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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.27 no.3 Lisboa dez. 2023  Epub 08-Jan-2024

https://doi.org/10.4000/etnografica.14944 

Aula

Florestas biodiversas em perspetiva antropológica: ressurgências das paisagens em ruína pela monocultura do eucalipto

An anthropological perspetive on biodiverse forests: resurgences of ruined landscapes by eucalyptus monoculture

1 ICS-Universidade de Lisboa, Portugal, susana.viegas@ics.ulisboa.pt


Resumo

A diversidade tem sido tratada por várias áreas do conhecimento. Cabe à antropologia oferecer perspetivas descentradas sobre a sua existência histórica. Neste artigo mobilizo conhecimento etnográfico de contextos que conheço por experiência de trabalho de campo - indígenas na mata atlântica do sul da Bahia e os fataluku da região sociocultural do sudeste asiático (Timor-Leste) - para reforçar historicidades de vivência da paisagem que resultam em biodiversidade. Mostro a relevância de relacionalidades para a emergência dessa biodiversidade, em consonância com os estudos sobre florestas antropogénicas. Com essa perspetiva, enveredo por uma reflexão crítica sobre o território de eucaliptais em Portugal, mostrando a inviabilidade da monocultura de árvores - a reprodução do similar no solo - como floresta. Reequaciono assim os debates públicos sobre floresta (e incêndios rurais), argumentando que ressurgências de biodiversidade não brotam dessa simplificação ecológica.

Palavras-chave: diversidade; florestas; territorialidades; fataluku; Tupinambá; eucaliptos em Portugal

Abstract

Diversity has been addressed by several areas of knowledge. However, anthropology is responsible for offering decentered perspectives on its historical existence. In this article I mobilize ethnographic knowledge from contexts that I know through fieldwork experience - indigenous people in the Atlantic Forest of southern Bahia and the fataluku, integrating the Southeast Asia region (Timor-Leste) - to reinforce historicities of experience of the landscape that result in biodiverse landscapes. I show the relevance of relationalities for the emergence of this biodiversity, in line with studies on anthropogenic forests. This perspective feeds a critical reflection on the eucalyptus territory in Portugal, showing the unviability of monoculture trees - the reproduction of the similar in the soil - as synonymous with forest. I consequently address critically the public debates on forest (and wildfires) in Portugal that consider forest to be the intensive cultivation of trees in monoculture, arguing that resurgences of biodiversity will have to result from decompositions of diverse relationalities.

Keywords: diversity; forests; territorialities; fataluku; tupinambá; eucalyptus in Portugal

A antropologia tem vindo a enquadrar a turbulenta condição climática numa reflexão teórica, metodológica e política sobre a contemporaneidade. É neste sentido que Bruno Latour designa esta condição como um “novo regime climático” que marca “a situação atual, na qual a base física que os modernos tomaram por garantida, o terreno no qual a sua história foi sendo desenrolada, se tornou instável” (Latour 2017: 3). O sinal de rutura, de revolução e de corte com o projeto civilizacional moderno importa para o que quero mobilizar neste texto, mas ao mesmo tempo parto do sinal positivo de uma certa continuidade/recuperação da tradição epistémica e comparativa da antropologia na resposta a essa revolução.1 De facto, entre o conjunto das ciências sociais, a antropologia foi a ciência que mais refletiu a partir de perspetivas não alinhadas com projetos civilizacionais modernos, inclusive no que diz respeito à relação com o solo, com a Terra e com o cosmos. Realço principalmente o facto de a antropologia ter singrando ao longo do século XX em contracorrente à tragédia moderna, mostrando a coalescência entre mundos vividos antimodernos e modernos, e mostrando, também, as formas de dominação e marginalização a que múltiplos coletivos humanos e mais que humanos estavam sujeitos. Essas perspetivas ocupam nas teorias etnográficas um papel central. É a partir desse ponto de vista que endereço neste texto o assunto da ruína de paisagens pelo cultivo intensivo de árvores em monocultura em Portugal, tendo como foco o olhar antropológico informado por etnografias sobre historicidades na formação da floresta como bioma biodiverso.2

