Introdução
A velhice é uma fase do curso de vida à qual se associam determinadas características, sendo por isso, simultaneamente, um espaço/localização social, cujas delimitações materiais e simbólicas estão sujeitas a constante contestação (Gilleard, 2022). Enquanto no séc. XIX a velhice estava claramente marcada do ponto de vista material e simbólico (Gilleard, 2022), associando-se a pobreza/falta de recursos e a um estatuto social desvalorizado (Cowgill, 1974), no séc. XXI a definição/representação da velhice passa a depender menos das propriedades materiais (deixando de se associar a pobreza, embora a pobreza na velhice não tenha deixado de existir) e a depender mais das propriedades simbólicas, associando-se ora a opressão, ora a oportunidade (Gilleard, 2022).
De facto, nas sociedades ocidentais a representação social da velhice oscila entre o positivo - associada a lazer, consumo, agência, atividade, etc. - e o negativo - associada a doença, dependência e ausência de agência (Swift e Steeden, 2020; Gilleard, 2022). Os dois principais paradigmas orientadores das políticas públicas no mundo ocidental - o envelhecimento ativo (WHO, 2002) e o envelhecimento saudável (WHO, 2015) - assentam numa visão positiva do envelhecimento e da velhice, contrariando a “narrativa do declínio” (Gullette, 2017).
O paradigma do envelhecimento ativo (WHO, 2002) preconiza uma velhice caracterizada pela participação nos domínios social, económico, cultural, político e espiritual, e não apenas pela capacidade de ser fisicamente ativo. Os pilares do envelhecimento ativo são a participação, a saúde e a segurança (segurança física, segurança habitacional, etc.) (WHO, 2002). O constructo de “terceira-idade” tem similaridades com o paradigma do envelhecimento ativo, pois caracteriza-se pela atividade, independência, consumo e agência (Gilleard e Higgs, 2015). Por sua vez, o paradigma do envelhecimento saudável coloca a ênfase na manutenção da capacidade funcional (atributos relacionados com a saúde) que permitem aos indivíduos realizar as atividades que mais valorizam e serem o tipo de pessoa que desejam ser (WHO, 2015).
Apesar da ampla difusão destes dois paradigmas, continuam a persistir estereótipos negativos sobre o envelhecimento e a velhice. Existe evidência empírica de que estes estereótipos se têm vindo a tornar mais negativos, contrariando o que seria de esperar, tendo em conta a melhoria generalizada do estado de saúde dos adultos mais velhos e das suas condições sociais de existência (Levy, 2017). O constructo de “quarta-idade” condensa o que de mais negativo se associa à velhice: fragilidade, receção de cuidados, dependência, e perda de agência (Gilleard e Higgs, 2015).
Estas construções sociais sobre a velhice, tanto positivas como negativas, influenciam o modo como esta fase do curso de vida é realmente experienciada. Por exemplo, os paradigmas do envelhecimento ativo e do envelhecimento saudável estabelecem padrões ou modelos para “envelhecer bem”, influenciando desta forma as ações e estratégias dos adultos mais velhos (Rudman, 2015; Timonen, 2016). Não obstante, tal como a Organização Mundial da Saúde reconhece, o envelhecimento ativo tem múltiplos determinantes, incluindo os determinantes económicos, os determinantes sociais, os serviços sociais e de saúde, o ambiente físico, etc. (WHO, 2002).
O modo como a velhice é experienciada também dependerá da antecipação que se faz da própria velhice, ou seja, das expetativas que os indivíduos têm sobre esta fase do curso de vida (Bowen e Skirbekk, 2017). Contudo, a investigação sobre a antecipação da velhice é bastante escassa, e a que se debruça sobre o impacto que os diferentes tipos de antecipação têm no modo como a velhice é efetivamente vivenciada é praticamente inexistente.
O conhecimento sobre o modo como os indivíduos antecipam a sua própria velhice é relevante do ponto de vista sociológico por diversas razões. Em primeiro lugar porque, como já foi referido anteriormente, as experiências efetivas da velhice não serão insensíveis às expetativas que sobre ela recaíam no passado. Em segundo lugar, porque é interessante perceber se, e em que medida, as expetativas de uma dada geração / coorte de indivíduos, inseridos num determinado contexto sócio-histórico, vão ao encontro das representações / construções atualmente dominantes sobre a velhice. Em terceiro lugar, porque as expetativas relativamente à própria velhice podem influenciar a saúde e o bem-estar dos portadores dessas expetativas (Kornadt e outros, 2020). Existe evidência empírica de que as antecipações da velhice, protagonizadas por indivíduos com 65 ou mais anos de idade, podem condicionar o modo como estes vivem no presente, nomeadamente no que respeita à propensão para a procura de cuidados de saúde (Sarkisian, Hays e Mangione, 2002). É verosímil que esta relação também se possa encontrar junto dos indivíduos que se encontram na meia-idade.
