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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.77 Lisboa jan. 2015

https://doi.org/10.7458/SPP2015776221 

ARTIGO ORIGINAL

Padrões de exogamia em quatro grupos de imigrantes em portugal (2001 e 2011)

Exogamous patterns in four immigrant groups in Portugal (2001 and 2011)

Pratiques d’exogamie chez quatre groupes d’immigrés au Portugal (2001 et 2011)

Patrones de exogamia en cuatro grupos de inmigrantes en Portugal (2001 y 2011)

 

Madalena Ramos*, Sofia Gaspar** e Ana Cristina Ferreira***

* Doutorada em Educação, professora auxiliar no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026, Lisboa. E-mail: madalena.ramos@iscte.pt

** Doutorada em Sociologia, investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026, Lisboa. E-mail: sofia.gaspar@iscte.pt

*** Doutorada em Sociologia, professora auxiliar no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e investigadora no Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e Território (Dinamia/CET-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026, Lisboa. E-mail: cristina.ferreira@iscte.pt

 

RESUMO

Este artigo analisa os padrões de exogamia em quatro grupos de imigrantes em Portugal — provenientes dos PALOP, da UE-12, do Brasil e da Europa de Leste — em 2001 e 2011. À luz de estudos anteriores, por um lado, avalia-se a existência de diferenças de género e de homogamia educacional e etária nestes casamentos. Por outro lado, também se analisam os fatores explicativos da propensão para o casamento exogâmico. Os resultados obtidos evidenciam padrões de casamento diferentes segundo o género, bem como entre as vagas de imigração mais antigas (PALOP e UE-12) e as mais recentes (Brasil e Europa de Leste). Estes dados serão interpretados na parte final do artigo.

Palavras-chave exogamia, endogamia, homogamia etária, homogamia educacional.

 

ABSTRACT

This article analyses the exogamy patterns in four groups of immigrants to Portugal — from the Portuguese-speaking African Countries (PALOPs), EU-12, Brazil, and Eastern Europe — in 2001 and 2011. In the light of earlier studies, on the one hand the authors assess the existence of both gender differences and differences in terms of educational and age homogamy in these marriages. On the other, they also analyse the factors that explain the propensity to exogamic marriage. The results point to marriage patterns that differ according to gender, as well as to differences between the older waves of immigration (PALOPs and EU-12) and the more recent ones (Brazil and Eastern Europe). These data are interpreted in the final part of the article.

Keywords exogamy, endogamy, age homogamy, educational homogamy.

 

RÉSUMÉ

Cet article analyse les pratiques d’exogamie au sein de quatre groupes d’immigrés au Portugal — PALOP, UE12, Brésil et Europe l’Est — en 2001 et 2011. D’une part, il s’agit d’évaluer, à la lumière d’études précédentes, l’existence de différences de genre et d’homogamie éducationnelle et d’âge dans ces mariages. D’autre part, les facteurs pouvant expliquer le penchant pour le mariage exogame sont également analysés. Les résultats obtenus font apparaître des habitudes de mariage différents selon le genre, mais aussi entre les vagues d’immigration les plus anciennes (PALOP et UE12) et les plus récentes (Brésil et Europe de l’Est). Ces données sont interprétées à la fin de l’article.

Mots-clés exogamie, endogamie, homogamie d’âge, homogamie éducationnelle.

 

RESUMEN

Este artículo analiza los patrones de exogamia en cuatro grupos de inmigrantes en Portugal — PALOP, UE12, Brasil y Europa del Este — en 2001 y 2011. A la luz de estudios anteriores, por un lado, se evalúa la existencia de diferencias de género y de homogamia educacional y de edad en estos matrimonios. Por otro lado, también se analizan los factores explicativos de la propensión para el matrimonio exogámico. Los resultados obtenidos evidencian patrones de matrimonios diferentes según el género, así como entre las olas de inmigración más antiguas (PALOP y UE12) y las más recientes (Brasil y Europa del Este). Estos datos serán interpretados en la parte final del artículo.

Palabras-clave exogamia, endogamia, homogamia de edad, homogamia educacional.

 

Introdução

A população estrangeira residente em Portugal cresceu gradualmente depois do 25 de Abril de 1974 e, especialmente, a partir da década de 90 do século XX. Nos últimos 30 anos, Portugal passou a ser não só um país de emigração, mas também de imigração.[1] Segundo os dados dos censos (INE), o número de estrangeiros no total da população residente no país passou de 1,2% em 1991 para 2,2% em 2001 e 3,7 % em 2011.[2]

Uma das consequências da presença de imigrantes em Portugal foi o aumento do número de casamentos mistos, ou seja, aqueles em que pelo menos um dos cônjuges nasceu fora de Portugal. De facto, num contexto onde o casamento tem vindo a perder peso (o número de casamentos desceu de 58.390 em 2001 para 36.025 em 2011), os casamentos em que pelo menos um dos elementos do casal não é natural de Portugal, apesar de também terem decrescido, fizeram-no em menor proporção, passando de 20,4% em 2001 para 26,5% em 2011 (11.885 e 9560 respetivamente).

Assim, o objetivo deste artigo é analisar os padrões e o grau de exogamia, isto é, o casamento entre dois indivíduos com naturalidades distintas, em quatro grupos de imigrantes residentes em Portugal, em dois momentos concretos — 2001 e 2011[3] —, selecionados de acordo com critérios estruturais relativos à antiguidade dos fluxos de imigração no nosso país. As naturalidades são: os originários dos PALOP (Moçambique, Guiné-Bissau, Angola, Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe), da União Europeia dos 12 (excluindo Portugal, obviamente),[4] do Brasil[5] e dos países do Leste Europeu (Ucrânia, Rússia, Roménia, República Moldava e Geórgia).[6]

A presença, no nosso país, de cidadãos originários da Europa Ocidental, particularmente os nacionais de Inglaterra, França, Alemanha e Espanha, enquadra-se em fluxos imigratórios mais antigos datados do início dos anos de 1960 e ligados a atividades económicas e financeiras qualificadas. É essencialmente a partir da década de 1980, aquando da entrada de Portugal na então denominada Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, que a imigração dos cidadãos da Europa dos 12 aumenta, com base na necessidade de recrutamento de quadros profissionais qualificados para inserção num mercado de trabalho em forte expansão internacional, como era o caso português (Marques e Góis, 2008; Peixoto, 1999).