Proponho pensarmos a posição da antropologia face ao novo regime climático com o que Anna Tsing (2019b [2016]) chama “o antropoceno fragmentado”. Tsing sublinha que a ideia de um antropoceno fragmentado parece uma contradição nos seus termos, já que “o antropoceno é global; não pode existir em partes”; no entanto, relembra que o facto de estarmos vivos, de experienciarmos a vida, implica que há “fragmentos de habitabilidade entre novas formas de morte” (Tsing 2019b [2016]: 211), despojos, “paisagens em ruína” que podem no entanto ressurgir. Esta perspetiva do antropoceno fragmentado foca-nos assim, por um lado, no reconhecimento das formas de ruína de paisagens pela lógica das plantations, isto é, das “simplificações ecológicas” que implicam a replicação de “escalabilidade”, a possibilidade de retirar a complexidade das vidas em nome de poder repetir o mesmo padrão, desenvolvendo “formas de paisagem não sociais, padronizadas e segregadas, os ‘nonsoels’ que foram mostrando como a escalabilidade pode funcionar para gerar lucro (e progresso)” (Tsing 2019a[2012]: 182).3 O aspeto da repetição simplista de um mesmo padrão, da procura do similar, é uma das dimensões que está presente no pensamento crítico de Tsing sobre a modernidade e que quero repescar para o tema que vou desenvolver. Como Tsing afirma, de modo sintético mas final, a este propósito: “As plantations deram-nos o equivalente a pixels para a terra” (Tsing 2019a[2012]: 182). Esta procura moderna pela possibilidade de reprodução do similar no solo associa-se, ainda, ao modo de transformar seres vivos em “recursos” para investimento, removendo-os de “seus mundos de vida” e impedindo-os do “ressurgimento” (Tsing 2019c [2017]: 226; 2019b [2016]: 206). O antropoceno fragmentado implica, ainda, por outro lado, tornarmos visíveis e articulados/integrados os processos históricos de anti-plantation - o eixo da coalescência entre vidas modernas em ressurgência e os modos de compor mundos que não se vergaram aos processos de simplificação ecológica e que historicamente produziram biodiversidade. Assente no trabalho do biólogo Scott Gilbert, Tsing recorre ao pensamento analítico sobre essas formas de anti-plantation a partir do conceito de simbiopoiesis (Tsing 2015: 142) e de simbiogenesis e simpoiesis usados por Donna Haraway para descrever as assembleias multiespécies como formas de relacionalidade, de “fazer mundo com” (worlding with), em companhia, em “associações simbióticas” (symbiotic assemblages) (Haraway 2016: 5, 58). Ao tratarem ressurgências em paisagens em ruína, tanto Tsing como Haraway têm seguido narrativas etnográficas sobre assembleias/relacionalidades, salientando novas associações que emergem das ruínas: por exemplo, associações entre fungos e a ferrugem do café (Tsing 2021). O enfoque nas “ressurgências” num antropoceno fragmentado permite captar etnograficamente a emergência de novas associações entre vários tipos de animais, plantas, fungos, que são constitutivos de microbiomas como espaços criativos de vida.

Falta a essas abordagens, no entanto, uma análise que preste mais atenção às relações com o passado (incluindo as relações com terras que foram destruídas) conseguindo, dessa forma, ultrapassar o modo moderno dessa relação, marcado pela nostalgia, isto é, pela imaginação do passado ofuscada pela ideia de que seria possível voltar aos mesmos mosaicos das paisagens pretéritas. Na equipa de Tsing, a vertente de análise que remete para o estudo do passado, como na investigação de Mathews em Itália, não reproduz essa visão nostálgica, mas acaba por invocar uma visão do passado como um referente mais representacional do que relacional. Mathews refere-se a “formas fantasma” (ghostly forms), mesmo quando estão em causa relevantes referências relacionais ao passado - por exemplo, “vestígios de cultivos passados” (Mathews 2017: G145). Ainda que estes “fantasmas” sejam vistos como caminhos para futuros ambientais positivos e paisagens transformativas (Mathews 2017), o estatuto do passado como fantasma retira-lhe a força da vida a brotar em temporalidades de longa duração.

Perspetivas antropológicas alinhadas mas independentes desta abordagem têm desenvolvido análises que procuram formas historicistas de integrar “vozes vegetais” (Oliveira et al. 2020) num sentido amplo. Vozes ou sujeitos são ali associados em malhas de relações emergentes na história, em temporalidades complexas que mostram perspetivas enraizadas da/na terra. O que irei aqui propor alinha-se com estas últimas abordagens, partindo de trabalhos de síntese antropológica, realizados em contextos ameríndios das Terras Baixas da América do Sul e resultantes de vivências indígenas múltiplas e de grande duração histórica para olhar “a floresta” como um campo de diversidades. Para além do contexto indígena na Amazónia e mata atlântica, mobilizo aqui também trabalhos antropológicos sobre uma outra região de floresta de monção em Timor-Leste habitada pelos timorenses que se autoidentificam fataluku - região onde tenho desenvolvido investigação na última década.4 O argumento que irei desenvolver parte desses trabalhos antropológicos para refletir de forma crítica sobre a monocultura de árvores em Portugal. É essa sequência de análise que organiza a divisão do texto em duas secções.

Na primeira secção, intitulada “Relacionalidades e historicidades antropogénicas da paisagem”, enquadro condições históricas que viabilizam florestas biodiversas, apontando a importância de relacionalidades - humanas e não humanas - de vidas presentes e pretéritas. Este modo de construir a biodiversidade é aquele que comprovadamente melhor tem resistido à destruição sistémica dos biomas (cf.Doblas e Oviedo 2021). É um modo de conceber a biodiversidade na Amazónia que rompe com a visão pristina de florestas - florestas intocáveis pelo homem - mostrando, diferentemente, a relevância da diversidade de associações da qual participam múltiplas vidas, incluindo as humanas. Por esta razão se tem designado “floresta antropogénica” esta perspetiva relacional sobre a formação da biodiversidade na Amazónia - em nada confundível com o antropocentrismo do Antropoceno. Por coincidência, apenas umas semanas antes de ter proferido a Aula Ernesto Veiga de Oliveira, em outubro de 2022, o jornal Público publicou uma entrevista com o arqueólogo Eduardo Góes Neves, um dos fundadores deste conceito. Com o título “A Amazónia é uma construção humana com milhares de anos, uma floresta cultivada”, Eduardo Góes Neves mostra, escreve a jornalista Lucinda Canelas, “a partir dos sítios que escavou, por que razão defende que aquilo que a maioria de nós julga ser uma floresta de origem exclusivamente natural, a maior do mundo, é, na realidade, uma construção humana”.5 Esta perspetiva derruba uma das ficções da modernidade, a saber, a da correlação entre biodiversidade e um mundo apartado de conexões humanas.