Conhecer a antecipação que os indivíduos fazem da própria velhice também é relevante do ponto de vista das políticas públicas (Quine e Carter, 2006), pois as diversas velhices antecipadas funcionam como cenários possíveis que exigem determinados tipos de ações coletivas com o propósito de garantir uma vida digna e com qualidade. Antecipar para agir - elemento central da análise prospetiva (Saragoça, Silva e Abrantes, 2014) - é relevante do ponto de vista das políticas públicas, dado que possibilita o desenvolvimento de medidas potencialmente mais eficazes.
A investigação sobre a antecipação da velhice na meia-idade é não apenas escassa, mas também limitada, como veremos de forma detalhada mais adiante. Uma das limitações advém do facto de não considerar a análise do papel do género, entendido como uma “estrutura de relações sociais” (Connell, 2009). A inclusão de uma perspetiva de género é pertinente, visto que, como veremos mais adiante, o género molda as práticas e representações dos indivíduos na meia-idade no que respeita a temas relacionados direta ou indiretamente com o envelhecimento e a velhice. Para além disto, existe um consenso relativamente alargado de que o género molda o processo e a experiência do envelhecimento, visto que as desigualdades de género tendem a manter-se nas fases avançadas da vida (Dias e Lopes, 2021). A inclusão do género está ainda em linha com a Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025, proposta pela Comissão Europeia.
Este artigo tem como objetivo reportar uma investigação empírica, realizada no âmbito da tese de mestrado da primeira autora, sobre a antecipação da própria velhice realizada por indivíduos que se encontram na fase da meia-idade, tendo-se adotado uma perspetiva de género. Mais concretamente, pretende-se dar resposta às seguintes questões de investigação: Como é que estes indivíduos veem a velhice? Na sua opinião, qual é a idade de entrada na velhice? Na ótica destes indivíduos, existem diferenças entre homens e mulheres no que respeita à idade de entrada na velhice? Como é que estes indivíduos antecipam a sua própria velhice? Na sua perspetiva, existem diferenças entre homens e mulheres no modo de antecipação da própria velhice?
Investigação sobre a antecipação da velhice
A antecipação da velhice, independentemente da idade de quem faz a antecipação (ou da fase do curso de vida em que se encontra), tem sido um tópico muito ausente na agenda da investigação empírica (Quine e Carter, 2006). O mesmo não acontece com tópicos adjacentes, como o tópico da preparação para a reforma / velhice (ou do planeamento da reforma / velhice) (ex.: Adams e Rau, 2011; Apouey, 2018; Dulebohn, 2002; Donaldson, Earl e Muratore, 2010; Kornadt e outros, 2019; Lang e Rupprecht, 2020), e o tópico da idade em que se espera entrar na reforma (ex.: Hess, 2018; Griffin, Loh e Hesketh, 2013; Whitaker e Bokemeier, 2018), que têm sido explorados por um número muito significativo de estudos.
Quando nos focamos na antecipação da velhice por indivíduos que se encontram na fase da meia-idade, a investigação é ainda mais escassa. Esta investigação é também bastante limitada no que respeita aos resultados, visto que alguns destes estudos apenas nos dizem se a antecipação é negativa ou positiva, não nos revelando em concreto os tipos de antecipação. Por exemplo, os resultados do estudo conduzido por Bowen e Skirbekk (2017), junto de indivíduos com idades compreendidas entre os 18 e os 64 anos, revelam que os que preferem morrer antes da idade correspondente à esperança média de vida tendem a ter expetativas negativas sobre a própria velhice, enquanto os que preferem morrer para além da idade correspondente à esperança média de vida tendem a ter expetativas positivas sobre a própria velhice. Outro estudo, realizado com uma amostra de indivíduos com idades compreendidas entre os 40 e os 55 anos, concluiu que quanto mais negativamente a puberdade é experimentada, e quanto maior o valor de neuroticismo (neuroticism-score), mais negativamente a transição para a velhice é antecipada (Perrig-Chiello e Perren, 2005).
A identificação dos tipos de antecipação da velhice encontra-se num número reduzido de estudos. Num estudo quantitativo realizado na Inglaterra e na Austrália, Gee (1999) confirma a existência de quatro tipos de antecipação da reforma, que reproduzem os quatro “modos de vivenciar a reforma” identificados anteriormente pelo estudo qualitativo realizado nos Estados Unidos da América por Hornstein e Wapner (1985). Os tipos de antecipação da reforma são os seguintes: transição para o descanso (a reforma como uma oportunidade para relaxar e desacelerar); novo começo (a reforma como uma fase da vida associada a liberdade e à concretização de objetivos há muito esperados); continuidade (a reforma como continuidade do padrão de vida do passado, embora com mais tempo para a realização de atividades valorizadas); e rutura imposta (a reforma como uma fase da vida sem sentido e frustrante devido à impossibilidade de substituição da atividade laboral). O tipo de antecipação da reforma mais referido tanto por homens como por mulheres foi o “novo começo”. Alguns anos mais tarde, um estudo realizado na Austrália (Onyx e Baker, 2006) suporta o predomínio deste tipo de antecipação da reforma, pois a generalidade dos inquiridos ansiavam por uma variedade de novas atividades e interesses e pela oportunidade de corrigir desequilíbrios nas suas vidas.
