Uma outra conclusão importante decorrente da aplicação da nossa tipologia remete para o facto de os sindicatos, de um modo geral, não parecerem estar a tirar proveito máximo das potencialidades da internet, na medida em que a maioria das organizações do setor analisado, e independentemente da sua filiação, adota sobretudo uma comunicação unidirecional. A tarefa de conhecer o impacto do uso dos sítios fica seguramente mais dificultada, pois não existem online muitos mecanismos que proporcionem uma participação efetiva dos utilizadores. Trata-se, em suma, de uma “navegação à vista”, para usarmos uma metáfora marinha que se cruza com o vocabulário próprio da internet.

Tal como a interatividade, a forma não apresenta resultados estatisticamente significativos na sua associação à filiação confederal. No entanto, os sítios analisados dão conta do predomínio do recurso à forma complexa, designadamente a vídeos e som, de resto cada vez mais fáceis de manipular pelo utilizador comum da internet.

Mas esta aplicação circunscreveu-se a um setor apenas e a nossa intenção é ampliar o seu uso para percebermos, por exemplo, se em setores mais ou menos predispostos à adoção de novas tecnologias, estas atraem mais os potenciais utilizadores, ou se até nesses casos há limitações por parte das empresas ao seu uso livre.

Por fim, não podemos deixar de recordar que se trata de um estudo que deverá prosseguir, considerando inclusivamente os sindicatos que não dispõem ainda de sítio, ou seja, cerca de 1/4 do nosso universo, procurando compreender quem e porquê está a ficar para trás na sociedade da informação.

 

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Notas

[1] Cf.: http://conferencias.cies.iscte.pt/index.php/IREC2012/irec2012 (última consulta a 2/7/2013).

[2] Cf.: http://www.eurofound.europa.eu/eiro/contact.htm (última consulta a 2/7/2013).

[3] Cujas primeiras comunicações foram publicadas em atas de congressos internacionais da especialidade em 2010 (Rego, Naumann e Alves, 2010).

[4] Fazemos aqui alusão óbvia à tese iniciada, por exemplo, com a obra The End of Work, de 1995, de Jeremy Rifkin, e consequentes reações, nomeadamente de Dominique Schnapper, em Contre la Fin du Travail, de 1997.

[5] A duplicação de categorias e a pouca importância dada à interatividade (Ward e Lusoli, 2002), uma das mais-valias da internet, ou o desprezar da dimensão visual dos sítios (Santos e outros, 2005) levaram-nos a rejeitar as tipologias de outros autores. No entanto, elas constituíram um importante ponto de partida, retendo-se vários contributos. Sobre este assunto tivemos já oportunidade de nos debruçar mais detalhadamente num outro texto (Rego, Naumann e Alves, 2010).

[6] Para facilitar a leitura dos dados, optámos por arredondar os valores apresentado sem percentagem.  De notar que segundo Correia e colegas (2012), este valor aumenta para 64% no ano seguinte, o que poderá ser explicado pela velocidade com que as TIC evoluem e as organizações e os indivíduos se adaptam a elas.

[7] Conteúdo [X2 (3) = 20.764, p = 0,001].

[8] Interatividade [X2 (3) =.248, p = 0,970]; forma [X2 (3) = 1.920, p = 0,589]

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