É sobre as potencialidades de uma visão relacional, podemos dizer indígena, da construção de paisagens que trata então a primeira secção deste texto. Argumento que o conceito de “floresta antropogénica” (também chamada “floresta biocultural”) ajuda a compreender o processo de formação biodiversa numa perspetiva histórica e antropológica. Construo o argumento com base nos trabalhos sobre o contexto da floresta amazónica e da mata atlântica, onde fiz trabalho de campo de longa duração na década de 1990 e de 2000 até 2009, e na região de floresta tropical de monção no extremo oriental de Timor-Leste.6 A integração de relacionalidades humanas nessas visões tem sido exemplarmente desenvolvida por autores como Bird Rose, ao conceber a emergência de paisagens num “parentesco multiespécie que nos mantém juntos” (Van Dooren e Churlev 2022: 12), implicando as formas de relacionalidade conhecidas pela longa tradição antropológica dos estudos de parentesco e das formas de participação no sentido levi-bruhliano, a partir das quais, como argumenta Bird Rose, emergem múltiplos “participantes em fluxos de dádiva mútua de vida (flows of mutual life-giving)” (Rose 2022: 11).7

Na segunda secção, intitulada “Revitalizar paisagens em ruína pela monocultura de eucaliptos em Portugal”, revejo a problemática da monocultura de eucaliptos (Eucalyptus globulus, Labill.) em Portugal à luz deste enquadramento. Primeiro, a perspetiva de que só há floresta se houver relacionalidades em diversidade permite-nos reequacionar os debates públicos sobre floresta (e incêndios) em Portugal que tomam por floresta o cultivo intensivo de árvores em monocultura. Em segundo lugar, e a partir dessa visão antropogénica da biodiversidade florestal, repensamos o que significa a saída de habitantes de um território e como ela não implica o esvaziamento de memórias de habitação, pelo contrário pode até manter mais vivas essas ligações com a terra através de memórias fulcrais às possíveis ressurgências de vidas. Tal irá ajudar a contrariar os processos políticos e argumentativos que têm vindo a ser mobilizados para justificar o cultivo intenso de eucaliptais a partir da década de 1980 em Portugal pelo facto de as terras estarem supostamente “abandonadas”, vazias face à emigração e êxodo rural que efetivamente ocorreram nas décadas de 1980 e 1990. Nesta perspetiva torna-se cristalina a distinção entre ressurgências através do cultivo tecnicista de árvores para um fim também tecnicista - a captação de carbono - e as formas de ressurgências sustentadas em relacionalidades, complexificando as relações com vivências no passado.

Relacionalidades e historicidades antropogénicas da paisagem

Na conferência “Ideias para adiar o fim do mundo”, que Ailton Krenak proferiu no ICS em 2019 e subsequentemente publicou, este autor argumentou que uma das deficiências fatais do projeto civilizacional da modernidade, que está na origem do que se designa agora como época do Antropoceno, é o facto de “descolar os humanos da terra”.

“A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numa abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos. Oferece o mesmo cardápio, o mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para todo o mundo.” (Krenak 2019: 22-23, itálicos meus)

A expressão “descolarmos da terra” provoca uma cadeia de sentidos (o que certamente não escapou a Ailton Krenak): descolar é retirar pertença, separar-se, desligar-se, desagarrar-se, mas é também partir/sair do solo; é a descolagem de aeronaves, a descolagem das naves espaciais, do homem em direção a outros planetas. No dicionário de português do Brasil, o termo tem ainda um significado informal de “tirar (alguém ou algo) de (algum lugar), usando força física; arrancar, puxar”. Em suma, “descolar” serve-nos para pensar a radicalidade do formato-matriz das plantations. Estar “colado” à terra é uma condição que Krenak tem trazido para pensar os “povos da floresta” como agentes contrários às plantations (Krenak 2012).8

Trabalhos que conjugam antropologia, arqueologia e biologia têm vindo a dar um contributo importante para pensarmos nas conexões à terra a partir da relação entre a biodiversidade e locais de habitação no passado. Na sua origem, estes trabalhos dizem respeito à Amazónia. Desafiando o pressuposto de que a atividade humana na floresta significaria necessariamente o “distúrbio de processos naturais”, Posey e Balée (1989) mostraram, ainda na década de 1980, que a vivência de povos indígenas e tradicionais na floresta amazónica contribuía para enriquecer a cobertura vegetal e diversificar as espécies de plantas, melhorando os solos pela formação de “terra preta” (Balée e Gély 1989; Balée e Posey 1989; Rival 2006: S82).