Contrariamente, o estudo realizado na Alemanha por Craciun e Flick (2016), junto de indivíduos com idades compreendidas entre os 45 e os 65 anos, revela um predomínio de antecipações negativas da velhice, suportando o estudo realizado por Levy (2017), que aponta no sentido de um agravamento dos estereótipos sobre o envelhecimento e a velhice. Esta antecipação negativa da velhice remete para o sentimento de “encurralamento” (receio de ficar doente e dependente de terceiros). Por sua vez, a antecipação positiva da velhice, encontrada junto de uma minoria de entrevistados, remete para a ideia de independência e atividade. Por último, este estudo evidencia algumas diferenças de género no que toca às antecipações da velhice. Para além de os homens realizarem antecipações mais negativas do que as mulheres, o tipo de antecipação mais comum junto destes remete para a deficiência e a perda de papéis sociais, enquanto as mulheres se focam mais na perda da boa aparência (good look).
Os poucos estudos sobre a antecipação da velhice na meia-idade chamam ainda a atenção para os aspetos que poderão influenciar o tipo de antecipação, tais como as transições e acontecimentos passados, e os estereótipos e preconceitos sobre o envelhecimento e a velhice (Perrig-Chiello e Perren, 2005).
A investigação sobre a antecipação da velhice na meia-idade, para além de pouco esclarecedora sobre os tipos de antecipações efetivamente realizadas, sofre de uma outra limitação: salvo raras exceções (ex.: Craciun e Flick, 2016), não adota explicitamente uma perspetiva de género. A negligência desta perspetiva não deixa de ser surpreendente, dada a evidência disponível de que muitas das práticas e expetativas futuras dos indivíduos na meia-idade sobre temas relacionados com o envelhecimento são, significativamente, marcadas pelo género, tais como a extensão da carreira laboral e o trabalho flexível na velhice (Loretto e Vickerstaff, 2015), a provisão/receção de cuidados informais (O’Neill e Jepsen, 2019), a perceção da aparência física (Åberg, Kukkonen e Sarpila, 2020), as transições relacionadas com cuidados de longa duração (Mudrazija, Thomeer e Angel, 2015), as perceções sobre a saúde e o envelhecimento e o processo de transição para a reforma (Griffin, Loh e Hesketh, 2013).
Perspetiva teórica e clarificações concetuais
O estudo aqui reportado orienta-se pelas teorias feministas sobre o envelhecimento, que elegem o género como um princípio de organização social (ao qual se juntam a idade, a classe social, a etnicidade, a orientação sexual, entre outros). Na tradição feminista, as desvantagens / vantagens sociais são o resultado de processos sociais, e não de escolhas individuais (Lotherington, 2021).
Adota-se uma perspetiva de género, que se traduz, em termos analíticos, na comparação das antecipações da velhice realizadas pelos homens com as antecipações da velhice realizadas pelas mulheres. Nesta comparação tentar-se-á perceber o papel das três dimensões do género (Tannenbaum e outros, 2019; Nielsen e outros, 2021): normas de género (regras e expetativas sociais, que se baseiam e reforçam estereótipos sobre os homens e as mulheres), identidade de género (autoidentificação e apresentação do eu), e relações de género (relações de poder entre indivíduos com diferentes papéis e identidades de género).
A antecipação da velhice refere-se à antevisão que os indivíduos fazem, neste caso indivíduos na fase da meia-idade, das fases mais avançadas das suas próprias vidas. Por outras palavras, a antecipação da velhice dá conta daquilo que os indivíduos esperam viver, ou ser, nesta fase do curso de vida. O conceito de velhice já foi anteriormente esclarecido, não sendo necessário fornecer esclarecimentos adicionais.
Por último, a meia-idade é entendida como uma fase do curso de vida que precede a velhice, e que foi operacionalizada no âmbito desta investigação como o período cronológico que vai dos 45 aos 64 anos.
Métodos e técnicas de investigação
A investigação que gerou os resultados aqui reportados segue uma “abordagem qualitativa genérica”, que Caelli, Ray e Mill (2003: 2) definem da seguinte forma: “[…] we define generic qualitative research as that which is not guided by an explicit or established set of philosophic assumptions in the form of one of the known qualitative methodologies”. Esta abordagem caracteriza-se por não aderir a uma das principais metodologias qualitativas, nomeadamente etnografia, investigação narrativa, fenomenologia, teoria fundamentada nos dados (grounded theory), entre outras. No âmbito desta abordagem qualitativa, privilegiou-se a compreensão em profundidade da perspetiva dos participantes no estudo.
Esta abordagem qualitativa genérica foi utilizada tendo em mente o modelo interativo de desenho de investigação desenvolvido por Maxwell (2014), que preconiza uma articulação entre diversos aspetos: objetivos de investigação, perguntas de investigação, modelo teórico / concetual, métodos, e critérios de validade. No que respeita aos critérios de validade, considerou-se o referencial proposto por Tracy (2010).