Tal como os cidadãos da Europa dos 12, também os imigrantes dos PALOP se inserem em fluxos imigratórios mais antigos, iniciados sobretudo depois do processo de descolonização ocorrido após o 25 de Abril. A partir daí, e de forma progressiva, as comunidades cabo-verdiana, angolana, moçambicana, são-tomense e guineense têm-se instalado no país, motivadas pelas relações histórico-políticas estabelecidas entre Portugal e as ex-colónias, por fatores relacionados com a instabilidade política e militar vivida em alguns desses países nas últimas décadas, e pela necessidade de mão de obra associada ao crescimento económico após a adesão de Portugal à Europa comunitária (Machado, 2009; Malheiros e Esteves, 2012).

De facto, e se até ao início do século XXI, a presença de imigrantes em Portugal estava relacionada com a nossa história colonial e com relações económicas e culturais mais privilegiadas com alguns países europeus, após essa data intensificam-se notavelmente os fluxos migratórios de comunidades mais recentes, motivados em grande parte pelas necessidades de mão de obra nas obras públicas e para a modernização de várias infraestruturas nacionais (Malheiros, 2007; Peixoto, 1999). Neste contexto, a imigração brasileira surge como um exemplo de charneira, na medida em que, se a primeira vaga destes cidadãos, surgida entre meados dos anos 80 e 90 do século XX, era constituída por indivíduos qualificados (Pinho, 2007), a segunda vaga, estabelecida no país após 1999, apresentava já características de imigração laboral, sendo marcada por indivíduos menos qualificados e com uma maior presença feminina (Padilla e Ortiz, 2009; Malheiros, 2007; Peixoto e Figueiredo, 2007).

Por fim, a partir do início do século XXI, Portugal começou a receber de uma forma intensa e num curto espaço de tempo contingentes de imigrantes vindos da Europa de Leste, sobretudo ucranianos, russos, moldavos e romenos que, embora sem relações históricas e culturais com o nosso país, muito contribuíram para mudar estruturalmente o mapa dos estrangeiros residentes. Apesar de estes cidadãos apresentarem um nível de escolaridade mais elevado do que a média nacional, a sua inserção no mercado de trabalho é tendencialmente marcada por trajetórias de classe descendentes e por um processo de desqualificação profissional, ilustrado pela inserção laboral destes indivíduos em setores de serviços domésticos (no caso das mulheres) e na construção civil (no caso dos homens) (Baganha, Marques, e Góis, 2004; Marques e Góis, 2008, 2010).

Os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF, Relatório da Imigração, 2001 e 2011) permitem constatar que, entre dois momentos concretos (2001 e 2011), o peso de cada um destes grupos em Portugal sofreu alterações: se a presença de imigrantes que pertencem a fluxos de imigração mais antigos — PALOP e UE-12 — sofreu um ligeiro decréscimo no espaço de dez anos, já o contingente dos indivíduos originários do Leste europeu e do Brasil aumentou consideravelmente. Neste contexto, importa avaliar como evoluíram os padrões de exogamia de cada um destes grupos de imigrantes ao longo da década, dado que níveis de exogamia mais pronunciados poderão indicar uma maior integração social por parte destes cidadãos na sociedade de acolhimento (Kalmijn, 1998). A par da prossecução deste objetivo, a análise aqui desenvolvida permitirá ainda detetar eventuais mudanças ocorridas na estrutura matrimonial de cidadãos pertencentes a fluxos de imigração mais antigos (PALOP e UE-12) e a fluxos de imigração mais recentes (originários do Brasil e da Europa de Leste) e que residem no país há menos tempo. Pretendemos ainda perceber que outros fatores poderão explicar a propensão para o casamento exogâmico.[7]

Neste sentido, começaremos por enquadrar teoricamente a temática dos casamentos exogâmicos (ou mistos), passando em seguida a algumas considerações metodológicas acerca dos dados em estudo e das análises efetuadas. Num momento posterior, serão apresentados, interpretados e discutidos os resultados obtidos, apresentando-se, por último, as principais conclusões.

 

Casamentos exogâmicos como indicador de integração social

Para além das preferências pessoais que possam condicionar a escolha, no mercado matrimonial, de um cônjuge de outra origem nacional, existem, fundamentalmente, quatro perspetivas teóricas explicativas da exogamia. Em primeiro lugar, a teoria da troca social postula que os grupos de imigrantes que casam com nacionais do país de acolhimento tendem a trocar recursos socioeconómicos elevados por recursos de estatuto simbólico, de forma a integrarem-se socialmente (Merton, 1941; Kalmijn, 1998). Esta teoria foi sobretudo ilustrada em investigações centradas em casais mistos inter-raciais (Shoen e Wooldredge, 1989; van Tubergen e Maas, 2007) ou em abordagens relativas à homogamia etária (Cortina Trilla, Esteve e Domingo, 2008) ou educacional em certos países europeus (Cortina Trilla, Esteve e Domingo, 2008; Dribe e Lundh, 2008; Kalmijn, 1998; van Tubergen e Maas, 2007). Neste sentido, um imigrante com elevados recursos educacionais e profissionais capazes de assegurar o bem-estar económico e o estatuto social do casal poderá, dentro do mercado matrimonial do país de acolhimento, trocar esses mesmos recursos por uma união conjugal com um cônjuge nativo.

Como segunda perspetiva, a teoria da assimilação é a teoria predominante para explicar a integração social dos imigrantes e a sua assimilação (isto é, integração plena) na sociedade recetora. Neste sentido, os casamentos entre imigrantes e nacionais ilustram a integração social desses indivíduos, estando um número elevado destas uniões associado a sociedades onde as barreiras culturais e socioeconómicas foram diluídas e os imigrantes adotaram características da população nativa (Alba e Golden, 1986; Dribe e Lundh, 2008; Pagnini e Morgan, 1990). Como tal, um fator essencial no âmbito da teoria da assimilação é o tempo de permanência dos imigrantes no país recetor: grupos com uma permanência mais longa têm mais probabilidade de casar fora do grupo de origem do que grupos pertencentes a vagas de imigração mais recentes. Outros fatores de integração social que potenciam a união entre grupos estrangeiros e nativos são o domínio da língua e a aquisição de certas competências pessoais (conhecimento da cultura e dos estilos de vida) próprias do país de destino (van Tubergen e Maas, 2007).

