Introdução: a relevância social e sociológica da aprendizagem e educação de adultos
Nas últimas décadas, o tema da educação e aprendizagem ao longo da vida ganhou uma relevância social, económica e política sem precedentes, ocupando um lugar de destaque na agenda de organizações internacionais, como a UNESCO e a OCDE, assim como na agenda da União Europeia (UE), no âmbito da qual foi assumido como prioridade política no final do século XX (Comissão Europeia, 2000; European Commission, 2019).
Esta atribuição de prioridade é indissociável do reconhecimento da centralidade do conhecimento e da educação nas sociedades contemporâneas. As sociedades atuais são, intrinsecamente, sociedades marcadas por processos educativos cada vez mais prolongados, sem os quais não existiria nem produção de conhecimento, nem a sua difusão e incorporação alargadas. Por outras palavras, as sociedades do conhecimento, da informação e digitais, assentam em sociedades educativas (entre outros, Ávila, 2008; Costa 2003; Field, 2006; Jarvis, 2007).
O prolongamento dos processos educativos e de aprendizagem estende-se ao longo da vida, em grande medida devido à exigência de renovação de conhecimentos e competências. Esta necessidade de atualização decorre de um outro traço que caracteriza o período que estamos a viver, e que se acentua cada vez mais: a velocidade, a intensidade e o alcance global das mudanças sociais em curso (Costa, 2003; Enguita, 2001; Field, 2006). Ao longo da vida, somos confrontados com inúmeras transformações que afetam múltiplas dimensões da nossa existência. As sociedades do conhecimento, da informação e digitais, são então, também, sociedades de (permanente) aprendizagem, tal é a centralidade desta dimensão nos quadros sociais contemporâneos.
A importância social e sociológica do tema decorre ainda do reconhecimento dos riscos e das desigualdades sociais geradas (ou acentuadas) pelas dinâmicas em curso (Costa, 2012; Field, 2006; van Dijk, 2020). As sociedades educativas e de aprendizagem são sociedades fortemente desiguais, desde logo porque os percursos educativos são muito variáveis (apesar de cada vez mais alargados) e porque nem todos têm acesso às mesmas oportunidades e condições para manter atualizadas as suas qualificações, conhecimentos e competências, ou seja, nem todos participam da mesma forma, no decorrer da vida, em atividades de educação e aprendizagem.
Essas desigualdades são evidentes quando olhamos para a esfera económica e para o mundo trabalho, onde as profissões mais bem remuneradas e com menor índice de desemprego assentam não só em qualificações elevadas, como remetem para tarefas que implicam a atualização permanente de conhecimentos e competências e a resolução de problemas (World Bank, 2019). Mas não só. As referidas desigualdades afetam ainda a vida quotidiana, o acesso à saúde e aos serviços do estado, limitam a participação cívica, o acesso à informação e a capacidade de a interpretar e usar para diferentes fins (Schuller et al., 2004; UNESCO, 2016).
Ainda do ponto de vista da análise sociológica, o desafio consiste também em alargar a análise dos processos educativos e de aprendizagem da população adulta para além dos espaços e modos formais (Afonso, 2005), reconhecendo o hibridismo das diversas modalidades educativas (Melo, Lima e Guimarães, 2021) e mobilizando modelos conceptuais e dispositivos de observação que possam captar também as aprendizagens não formais e as informais, nos vários contextos em que ocorrem.
Este artigo tem precisamente como enfoque a investigação sobre a participação da população adulta em diferentes processos de aprendizagem e educação. Num primeiro momento, sistematizam-se os desafios conceptuais e de operacionalização que se colocam à investigação nesta área, dando destaque às operações de pesquisa de tipo extensivo que têm procurado monitorizar e comparar à escala internacional a participação da população adulta em atividades de aprendizagem e educação.
Partindo das principais fontes disponíveis, analisam-se alguns indicadores, designadamente os que permitem comparar a incidência da participação nessas atividades nos vários países da UE, e que revelam a existência de diferentes padrões de participação. A posição de Portugal é analisada com particular detalhe.
Constituindo as fortes desigualdades sociais associadas à aprendizagem ao longo da vida um dos tópicos incontornáveis neste domínio de investigação, será dada especial atenção ao modo como a escolaridade condiciona as oportunidades e as disposições dos sujeitos, conduzindo a que tendam a acentuar-se e a reforçar-se ainda mais, ao longo da vida, as diferenças entre eles quanto às competências e às qualificações detidas. Os vários tipos de barreiras e fatores que ajudam a explicar essas desigualdades são também abordados, enfatizando-se o papel do estado e das políticas de educação e formação de adultos na sua superação. A análise dos indicadores relativos à evolução registada em Portugal quanto às taxas de participação evidencia, precisamente, como as políticas públicas estão relacionadas com o esbatimento (ou com o acentuar) das desigualdades sociais subjacentes às dinâmicas da aprendizagem ao longo da vida.
Finalmente, abordam-se os efeitos dos processos de educação e formação para os adultos que neles participam e para a sociedade em geral. Trata-se de uma linha de investigação que, comparativamente com outras, tem sido menos explorada, mas que não é menos importante. O modo como a participação em atividades de educação e de aprendizagem ao longo da vida adulta transforma as práticas, as competências e as disposições dos sujeitos, com repercussões em diferentes esferas da vida, tem sido revelado por vários tipos de pesquisas e constitui um contributo fundamental para compreender a importância do alargamento e democratização do acesso da população a oportunidades neste domínio.
Desafios conceptuais e de operacionalização
Embora as análises sobre as sociedades contemporâneas tenham vindo a reconhecer a centralidade analítica da educação e da aprendizagem ao longo da vida, o conhecimento sobre os padrões de participação da população adulta nesse tipo de atividades continua a encerrar vários desafios. Esses desafios têm a ver, por um lado, com dificuldades de delimitação e conceptualização e, por outro, com a informação empírica disponível, a qual, como se procurará mostrar, tem ainda bastantes limitações.
Orientações, conceitos e sistemas de classificação
Um primeiro conjunto de contributos que importa referir remete para perspetivas analíticas que têm analisado, de forma comparada, os sistemas de aprendizagem de adultos em vários países (adult learning systems - ALS) (Desjardins, 2020; Desjardins e Ioannidou, 2020). Essa análise implica, desde logo, definir com precisão como podem ser mapeados e comparados estes sistemas, o que, segundo Desjardins (2020), constitui um exercício bem mais complexo do que fazê-lo para os sistemas educativos tradicionais ou regulares (dirigidos à população mais jovem). Isto porque, em comparação com esses sistemas, os sistemas de aprendizagem de adultos são mais flexíveis, menos estruturados e compreendem uma grande diversidade de atores (estado, empresas, escolas, sociedade civil). Caracterizam-se também por uma variedade de configurações, consoante os países, quanto às ofertas de qualificações formais e de atividades de aprendizagem não formais e, sobretudo, quanto ao modo como as duas se articulam.
Nesse sentido, e procurando ultrapassar as dificuldades de delimitação e comparação desses sistemas, Desjardins (2020) considera que, em cada país, os ALS correspondem à totalidade das oportunidades de aprendizagem organizadas a que os adultos podem aceder num dado contexto. Deste modo, pretende superar a recorrente oposição entre aprendizagem formal e não formal, fazendo incidir a sua análise nas diferentes estruturas que promovem ou disponibilizam oportunidades de aprendizagem dirigidas à população adulta.