No que diz respeito ao entrelaçamento do presente com habitações no passado, múltiplos estudos têm vindo a mostrar subsequentemente que os cultivos de plantas em locais de habitação, subsequentemente desabitados/deixados à regeneração florestal vão contribuindo para a formação de solo fértil e biodiverso (Balée 2013: 19; McMichael et al. 2014). É este contributo que está na origem da expressão “floresta antropogénica” (Balée e Schaan 2021). Balée argumenta que as florestas podem ser vistas como territórios “antropogénicos” ou “bioculturais”, e que essa associação entre elementos vegetais e animais, humanos e não humanos, obriga a rever a história ecológica e também a pensar “formas de ver como as pessoas podem coexistir agora e no futuro com o que resta da diversidade ecológica e biológica na Terra [earth]” (Balée 2013: 179). Também Anna Tsing 2019b [2016] tem argumentado que as florestas antropogénicas são uma oposição aos territórios da plantation. Tsing lembra que fungos de seringueira causam problemas grandes se estiverem numa plantação homogénea, mas não se estiverem no meio de outras árvores.

Trabalhos antropológicos realizados em contextos indígenas nos biomas da Amazónia e da mata Atlântica, entre os quais o trabalho que desenvolvi no sul da Bahia entre os tupinambá de Olivença, têm mostrado que “antigos lugares de habitação” são cruciais para o rejuvenescimento de floresta biodiversa, porque eles ficam como pontos de relacionalidade mesmo em terrenos que venham a ser destruídos (Cardoso, Parra e Mordecin 2017; Souza 2017; Viegas 2007; Viegas, Vieira e Amoroso 2015: 15, 19; Viegas 2016). Por “antigos lugares de habitação” teremos de entender tanto lugares de residência humana como todos os que implicam relacionalidades - de cultivo, de caça, de encontros, de banhos e trajetos familiares.

Na sua monografia sobre os huaorani, que habitam na Amazónia equatorial, Laura Rival já argumentava, em 2002, que “a floresta, longe de ser um ambiente pristino, é um produto das atividades de vida das gerações passadas que a transformaram num ambiente rico em recursos” (Rival 2002: 92). Rival mostra que é o facto de as árvores serem cultivadas, isto é, resultado da associação antropogénica dos humanos com a terra, que faz da floresta amazónica um território biodiverso onde grande parte das árvores, as quais hoje parecem simplesmente integrar a floresta, foram na verdade cultivadas no passado pelos huaroni. Essa consciência da relevância dos locais de habitação antiga está presente em várias das conceções sobre floresta amazónica que atualmente algumas lideranças indígenas, em tom meio irónico, dizem (apropriando-se de expressões de uso comum entre a burguesia moderna), que é “o grande jardim indígena”.

Na etnografia que desenvolvi entre os tupinambá de Olivença (assente em trabalho de campo que iniciei em 1997) descrevi a permanência histórica dos tupinambá na vasta região de mata Atlântica por eles habitada há vários séculos, através de um processo de abertura e abandono cíclico de lugares de habitação que são ciclicamente deixados, não a um abandono da vida, mas à libertação do desgaste causado pela intensidade das relacionalidades humanas (Viegas 2007, 2016).9 Esses locais de habitação antiga ficam libertos para as restantes relacionalidades, nomeadamente: as memórias e afetações de quem ali viveu, os chamados “donos de lugar” e “encantados” - a quem me refiro um pouco à frente. Há no conjunto de ciclos de deslocamento uma engrenagem de territorialidade que implica o rejuvenescimento da floresta, assente num mapa territorial desenhado pelos pontilhados das árvores de fruto que foram cultivadas no passado (Viegas 2016). Essa territorialidade sustentou o argumento antropológico que desenvolvi na demarcação da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença (Viegas et al. 2009).

Antropólogos que, subsequentemente à demarcação da TI, realizaram trabalho de campo entre os tupinambá mostraram que emergiram forças cosmopolíticas nos locais de habitação antiga, fulcrais na resistência dos tupinambá a tentativas sucessivas de lhes ser retirado o direito ao território indígena (cf.Lara 2012: 76, 87; Alarcón 2020). Esses agentes são principalmente “encantados”, isto é, pessoas que se manifestam de formas relacionais com a terra e integram relacionalidades do passado no presente (cf.Viegas e Cardoso no prelo).10 Os “encantados” são também os “donos dos lugares”, na terra, no mar e nas águas, e vivem em “lugares encantados” acessíveis apenas pelos sonhos ou xamanismo (Lara 2012: 75-76). Por isso esses “lugares” de habitação antiga são locais onde os laços no tempo são guardados no espaço (Lara 2012: 89), e quando ocorre o desmatamento não se destroem apenas os ecossistemas, mas também se aniquilam os encantados, fragilizando a própria luta pela terra dos tupinambá de Olivença que se entrelaça de múltiplas formas com estas redes cosmopolíticas que existem em territórios específicos (Alarcón 2020: 166). Na sua etnografia sobre o povo indígena pataxó que também habita uma região de mata Atlântica no extremo sul da Bahia, Cardoso demonstrou, em diálogo com esta descrição, que “para os Pataxó a mata [Atlântica] era lugar dos antigos”, não existindo necessariamente floresta virgem, pois “todas um dia já foram roça” (Cardoso 2018: 359).

Vários trabalhos etnográficos têm vindo a apontar para este mesmo formato-matriz da territorialidade, entre os quais destaco o de Joana Cabral de Oliveira (2016) sobre os waiãpi, povo indígena tupi que habita na Amazónia, no estado do Amapá. Oliveira sublinha o papel dos lugares de habitação antiga para a formação da “sucessão florestal que toma conta de áreas ocupadas e derrubadas”, havendo nesse processo “uma união (temporal) entre roça e floresta” (Oliveira 2016: 116). Oliveira segue o rasto dos estudos iniciados por Balée (2013) e Heckenberger (2010), exponencialmente multiplicados no Brasil pela equipa de Clement et al. (2015), na consolidação do argumento de que “A biodiversidade da floresta amazônica seria resultado tanto da atividade agrícola de coivara, como da coleta e das movimentações de assentamentos”, sustentando, assim, uma compreensão da “roça” waiãpi “juntamente com seu par - a floresta - e com seu movimento - a capoeira” (Oliveira 2016: 117).