A recolha de dados foi realizada através de entrevistas semiestruturadas (Bryman, 2016), realizadas por telefone, considerando que o período de recolha se deu em plena pandemia de Covid-19. A conceção do guião das entrevistas foi auxiliada pela realização de seis entrevistas exploratórias. Este foi posteriormente testado junto de três indivíduos pertencentes à população-alvo, tendo-se realizado pequenos ajustamentos na forma de formulação das perguntas. A versão final do guião ficou estruturada em três grandes blocos temáticos: caracterização sociodemográfica (idade, estado civil, etc.), conceções sobre a velhice (idade de entrada na velhice, forma como a velhice é vista na nossa sociedade, diferenças entre homens e mulheres), e antecipação da velhice (tipos de antecipação da própria velhice, diferenças entre homens e mulheres).
No que toca ao processo de construção da amostra, definiram-se, previamente, os seguintes critérios de seleção: idade entre 45 e 64 anos, não estar reformado, residente na região do Algarve, e ter capacidade para prestar o consentimento informado. De modo a se assegurar uma comparação válida dos resultados entre homens e mulheres, entrevistaram-se 12 homens e 12 mulheres entre fevereiro e junho de 2022. A constituição da amostra foi realizada através da combinação de duas técnicas de amostragem, nomeadamente a amostragem intencional / pensada e a amostragem por “bola de neve”.
A realização de cada entrevista foi precedida pela apresentação pessoal da entrevistadora (primeira autora), bem como pelo esclarecimento dos objetivos da investigação, dos direitos dos participantes, e dos procedimentos a adotar durante a entrevista (incluindo o modo de registo das perguntas e das respostas), e ainda pela solicitação do consentimento informado (concedido oralmente). As entrevistas tiveram uma duração média de 15 minutos e foram gravadas e transcritas ipsis litteris na íntegra.
Todos os dados recolhidos através das entrevistas foram analisados pela primeira autora com a supervisão do segundo autor (supervisor da tese de mestrado), de acordo com os procedimentos da Framework Analysis, que consiste numa técnica de análise temática de conteúdo, particularmente indicada para a análise de texto (Spencer e outros, 2014). Esta técnica estabelece os seguintes procedimentos analíticos: familiarização, construção de uma estrutura temática inicial, indexação e classificação, revisão dos extratos dos dados, resumo e display dos dados, construção de categorias, identificação e explicação de ligações / padrões. O processo analítico decorreu da seguinte forma: a primeira autora realizou uma análise inicial de parte dos dados, que foi apreciada pelo segundo autor com o objetivo de obtenção de um consenso sobre os procedimentos e a estratégia analítica. Atingido esse consenso, a primeira autora procedeu posteriormente à análise de todos os dados, mas sempre com o apoio e feedback do segundo autor. A análise foi realizada manualmente (sem o auxílio de um software de análise qualitativa de dados).
Amostra
Como referido previamente, a amostra é constituída por 12 homens e 12 mulheres com idades compreendidas entre os 45 e os 64 anos, cuja caracterização sociodemográfica se sintetiza no quadro 1.
A maioria tem entre 45 e 54 anos, possui uma licenciatura ou um doutoramento, é casada ou vive em união de facto, e vive acompanhada. Em termos de profissão, destaca-se a docência no ensino superior.
Resultados
Como é que os entrevistados veem a velhice?
Metade dos entrevistados possuem uma visão positiva sobre a velhice, enquanto entre os restantes alguns expressam uma visão que combina aspetos positivos com aspetos negativos (sete entrevistados), e outros uma visão exclusivamente negativa (cinco participantes).
As visões positivas nem sempre são claramente formuladas pelos entrevistados, pois alguns apenas referem que a velhice é “bem-encarada”, sendo algo de “natural”:
Eu vejo a velhice como uma coisa natural. Nascemos, crescemos, amadurecemos, vivemos as nossas vidas e envelhecemos e morremos. […] a velhice é um passo natural do qual não podemos fugir, basicamente. [E11, homem, 50 anos]
Outros, porém, associam a velhice a disponibilidade de tempo para “se fazer o que se gosta” ou a sabedoria:
sim, é um tempo que pode ser bom porque a pessoa fica com mais tempo para fazer coisas que gosta. [E12, homem, 50 anos]
[…] vejo nos velhos a sabedoria […] como um ensinamento […] como uma enciclopédia viva. [E3, homem, 51 anos]
Relativamente às visões negativas, alguns entrevistados apenas dizem que é “um mau período da vida” ou “algo a adiar […] o máximo possível” [E9, homem, 66 anos], enquanto outros evocam a decadência e a dependência.
Importa acrescentar que não foram encontradas diferenças de género significativas no que respeita ao modo como os entrevistados veem a velhice.
Na ótica dos entrevistados, com que idade é que se entra na velhice?
Alguns entrevistados (quatro homens e quatro mulheres) não conseguem identificar uma idade exata para a entrada na velhice, argumentando que o indicador de entrada na velhice não é a idade cronológica, mas sim a mentalidade, sendo, portanto, uma questão que acaba por estar, em grande parte, sob o controlo do indivíduo:
Não há idades, há mentalidades. [E7, mulher, 48 anos]
Não sei se isso existe. Se há um padrão, não há métrica […] Cada um entra na velhice quando quiser. [E17, homem, 58 anos]
Dos restantes entrevistados, 11 acham que a entrada na velhice se dá entre os 70 e os 80 anos, enquanto outros acham que é depois dos 80. Assim, para metade dos entrevistados a entrada na velhice dá-se após os 70 anos. Apenas quatro entrevistados acham que a entrada na velhice se dá com a transição para a reforma ou ainda mais cedo.