Desjardins distingue quatro categorias focadas nos adultos, especificamente nos estudantes “não tradicionais”,1 estabelecendo articulações com o ISCED (International Standard Classification of Education - UNESCO, 2012), nos casos em que as ofertas são de tipo formal. As quatro categorias são as seguintes: educação básica e secundária (ISCED 1, 2 ou 3); ensino superior (ISCED 5 ou 6); formação profissional, ou vocacional, formal (ISCED 3b, 3c, 4, ou 5b) e não formal (sem ligação ao sistema formal); e educação comunitária, a qual é, em geral, de caráter não formal e muito ligada à sociedade civil, embora possa em alguns casos ter relações com o sistema formal (Desjardins e Ioannidou, 2020).
Também a UNESCO adota, a partir de 2015, uma tipologia para distinguir os vários tipos de aprendizagem e de educação de adultos, no seguimento da publicação da Recomendação sobre Aprendizagem e Educação dos Adultos, 2015 (Recommendation on Adult Learning and Education - 2015) (UNESCO, 2016). Nela são consideradas três categorias de atividades - literacia e competências básicas, educação contínua e formação profissional, e educação comunitária ou popular - as quais passaram a ser consideradas nos exercícios de comparação entre países, cujos resultados são publicados nos relatórios globais sobre educação e aprendizagem de adultos (UNESCO, 2019: 93-96). Note-se que, nesta classificação, assume-se estar ausente o ensino superior.
Uma outra proposta de categorização da oferta educativa e de aprendizagem para adultos é avançada por Boeren e Whittaker (2018), também ela dirigida apenas aos adultos com níveis de escolaridade mais baixos (excluindo assim, uma vez mais, o ensino superior), e distinguindo sete categorias: competências básicas e educação básica; educação de nível secundário; pós-secundário; estágios; formação decorrente de políticas ativas do mercado de trabalho; aprendizagem e formação no local de trabalho ou relacionada com o trabalho; e aprendizagem pessoal ou social. Os autores desta proposta de classificação analisam também as possíveis fontes de dados (comparáveis à escala internacional) que poderão ser usadas para a sua operacionalização.
Uma abordagem diferente, seguida pelo Eurostat, consiste em adotar uma categorização das atividades de aprendizagem à luz do conceito de aprendizagem ao longo da vida, tal como definido no Memorando para a Aprendizagem ao Longo da Vida (Comissão Europeia, 2000), e que está definida na publicação Classification of Learning Activities (CLA - Eurostat, 2016).
A existência desta publicação é, em si mesma, reveladora da necessidade de definir um sistema de classificação para as múltiplas atividades de aprendizagem. Estabelecendo articulações com o ISCED, que também aqui é mobilizado para a dimensão formal, o foco da CLA é a classificação de todas as atividades de aprendizagem, procurando clarificar os conceitos de aprendizagem formal, não formal e informal, e fornecendo um conjunto de orientações práticas.
Resumidamente, considera-se que a dimensão formal é desenvolvida nos sistemas de ensino e de formação institucionais, ou seja, remete para o sistema formal de educação e formação; a não formal tem lugar em contextos formativos, de caráter profissional ou outros, não é conferente de grau (embora possa estabelecer articulações com o sistema formal) e pode ou não ser certificada; e, finalmente, a informal remete para os processos de aprendizagem menos estruturados e mais difusos que ocorrem nas diversas esferas da vida. Comum aos três tipos de atividades de aprendizagem encontra-se a premissa de que todas terão de ser “intencionais”. Note-se que, no caso da aprendizagem informal, esta premissa, embora com eventuais vantagens do ponto de vista da operacionalização em abordagens extensivas, pode representar uma visão restritiva dos modos de aprendizagem, uma vez que deixa de fora um núcleo muito significativo de aprendizagens informais (na idade adulta e não só) (Aníbal, 2014: 52).
Embora a distinção entre os três grandes tipos de atividades de aprendizagem esteja relativamente difundida, são muitas as dificuldades e ambiguidades que se colocam na sua operacionalização. A referida publicação (CLA) procura esclarecer algumas delas. Por exemplo, sublinha-se que as categorias propostas visam dar conta do tipo de atividades desenvolvidas (de caráter formal, não formal ou informal) e não dos resultados (nomeadamente, diplomas) a que podem conduzir. Isto é particularmente relevante no que toca às fronteiras entre as dimensões formal e não formal, as quais nem sempre são evidentes.
Ainda assim, alguns autores (por exemplo, Colley, Hodkinson e Malcom, 2003) sustentam que, ao contrário do que as designações parecem indicar, as três categorias propostas não são, na maioria dos casos, adequadas para descrever os processos de aprendizagem propriamente ditos, uma vez que estes dificilmente podem ser classificados em categorias estanques, por serem, em geral, constituídos, em simultâneo, por aspetos formais e informais. Nesse sentido, consideram que a prioridade deveria ser a exploração da relação entre esses atributos (formal, não formal e informal), em vez de forçar classificações que traduzem uma leitura redutora dos processos de aprendizagem.
Na verdade, como afirma Rubenson, a tríade formal, não formal e informal remete, sobretudo, para os contextos em que as atividades de aprendizagem têm lugar, e não para os processos de aprendizagem, ou para os modos de aprender (Rubenson, 2018: 342). Ainda assim, fica evidente que a classificação das atividades de aprendizagem nessas três categorias é complexa e sujeita a múltiplas interpretações.
Com a referência a estas tipologias e propostas de classificação pretende-se sublinhar as dificuldades que se colocam quando se procura analisar a participação da população adulta em processos de educação e aprendizagem. A existência de enfoques diferenciados está bem patente nas propostas atrás mencionadas e estas refletem os diferentes propósitos com que são desenvolvidas. Por exemplo, como se referiu, alguns dos sistemas de classificação (UNESCO e Boeren e Whittaker) não incluem o ensino superior, por corresponderem a estratégias analíticas focadas nas dinâmicas de educação e aprendizagem da população menos qualificada e com competências mais baixas, mas outros (Desjardins, 2020) têm-no em conta. A maioria das propostas assume também querer captar sobretudo o lado da “oferta” organizada e estruturada dos sistemas de aprendizagem, e não o conjunto dos processos e modos de aprendizagem, o que leva à exclusão, na generalidade das tipologias (com a exceção da adotada pelo Eurostat), da aprendizagem informal.
De um modo geral, a mencionada abrangência do campo, a diversidade de atores nele envolvidos, a complexidade e invisibilidade da dimensão informal, a relação entre formal, não formal e informal, entre outros, comportam vários desafios para os investigadores e para os organismos que procuram monitorizar e avaliar as dinâmicas em curso.
Principais fontes de informação
A par dos desenvolvimentos conceptuais, têm sido feitos esforços no sentido de obter informação que permita a caracterização extensiva e comparável dos padrões de participação da população em atividades de educação e aprendizagem, no decorrer da vida adulta.
Em geral, falamos de iniciativas de recolha de informação conduzidas por parte das mesmas organizações internacionais que colocaram a aprendizagem ao longo da vida na agenda política e que procuram monitorizar a sua evolução. É, portanto, uma preocupação de comparação à escala internacional (ou europeia) por parte desses organismos que desencadeia muitas destas operações.
A UNESCO publica, desde 2010, de três em três anos, relatórios focados na monitorização da aprendizagem dos adultos (conhecidos pela sigla GRALE - Global Report on Adult Learning and Education). Os dados aí apresentados são maioritariamente fornecidos pelos países através da preparação de relatórios nacionais de autoavaliação. Apesar de ser proposta uma tipologia comum para a classificação das aprendizagens, quer as fontes mobilizadas, quer os critérios de resposta são muito variáveis, o que dificulta a comparação entre países. Ainda assim, estes relatórios têm o indiscutível mérito de permitirem um olhar para a aprendizagem e educação de adultos à escala mundial, e permitem evidenciar as fortes assimetrias entre regiões do mundo.