Neste contexto, e decorrendo da teoria da assimilação, as segundas gerações de imigrantes teriam probabilidades mais acrescidas de casar com cidadãos da sociedade de acolhimento do que as primeiras gerações, visto terem sido socializadas (escola, grupos de amigos) no mesmo contexto nacional que os grupos nativos (Muttarak e Heath, 2010). No entanto, estudos centrados nos Estados Unidos indicam que os comportamentos endogâmicos continuam a prevalecer entre descendentes de imigrantes originários da América Latina, Ásia ou África (Hwang, Saenz e Aguirre, 1997), sugerindo, por isso, a teoria da assimilação segmentada como proposta alternativa. Segundo esta terceira perspetiva, a integração social dos imigrantes deverá ser relativizada tendo em conta a diversidade cultural existente entre os vários grupos de origem e as respetivas diferenças nas suas trajetórias e padrões de assimilação; assim, se certos grupos têm uma cultura familiar mais endogâmica, revelando uma tendência para o fechamento, outros demonstram um grau de abertura mais propenso às uniões afetivas com diferentes comunidades (Portes, 1995; Hwang, Saenz e Aguirre, 1997; Muttarak e Heath, 2010). Por outro lado, a existência de capital social elevado (família, amigos) pode funcionar como mediador, atenuando as diferenças culturais de cada grupo e facilitando a assimilação na sociedade de acolhimento. As estratégias conjugais exogâmicas variariam, assim, de acordo com as diferentes culturas matrimoniais e os recursos socioeconómicos disponíveis de cada grupo de origem.

Por último, a teoria da estratificação social defende que certos fatores macroestruturais condicionam os padrões de casamentos mistos. Blau e Schwartz (1984) afirmam que as condições estruturais que proporcionam a interação entre grupos sociais distintos são a dimensão do grupo e o seu grau de heterogeneidade. Grupos sociais mais pequenos têm maior propensão a estabelecer relações intergrupais do que grupos maiores, uma vez que os seus membros têm mais oportunidades de interagir com indivíduos fora do grupo, já que a sua “base de recrutamento” é menor. A dimensão do grupo encontra-se, pois, inversamente relacionada com o número de casamentos mistos, uma vez que grupos sociais maiores têm uma maior probabilidade de escolha endogâmica face a grupos mais pequenos (Blau e Schwartz 1984; Muttarak e Heath, 2010). No que respeita à heterogeneidade, quanto maior ela for para um grupo social (relativamente a características como o sexo, etnicidade, religião, estatuto socioeconómico e segregação espacial), maior a propensão para a exogamia (Blau e Schwartz, 1984; Hwang, Saenz e Aguirre, 1997). Neste contexto, certas investigações têm sugerido que o grau de exogamia diminui em presença de comunidades imigrantes com uma relação mais equilibrada entre os sexos ou que se encontrem espacialmente segregadas (Muttarak e Heath, 2010; van Tubergen e Maas, 2007).

Apesar de divergências analíticas entre estas propostas teóricas para a explicação da exogamia, na opinião de Kalmijn (1998), todos elas se baseiam na ideia de que os casamentos mistos são um indicador da interação social e da aceitação cultural da diferença entre grupos com origens nacionais distintas. Como tal, pretende-se neste artigo analisar os padrões de exogamia de quatro grupos de imigrantes em dois momentos concretos — 2001 e 2011 —, de forma a entender as potencialidades e limitações de cada uma destas perspetivas para o caso português. Os estudos existentes sobre o tema têm-se centrado em comparações gerais dos padrões de endogamia e exogamia de grupos de imigrantes residentes (Ramos e Ferreira, 2012; Ferreira e Ramos, 2008 ,2011), na análise das dinâmicas matrimoniais de comunidades específicas, como os brasileiros (Ferreira e Ramos, 2012) ou os europeus (Gaspar, 2009 ,2010).

Assim, a partir dos registos anuais dos casamentos realizados em Portugal, retiveram-se aqueles em que pelo menos um dos cônjuges é originário de um dos quatro grupos em análise. Pretende-se responder às seguintes questões de investigação:

Será que estes imigrantes casam mais dentro (endogamia) ou fora do seu grupo de origem (exogamia)? Existirão diferentes níveis de exogamia entre os vários grupos de origem? Dentro dos vários grupos de imigrantes existem diferenças de género ao nível da exogamia? Será que prevalece a homogamia educacional e etária entre os casamentos exogâmicos?

Que fatores explicam a propensão para o casamento exogâmico?

 

Método e dados estatísticos

A análise que aqui apresentamos incide sobre o universo dos casamentos celebrados em 2001 e 2011 em Portugal (microdados), disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, pelo que teremos de nos cingir às variáveis coletadas no momento do casamento e que constam destes registos. Segundo Kalmijn (1998), a utilização de registos anuais de casamento (medidas de incidência) para análise da evolução e dos padrões dos casamentos mistos num dado contexto nacional representa o método mais adequado para avaliar eventuais mudanças no âmbito da nupcialidade ao longo do tempo.

Neste sentido, e após o agrupamento dos indivíduos nos quatro grupos de naturalidade considerados, foi feita uma análise descritiva, de forma a caracterizar os casamentos destes grupos em cada um dos momentos e perceber a evolução destas características ao longo da década. Para além disso, foram realizadas regressões logísticas (por sexo e por ano), com o objetivo de identificar quais as variáveis explicativas da propensão para o casamento exogâmico. As regressões logísticas permitem responder a questões nas quais a variável a explicar é um acontecimento binário. Assim, foi construída uma variável dicotómica/binária (exogamia) que corresponde à formação de um casal cujos membros não têm o mesmo país de origem, com duas categorias (1 = sim, 0 = não).

As variáveis explicativas referem-se tanto às características individuais dos cônjuges (idade, país de origem, nacionalidade, nível educativo, estado civil) como às características do casal (coabitação prévia anterior ao casamento, homogamia etária, homogamia educacional).

Com exceção da variável idade, todas as restantes variáveis explicativas entraram na regressão como variáveis dicotómicas ou dummy, de modo a que a obtenção dos odds ratio permitisse a comparação direta com o grupo de referência. Os odds ratio interpretam-se como a mudança para a propensão para casar fora do grupo de origem associada a cada variável explicativa. Os valores superiores a 1 significam uma tendência crescente para a exogamia, enquanto os valores inferiores a 1 sugerem uma tendência decrescente, isto é, uma menor propensão para estar numa relação exogâmica. A utilização dos odds ratio oferece duas vantagens importantes. Em primeiro lugar, permite medir o grau de exogamia, na medida em que quanto maior for o valor absoluto dos odds ratio maior é o grau de exogamia observado, ou seja, maior é a importância que essa variável tem para o casamento exogâmico. Em segundo lugar, os odds ratio permitem comparar a exogamia entre vários grupos, uma vez que são independentes do tamanho relativo desses mesmos grupos no mercado matrimonial.

 

Com quem casam os imigrantes?

A análise dos dados do INE sobre a evolução geral do nível de exogamia dos quatro grupos de imigrantes ao longo da década em questão permite constatar que, tal como Ramos e Ferreira (2012) anteriormente assinalaram, existe uma tendência clara para o casamento fora do grupo.[8] Todavia, é também visível ao longo da década o incremento do casamento entre indivíduos oriundos do mesmo grupo, já que em 2001 os casamentos exogâmicos representavam 89,9% do total de casamentos enquanto em 2011 este valor desceu para 83,1%.