Manuela Carneiro da Cunha (2019), na introdução ao número especial “Science in the forest, science in the past”, sublinhou a importância global destes ciclos de historicidade dos antigos lugares de habitação/cultivo (old fallows) na definição da floresta como uma paisagem cultivada (não apenas por humanos) e a domesticação da floresta, mesmo que não necessariamente “por humanos contemporâneos e sim por outras ‘pessoas’, animais, espíritos, donos” (Cunha 2019: 127). Cunha invoca a longa literatura americanista que, desde Philippe Descola (1994, 2013 [2005]), mostra que o facto de não haver animais domésticos entre os povos indígenas nas Terras Baixas da América do Sul está associado à multiplicidade de donos de plantas e animais e, portanto, à existência de uma domesticidade/domesticação por múltiplos agentes que na grande maioria não são humanos. Descola argumenta que os achuar não domesticavam porcos selvagens “porque os porcos selvagens, como todos os outros animais e entidades da natureza, tinham os seus próprios donos” (Cunha 2019: 132). No cerne da questão está a rejeição da possibilidade de uma paisagem construída por “uma domesticação humana generalizada”, uma “colonização da floresta”, e esse facto não é alheio à importância das relacionalidades e da diversidade como princípios de uma “ciência” da floresta biodiversa (Cunha 2019: 132-133).11

Esta proposta de Manuela Carneiro da Cunha inspira-se também na reflexão crítica mais vasta de Ghassan Hage sobre “a forma como a modernidade favoreceu a domesticação generalizada, ao ponto de ela passar a monopolizar a cena [contemporânea].”, já que o mundo moderno luta ativamente pela domesticação e contra a diversidade (Hage 2017: 116).

Expandir o contributo destes estudos sobre a Amazónia para a região de floresta de monção em Lautém, no extremo oriental de Timor-Leste, onde realizo uma interlocução de campo há cerca de uma década, é muito significativo, especificamente quanto ao papel das relacionalidades entre o presente e os locais de habitação antiga na emergência de biomas biodiversos. Entre os timorenses do grupo sociolinguístico fataluku que habitam esta região, lugares de habitação antiga integram territorialidades de longa duração e efetivam um entrelaçamento de compromissos intergeracionais entre parentes e antepassados (cf.Viegas 2019, 2020). Estes laços têm marcos na paisagem através de túmulos de pedra calcária e/ou objetos de madeira com imagens figurativas colocadas em locais determinados, indicando caminhos dos antepassados (cf.Viegas 2020).

Antropólogos e arqueólogos têm argumentado que esta paisagem de Lautém, e especificamente a zona classificada como parque natural (Konis Santana), “reflete um mosaico fortemente enculturado [enculturated] de vegetação envelhecida e terrenos de cultivo rejuvenescidos, áreas onde se praticou anteriormente agricultura itinerante e locais de habitação” (McWilliam 2013: 194). Nesse sentido, a alta biodiversidade desta paisagem dever-se-á mais a essas dinâmicas do que “a qualquer processo proativo de conservação da natureza” (McWilliam 2013: ibid.). Sandra Pannel acrescentou ainda que, “Numa perspetiva da conservação, esta região […] não é uma paisagem pristina de selvajaria […] Diferentemente […] os valores ecológicos […] são fortemente antropogénicos na sua origem” (Pannel 2011: 233). A paisagem e a sua biodiversidade foram “alteradas e moldadas por milhões de anos de ocupação e uso humanos” (2011: 233) e, por isso, “até certo ponto, a identificação do parque como […] Paisagem protegida […] deverá reconhecer esta interação humano-ambiente e a sua história de longa duração” (2011: 234), até porque “à exceção dos pássaros, nenhum dos animais encontrados na área […] é endémico a Timor-Leste; são todos introduzidos pelo homem, trazidos das áreas a este e oeste durante os períodos pré-históricos ou históricos” (Pannel 2011: 233). McWilliam tem ainda sublinhado a importância dos antigos lugares de habitação localizados nas montanhas como parte da habitabilidade no futuro, marcado pela “crescente variabilidade climática” (McWilliam 2017: 65).

Estes trabalhos antropológicos mostram, em suma, que florestas tropicais onde historicamente se construiu biodiversidade são florestas antropogénicas imersas em relacionalidades que envolvem o presente, o passado e o futuro e que são envolventes de humanos e não humanos, nomeadamente forças cosmopolíticas. Integrar historicidades “antropogénicas” no olhar e na perspetiva sobre a ruína/destruição de paisagens e ressurgências possíveis é, assim, um modo de criar um olhar antropológico sobre biodiversidade, o qual ajuda a clarificar o problema com a monocultura de árvores, e especificamente com os eucaliptais em Portugal.