No caso da OCDE, destaca-se o relatório anual Education at a Glance, que disponibiliza indicadores comparáveis sobre os sistemas de ensino, incluindo indicadores sobre educação de adultos. Os dados divulgados resultam não apenas de dados fornecidos pelos países, mas também de operações de recolha de informação promovidas pela própria OCDE, como é o caso do PISA (Programme for International Student Assessment) e do PIAAC (Programme for the International Assessment of Adult Competencies).
O PIAAC merece aqui particular destaque. Incide na avaliação das competências dos adultos (através de instrumentos que permitem a sua avaliação direta), a qual é complementada com um questionário aprofundado (background questionnaire) que inclui um módulo sobre a participação dos inquiridos em atividades de aprendizagem (OECD, 2013). Nesse questionário é recolhida informação detalhada sobre as atividades de educação e formação realizadas nos 12 meses anteriores à entrevista, incluindo a participação em programas de educação formal e em atividades de aprendizagem não formal, como workshops, seminários, formação no local de trabalho, e outras atividades. O PIAAC teve, até agora, apenas uma edição, designada PIAAC - 1.º ciclo, que decorreu entre 2012 e 2016 (OECD, 2016), cujos resultados são comparáveis com os do IALS (International Adult Literacy Survey), o estudo internacional que o antecedeu, publicado em 2000 (OECD e Statistics Canada).
Segundo Rubenson (2018), as perguntas incluídas no questionário do IALS e do PIAAC têm uma excessiva orientação para o trabalho (“job-related bias”). Não recolhem informação sobre aprendizagem informal ou atividades de aprendizagem não formal relacionadas com a vida pessoal e social, o que conduz a uma visão parcial do sistema de aprendizagem e educação de adultos e dos contextos que podem contribuir para a geração e manutenção das competências que esses mesmos estudos procuram medir (idem: 343). Apesar do reconhecimento dessas limitações, Rubenson (2018) e Desajardins (2020) publicaram recentemente trabalhos que tomam como fonte de informação os dados do IALS e do PIAAC sobre a participação em atividades de educação e formação que permitem comparar os vários países participantes nessas pesquisas.
Importa referir que Portugal participou no IALS (OECD e Statistics Canada, 2000) mas não completou a participação no PIAAC (1.º ciclo),2 pelo que tem estado ausente das mais recentes estatísticas publicadas pela OCDE, bem como de outros aprofundamentos analíticos baseados em dados sobre as competências e sobre a participação dos adultos em atividades de educação e formação. Esta ausência de informação tem impossibilitado o conhecimento da evolução e da situação do país relativamente às competências-chave da população adulta e da relação entre estas e a participação em atividades de educação e aprendizagem.
No quadro da União Europeia, duas referências incontornáveis de operações estatísticas específicas conduzidas neste domínio, apoiadas em amostras representativas da população e comparáveis à escala europeia, são o Inquérito ao Emprego (Labour Force Survey - LFS) e o Inquérito à Educação e Formação de Adultos (Adult Education Survey - AES), ambos coordenados pelo Eurostat.3
O primeiro, o LFS, largamente conhecido, é uma operação trimestral que abrange a população em idade ativa (25 e os 64 anos) e que tem como foco o mercado de trabalho e a produção regular de estatísticas sobre emprego e desemprego, incluindo também um pequeno conjunto de perguntas que permitem calcular a taxa de participação em atividades de educação e formação nas quatro semanas anteriores à data de inquirição. Têm sido estes indicadores que, desde 2003, o Conselho da União Europeia tem tomado como referência para fixar as metas a atingir (benchmarks) pelos países da UE relativamente à taxa de participação da população em idade ativa em atividades de educação e aprendizagem (de tipo formal e não formal). Em 2003 essas metas foram fixadas em 12,5%, a alcançar até 2010; em 2009 o valor foi revisto e atualizado para 15%, a ser alcançado até 2020; e, finalmente, em 2021 ocorreu uma nova revisão que coloca agora a meta em 47%, valor este a ser atingido até 2030 (Comissão Europeia, 2021).
O segundo inquérito, o AES, constitui uma operação de recolha de informação desenhada propositadamente para retratar de forma detalhada a participação, e a não participação, da população adulta em atividades de educação e formação formais, não formais e também informais, seguindo de perto as orientações de classificação do Eurostat atrás já referidas (Eurostat, 2016) e conta, até agora, com três edições (em 2007, 2011 e 2016). Ao contrário do LFS, tem como referência os últimos 12 meses (e não as últimas quatro semanas) e continua a incidir apenas na população ativa, deixando assim de fora uma parte significativa da população adulta, ou seja, todos aqueles que têm 65 anos ou mais. Esta repetida exclusão da população mais velha torna claro o enfoque no mercado de trabalho, consubstanciando uma visão redutora da importância dos processos de educação e aprendizagem nas sociedades atuais.
São evidentes os limites à comparabilidade dos dados obtidos no LFS e no AES, desde logo devido ao distinto período de tempo que cada um tem como referência para medir a participação. Um relatório recente da Comissão Europeia sistematiza as principais diferenças metodológicas entre os dois instrumentos e alerta para as implicações que daí decorrem quanto à possibilidade de comparação dos dados neles apurados (European Commission, 2019).
Os resultados de ambos os inquéritos podem ser consultados a partir da página do Eurostat, podendo também ser solicitado o acesso a microdados, mediante registo. Embora não sejam produzidos regularmente documentos que aprofundem a sua análise, merecem referência alguns relatórios Eurydice especificamente dedicados à educação e formação de adultos na Europa. O mais atual, publicado em 2021 (European Commission / EACEA / Eurydice, 2021), será mobilizado no ponto seguinte e inclui resultados do LFS e do AES.
É importante sublinhar que os indicadores habitualmente apresentados sobre a participação da população adulta em atividades de educação e formação tendem a privilegiar a dimensão formal e não formal da aprendizagem, raramente considerando a informal, mesmo quando os instrumentos de recolha de informação a contemplaram. Ou seja, focam-se sobretudo em atividades de aprendizagem organizadas e promovidas para esse efeito por diferentes tipos de instituições. Além disso, e embora os dados possam ser apresentados separadamente para cada um dos referidos tipos de aprendizagem (formal e não formal), a UE considera que existiu, num determinado período de tempo, participação em atividades de aprendizagem ao longo da vida sempre que houve referência, por parte dos inquiridos, à participação em atividades formais, ou não formais, de aprendizagem, construindo, para o efeito, um indicador agregado.
Uma outra nota a ter presente remete especificamente para a aprendizagem formal. Tal como definido no CLA, o que o indicador sobre a participação em atividades de aprendizagem formal revela, não é a obtenção de uma certificação ou diploma, que pode ou não ter tido lugar, mas sim a frequência de atividades desse tipo, no período em análise.
Além disso, é importante ter presente que os indicadores de participação nos vários tipos de atividades não permitem saber se noutros momentos da vida adulta os inquiridos frequentaram, ou não, esse tipo de atividades (certificadas ou não). O que se obtém, com os indicadores disponíveis, é um retrato das atividades e das práticas que ocorreram num delimitado período de tempo (12 meses ou quatro semanas), dando assim conta da dinâmica do sistema e do grau de envolvimento dos sujeitos. Esses indicadores revelam, assim, os fluxos de participação em atividades de educação e aprendizagem, mas não permitem dar conta do stock de qualificações alcançadas na idade adulta (Desjardins, 2020).4
Padrões de participação em Portugal e na UE
A partir das principais fontes disponíveis, em particular o LFS e o AES, é então possível retratar os fluxos de participação da população adulta em atividades de educação e formação.