Mas se esta é a tendência geral, torna-se igualmente importante perceber em que medida ela se verifica nos vários grupos de imigrantes, bem como entre os géneros. Isto é, na linha da teoria da assimilação segmentada (Portes, 1995; Hwang, Saenz e Aguirre, 1997), serão os vários grupos diferentemente exogâmicos? Será o nível de exogamia diferente ou idêntico entre homens e mulheres imigrantes? Para responder a estas questões, apresentam-se os dados dos quadros 1 e 2.

 

 

 

Os resultados demonstram que, tal como reportado anteriormente (Dribe e Lundh, 2008; Ferreira e Ramos, 2012; Ramos e Ferreira, 2012), os imigrantes, em Portugal, quer masculinos quer femininos, casam maioritariamente com cidadãos nascidos em Portugal. Tal como se pode constatar no quadro 1, em 2001, os imigrantes masculinos, quando casaram fora do grupo, fizeram-no, maioritariamente, com mulheres portuguesas. Estes valores são particularmente expressivos não só no caso dos indivíduos pertencentes a fluxos de imigração mais antigos em Portugal — UE-12 (81,9%) e PALOP (73,6%) —, como também no de cidadãos originários de fluxos migratórios mais recentes — Brasil (66,6%) e países de Leste (63,6%). Mas se todos os grupos de imigrantes tendem a privilegiar parceiros portugueses, há que referir que, quando tal não acontece, a situação mais frequente é a escolha de um parceiro dentro do mesmo grupo de países (Ramos e Ferreira, 2012), sendo, nesse caso, os brasileiros e os oriundos dos PALOP os mais endogâmicos, com valores respetivamente de 26,1% e 20,6%. Também os homens portugueses, quando casam com imigrantes escolhem, sobretudo, cidadãs da UE-12 (46,8%) e dos PALOP (39,6%).

No caso dos cônjuges femininos estrangeiros, também os padrões de casamento neste ano demonstram que estas se casaram maioritariamente com cidadãos portugueses. Estes casamentos mistos registam um valor particularmente alto, não só no caso das cidadãs da UE-12 (81,6%), mas também das estrangeiras de origem brasileira (76,8%), do Leste europeu (77,8%) e dos PALOP (75,5%), sendo em geral mais elevados do que os registados entre os seus congéneres do sexo masculino. Tal como nos homens, quando o casamento não é com um português, a tendência é para casar dentro do grupo, destacando-se neste caso as mulheres naturais dos PALOP, já que cerca de 1/4 escolhem um parceiro dentro do mesmo grupo de países, enquanto nos restantes grupos os valores se situam entre os 11% e os 14%. No caso das portuguesas que casam com cidadãos naturais de outros países, os valores mais elevados de casamentos exogâmicos repartem-se, tal como no caso dos seus congéneres portugueses, entre os nacionais da Europa dos 12 (45,3%) e os nacionais dos PALOP (48,5%).

As escolhas conjugais dos imigrantes apresentam, em 2011, algumas diferenças que importa destacar. Tal como se pode observar no quadro 2, no caso dos cônjuges masculinos estrangeiros, a predominância do casamento com portuguesas perdeu importância.[9] Se em 2001, em todos os grupos a situação mais comum era casar com uma portuguesa, em 2011 isso não é uma constante. Com efeito, no caso dos homens brasileiros (53,1%) e dos países de Leste (76,6%), a maioria dos homens casa dentro do mesmo grupo, com um valor particularmente expressivo no caso dos últimos. Ou seja, e tal como reportado em estudos prévios (Ferreira e Ramos, 2012; Ramos e Ferreira, 2012) estamos perante grupos em que a endogamia se tornou predominante ao longo da década considerada, facto que pode legitimar a teoria da estratificação social (Blau e Schwartz, 1984; van Tubergen e Maas, 2007), se considerarmos que a dimensão do contingente de brasileiros e de europeus de Leste aumentou, expressivamente, no nosso país. No caso dos imigrantes europeus e dos PALOP, apesar de continuar a prevalecer o casamento fora do grupo, e em especial com portugueses, estes diminuíram apreciavelmente (passando a representar, respetivamente, 72,2% e 63,3% do total), acentuando-se de forma importante o peso do casamento dentro do grupo, no caso dos naturais de países da UE-12 (passou de 13,0% para 20,9%). Quanto aos cônjuges masculinos portugueses envolvidos em casamentos mistos, evidenciou-se a continuidade da importância dos casamentos com cidadãs originárias da UE-12 (34,3%) e um aumento bastante expressivo de uniões conjugais com brasileiras (48,9%).

Relativamente aos cônjuges femininos imigrantes, verificou-se que a tendência observada em 2001 para o casamento predominantemente fora do grupo se mantém em 2011, se bem que com valores menos expressivos. Neste sentido, os casamentos mistos que envolvem naturais de Portugal e cidadãs naturais da UE-12 e do Brasil são particularmente elevados (77,5% e 71,8%, respetivamente), seguindo-se os casamentos entre mulheres dos PALOP e portugueses (69,7%). No caso das cidadãs procedentes do Leste europeu, o peso do casamento exogâmico e endogâmico é sensivelmente semelhante (45,8% casam dentro do grupo), podendo ser em parte explicado pelo facto de muitas destas imigrantes terem vindo para Portugal ao abrigo de processos de reagrupamento familiar com cidadãos dos seus países de origem. Uma conclusão importante é o facto de, comparando o comportamento conjugal de homens e mulheres originários de cada um destes grupos de países, ainda que a exogamia tenha vindo a diminuir, se deteta, com exceção do grupo dos PALOP, uma tendência clara para níveis mais elevados de casamentos fora do grupo de origem no caso das mulheres (especialmente no caso das mulheres brasileiras).

No que diz respeito às mulheres portuguesas, verifica-se que, em 2011, continua maioritária a tendência para casamentos com indivíduos da UE-12 (tendo aumentado de 45,3% para 53,4%) e, com menor expressão, entre portuguesas e imigrantes brasileiros (22,0%, o que representa um aumento muito importante já que em 2001 era de 5,4%) ou africanos (22,4%, representando uma diminuição acentuada, uma vez que em 2001 estes casamentos eram 48,5%).