Enquanto os entrevistados que definem os 70 anos como a idade a partir da qual se entra na reforma são maioritariamente mulheres (oito mulheres e quatro homens), os que acham que a entrada na velhice se dá antes dos 70 anos são todos homens. Embora as razões deste padrão não estejam devidamente explicitadas nos discursos dos entrevistados, identificam-se algumas crenças / estereótipos nas entrevistas que o poderão explicar, pelo menos em parte. Nota-se, por um lado, que os homens entrevistados atribuem importância à perda da capacidade funcional e de papéis sociais, o que poderá explicar porque é que estes acham que os homens entram mais cedo na velhice. Por outro lado, nota-se que as mulheres entrevistadas atribuem uma menor importância à perda da capacidade funcional, e demonstram a convicção de que das mulheres continuam a exercer papéis sociais até mais tarde (ex.: o papel de cuidadora do lar e dos membros dependentes), o que poderá fazer com que estas pensem que as mulheres entram mais tarde na velhice.
Na perspetiva dos entrevistados, existem diferenças entre homens e mulheres no respeitante à idade de entrada na velhice?
Metade dos entrevistados (nove mulheres e três homens) afirma que existem diferenças entre homens e mulheres relativamente à idade de entrada na velhice, enquanto um pouco mais de metade pensa que as diferenças que possam eventualmente existir não têm a ver com o género, mas sim com outros aspetos, (dez homens e quatro mulheres).1
De entre os entrevistados que acham que existem diferenças entre homens e mulheres na idade de entrada na velhice, a opinião dominante é a de que os homens entram mais cedo e as mulheres mais tarde, opinião que é partilhada sobretudo por mulheres (oito mulheres e dois homens). As razões dadas por estes entrevistados para esta diferença remetem para questões de género, sobretudo para aspetos de identidade de género. Os homens entram mais cedo na velhice porque começam a preocupar-se precocemente com a mesma (principalmente com a diminuição da capacidade funcional que lhe está associada), o que acaba por acelerar a entrada. Por sua vez, as mulheres entram mais tarde na velhice porque as mulheres prestam mais atenção ao corpo e à aparência visual, o que faz com que estas consigam adiar o aparecimento dos sinais do envelhecimento e, deste modo, entrarem mais tarde na velhice.
Os entrevistados que julgam que as eventuais diferenças entre homens e mulheres no respeitante à idade de entrada na velhice não têm a ver com o género, identificam outras razões para essas diferenças, onde se destaca o sentimento de ser velho. O seguinte depoimento ilustra este entendimento:
Eu acho que a questão de nós entrarmos na velhice é quando nos sentimos velhos, psicologicamente e fisicamente. […], isso depende de cada pessoa. [E9, homem, 66 anos].
Como é que os entrevistados antecipam a sua própria velhice?
A análise dos dados permitiu identificar sete tipos de antecipação da própria velhice:2
1) Velhice imprevisível;3 2) velhice ativa; 3) velhice tranquila; 4) velhice boa; 5) velhice má; 6) velhice matizada positiva; 7) velhice matizada positiva e negativa.
A velhice imprevisível inclui apenas um entrevistado (um homem), que se insere exclusivamente neste tipo de antecipação. Esta é uma velhice sem forma e conteúdo específicos, que se justifica pelas contingências da vida e de variáveis sobre as quais os indivíduos não têm controlo:
Sei lá, isto a gente um dia está bem, outro dia está mal, de repente aparece uma coisa, eu não faço previsões! [E17, homem, 58 anos]
Por seu lado, a velhice ativa (um homem e uma mulher que se inserem exclusivamente neste tipo) implica alguma continuidade com a vida que os entrevistados atualmente têm, como por exemplo continuar a trabalhar, ou a intensificação de outras atividades, como o lazer e os cuidados aos netos, ou ainda a substituição de algumas atividades por outras. Neste tipo de antecipação existe uma rejeição da velhice “sem fazer nada”:
Não me vejo reformado no sentido tradicional. Obviamente vejo-me aposentado, reformado, mas não me vejo no sentido tradicional que a pessoa se reforma e fica sem fazer nada. Ou seja, eventualmente, estarei sempre a fazer qualquer coisa. [E10, homem, 56 anos]
Ao contrário da velhice ativa, a velhice tranquila (um homem e uma mulher que se inserem simultaneamente neste tipo de velhice e na velhice imprevisível) é uma velhice sossegada, rodeada por familiares e amigos emocionalmente próximos, que oferece a possibilidade de realizar aquilo de que se gosta. A velhice tranquila é, para alguns entrevistados, uma velhice sem problemas de saúde:
Eu gostava que fosse uma velhice com alguma saúde, não solitária, e com possibilidade de fazer algumas coisas que eu goste. [E19, homem, 47 anos]
Por sua vez, a velhice boa (três homens e três mulheres, em que três estão inseridos apenas neste tipo de velhice e outros três estão inseridos simultaneamente neste tipo e na velhice imprevisível) também não tem os seus contornos bem definidos, embora, no geral, remeta para aspetos positivos. Eis os seguintes testemunhos:
Eu acho que vai correr tudo bem. [E5, mulher, 51 anos]
Se tiver saúde acho que vai ser boa. Não sinto que… não antecipo assim tantos problemas. [E12, homem, 50 anos]
No polo oposto à velhice boa encontra-se a velhice má (uma mulher que se encontra simultaneamente neste tipo de velhice e na velhice imprevisível), caracterizada sobretudo pela doença e dependência:
Muito boa não vai ser porque já tenho problemas desde os 23 anos com a saúde. Já deixei de andar. [E7, mulher, 48 anos]
A velhice matizada positiva é a que inclui mais participantes (cinco homens e quatro mulheres), caracterizando-se pela combinação de diversos tipos de antecipação (daí a ideia de matizada), mas todos de natureza positiva (velhice tranquila, velhice ativa, velhice boa, ou velhice imprevisível juntamente com um dos primeiros tipos). Este tipo de antecipação remete para vários cenários possíveis, alguns deles claramente distintos, como é o caso da velhice tranquila e da velhice ativa.