Como foi referido, na UE a monitorização das metas a atingir pelos vários países e a comparação das taxas de participação em atividades de educação e aprendizagem tem como base o LFS, no âmbito do qual se considera como “aprendizagem ao longo da vida” a declaração de participação em atividades de aprendizagem formal ou não formal, nas quatro semanas anteriores ao momento de inquirição.
Os resultados mais recentes mostram que, em 2021, a média da UE (10,8%) estava ainda abaixo da meta fixada para 2020 (15%) (quadro 1). Portugal surge como um dos países que não atingiu esse valor, mas situa-se, desde 2020, ligeiramente acima da média europeia, alcançando em 2021 uma taxa de participação de 12,9%. De notar que as diferenças entre países são muito expressivas (considerando apenas a UE, e o ano de 2021, os valores variam entre 34,7%, na Suécia, e 1,8% na Bulgária) e que, num período de dez anos, a tendência verificada é de quase estagnação, pois as taxas de participação apresentam, na generalidade dos países, valores muito próximos, apesar de uma ligeira tendência de crescimento, a qual não é, no entanto, transversal.
Países ordenados por ordem decrescente da taxa de participação em 2021.
Fonte dos dados: Eurostat, LFS online data code: TRNG_LFSE_01
Se o indicador mobilizado for proveniente do AES, no qual o período temporal considerado é maior (12 meses), e que conta até agora apenas com as edições de 2007, 2011 e 2016, os resultados são muito diferentes (figura 1). As taxas de participação são, em geral, bastante mais elevadas, com alguns países a atingirem valores, em 2016, acima dos 60% (Países Baixos e Suécia). A média da UE situa-se nos 43,7% e Portugal fica muito próximo desse valor, ultrapassando-o ligeiramente (46,1%). As diferenças entre países permanecem, mas são, em média, menos acentuadas do que as que se obtêm com os dados do LFS.
Fonte: Eurostat, AES, online data code: TRNG_AES_100; países com dados nas três edições do AES; países ordenados pela taxa de participação média nas três edições
Considerando separadamente as componentes formal e não formal (usadas para construir o indicador agregado de participação em atividade de educação e formação - figura 2), fica evidente que a participação da população adulta, em idade ativa, em atividades de educação de tipo formal é muito residual, abrangendo no quadro da UE apenas 5% dos inquiridos, enquanto as atividades de tipo não formal abrangem um pouco mais de 40%. Portugal regista valores ligeiramente abaixo da média da UE no primeiro caso (4%) e um pouco acima no segundo (44,4%). Finlândia, Suécia e Dinamarca são os únicos países que apresentam taxas de participação em atividades de aprendizagem formal superiores a 10%.
Fonte: Eurostat AES, online data code: TRNG_AES_100; países ordenados por ordem decrescente da % de participação em atividades de aprendizagem formais.
Percebe-se assim que, ao contrário do que seria de esperar (ou seria desejável), as taxas de participação da população adulta em atividades de educação formal são mais elevadas em países com níveis de escolarização da população adulta também mais elevados.
A figura 3 permite aprofundar esta análise, a partir da visualização conjunta, para os países da UE, das taxas de participação da população adulta em atividades de educação formal (eixo vertical) e do perfil de escolaridade da população (eixo horizontal), aqui retratado pela percentagem de adultos com escolaridade inferior ao ISCED 3. Num conjunto muito alargado de países, a percentagem da população adulta com escolaridade inferior ao ensino secundário situa-se bastante abaixo da média europeia ou apresenta valores muito próximos desta (lado esquerdo do eixo horizontal), mas não se observa uma relação evidente com a participação em atividades de aprendizagem formal, as quais são muito variáveis, desde menos de 2% na República Eslovaca e na Roménia, até cerca de 14% na Finlândia, Suécia e Dinamarca. Espanha, Itália, Malta e Portugal surgem claramente destacados dos restantes países (lado direito da figura) devido à elevada proporção da população com baixas qualificações escolares (perto de 40%, ou mesmo um pouco mais, no caso de Portugal), mas não sobressaem relativamente à participação em atividades de aprendizagem formal, ficando um pouco acima da média europeia (no caso de Espanha e Malta) ou mesmo abaixo (Itália e Portugal).
Desigualdades sociais e “efeito de Mateus”
A par das evidentes desigualdades entre países quanto às taxas de participação em atividades de aprendizagem e educação, é fundamental um olhar para o modo como, em cada país, a probabilidade de participação nas diferentes modalidades de aprendizagem varia de forma acentuada segundo um conjunto de variáveis de caracterização social, revelando as importantes clivagens sociais neste domínio.
Os dados relativos à participação de Portugal na edição mais recente do AES5 (2016) permitem clarificar o que acabou de ser dito 6 (quadro 2).
Começando pela variável sexo, verifica-se que homens e mulheres revelam índices de participação relativamente próximos, em especial no que toca às aprendizagens formal e não formal, ocorrendo uma ligeira prevalência da declaração de participação em atividades de aprendizagem informal no caso das mulheres. O mesmo não acontece se se atender às categorias etárias e de escolaridade dos inquiridos.
Relativamente à idade, a tendência observada é inequívoca: quanto mais jovens os indivíduos, maiores as taxas de participação, qualquer que seja a modalidade considerada. Assiste-se, assim, a um decréscimo regular, e bastante acentuado, no decorrer da vida dos adultos, do seu envolvimento nos vários tipos de atividades de aprendizagem.
Quanto à escolaridade, a relação que se observa é conhecida e tem sido amplamente investigada: a participação em atividades de aprendizagem no decorrer da vida, qualquer que seja a modalidade considerada, é tanto maior quanto mais elevado o nível de escolaridade alcançado. Assim, a tendência observada é evidente, revelando que a probabilidade de participação cresce regularmente, e de forma bastante acentuada, com o grau de escolaridade formal previamente atingido.
Importa sublinhar que o padrão identificado é transversal a vários países (quadro 3) e tem sido muito debatido no campo da educação de adultos. Com efeito, as estatísticas sobre participação em atividades de educação e formação revelam que as taxas mais elevadas correspondem sempre aos indivíduos mais escolarizados e as mais baixas aos menos escolarizados, seja qual for o país considerado (entre muitos outros, Ávila e Aníbal, 2019; Boeren, 2009, 2016; Desjardins, Rubenson e Milana, 2006; UNESCO, 2019). Deste modo, ao longo da vida, tenderá a acentuar-se a distância entre os que já entraram na “espiral” da aprendizagem e os que ficam de fora, ou para trás.
Estes dados dão conta do que tem sido designado “efeito de Mateus”, ou das “vantagens acumulativas”.7 No quadro das atuais sociedades, do conhecimento e da aprendizagem, aqueles que tiveram um percurso escolar mais prolongado e puderam acumular conhecimentos e competências tenderão, por convergência de múltiplos fatores, a beneficiar de novas oportunidades de aprendizagem, enquanto os menos providos de recursos escolares e competências ficarão cada vez mais afastados desses processos.
Outras evidências das fortes desigualdades neste campo, e das dinâmicas sociais que as tendem a acentuar, podem ser encontradas a partir de outros indicadores. Recentemente, num artigo apoiado em dados do PIAAC, Ioannidou e Parma (2022) mostram que os trabalhadores que exercem profissões que correm maior risco de serem afetadas pela automatização são os que menos participam em atividades de educação e formação relacionadas com o trabalho.