 

Homogamia educacional e etária

O tema da homogamia social, isto é, a proximidade social na escolha do cônjuge (a nível educativo, etário, religioso e geográfico) é um objeto de análise já clássico no seio da sociologia da família, quer no âmbito de casamentos endogâmicos (Bozon e Heran, 1989; Girard, 1964) quer exogâmicos (Kalmijn, 1998). No caso concreto da homogamia educacional, e em linha com estudos anteriores (Kalmijn, 1998; Ramos e Ferreira, 2012), quando comparamos as habilitações dos dois cônjuges por ciclo verifica-se que, em mais de metade dos casos, estamos perante casamentos entre iguais, o que aliás se acentuou ao longo da década (a homogamia educacional passou de 53,0% em 2001 para 56,2% em 2011). Estes dados são aliás convergentes com a tendência geral para a homogamia educacional tanto em Portugal como noutros contextos nacionais.[10] No âmbito deste artigo, coloca-se a questão de saber até que ponto este padrão de comportamento é idêntico nos vários grupos em análise.

No quadro 3 podemos observar que, no caso dos casamentos endogâmicos, a situação mais comum é o casamento em que os cônjuges são igualmente habilitados, tendo-se registado uma evolução diferenciada entre 2001 e 2011 nos vários grupos de países. Entre os originários da UE-12 e dos PALOP assistiu-se a um reforço da homogamia educacional, que no caso dos primeiros se faz como contrapartida da diminuição do peso dos casais em que a mulher era mais habilitada, enquanto no caso dos segundos, se faz a expensas da perda de importância das situações em que a mulher era menos habilitada. Já no que se refere ao Brasil e aos países de Leste a tendência é em sentido contrário, com uma diminuição do peso das situações de homogamia educacional e um aumento das situações em que a mulher é o cônjuge mais habilitado do casal.

 

 

Tendo-se considerado que a homogamia etária existia quando a diferença de idade entre os cônjuges não excedia os 5 anos, os dados indicam que a grande maioria das uniões mistas ocorre entre indivíduos com idades idênticas (76,4% em 2001 e 61,8% em 2011). Quando isso não acontece, e tal como foi registado em estudos anteriores (Kalmijn, 1998; Rosa, 2008), a tendência é para os homens serem mais velhos do que as mulheres, tendo aumentado claramente o peso destes casamentos, entre 2001 e 2011 (passaram de 19,2% para 30,5%).

Analisando as idades dos cônjuges em casamentos endogâmicos, por grupos de países (quadro 3), em todos eles prevalece a homogamia etária, com valores particularmente elevados no caso dos casais da UE-12 e dos países de Leste em 2001. Comum também a todos os grupos é a tendência para a diminuição do peso da homogamia etária entre 2001 e 2011 (apesar de se manter como a situação mais frequente) com o correspondente aumento das situações em que o homem é mais velho do que a mulher (especialmente acentuado nos originários países de Leste e dos PALOP).

No caso dos casamentos exogâmicos, a análise tem de ser feita em separado por sexo do cônjuge. Assim, e no caso das uniões em que as mulheres são imigrantes (quadro 4), verifica-se para 2001 que, no que se refere às habilitações, apesar de também predominar a homogamia educacional no caso das cidadãs da UE-12, do Brasil e dos PALOP, o peso destas situações é inferior ao registado entre os casais endogâmicos, com uma diferença particularmente acentuada no caso das mulheres brasileiras e de Leste. Neste último caso, e com importância igual à dos casamentos entre parceiros igualmente habilitados, temos aqueles em que as mulheres são mais habilitadas do que os homens (quadro 4).[11] Entre 2001 e 2011, a evolução é para uma igualitarização das qualificações, registando-se um aumento das situações de homogamia educacional em todos os grupos considerados.

 

 

Ainda relativamente às idades das mulheres, em 2001 apesar de em todas elas prevalecer a homogamia etária, no caso das originárias da UE-12, do Brasil e dos países de Leste, entre os casais endogâmicos, a sua importância é menos acentuada do que entre os casais exogâmicos, com uma diferença substancial no caso dos naturais de países de Leste e do Brasil, onde a percentagem de maridos mais velhos do que as mulheres é assinalável (45,2% e 32,7% respetivamente). No caso dos provenientes dos PALOP a situação é a inversa: é maior o peso dos casamentos entre iguais em termos de idade entre os casais exogâmicos (75,2%).

Tal como entre os casais endogâmicos, a evolução entre 2001 e 2011 foi também de perda de importância das situações de homogamia etária, com um correspondente aumento dos casamentos entre parceiros em que o homem é o mais velho, sendo no caso das mulheres dos países de Leste e do Brasil que esta situação assume valores importantes (59,8% e 41,6% respetivamente) (para resultados convergentes, cf. Kalmijn, 1998; Ramos e Ferreira, 2012).

Quando os casamentos mistos são entre imigrantes oriundos destes grupos de países e mulheres portuguesas, a tendência é a mesma: predomínio da homogamia educacional (com valores superiores ao dos outros grupos) e etária, e evolução ao longo da década em sentido contrário, isto é, aumento da homogamia educacional (55,4% em 2001 e 63,2% em 2011) e decréscimo da homogamia etária (77,6% em 2001 e 65,1% em 2011).

Passando agora à análise da situação relativa aos cônjuges masculinos (quadro 5), no que se refere às habilitações literárias, os padrões são idênticos aos registados entre as mulheres: em 2001 prevalecem os casamentos entre iguais, com exceção dos homens originários dos países de Leste que, na sua maioria, tendem a casar com mulheres menos habilitadas do que eles (55,6%), o que poderá indiciar, em linha com a teoria da estratificação social, a existência de certas características sociodemográficas estruturais (isto é, níveis de qualificações médios mais elevados) entre os cidadãos (homens e mulheres) deste grupo nacional. Entre 2001 e 2011, reforça-se a tendência para a homogamia educacional.

 

 

No que se refere às idades, em 2001, o padrão nos homens é semelhante ao registado nas mulheres, com a maioria dos casamentos a ocorrer entre parceiros em igual faixa etária, com valores particularmente expressivos entre os oriundos da UE-12 (81,9%) e dos PALOP (74,8%). De 2001 para 2011 a tendência é para uma perda de importância da homogamia etária (bastante acentuada no caso dos PALOP), com exceção dos indivíduos originários dos países de Leste. Neste caso, ao contrário dos restantes grupos, e também contrariamente ao que acontece entre as mulheres, registou-se um acréscimo do peso dos casamentos em que os parceiros têm idades semelhantes (61,2%).

Nos casos em que os casamentos mistos são entre homens portugueses e mulheres imigrantes, regista-se igualmente um predomínio da homogamia educacional, mas agora com valores inferiores ao dos outros grupos (49,4% em 2001 e 52,5% em 2011), contrariamente ao que acontecia quando eram mulheres portuguesas a casar com imigrantes. Ou seja, é mais frequente os homens portugueses casarem com mulheres imigrantes mais habilitadas,[12] do que mulheres portuguesas casarem com imigrantes mais habilitados. Isto poderá indicar, para os primeiros, a existência de certas lógicas na escolha do cônjuge legitimadoras da teoria da troca nas quais diferentes tipos de recursos são trocados no casamento (Merton, 1941; Kalmijn, 1998). Em termos de homogamia etária a situação é idêntica à registada nos outros grupos.