Por último, a velhice matizada positiva e negativa (duas mulheres e um homem) é antecipada por entrevistados que também colocam vários cenários possíveis, mas alguns positivos e outros negativos (velhice tranquila, velhice ativa, velhice boa, velhice má, ou velhice imprevisível juntamente com uma antecipação positiva e uma antecipação negativa).
Os entrevistados avançam variadíssimas razões para as antecipações que realizam. As mais referidas são: a) imprevisibilidade / incerteza relativamente ao futuro (quatro entrevistados); b) encarar a vida de uma forma positiva (três entrevistados); c) sempre foi uma pessoa ativa (três entrevistados); d) expetativa de receção do apoio dos filhos (três entrevistados).
De entre os entrevistados que veem a velhice de uma forma positiva, a grande maioria também faz uma antecipação positiva da própria velhice, embora um faça uma antecipação negativa. Os entrevistados que veem a velhice de uma forma positiva e negativa fazem antecipações positivas da velhice, com a exceção de um entrevistado que faz uma antecipação matizada positiva e negativa. Curiosamente, todos os entrevistados que veem a velhice de uma forma negativa fazem uma antecipação positiva da própria velhice.
Conforme se pode verificar, em nenhum tipo de antecipação se deteta um desequilíbrio significativo entre o número de homens e o número de mulheres.
Na opinião dos entrevistados, os homens e as mulheres antecipam a própria velhice do mesmo modo?
Dez entrevistados acham que os homens e as mulheres na meia-idade não antecipam a própria velhice do mesmo modo (sete mulheres e três homens), fornecendo diversas justificações (quadro 2).
É interessante verificar que as justificações atribuídas tanto no respeitante aos homens como no respeitante às mulheres são, no geral, marcadas pelo género, pois remetem para expetativas sociais sobre o comportamento dos homens e das mulheres, baseadas em estereótipos de género, e/ou para aspetos relacionados com a identidade social dos homens e das mulheres (ex.: os homens são mais parados; os homens não pensam na velhice enquanto estiverem sexualmente ativos; as mulheres só pensam na velhice quando deixarem de ter responsabilidades de cuidar; os homens tendem a esconder a idade; os homens têm receio de perder a capacidade funcional; os homens sentem necessidade de garantir a segurança financeira; as mulheres cuidam mais de si e são mais ativas).
Como se pode verificar, existem algumas justificações que são referidas tanto por entrevistadas (mulheres) como por entrevistados (homens), enquanto algumas são mencionadas exclusivamente por entrevistadas e outras exclusivamente por entrevistados. A justificação mais mencionada tanto por homens entrevistados como por mulheres entrevistadas é a de que os homens lidam pior com a velhice, e as mulheres lidam melhor com a velhice. Por sua vez, as justificações mais mencionadas pelas mulheres entrevistadas são as seguintes: os homens são mais parados; os homens não pensam muito na velhice, pois não querem chegar lá; os homens tendem a esconder a idade; as mulheres cuidam mais de si e são mais ativas. Por fim, as justificações mencionadas pelos homens entrevistados têm apenas uma menção cada uma.
É também interessante verificar que tanto os homens entrevistados como as mulheres entrevistadas atribuem características negativas aos homens e características positivas às mulheres (encontra-se apenas uma justificação inequivocamente positiva atribuída aos homens, nomeadamente a de que os homens têm menos preocupações).