Também a OCDE (OECD, 2015) tem reportado resultados em sentido idêntico, mostrando a desigual participação em atividades de educação e formação em contexto profissional consoante o nível de qualificação e de especialização das profissões desempenhadas. Uma vez mais, em todos os países considerados, incluindo Portugal, os trabalhadores menos qualificados são aqueles que menos beneficiam de oportunidades de aprendizagem.
Além das acentuadas diferenças por idade, escolaridade e atividade profissional, a UNESCO (2019) tem chamado a atenção para um conjunto de outras variáveis sociográficas, como por exemplo o sexo, a zona de residência e a origem nacional, que em muitos países estão fortemente associadas ao grau de envolvimento da população adulta em atividades de aprendizagem, revelando que as mulheres, os residentes em zonas rurais e os imigrantes tendem a apresentar taxas de participação consideravelmente mais baixas.
Percebe-se, assim, que a tarefa de identificar as condições sociais que favorecem, ou pelo contrário inibem, a participação é bastante complexa, pois são vários os fatores que se entrecruzam e que é necessário mobilizar.
John Field (2006), num dos capítulos do livro Lifelong Learning and the New Educational Order interroga-se sobre “who is being left behind”, e destaca a dificuldade e complexidade em apreender as desigualdades geradas pela sociedade da aprendizagem por serem fluidas, difíceis de prever e constituírem um “alvo móvel”, com fonteiras abertas e imprecisas (Field, 2006: 143). Merece também destaque, a nível nacional, a pesquisa de Vanessa Carvalho da Silva sobre os indivíduos pouco escolarizados que têm ficado de fora da aprendizagem formal em Portugal, a qual permite perceber que se trata de um segmento da população de dimensão considerável (mais de 40% da população ativa) e, sobretudo, de perfil social bastante diversificado (Silva e Ávila, 2022).
Barreiras e incentivos à participação
No quadro da investigação sobre as desigualdades na participação em atividades de educação e aprendizagem, tem assumido particular relevância a análise dos mecanismos sociais subjacentes ao efeito de Mateus, dando-se especial atenção às barreiras que poderão impedir ou dificultar a participação nessas atividades por parte de determinados grupos sociais, remetendo-os para a margem da sociedade educativa.8
A este respeito, é incontornável a referência a Cross (1981), que propôs uma leitura multidimensional das razões para a não participação, que ainda hoje é amplamente citada. Segundo esta autora, as barreiras ou obstáculos que justificam a não participação em processos de educação e aprendizagem podem ser atribuídos a fatores situacionais, disposicionais e institucionais.
Os primeiros remetem para impedimentos relacionados com a vida pessoal, familiar e profissional (podem estar associados, por exemplo, ao tempo disponível, a dificuldades de conciliação entre a vida familiar e profissional, a constrangimentos financeiros, entre outros); os segundos têm a ver com as disposições e as motivações pessoais para a frequência deste tipo de ações; e, os terceiros, estão relacionados com as características da oferta, com as condições de acesso e de frequência (localização, horários, custo financeiro) e ainda com a sua divulgação e imagem pública.
Esta leitura tripartida dá conta da complexidade do fenómeno e das várias dimensões que têm de ser convocadas quando se procura compreender a “não participação”. Embora analiticamente distintas e com diferentes implicações do ponto de vista do desenho de políticas, o que tem sido evidenciado é o modo como as três dimensões tendem a coexistir e a reforçar-se de forma cruzada.
Com efeito, combinam-se, muitas vezes, a não criação de condições objetivas, desde logo por parte dos empregadores, que incentivem e tornem possíveis essas práticas, com ofertas institucionais insuficientes ou desadequadas (quanto ao horário, à localização, ou mesmo ao próprio modelo subjacente), e ainda disposições negativas face à educação e à formação (que remetem muitas vezes para experiências escolares anteriores mal-sucedidas).
Esta abordagem e as análises que nela se têm apoiado têm tido o mérito de afirmar a necessidade de convocar, em simultâneo, várias dimensões, seja do ponto de vista do diagnóstico, seja do ponto de vista do desenho de políticas, assumindo-se que todas têm de ser equacionadas quando se procura intervir neste campo. Os relatórios GRALE da UNESCO têm dedicado regularmente uma secção ou conjunto de capítulos à análise das principais barreiras à participação em atividades de aprendizagem e educação, organizadas precisamente segundo as três dimensões a que se tem vindo a fazer referência, permitindo perceber a presença e o impacto de cada um dos tipos de obstáculos à escala global, e trazendo também contributos para a discussão sobre os modos como poderão ser ultrapassados (ver, por exemplo, UNESCO, 2019).
Do ponto de vista metodológico, o tema das barreiras tem sido muitas vezes trabalhado a partir de abordagens extensivas, baseadas em indicadores sobre a perceção dos inquiridos sobre as razões que consideram estarem subjacentes à sua não participação. Por exemplo, no quadro da UE, o Adult Education Survey (AES) contém um conjunto de perguntas que visam retratar as barreiras à participação, precisamente a partir das perceções dos inquiridos sobre os motivos que justificam a sua não participação.
Ainda assim, é reduzido o recurso a modelos estatísticos multidimensionais que integrem em simultâneo as várias dimensões que condicionam a participação (apesar do reconhecimento teórico dessa multidimensionalidade), e são escassas as abordagens qualitativas ou mistas (Boeren, 2016: 161-162).
Do ponto de vista conceptual, a proposta de Cross de tipificação dos vários tipos de barreiras tem também algumas limitações. As críticas mais relevantes salientam o facto de não ser suficientemente clarificada a relação entre os vários tipos de barreiras elencadas e, sobretudo, a ausência de referência às condições estruturais mais abrangentes e às políticas dos países dirigidas à educação e formação de adultos (OECD, 2020).
Uma proposta de um modelo mais amplo e integrando vários níveis de análise é avançada por Boeren e Whittaker (2018) que propõem um modelo de análise da participação (ou não participação) em que distinguem vários níveis: o nível individual, no qual consideram quer as características sociográficas e socioprofissionais dos indivíduos, quer as suas atitudes e disposições face à participação em ações de educação e aprendizagem; o nível meso que corresponde às características da oferta e das oportunidades existentes (incluindo as que remetem para a formação em contexto de trabalho); e, finalmente, o nível macro onde são consideradas as condições estruturais dos países e o papel do estado, nomeadamente ao nível do desenho e implementação de políticas públicas e do financiamento das atividades de educação e formação de adultos.
Esta proposta decorre, em grande parte, do modelo proposto por Rubenson e Desjardins (2009). Estes autores comparam a situação de vários países europeus quanto às barreiras à participação em atividades de educação e formação, e propõem um modelo teórico que designam como modelo de agência condicionada (bounded agency model). O modelo baseia-se na premissa de que a participação dos indivíduos é também influenciada pela configuração do estado social, pois o estado pode (ou não) promover condições estruturais e medidas políticas específicas que contribuam para que sejam superadas as barreiras institucionais, situacionais e disposicionais. De acordo com esta perspetiva, as condições estruturais mais abrangentes desempenham um papel substancial na formação das circunstâncias enfrentadas pelos sujeitos, condicionando assim as alternativas disponíveis e também as suas disposições.