Em síntese, a situação mais frequente é para casamentos entre iguais em termos educacionais ou etários, tanto nos casais endogâmicos como exogâmicos. Todavia, em ambos, assiste-se a um decréscimo da homogamia (educacional e etária) entre 2001 e 2011, apesar de se detetar uma ligeira tendência, que se mantém ao longo da década, para uma maior homogamia etária entre os casais endogâmicos.

 

Propensão para o casamento exogâmico

O quadro 6 mostra os resultados dos quatro modelos de regressão logística para cada um dos sexos e por ano de análise. Os resultados do modelo relativo às mulheres em 2001 permitem confirmar aquilo que os dados descritivos anteriormente apresentados mostravam: comparativamente com as mulheres oriundas dos PALOP, as originárias de outros grupos de imigrantes têm associada maior probabilidade de realizar um casamento exogâmico (odds ratios superiores a 1 em todos os casos), sendo particularmente elevadas as diferenças no caso das mulheres dos países de Leste e das brasileiras, que registam uma propensão para o casamento exogâmico, respetivamente 5,918 e 4,068 vezes mais elevada dos que as que são naturais dos PALOP. As mulheres da UE-12 são as mais semelhantes às dos PALOP. Todavia, ainda assim, apresentam quase duas vezes mais hipóteses de casar fora do grupo de origem do que estas. Por outro lado, a nacionalidade portuguesa aumenta a probabilidade de casar fora do grupo de origem. Com efeito, as mulheres que não têm nacionalidade portuguesa, têm menos cerca de 60% de probabilidade de casar fora do grupo do que aquelas que têm nacionalidade portuguesa (odds ratio = 0,307).

 

 

Relativamente a outras características individuais que podem igualmente ter um papel importante na explicação dos níveis de exogamia, verifica-se que a idade tem uma relação negativa e estatisticamente significativa com a propensão para o casamento exogâmico: este diminui progressivamente à medida que a idade aumenta (odds ratio = 0,986). No que se refere ao estado civil, detetou-se uma diferença significativa entre as divorciadas e as solteiras, sendo as primeiras mais propensas ao casamento fora do grupo de naturalidade (odds ratio = 1,808). Finalmente, e na linha de resultados obtidos em outros estudos (Cortina Trilla, Esteve e Domingo, 2008; Dribe e Lundh, 2008), verificou-se que, quanto mais habilitada for a mulher, maior é a propensão para o casamento exogâmico, sendo todavia apenas significativa a diferença entre as que têm habilitações de nível superior e as que têm habilitações de nível mais baixo (odds ratio = 1,447).

No que diz respeito às características do casal que poderão potenciar o casamento fora do grupo de origem, observámos que, indo ao encontro dos resultados obtidos por Ramos e Ferreira (2012), a experiência de coabitação anterior ao casamento é também um fator explicativo importante, sendo aqueles que a vivenciaram os que têm menor probabilidade de vir a casar fora do grupo (odds ratio = 0,674). Os resultados mostram ainda que a probabilidade de casar fora do grupo de origem é maior quando as habilitações dos cônjuges são distintas, sendo mais acentuada quando o homem tem um nível de habilitações superior ao da mulher (1,657 vezes mais do que quando têm habilitações iguais). Por fim, a homogamia etária não se revela importante enquanto fator explicativo para a exogamia.

Já em 2011, e relativamente às características individuais que podem propiciar um maior comportamento exogâmico, verifica-se que as divorciadas continuam a ter uma propensão significativamente maior do que as solteiras para um casamento exogâmico (1,376 vezes mais), se bem que tenha diminuído a diferença entre elas. Em termos de habilitações, aquelas que têm o ensino secundário e superior têm agora menor tendência para casar fora do grupo do que as que têm o ensino básico (respetivamente menos 35,8% e 18,1%). No que se refere ao grupo de origem, as diferenças residem agora no facto de as mulheres dos países de Leste não se diferenciarem das que nasceram nos PALOP, e de as cidadãs naturais da UE-12 e do Brasil terem mais tendência do que aquelas para a exogamia (2,12 e 2,739 vezes mais, respetivamente). A nacionalidade continua a ser um fator explicativo importante, com as mulheres estrangeiras a terem menos 67% de probabilidade de casamentos exogâmicos do que as portuguesas.

Se nos detivermos nas características do casal, verificamos que as mulheres que viveram previamente em união de facto continuam a ter menos propensão para casar fora do grupo de origem (odds ratio = 0,713). Tal como já ocorria em 2001, a probabilidade de casar fora do grupo de origem é maior quando o homem é mais (1,962 vezes mais) ou menos (1,259 vezes mais) habilitado do que a mulher. A homogamia etária ganha alguma importância face ao que acontecia em 2001, registando-se uma propensão significativamente maior para o casamento exogâmico nos casais em que o homem é mais novo do que a mulher (odds ratio = 1,809), comparativamente com os casais com idades semelhantes.

No caso dos homens, as tendências para o casamento exogâmico observadas em 2001, revelam que, no que se refere às características individuais, o único grupo que tem significativamente maior propensão para a exogamia por referência aos indivíduos dos PALOP são os naturais da UE-12 (odds ratio = 1,505), enquanto que os brasileiros não se distinguem dos africanos, e os de Leste têm quase duas vezes mais tendência para casar fora do grupo, embora esta tendência não seja estatisticamente significativa. Por outro lado, os homens que detêm a nacionalidade portuguesa têm uma maior probabilidade de se casar fora do grupo de origem relativamente aos homens que não a possuem (que têm cerca de menos 55% de propensão para casar fora do grupo).

Relativamente a outras variáveis explicativas individuais, observa-se que a idade, tal como ocorre no caso das mulheres, tem uma relação negativa e estatisticamente significativa com o grau de exogamia dos homens, na medida em que quanto mais velho for, menor será a propensão para um casamento exogâmico (odds ratio = 0,951). Relativamente ao estado civil, verifica-se que, tal como foi registado para as mulheres, os divorciados têm uma propensão cerca de duas vezes superior para casar fora do grupo comparativamente com os solteiros (odds ratio = 2,107). Por fim, também se observa entre os homens com um nível de habilitações superior, uma maior tendência para a exogamia, sendo esta diferença estatisticamente significativa relativamente àqueles que possuem um nível de instrução básico (odds ratio = 1,598) (para uma leitura convergente, vd. Cortina Trilla, Esteve e Domingo, 2008; Dribe e Lundh, 2008).