Num posicionamento diferente, encontram-se outros dez entrevistados (sete homens e três mulheres) que afirmam que os homens e as mulheres podem (ou não) antecipar a própria velhice da mesma forma, dependendo de variáveis da natureza individual, tais como trajetórias de vida e mentalidades. O que importa sublinhar é que estes entrevistados rejeitam a ideia de que o género influencia o modo como os homens e as mulheres antecipam a própria velhice. Eis os seguintes testemunhos:
Eu sinceramente, não sei se é uma questão de género ou se é uma questão do indivíduo. Eu acho que é mais uma questão individual, que tem muito a ver com a perceção do que se fez para trás na vida de cada um de nós, que faz às vezes projetar o que vem a seguir. [E11, homem, 50 anos]
Não, vai depender de muitas coisas. Conheço senhoras e senhores que gerem isto de uma maneira positiva, não é, tem a ver também com a própria maneira de ser da pessoa e etc. E há outros se calhar que, até da própria maneira como se vestem, a própria atitude, isso às vezes, não é? Ajuda a pessoa a não ter uma mentalidade tão… a pensar muito nisso, não é? Pela negativa. Por isso, quer dizer, acho que aí não tem mesmo a ver, na minha opinião, com o género. [E16, homem, 44 anos]
Por fim, quatro entrevistados (dois homens e duas mulheres) acabam por ter perspetivas algo contraditórias.
Discussão dos resultados
As perspetivas dos entrevistados sobre a velhice são maioritariamente positivas, embora alguns encontrem na velhice aspetos positivos e negativos, e uma minoria apenas aspetos negativos. Isto poderá ser um reflexo, em parte, dos discursos do envelhecimento ativo e do envelhecimento saudável, que veiculam uma imagem positiva do envelhecimento e da velhice. Poderá também ter a ver com experiências positivas de velhice vividas por pessoas próximas dos entrevistados, com as próprias condições de vida dos entrevistados, com a sua própria saúde, etc. O perfil sociodemográfico dos entrevistados (sobrerrepresentação de entrevistados com elevados níveis de escolaridade e com profissões altamente qualificadas) também poderá explicar, em parte, o predomínio de visões positivas sobre a velhice.
Quanto à antecipação que os entrevistados fazem da sua própria velhice, foram identificados diversos tipos de antecipação, uns de natureza positiva (a maior parte), um de natureza negativa, outro de natureza positiva e negativa, e por fim outro que se caracteriza pela imprevisibilidade. Alguns dos tipos de antecipação da velhice vão ao encontro dos resultados de outros estudos já realizados. Por exemplo, alguns elementos da velhice má e da velhice ativa encontram-se no estudo realizado por Craciun e Flick (2016). Por seu lado, existe algum paralelismo entre a velhice tranquila e o tipo de antecipação que Gee (1999) designa por transição para o descanso. Contudo, os restantes tipos de antecipação não se encontram reportados nos escassos estudos até agora realizados sobre esta temática. Esta diversidade de modos de antecipação da própria velhice demonstra que o leque de possibilidades para estes entrevistados é amplo, não se restringindo a um único modelo de velhice, o que acaba por ser o reflexo da diversidade de modos de viver a velhice que hoje efetivamente existe nas sociedades contemporâneas (Gilleard e Higgs, 2015).
Enquanto a velhice ativa está em linha com os paradigmas do envelhecimento ativo e do envelhecimento saudável, bem como com o constructo de terceira-idade, a velhice má aproxima-se da narrativa do declínio e do constructo de quarta-idade. Por sua vez, a velhice tranquila aproxima-se não só do paradigma do envelhecimento saudável, visto que pressupõe a ausência de doenças, mas também da noção de gerotranscendência desenvolvida por Tornstam (2005), cujas propriedades essenciais incluem, entre outras coisas, a seletividade dos relacionamentos sociais e a importância da qualidade dos mesmos. Isto quer dizer que os discursos contemporâneos dominantes sobre o envelhecimento e a velhice, que apontam para a centralidade da atividade (envelhecimento ativo) e da saúde (envelhecimento saudável), estão refletidos na maior parte dos tipos de antecipação, mas não em todos.
O modo como a própria velhice é antecipada não reflete necessariamente a visão que se tem da velhice, embora a maioria dos entrevistados que veem a velhice de uma forma positiva também façam antecipações positivas da própria velhice. Isto quer dizer que os recursos individuais disponíveis também terão um papel a desempenhar no modo de antecipação da velhice. Por exemplo, os entrevistados que têm uma visão negativa da velhice e que fazem uma antecipação positiva da própria velhice têm todos um nível de escolaridade elevado (licenciatura ou doutoramento), bem como profissões qualificadas.
As antecipações da própria velhice realizadas pelos entrevistados não serão “inócuas”, dado que influenciam o seu bem-estar no presente (Kornadt e outros, 2020), e as suas experiências futuras uma vez entrados nas fases mais adiantadas da vida (Bowen e Skirbekk, 2017).
Este artigo procura não só identificar e compreender as antecipações da própria velhice realizadas por adultos na meia-idade, mas também examinar até que ponto é que as antecipações são marcadas pelo género. A este respeito, vimos que o género não marca significativamente os tipos de antecipação realizados pelos participantes no estudo aqui reportado, tendo-se verificado o mesmo noutros estudos sobre esta temática (ex.: Gee, 1999). Não obstante, detetou-se a influência do género relativamente a outros aspetos analisados.
Em primeiro lugar, verifica-se uma diferença de opiniões entre os homens e as mulheres entrevistadas no que respeita à idade de entrada na velhice: a entrada em idades mais avançadas está associada às mulheres e a entrada em idades menos avançadas está associada aos homens. Embora as razões desta diferença não estejam claramente explicitadas nas entrevistas, existem indícios em diversas respostas que apontam para questões relacionadas com normas de género e de identidade de género. Contudo, isto merece ser melhor explorado em futuras investigações.