Para estes autores, as disposições a respeito da participação em atividades de educação e formação devem ser compreendidas à luz do conceito de habitus (Bourdieu, 1997 [1994]), enquanto sistema de disposições, estruturado pelas condições sociais, e estruturante das práticas, das preferências e das “escolhas” feitas pelos atores sociais. O modelo sublinha, assim, que as disposições e preferências não são independentes das condições económicas, sociais e políticas, e é nessa perspetiva que procura interpretar as diferenças quanto à participação em atividades de educação e formação observadas entre vários países, nomeadamente entre os países nórdicos e outros, como os do sul da Europa.
O prolongamento desta linha de investigação tem conduzido Desjardins e outros investigadores a desenvolver estudos que procuram compreender a relação entre as características dos adult learning systems (ALS) dos países, destacando o desenho e implementação de políticas públicas, e as taxas de participação da população adulta em atividades de educação e formação (Desjardins e Ioannidou, 2020; Rubenson, 2018).
Numa perspetiva próxima, merece também referência um artigo recente, mas realizado com base em dados de 2007 do AES, que adotou um modelo de análise inspirado no modelo de agência condicionada, operacionalizado através de uma análise multinível, e que incidiu especificamente nas barreiras percecionadas pelos inquiridos que não participaram em atividades de educação e formação, nem tiveram intenção de o fazer (Roosmaa e Saar, 2017). A comparação feita entre os vários países europeus participantes no AES mostra que nos países do sul da Europa, nomeadamente em Portugal, as barreiras disposicionais eram particularmente salientes, enquanto a perceção de existência de barreiras institucionais se situava em níveis comparáveis aos dos países nórdicos, na altura com sistemas de ensino de adultos bastante mais desenvolvidos. As autoras concluem que é o facto de as barreiras disposicionais serem particularmente salientes (os inquiridos tendem a considerar, nestes países, que não necessitam de frequentar ações de educação e formação) que justifica a avaliação pouco crítica que fazem das barreiras institucionais, apesar das evidentes lacunas na oferta existente.
De um modo geral, todas as investigações a que se fez referência sublinham que apenas políticas públicas especificamente desenhadas para contrariar, ou minimizar, os vários tipos de barreiras poderão aumentar as probabilidades de participação daqueles que têm ficado excluídos de atividades de educação e formação. Como em seguida se procurará mostrar, a análise da evolução das taxas de participação em Portugal evidencia que, durante um período limitado de tempo, terá sido precisamente isso que aconteceu no país.
Evolução da participação em Portugal
Retomando os resultados publicados pelo INE relativos à aplicação nacional do AES, é possível retratar como têm evoluído as taxas de participação em atividades de aprendizagem formal, não formal e informal em Portugal nas três edições realizadas até ao momento - 2007, 2011 e 2016 (Ávila e Aníbal, 2019) (figura 4).
Atendendo aos momentos de aplicação deste inquérito, é possível relacionar os resultados nele obtidos com dois importantes marcos nas políticas de educação e formação de adultos no país: a Iniciativa Novas Oportunidades (que decorreu entre 2005 e 2011), e que poderá ter-se refletido nos dados recolhidos em 2011; e a sua interrupção ou desmantelamento no ciclo político seguinte, com eventuais repercussões nos dados de 2016. Não se pretendendo no âmbito deste artigo aprofundar a análise das políticas implementadas em Portugal nesses dois períodos - a bibliografia de referência a esse respeito é bastante vasta (veja-se, por exemplo, Araújo, 2015b; Capucha, 2018; Rothes, 2017) - procura-se sim evidenciar como as mesmas terão possibilitado alterações muito relevantes nos padrões de participação da população adulta em atividades de educação e aprendizagem.
Um primeiro elemento a destacar é o facto de os portugueses declararem terem-se envolvido muito mais em aprendizagens em 2011 do que o haviam feito em 2007. Comparando os resultados destes dois anos, constata-se um aumento expressivo da percentagem de pessoas que afirmaram ter efetuado aprendizagens, qualquer que tenha sido o modo (formal, não formal ou informal) adotado para as realizar. As subidas registadas correspondem a taxas de crescimento assinaláveis nas três modalidades: 63% na aprendizagem formal, 76% na não formal e 71% na informal. Mantém-se, como seria de esperar, uma estrutura de participação semelhante, com a taxa de participação em atividades de aprendizagem informal a ser sempre a mais alta, baixando consideravelmente quando se trata de atividades organizadas (não formais) e ainda mais nas atividades de aprendizagem formais, as quais apresentam repetidamente as taxas de participação mais baixas.
Já entre 2011 e 2016 voltam a registar-se importantes diferenças, mas estas são agora em sentido contrário, sobretudo no que respeita à aprendizagem formal, a qual regista uma diminuição muito acentuada. O recuo foi de tal forma marcado que a participação declarada nesta modalidade em 2016 (apenas 4%) constitui o valor mais baixo desde que esta operação estatística teve início, sendo inferior não apenas ao que havia sido registado em 2011 (10,6%), mas também ao registado em 2007 (6,5%). Nas restantes modalidades (não formal e informal), apesar de se manter o crescimento das taxas de participação, este foi menos acentuado do que o registado no período anterior. Parece, assim, ser evidente que a mudança no padrão da evolução das taxas de participação em atividades de educação e aprendizagem em Portugal se encontra estreitamente associada às alterações ocorridas no quadro das políticas públicas de educação e formação de adultos nos períodos de tempo considerados.
A informação disponível permite acrescentar ainda outros elementos significativos. O período entre 2007 e 2011, marcado pela Iniciativa Novas Oportunidades, é marcado não apenas por um assinalável aumento das taxas de participação da população adulta em diferentes modalidades de aprendizagem ao longo da vida, como também por uma significativa diminuição das desigualdades sociais no acesso a essas atividades. Esta conclusão é apoiada nos dados apresentados na figura 5, os quais permitem observar a magnitude das diferenças registadas nas taxas de participação dos adultos em atividades de aprendizagem formal nos dois períodos de tempo considerados, segundo a escolaridade.
Os resultados revelam que os principais beneficiários do aumento registado na participação em educação formal entre 2007 e 2011 foram os inquiridos com o 3.º ciclo de ensino básico, os quais viram aumentar em +9,3% a sua participação (atingindo, assim, em 2011, o valor de 16,6%). Note-se que tal tanto poderá indicar que esse grau terá sido completado no período retratado pelo inquérito, como que esses inquiridos se encontravam, na altura, a frequentar o ensino secundário, mas ainda sem o mesmo estar concluído. De referir ainda que entre os indivíduos com o ensino superior a taxa de participação manteve-se praticamente inalterada neste período, com uma ligeira diminuição de 1%.
É importante acrescentar que, tal como foi revelado no quadro de algumas pesquisas recentes (Ávila e Aníbal, 2019), os dados disponíveis para este período (2007/2011) mostram que, na maioria dos países, tenderam a acentuar-se as desigualdades quanto ao envolvimento em processos de aprendizagem ao longo da vida. De facto, considerando apenas os países que viram as suas taxas de participação crescer neste intervalo de tempo e mobilizando o indicador agregado de aprendizagem ao longo da vida (aprendizagem formal ou não formal) verifica-se que em praticamente todos eles o crescimento foi menor entre os menos escolarizados comparativamente com os detentores de uma escolaridade de nível secundário ou superior (figura 6). Portugal e a Alemanha contrariam esta tendência, mas o caso de Portugal é particularmente atípico e singular pela magnitude da diferença entre os menos e os mais qualificados, a favor dos primeiros. Reforça-se, assim, a conclusão de que Portugal registou, no período compreendido entre 2007 e 2011, uma diminuição das desigualdades no acesso da população adulta a processos formais e não formais de aprendizagem ao longo da vida.