Se nos detivermos agora nas características do casal, observamos que a coabitação prévia ao casamento diminui a propensão para a exogamia; assim, os indivíduos com maior tendência para a exogamia são aqueles que, tal como se verificou no caso das mulheres, não viveram previamente em união de facto (odds ratio = 0,542). Por fim, o modelo revela ainda que a tendência para casar fora do grupo é mais elevada quando os homens apresentam um nível de instrução mais alto do que as mulheres (1,235 vezes mais), e quando aqueles são mais novos do que estas (odds ratio = 1,453).

Em 2011, estas tendências registam algumas mudanças. Quanto aos grupos de origem, e tal como os dados descritivos já indicavam, os naturais da UE-12 não se distinguem dos cidadãos dos PALOP, e os nacionais das vagas de imigração mais recentes — Brasil (odds ratio = 0,382) e países de Leste (odds ratio = 0,109) — apresentam menos comportamentos exogâmicos do que os primeiros. Quanto ao estado civil, verifica-se que os indivíduos divorciados (tal como já sucedia com as mulheres) apresentam uma tendência maior para casar fora do grupo do que os homens solteiros (odds ratio = 1,598). Relativamente à nacionalidade, mantém-se a tendência de serem os indivíduos com nacionalidade estrangeira aqueles que têm menor propensão para a exogamia (64% menos). Quanto às habilitações, e contrariamente a 2001, estas deixam de ser um fator importante na explicação da exogamia.

Centrando-nos agora nas características do casal, em 2011 continua a observar-se a tendência para serem os indivíduos que não viveram previamente em união de facto os que têm mais probabilidade de fazer um casamento exogâmico (mais 18%). Por outro lado, relativamente à homogamia educacional, verifica-se que, tal como os resultados descritivos apontavam, quando é o homem o elemento menos habilitado do casal, é maior a propensão para comportamentos exogâmicos do que quando os cônjuges têm habilitações idênticas (1,619 vezes mais). Por fim, a análise da homogamia etária indica que existe uma maior tendência para a exogamia sempre que as idades do homem e da mulher não forem iguais (mais 2,533 vezes se o homem for mais velho que a mulher, e 1,467 sempre que este for mais novo).

 

Notas conclusivas

Pretendeu-se neste artigo analisar a evolução e os níveis de exogamia em imigrantes originários de quatro grupos diferentes a residir em Portugal, em dois momentos distintos: 2001 e 2011. Começámos por enquadrar teoricamente esta temática de modo a avaliar quais as potencialidades e limitações explicativas das várias perspetivas para o contexto português. Os resultados obtidos permitiram identificar algumas mudanças nos comportamentos matrimoniais dos imigrantes tanto de vagas imigratórias mais antigas (PALOP e UE-12) como mais recentes (Brasil, Europa de Leste). Neste ponto apresentar-se-ão algumas conclusões orientadas pelas questões de investigação inicialmente definidas.

Em primeiro lugar, a tendência conjugal, verificada em qualquer dos anos, é a do casamento fora do grupo de origem e maioritariamente com parceiros portugueses. Esta orientação matrimonial coincide com tendências registadas anteriormente (Dribe e Lundh, 2008; Ferreira e Ramos, 2012; Ramos e Ferreira, 2012), que reportaram níveis de exogamia mais elevados entre imigrantes e nativos. De facto, à luz da teoria da assimilação (Alba e Golden, 1986; Dribe e Lundh, 2008; Paginini e Morgan, 1990), podemos considerar este tipo de uniões como um indicador do grau de abertura a diferentes grupos sociais por parte das sociedades de acolhimento, de que Portugal é um exemplo porque se enquadra indubitavelmente naqueles países abertos às interações sociais e afetivas com cidadãos estrangeiros.

Em segundo lugar, os níveis de exogamia observados ao longo da década revestem-se de alguma complexidade interpretativa, dado que variam segundo o grupo de pertença, legitimando parcialmente, tanto a teoria de assimilação (Alba e Golden, 1986; Dribe e Lundh, 2008; Pagnini e Morgan, 1990) como a teoria da estratificação social (Blau e Schwartz, 1984; van Tubergen e Maas, 2007). Com efeito, e no âmbito da teoria da assimilação, se em 2001 os imigrantes masculinos com uma permanência mais longa no país (UE-12 e PALOP) e, como tal, com um grau de integração social e de aculturação maiores, registam valores mais elevados de casamentos fora do grupo do que imigrantes pertencentes a vagas de imigração mais recentes (Brasil e Europa de Leste), tal já não ocorre no caso das mulheres imigrantes. Neste caso, todos os grupos de origem têm, sensivelmente, níveis de exogamia semelhantes, o que poderá indicar lógicas na escolha do cônjuge distintas daquelas verificadas nos imigrantes masculinos.

Em 2011, os dados ainda se revelam mais complexos, na medida em que os imigrantes masculinos da UE-12 e dos PALOP casavam mais com portuguesas (reforçando a teoria da assimilação), enquanto os brasileiros e os indivíduos de Leste apresentam uma tendência clara para a endogamia. Estes últimos dados podem, em parte, ser justificados no âmbito da teoria da estratificação social, pelo aumento da dimensão do grupo de imigrantes brasileiros e de Leste em Portugal ao longo da década, e pelo consequente equilíbrio na relação homem/mulher dentro destes grupos. No entanto, e no caso das mulheres imigrantes, esta explicação só é legítima para as dos países de Leste (com níveis de endogamia e de exogamia semelhantes), e não para as brasileiras, cujos níveis de exogamia com homens portugueses são, a par das mulheres da UE-12 e dos PALOP, elevados.

Neste sentido, e tal como Ferreira e Ramos (2012) sugerem, em consonância com a teoria da troca, no caso das imigrantes brasileiras poderão existir outros fatores implícitos em certos casamentos, nomeadamente, o intercâmbio do seu exotismo pelo estatuto socioeconómico ou a nacionalidade dos homens portugueses. Esta última ideia é reforçada com os resultados obtidos para a homogamia educacional. De facto, embora os níveis de qualificações iguais entre os cônjuges predominem tanto nos casais endogâmicos como exogâmicos ao longo da década considerada, no caso dos casamentos exogâmicos envolvendo mulheres brasileiras ou de Leste, existe um número expressivo de uniões em que a mulher é mais habilitada que o marido (para resultados convergentes vd. Ramos e Ferreira, 2012). Na perspetiva da teoria da troca estar-se-ia a assistir ao uso das qualificações (no caso destas cidadãs de vagas de imigração mais recentes) como elemento de troca para obtenção de outros benefícios. No entanto, outra leitura igualmente possível é esta situação dever-se ao facto de estes serem grupos com habilitações tendencialmente mais elevadas do que os outros, nomeadamente os portugueses (Marques e Góis, 2008 ,2010). Assim, a tendência geral é mais no sentido de as mulheres imigrantes casarem mais com homens menos habilitados do que elas, do que de mulheres portuguesas casarem com cônjuges estrangeiros menos habilitados.