Revitalizar paisagens em ruína pela monocultura de eucaliptos em Portugal

A introdução do eucalipto na Europa, Índia, Brasil, Tailândia e China no período do pós-guerra está ligada à monocultura industrial e ao desenvolvimento moderno, tendo sido apoiada pelo Banco Mundial e pela FAO (Food and Agriculture Organization). Em 1956 ocorreu em Roma o primeiro Congresso Mundial do Eucalipto promovido pela FAO (Doughty 1996: 211), e em 1962 o segundo em São Paulo, com apoio do Banco Mundial, onde estiveram representadas 240 delegações de 19 países diferentes (Doughty 1996: 211). Os títulos de simpósios internacionais realizados nessa época tornam explícita a área de conhecimento em expansão, nomeadamente “Floresta de plantação” (Plantation forestry), “Criação de árvores” (Tree breeding) “Florestas feitas pelo Homem” (Man-made Forests), (Doughty 1996: 211). A gestão ou manejo da terra adulteram o conceito de floresta, que passa a significar “cultivar árvores”, em vez de remeter para as relacionalidades que vimos criarem biodiversidade.

No caso português e do eucalipto, o cultivo destas florestas industriais está diretamente associado à instalação da indústria de celulose no país, tendo ocorrido depois da Segunda Guerra Mundial e sendo “o primeiro projeto português sob apoio do célebre Plano Marshall [em] 1958” (GPP 2018: 107), com financiamento e investimento também do Banco Mundial no período da ditadura (GPP 2018: 108). Logo no momento da sua implementação, esta política envolveu o desgarramento de populações e modos de relacionalidade do formato-matriz das terras comuns (baldios), e o sentimento dessa violência deu lugar a múltiplas revoltas conhecidas, entre outros, pelo famoso romance de Aquilino Ribeiro Quando os Lobos Uivam (Ribeiro 2011 [1958]). A repressão ditatorial expressa nesse romance e depois a ilusão modernista vivida no Portugal rural nas décadas de 1980 e 1990 deram força ao crescimento das florestas industriais. Como afirma a historiadora Margarida Sobral Neto: “A arborização expulsou muitas famílias dos campos […] sendo responsável pela atual desertificação de algumas áreas do interior do país” (Neto 2017: 20).

Nos debates públicos e assentes nas ciências agrárias em Portugal tem-se vindo a reproduzir o argumento inverso ao que este processo da história agrária nos oferece, considerando que foi a “desertificação demográfica” que “obrigou” à ocupação maciça do solo por monocultura de eucalipto. Acontece que os cientistas que em Portugal têm dado apoio às políticas públicas sobre a floresta são maioritariamente agrónomos. Especificamente, os especialistas em incêndios rurais acabam por ter um papel relevante, porque se passou a associar o assunto da “floresta” ao assunto dos “incêndios de verão”, desvalorizando ou até enaltecendo os territórios com extensas áreas em monocultura de árvores que seriam, segundo o argumento da governança e manejo aplicado à floresta, aqueles que estariam mais limpos porque salvaguardados por grupos económicos com maior capacidade de contratar para a limpeza de matérias combustíveis. Estes argumentos não têm sido proferidos necessariamente por enviesamento, mas sim por ausência de olhares mais atentos à realidade empírica e comparativa muito singular à perspetiva antropológica. Em muitos casos esse afunilamento de perspetiva gera a inversão da relação entre causa e efeito, olhando para a floresta como parte de um conceito moderno abrangente de recurso e não para a floresta a partir da conceção irredutível da sua biodiversidade antropogénica. O agrónomo do Instituto Superior de Agronomia (ISA), José Miguel Cardoso Pereira, tem desenvolvido o argumento de que os incêndios “são um problema mais vasto e profundo” do que apenas o facto de o eucalipto ocupar uma grande extensão da “floresta portuguesa” (Pereira 2018: 21). Mesmo em relação aos megaincêndios ocorridos na região Centro em 2017, Pereira argumenta que os principais fatores explicativos dos incêndios foram “as grandes transformações do meio rural durante as últimas décadas, conjugadas com as nossas condições bioclimáticas cada vez mais favoráveis ao fogo” (Pereira 2018: 22).

De facto, as transformações do meio rural e o problema da “desertificação” demográfica das zonas rurais constituem um dos nichos de complexidade desta problemática. A rutura abrupta do modelo campesino é um facto histórico incontornável (Marques 2017). A identificação do “abandono rural e a ausência de população” tem sido, no entanto, mobilizada por agrónomos em publicações recentes como justificação para se continuar o plantio de florestas industriais (Silva e Deus 2018: 25). A opção pela expansão da monocultura de árvores, e especificamente do Eucalyptus globulus, Labill., que subsiste sem necessidade de presença humana ou de qualquer outro tipo de vida associada, é tida como uma solução para essa “desertificação humana” do território pela simples mobilidade/emigração da população. O facto de o modo de usar a terra em monocultura intensiva de árvores reproduzir, em si, o abandono e a extinção de vidas - humanas e não humanas - é totalmente marginalizado no debate. O “abandono” do espaço rural aparece, assim, como um destino histórico, e o problema da degradação do território é visto como um problema de falta de manejo e governança, como argumenta Eugénio Sequeira no artigo “O eucalipto”, publicado em 2018 na revista Cultivar: Cadernos de Análise e Prospetiva (revista do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral): “A culpa da insustentabilidade do espaço rural em Portugal é o abandono, o despovoamento, a falta de parcelamento na zona norte, a falta de ordenamento, inviável pela impossibilidade de gestão das pequenas parcelas, pelo abandono de muitas propriedades, pela inviabilidade económica e social etc. e não pelo eucalipto” (Sequeira 2018: 69, sublinhado meu).