A relação entre a tendência identificada e as políticas públicas implementadas no país é sublinhada em vários trabalhos. A título de exemplo, refira-se a análise conduzida por Boyadjieva e Ilieva-Trichkova (2017) tendo como fonte empírica o AES, a qual revela que, entre 2007 e 2011, apesar de se manterem as fortes diferenças nas taxas de participação segundo a escolaridade, se observam em alguns países, entre os quais Portugal, sinais de maior equidade nas taxas de participação, graças a políticas públicas inovadoras e desenhadas para aumentar as oportunidades dos menos escolarizados (Boyadjieva e Ilieva-Trichkova, 2017).
Esta situação inverte-se drasticamente no período seguinte. A partir de 2011, correspondendo a uma mudança de ciclo político, assistiu-se à interrupção brusca do trabalho realizado no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades, decrescendo acentuadamente a oferta de atividades de aprendizagem dirigia à população adulta pouco escolarizada (Araújo, 2015a; Capucha, 2018).
As consequências desta retração espelham-se na informação estatística recolhida no inquérito que tem vindo a ser analisado. Retomando a figura 5, confirma-se que a quebra registada nos valores globais das taxas de participação formal afetou todas as categorias de escolaridade, com destaque para aquela em que o crescimento registado no período anterior tinha sido maior, ou seja, a dos inquiridos com o básico 3. Estes sofrem, entre 2011 e 2016, a maior quebra, com uma diminuição na participação nesta modalidade de 13,5%. De assinalar ainda que, neste período, reduz-se também consideravelmente a participação em atividades de educação formal dos inquiridos com ensino secundário e com ensino superior.
Até ao momento ainda não é claro se a aposta na qualificação dos portugueses concretizada, desde 2016, através do programa Qualifica, enquanto estratégia integrada de educação e formação de adultos, tem permitido retomar o caminho interrompido. Os poucos dados disponíveis parecem indicar que a recuperação tem sido bastante lenta, abrangendo, para já, sobretudo, os que procuram uma qualificação de nível secundário, mantendo-se os menos escolarizados tendencialmente afastados destes processos (figura 7).
Considerações finais: os impactos da participação
A terminar, aborda-se um tema fundamental da investigação no campo da educação de adultos. Referimo-nos aos efeitos dos processos de educação e aprendizagem para os indivíduos que nele participam e para a sociedade em geral. Esta é uma linha de investigação que, comparativamente com outras, tem sido menos explorada e recebido menor atenção por parte de investigadores e políticos (Schuller et al., 2004: 3-11).
Em certa medida, isso acontece porque os benefícios da aprendizagem são tidos como garantidos, apostando-se sobretudo em investigar a participação nesses processos e as desigualdades e barreiras a ela associadas. Mas não só. Outras razões têm a ver com a evidente dificuldade em investigar efeitos que tendem a ser cumulativos, nem sempre imediatos, e que se inscrevem de forma complexa nas trajetórias e contextos de vida dos sujeitos; ou ainda, com a dificuldade em operacionalizar modelos que consigam distinguir, na análise dos efeitos, as modalidades frequentadas, a sua qualidade e as metodologias de ensino mobilizadas, ou mesmo incorporar diferentes tipos de aprendizagem (formal, não formal e informal).
Em Portugal, no entanto, esta foi uma linha de investigação particularmente importante. Devido ao impacto social e visibilidade pública da Iniciativa Novas Oportunidades, a investigação sobre os resultados e impactos da frequência de modalidades de educação e formação (em particular as dirigidas a adultos pouco escolarizados), coincidiu, de algum modo, com estudos que procuraram conhecer os resultados e impactos daquele programa.
Foram muitas as pesquisas e projetos que incidiram sobre a dinâmica social de educação e formação que estava em curso na sociedade portuguesa, aportando contributos para o conhecimento dos seus efeitos junto dos participantes. Note-se que, nos últimos dez anos, na sequência do abrandamento ou mesmo reversão das políticas de educação e formação de adultos (EFA), diminuiu não apenas o número de sujeitos nelas envolvidos (como atrás se evidenciou) e a visibilidade pública das ofertas disponíveis, como também o número de trabalhos de investigação sobre elas realizados. Assim, as referências disponíveis sobre os impactos da EFA na sociedade portuguesa incidem maioritariamente no período entre 2002 e 2011, ano da extinção da Iniciativa Novas Oportunidades, ainda que possam, nalguns casos, ter sido publicadas um pouco mais tarde.
O trabalho realizado pela equipa de avaliação externa da INO, coordenada por Roberto Carneiro mantém-se uma importante referência a este respeito. No relatório que sistematiza os resultados dessa avaliação (Carneiro, 2011; Carneiro et al., 2010), são destacados vários tópicos, entre os quais: o facto de se tratar de uma política pública que gerou grande adesão da população visada e se tornou uma marca pública, de qualidade reconhecida; os ganhos ao nível da motivação e da autoconfiança nas capacidades pessoais para “continuar a estudar”; e a perceção (ou autoavaliação) de ganhos de competências, com destaque para a literacia (leitura, escrita e comunicação oral) e competências digitais (uso de computador e internet), além de uma melhoria generalizada de competências pessoais e sociais, cívicas e culturais; finalmente, é também referida a necessidade de uma maior articulação com o mundo do trabalho.
A este respeito, e ainda na dimensão avaliativa, pode mencionar-se o estudo coordenado por Francisco Lima, especificamente dedicado à análise do “desempenho no mercado de trabalho dos adultos participantes em processos de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC)”, realizado em contexto de crise económica, e que concluiu que o impacto na empregabilidade e nas remunerações seria muito baixo ou nulo (Lima, 2012). Note-se que as dificuldades na avaliação desta dimensão são reforçadas por vários autores, desde logo porque, como alguns advertem (Murray et al., 2009), não basta assegurar a “oferta” de competências, é preciso também que a sua “procura” aumente, o que envolve necessariamente ter em conta as características do tecido económico e dos empregadores. Além disso, as eventuais mudanças associadas à melhoria das qualificações e competências dos trabalhadores, quando ocorrem, dificilmente são imediatas, sendo por isso necessário considerar o fator tempo nas análises realizadas neste domínio. É interessante referir, a este respeito que, num relatório recente, a OCDE sistematiza um conjunto de resultados que indicam que, entre vários países analisados, Portugal é aquele em que o impacto percebido da participação em atividades de educação e formação no emprego e salários é mais elevado (OECD, 2019).
Retomando os estudos realizados em Portugal, um outro conjunto muito significativo de trabalhos resultaram de investigações de âmbito académico, designadamente teses de mestrado, de doutoramento e alguns projetos de investigação. São trabalhos em várias áreas disciplinares, com destaque para a sociologia, as ciências da educação e a psicologia. Estão marcados por uma grande diversidade de contextos de observação (na maioria são estudos de caso realizados em Centros Novas Oportunidades localizados em várias zonas do país), apoiam-se quase sempre em metodologias qualitativas (entrevistas e observação), e incluíram como dimensão analítica os efeitos da participação em processos de EFA (sobretudo cursos de educação e formação de adultos e processos de reconhecimento, validação e certificação de competências) em diferentes dimensões da vida dos sujeitos que neles participam.
Como ilustração, podem referir-se trabalhos como as dissertações de mestrado de Liliana Moreira (2008) e Dina Tavares (2010) ou as teses de doutoramento de Luísa Delgado (2014) e Sofia Castro Pereira (2017). Todos eles reforçam os fortes impactos pessoais e relacionais, a melhoria da autoimagem, a renovação de projetos futuros (profissionais e educativos) e também o limitado impacto na situação profissional.