Em segundo lugar, enquanto, por um lado, são sobretudo as mulheres entrevistadas que acham que existem diferenças entre homens e mulheres no que toca à idade de entrada na velhice, diferenças estas de natureza social e não individual, por outro lado, são sobretudo os homens que manifestam o entendimento de que a idade de entrada na velhice nada tem a ver com o género, mas sim com questões de natureza individual. De entre os entrevistados que se posicionam do lado da existência de diferenças de género, emerge a perceção de que os homens entram mais cedo na velhice do que as mulheres, ideia que é partilhada sobretudo por mulheres. Como se teve oportunidade de evidenciar, as justificações para esta perceção remetem para questões de género, mais especificamente para normas de género e/ou de identidade de género.
Em terceiro lugar, a influência do género nota-se na opinião que os entrevistados expressam relativamente ao modo como os homens e as mulheres na meia-idade (e não eles próprios) antecipam a própria velhice. Quase metade dos entrevistados acham que existem diferenças de género a este respeito, onde se destacam, entre estes, claramente as mulheres entrevistadas. As justificações dadas para estas diferenças remetem para normas de género e/ou de identidade de género, as quais caracterizam negativamente os homens e positivamente as mulheres. Este último resultado está desalinhado com a tendência a nível global de as mulheres serem os principais alvos de estereótipos de género. De acordo com os últimos resultados do índice de normas sociais de género (UN, 2023), nove em cada dez homens e mulheres têm estereótipos negativos contra as mulheres. Não obstante, nem todos os entrevistados veem a influência do género no modo como a velhice é antecipada na meia-idade, identificando variáveis de natureza individual como principais responsáveis de eventuais diferenças entre homens e mulheres.
Assim, são maioritariamente as mulheres entrevistadas que identificam diferenças de género, mais precisamente na idade de entrada na velhice e na antecipação da velhice. Por seu lado, são maioritariamente os homens entrevistados que rejeitam o género como explicação para eventuais diferenças entre homens e mulheres na idade de entrada na velhice e na antecipação da velhice, apontando variáveis de natureza individual como as responsáveis dessas eventuais diferenças. Algumas hipóteses, meramente especulativas, poderão ser avançadas para este resultado: as mulheres estão mais conscientes do que os homens das diferenças de género, pois têm sido elas que mais têm sofrido as suas consequências; os homens revelam uma miopia de género, tendendo explicar as diferenças de género a partir de variáveis de natureza individual. Sugere-se que estas hipóteses sejam testadas em futuras investigações.
Conclusão
Este artigo revela que existe uma grande diversidade de modos de antecipação da própria velhice entre indivíduos na fase da meia-idade, embora se note um predomínio de antecipações positivas, o que vai ao encontro de alguns estudos já realizados sobre esta temática (Gee, 1999; Onyx e Baker, 2006), bem como dos paradigmas do envelhecimento ativo e do envelhecimento saudável. As antecipações não são um reflexo perfeito das visões sobre a velhice, embora a maioria dos entrevistados que fazem antecipações positivas tenha visões positivas da velhice.
Apesar de as antecipações da própria velhice não serem marcadas significativamente pelo género, metade dos entrevistados acha que os homens e as mulheres antecipam a própria velhice de modo diferente, e quase metade acha que os homens e mulheres entram na velhice em diferentes idades. As razões apontadas para estas diferenças remetem claramente para questões de género. Curiosamente, são maioritariamente as mulheres entrevistadas que manifestam a opinião no sentido de existirem diferenças de género relativamente a estes dois temas. Os restantes entrevistados acham que as eventuais diferenças entre homens e mulheres no que respeita aos dois temas acima referidos não têm a ver com o género, mas sim com variáveis de natureza individual. Estes entrevistados são maioritariamente homens.
Os resultados deste artigo contribuem não só para a expansão do conhecimento sociológico sobre um tema praticamente inexplorado, mas também para a reflexão em torno das políticas públicas direcionadas para as fases mais avançadas da vida. Os tipos de antecipação da própria velhice aqui revelados contribuem para um melhor planeamento das políticas públicas, de modo que estas possam ser mais eficientes e eficazes, considerando o género de uma forma transversal em todas as medidas equacionadas. Antecipar para melhor agir é um dos possíveis caminhos para concretizar os objetivos de desenvolvimento sustentável, nomeadamente a igualdade de género e a saúde de qualidade e bem-estar para todos.
A principal limitação deste estudo prende-se com a composição da amostra, que tem uma sobrerrepresentação de indivíduos com elevados níveis de escolaridade e com profissões altamente qualificadas. Assim, sugere-se, em futuras investigações sobre o tema, diversificar mais as amostras no que respeita a estas variáveis. Sugere-se, ainda, explorar melhor as diferenças de género aqui detetadas, assim como explorar de que forma a existência de preparativos para a reforma, bem como a velhice idealizada, influenciam os modos de antecipação da velhice. Uma perspetiva interseccional, que inclua outras forças sociais para além do género, também poderia enriquecer a investigação futura sobre este tema.