Até à atualidade, o assunto dos eucaliptais em Portugal divide múltiplos agentes políticos, de forma multifacetada, contraditória e irreconciliável. Camargo e Castro (2018), num dos poucos (senão o único) trabalhos que analisam esta problemática sem compromissos económico-políticos com a floresta industrial, sublinham, por exemplo, que o primeiro nicho de complexidade política sobre este tema é que a questão do eucalipto em Portugal após a revolução do 25 de Abril de 1974 se tornou um aliado da democracia, já que a maior fábrica de celulose - a Portucel - foi nacionalizada e permaneceu no Estado até 1995. Camargo e Castro mostram que entre 1974 e 1989 o Estado português “foi o principal encarregado das plantações [de pinheiros e eucaliptos], com parcerias dos Serviços Florestais com a Portucel” (Camargo e Castro 2018: 25), e que “nas últimas décadas, a influência da indústria das celuloses sobre as decisões políticas em matéria florestal acentuou-se até se tornar atualmente dominante, atravessando as esferas de influência nos corredores do poder, com ultimatos públicos aos governos e chegando à governação direta” (Camargo e Castro 2018: 77). Estes compromissos governamentais continuaram a ocorrer, mesmo após a total privatização da grande celulose da Portucel (hoje parte da Navigator), que se iniciou em 1995 no governo do Partido Social-Democrata, de ideologia neoliberal e dirigido por Aníbal Cavaco Silva, e que se concluiu em 2006.

O problema com o debate sobre o cultivo de eucaliptos em monocultura em Portugal é assim tão complexo e profundo que está, desde logo, enraizado na própria definição de floresta criada pelas instituições do Estado que lidam (ou deviam lidar) com a preservação da biodiversidade. De facto, a instituição que em Portugal regulamenta as florestas - o Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta -, no relatório publicado em 2017 (o último disponível), define a floresta como um plantio de árvores quantitativo e em extensão, aniquilando o que define a floresta como bioma - a diversidade de árvores e outras plantas associadas, nomeadamente, às historicidades humanas - e ainda adicionando o porte das árvores, o seu tamanho e a extensão do terreno plantado à definição do que seria floresta (ICNF 2017). O que antes era a definição de floresta industrial passa assim a ser a definição de floresta para as instituições de proteção da floresta:

“[Floresta é] o terreno, com área maior ou igual a 0,5 hectares e largura maior ou igual a 20 metros, onde se verifica a presença de árvores florestais que tenham atingido, ou com capacidade para atingir, uma altura superior a 5 metros e grau de cobertura maior ou igual a 10%.” (ICNF 2019; Camargo e Castro 2018: 26)

Contrariando as definições de entidades internacionais credíveis, como o Global Forest Watch, para o qual a floresta se define primordialmente pela biodiversidade, esta definição do organismo do Estado português determina os equívocos criados em números e gráficos sobre a situação “da floresta” em Portugal. Assim, por exemplo, e como Camargo e Castro mostram a partir da apresentação e confronto dos dados do ICNF e do Eurostat, enquanto nos dados do ICNF a área de floresta em Portugal parece sempre estável e em crescimento da década de 1990 até à atualidade, o gráfico da Eurostat deixa-nos atónitos, ao mostrar que Portugal é o único país da União Europeia que entre 1990 e 2015 teve um decréscimo absoluto da área florestal (Camargo e Castro 2018: 28-29).

Partindo de uma definição de floresta sustentada na extensão territorial do cultivo e na altura/tamanho das árvores, em vez de assentar nas relacionalidades biodiversas e suas historicidades, os dados do ICNF vão integrando o imenso crescimento de monocultura de árvores ou floresta industrial como se fosse um aumento da extensão territorial da floresta. De facto, os eucaliptais (Eucalyptus globulus, Labill.) aumentaram em Portugal 92% entre 2006 e 2010 e ocupam atualmente 60% do solo florestal, tendo suplantado, em 2010, a área de monocultura de pinheiro (Camargo e Castro 2018: 30).

Durante as décadas de 2000 e 2010, em Portugal o cultivo intensivo de árvores em monocultura foi sendo apoiado por incentivos públicos à rentabilização da terra rural através de “florestas” industriais. Em vez de formarem malhas dispersas no território físico, estas sucessivas plantações foram-se encontrando e preenchendo áreas contíguas e extensas de monocultura intensiva de eucaliptos e pinheiros, criando paisagens de catástrofe com particular incidência na região Centro-Norte do país. Mesmo depois dos megaincêndios de 2017, num número especial da revista Cultivar dedicado ao eucalipto, agrónomos e biólogos voltaram a reproduzir a falaciosa relação necessária entre “abandono” dos campos e incêndios, argumentando que estes megaincêndios se podiam explicar melhor pelos problemas resultantes do abandono dos campos do que pela monocultura de árvores (cf.Pereira 2018; Sequeira 2018).