Num outro estudo, no âmbito do qual foram entrevistados indivíduos que participaram em processos de reconhecimento, validação e certificação de competências (Ávila, 2008), foram encontrados resultados convergentes. Um deles remete para o alargamento das competências dos adultos. Embora tratando-se de processos de reconhecimento de competências, a metodologia adotada, implicando a reflexividade dos sujeitos sobre as competências detidas e a sua ativação ou mobilização em diferentes atividades, teve como resultado a transformação e o alargamento das competências de partida. Foram encontrados novos usos dessas competências em várias situações do dia-a-dia, destacando-se a esfera pessoal e familiar, onde a promoção da literacia familiar (Salgado, 2010) surge enquanto novo recurso, valorizado especialmente quando estão presentes crianças em idade escolar. Menos evidente foi a mobilização das novas competências no contexto profissional. Como atrás foi referido, este é um tópico sensível e que continua a merecer maior aprofundamento, não podendo ser dissociado das “oportunidades” profissionais, ou seja, do tipo de profissões e das tarefas desempenhadas. Acresce que, quer neste estudo, quer nos referidos anteriormente, o reduzido tempo que separou a data da pesquisa da conclusão dos processos em análise não permitiu captar efeitos que, eventualmente, tenham vindo a manifestar-se mais tarde. Um segundo conjunto de resultados teve a ver com a redefinição da identidade, da autoimagem, e mesmo dos projetos de vida. As competências alcançadas, a tomada de consciência sobre essas capacidades em diferentes áreas de competências-chave e também o valor simbólico atribuído ao diploma escolar (pelo próprio e percebido pelos que o rodeiam) surgem muitas vezes associados a uma redefinição identitária e à perceção de uma maior capacidade de ação traduzida em novos projetos profissionais e/ou educativos, que até aí não eram equacionados.
Este conjunto de impactos e resultados, embora circunscritos a uma política pública de âmbito nacional, são convergentes com o que tem sido descrito na bibliografia internacional de referência neste domínio. Com efeito, grande parte dos estudos realizados apoiam-se em metodologias qualitativas e destacam, de forma consistente, os benefícios sociais alargados da aprendizagem, afastando-se de perspetivas unidimensionais, como as que apenas consideram os efeitos na economia e no emprego. Os contributos de algumas análises de tipo extensivo têm também corroborado os benefícios múltiplos da aprendizagem (Field, 2012; Schuller e Desjardins, 2007), embora a dimensão dos efeitos (medida estatisticamente) seja por vezes pequena e as relações encontradas nem sempre sejam lineares (Field, 2012).
Saúde e bem-estar, literacia familiar, capital social, cidadania e envolvimento cívico e comunitário, e também emprego e atividade profissional, têm sido as áreas onde se confirmam os benefícios da aprendizagem, quer para os sujeitos que nelas estão diretamente envolvidos, quer para os contextos e comunidades em que estes se inscrevem e, de um modo geral, para as sociedades (Schuller et al., 2004; UNESCO, 2016). Em muitos casos, os efeitos encontrados não são os “esperados”, não se reduzindo à motivação inicial para o envolvimento em processos de educação e aprendizagem. Se a participação é, com frequência, desencadeada por razões instrumentais associadas à necessidade de melhoria de qualificações e competências para fazer face a desafios ou exigências profissionais, os efeitos reportados são muito mais abrangentes, abarcando diferentes dimensões da vida pessoal e social (Ávila, 2008).
A investigação realizada reforça assim, de forma consistente, várias dimensões sociológicas importantes para a compreensão dos benefícios da participação em processos de educação e aprendizagem na idade adulta: a par da melhoria de qualificações e competências, e do alargamento das práticas de utilização dessas mesmas competências em várias situações da vida, e com elas relacionadas, surgem referências recorrentes a uma maior reflexividade, reconstrução identitária e reforço da agência ou capacidade de ação, cujas manifestações ocorrem em diferentes domínios (Ávila, 2008; Field, 2012; Schuller e Desjardins, 2007; Schuller et al., 2004).
Apesar da abrangência e relevância das análises referidas, podem também ser apontadas algumas lacunas na investigação realizada. Como alerta John Field (2012), continuam a faltar estudos que considerem a possibilidade de os processos de aprendizagem (em particular os de tipo formal) na idade adulta poderem não ser vividos como uma experiência positiva por parte dos sujeitos que neles participam, seja devido aos modelos adotados e às estratégias neles seguidas, seja devido a dificuldades de conciliação com outras esferas da vida pessoal, familiar e profissional, as quais podem conduzir ao abandono e à não conclusão dos mesmos. Esta dimensão, a do “insucesso” e das implicações eventualmente negativas, tem estado, de um modo geral, ausente das problemáticas investigadas, mas é fundamental que seja também desenvolvida para que possa ser tida em conta em reflexões sobre os modelos a seguir em atividades formativas dirigidas à população adulta.
Finalmente, há um outro conjunto de resultados de investigação que não pode deixar de ser considerado na análise dos efeitos dos processos de aprendizagem na vida adulta, os quais partem dos seus resultados (outcomes), traduzidos em qualificações ou em competências.
É o caso dos trabalhos de Desjardins que, a partir de indicadores sobre a educação formal da população adulta em vários países (disponíveis no já referido questionário de caracterização do PIAAC), distingue os inquiridos consoante as suas qualificações escolares tenham sido alcançadas enquanto “estudantes tradicionais”, ou enquanto “estudantes não tradicionais”. Este autor conclui que retomar na idade adulta processos educativos que melhorem as qualificações formais está associado a maiores taxas de empregabilidade e a salários mais altos, seja qual for o grau alcançado. Já no que diz respeito aos impactos sociais (confiança nos outros, envolvimento social e político, e autoavaliação do estado de saúde), constata que estes também estão presentes, para todo o tipo de estudantes, mas sobretudo quando a qualificação atingida é de nível superior (licenciatura ou mais) (Desjardins, 2020).
Por sua vez, os resultados do PIAAC sobre as competências-chave da população adulta reforçam conclusões que já tinham sido avançadas em estudos anteriores, nomeadamente que as competências de literacia e de numeracia, e agora também as competências digitais, estão, em muitos países, correlacionadas não só com a probabilidade estar empregado ou receber salários mais elevados, como também com outras dimensões, como o estado de saúde, a confiança nas instituições e nos outros, ou a participação em atividades associativas (OECD, 2016).
O facto de Portugal ter ficado de fora do primeiro ciclo do PIAAC não só não permite conhecer o perfil atual de distribuição das competências da população adulta no país, como não permite mobilizar esses dados para aprofundar o conhecimento da relação entre as qualificações e competências detidas e as diferentes dimensões da vida dos sujeitos. Tendo também decrescido significativamente nos últimos anos as pesquisas qualitativas sobre a participação em processos de educação e formação de adultos, fica evidente a importância de retomar e alargar uma agenda de investigação sociológica sobre os processos de aprendizagem e educação que têm lugar, ao longo da vida, em Portugal.
Esta terá de mobilizar quadros teóricos e metodologias que deem conta da forma complexa como estes processos se articulam com as estruturas sociais, com as políticas públicas, com as configurações institucionais, e com os contextos e trajetórias de vida dos sujeitos. Só assim será possível avançar no conhecimento sociológico sobre as práticas de aprendizagem e educação na idade adulta, captando as dinâmicas e os padrões de participação e os fatores que os favorecem, condicionam ou impedem, e também as suas múltiplas implicações para a vida dos sujeitos e para os contextos e sociedades em que se inscrevem.