Relativamente à homogamia etária também aqui os resultados apresentam algumas especificidades. Apesar de, tanto nos casais endogâmicos como exogâmicos, as idades dos cônjuges serem tendencialmente semelhantes nos anos em análise, registou-se um aumento de uniões envolvendo homens portugueses mais velhos com mulheres brasileiras ou de Leste mais novas. Estes dados podem igualmente indicar tipos de lógicas distintas na escolha do cônjuge feminino estrangeiro, reveladoras de trocas de recursos económicos e sociais (para resultados convergentes, vd. Ramos e Ferreira, 2012).

Por fim, os fatores explicativos da propensão para a exogamia, tal como sugerido anteriormente, vêm reforçar os resultados descritivos obtidos. Estes fatores explicativos revelam, contudo, ser distintos em 2001 e em 2011, tanto para os homens como para as mulheres: em 2001, e com relação às cidadãs dos PALOP, todos os outros grupos de mulheres eram mais exogâmicos do que estas. No caso dos homens imigrantes, apenas os cidadãos da UE-12 eram mais exogâmicos que os dos PALOP. Ter nacionalidade portuguesa, casar-se jovem, ser divorciado/a, ter um nível de educação superior (vd. Kalmijn, 1998; Cortina Trilla, Esteve e Domingo, 2008), não ter vivido em coabitação, e o homem ter mais habilitações que a mulher são fatores que contribuem para aumentar o nível de exogamia.

Contudo, em 2011, estes fatores são algo distintos para ambos os sexos dado que são os homens brasileiros e de Leste os que revelam uma menor tendência para a exogamia (com referência aos dos PALOP), sendo as mulheres brasileiras e da UE-12 as que mostram uma maior tendência para os casamentos fora do grupo de origem. Por outro lado, fatores como ter nacionalidade portuguesa, ser divorciado/a, não ter vivido em união de facto antes do casamento, o homem ser mais velho ou mais novo do que a mulher e menos habilitado aumentam a propensão para o casamento fora do grupo de origem.

Em suma, os resultados obtidos sobre a evolução dos padrões de exogamia nestes quatro grupos sugerem a existência de diferenças entre as vagas de imigração mais antigas (UE-12 e PALOP) e mais recentes (Brasil e Europa de Leste), sobretudo no que respeita às diferenças de género. Será, pois, fundamental, realizar futuramente mais investigações sobre este tipo de uniões, de forma a perceber, especificamente para cada grupo, eventuais diferenças nas lógicas e motivações implícitas para o casamento exogâmico. A própria fonte utilizada, neste caso os microdados dos casamentos, constitui em si mesma uma limitação, já que apenas possibilita uma análise extensiva dos indicadores coletados nos registos de casamento e disponibilizados pelo INE, claramente insuficientes para apurar as motivações individuais e sociais em que se ancoram os casamentos exogâmicos.

 

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Receção: 20 de maio de 2013 Aprovação: 17 de janeiro de 2014

 

Notas

[1] Este artigo inscreve-se no âmbito do projeto “Evolução e Padrões de Casamentos Binacionais em Portugal (1988-2011) — Bimar”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Ministério da Educação e Ciência (Ref.ª: EXPL/IVC-SOC/1611/2012).

[2] Queremos advertir, desde já, que o nosso objetivo neste artigo é contextualizar, de forma breve, a emergência de alguns dos fluxos migratórios mais expressivos no nosso país ao longo das últimas décadas. Como tal, para uma leitura mais atenta desta questão, remetemos para alguns dos autores que, no panorama nacional, se destacam dentro dos estudos da imigração: Baganha (2009), Fonseca (2005) e Machado (2009).

[3] A razão para a escolha destes dois anos reside no facto de pretendermos analisar a evolução deste fenómeno ao longo da década mais recente, sendo 2011 o último ano para o qual existia informação disponível.

[4] Os países membros da Europa dos 12 são Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Itália, Irlanda e Reino Unido.

[5] Dado o importante peso desta comunidade em Portugal (em 2011 representavam 25,5% do total de imigrantes residentes), optámos por considerar os naturais deste país isoladamente na nossa análise.

[6] Apesar de a Roménia fazer parte da União Europeia desde 1 de janeiro de 2007, uma vez que um dos períodos analisados é anterior a esta integração, optámos por incluí-la no grupo do Leste Europeu, devido a critérios geográficos e histórico-políticos (visto tratar-se, tal como a Ucrânia, a República Moldava e a Geórgia, de uma antiga área de dominação da URSS). Considerámos, igualmente, que a proximidade cultural face a estes países seria maior do que a existente relativamente aos países que integram o grupo da UE-12 (França, Alemanha, Espanha…).

[7] A inclusão, dentro do mesmo grupo de imigrantes, de indivíduos procedentes de países distintos obedece a critérios heurísticos. Apesar de cada uma destas comunidades apresentar características distintas, é possível incluí-las em grupos etnicamente mais abrangentes (isto é, PALOP, Europa de Leste e UE-12).

[8] Não esqueçamos que o universo de trabalho inclui apenas os casamentos ocorridos em Portugal em que pelo menos um dos cônjuges é imigrante (respetivamente 10.106 casamentos em 2001 e 6186 em 2011).

[9] Em 2011 era já permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tendo-se registado 2,6% do total de casamentos nesta situação, e nos quais pelo menos um dos parceiros não era natural de Portugal.

[10] No caso português, a homogamia social na formação do casal e na trajetória conjugal foi um tema recentemente desenvolvido por Rosa (2008).

[11] A tendência das mulheres brasileiras para apresentarem, em geral, um maior nível de qualificação relativamente aos cônjuges portugueses, foi anteriormente reportada por Ferreira e Ramos (2012).

[12] Esta foi a situação prevalecente encontrada por Ferreira e Ramos (2012) no caso das uniões conjugais envolvendo homens portugueses e mulheres brasileiras.

 

Agradecimentos

As autoras desejam agradecer à Anália Torres as sugestões e os comentários críticos feitos a uma primeira versão deste artigo. Também desejam agradecer à Cláudia Casimiro, à Clara Oliveira, à Marta Almeida Carreira e à Diana Maciel a leitura atenta que desenvolveram e que muito enriqueceu esta versão final.

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