A malha territorial absolutamente inviável para a sobrevivência de vidas acaba por ser descrita pelo próprio Estado quando em 2020 se anunciou o Programa de Transformação da Paisagem. Na portaria que criou o programa descreve-se como “vulneráveis” e, portanto, elegíveis para apoios no âmbito desse programa, quer os territórios onde a monocultura de eucaliptos ou pinheiros ocupa o solo, quer aqueles que estão nas suas imediações. Como podemos visualizar no mapa que integra a própria portaria, o território elegível ocupa uma mancha contígua de uma extensão perturbadora, que vai do rio Tejo até ao extremo norte do país, abrangendo quase toda a região Centro.

Figura 1 Mapa dos territórios vulneráveis elegíveis para o Programa de Transformação da Paisagem (Portaria n.º 301/2020, 24 de dezembro, DR, 1.ª série, p. 27)  

Se considerarmos estas paisagens “vulneráveis” como “paisagens em ruína”, resultantes da monocultura intensiva de árvores, fazemos uma rotação de perspetiva. A “transformação da paisagem” deveria então passar por rever o conceito da floresta e considerar que só há floresta se houver associação entre paisagem biodiversa e território sociodiverso, fruto de múltiplas relacionalidades no presente e no passado. O panorama político resiste, no entanto, a essa reversão de perspetivas. Nesse sentido, vale a pena referir um domínio de documentação que são os relatórios de avaliação dos megaincêndios de 2017 por uma comissão técnica independente (CTI 2017, 2018). O relatório relativo aos incêndios de outubro (que abrange a região Centro-Norte) identifica ter sido “o maior incêndio de que há memória” na região Centro: “o maior fenómeno piroconvectivo registado na Europa até ao momento e o maior do mundo em 2017, com uma média de 10 mil hectares ardidos por hora entre as 16 horas do dia 15 de outubro e as 5 horas do dia 16 de outubro” (CTI 2018: 15).

Lidos ao detalhe, verificamos que estes relatórios de avaliação dos incêndios de 2017 terão sido os primeiros estudos aprofundados que explicitam haver em Portugal incêndios associados à monocultura de árvores, mas apenas essa procura do detalhe viabiliza essa identificação. O fator da monocultura de árvores ocupa um lugar residual nestes relatórios (CTI 2017, 2018). De facto, os peritos independentes consideram que o descontrolo do fogo ocorreu devido à conjugação entre fenómenos climáticos extremos - no caso do incêndio de outubro, o furacão Ophelia - e a intensidade de cultivo de pinheiros e/ou eucaliptos, mas tal explicitação é secundária na narrativa. No relatório sobre o incêndio de junho de 2017, a palavra monocultura aparece apenas uma vez na secção sobre alternativas de implementação da floresta, referindo-se aí explicitamente que “espaços florestais contínuos e, no caso em análise, ocupados predominantemente por monoculturas de eucalipto e pinheiro-bravo não sujeitas a gestão adequada face ao risco de incêndio que representam, geram incêndios grandes e severos. (CTI 2017: 149, sublinhado meu). O relatório sobre os megaincêndios de outubro de 2017, não usando nunca a expressão monocultura, acaba, no entanto, por identificar - mas de forma muito ténue - a relação entre os megaincêndios e a extensão territorial de eucaliptais e pinheiros-bravos, e inserir nas recomendações finais que, além da necessidade de uma melhor gestão territorial, manejo, etc., seja necessária também uma outra visão/definição da floresta:

“A Comissão Técnica Independente recomenda que um melhor entendimento da floresta como um bem coletivo, que proporciona serviços fundamentais às comunidades, que regula os diversos ciclos biofísicos do ambiente natural e que satisfaz muitas das condições necessárias à valorização de componentes inseridos no Turismo de Natureza, é fundamental.” (CTI 2018: 8)

A identificação da gravidade da extensão territorial de monocultura de árvores em Portugal tem sido entretanto feita em relatórios europeus sobre o clima, nos quais se passa a identificar a necessidade de reconverter a paisagem de monocultura intensiva de árvores no sul da Europa, tendo em conta o plano de adaptação às alterações climáticas (cf. European Commission 2020).12 O Programa Transformação da Paisagem (PTP) formalizado pela Resolução do Conselho de Ministros de julho de 2020 13 vem dar resposta a esta situação, propondo reconverter 25% das áreas de floresta de monocultura intensiva. A portaria que implementa o Programa de Transformação da Paisagem reconhece (pela primeira vez) que a monocultura intensiva de árvores em Portugal não foi gerida a uma escala territorial e criou um problema gigantesco:

“Esta realidade, traduzida na dificuldade em introduzir modelos de gestão pensados à escala da paisagem, evoluiu de forma anárquica, através de uma dinâmica rentista dos milhares de proprietários, transformando uma paisagem, outrora constituída por mosaicos diversos e muito agricultados e pastoreados, para uma paisagem monocultural, num continuum de floresta industrial (essencialmente destinada a trituração) e matos, com elevadas cargas de combustível vegetal.” (Portaria n.º 301/2020: 25, sublinhados meus)14

A apresentação do Programa Transformação da Paisagem em fevereiro de 2020 pelo então ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes, refletiu essa visão quando considerou que era preciso transformar a paisagem “recuperando às vezes muita da própria paisagem como ela era” para “atingir o nosso objetivo, que é reduzir para metade a área percorrida por incêndios”.15

A proposta de reconversão da paisagem pela recuperação de mosaicos agro-pastoris é central ao texto governativo, desta forma suspendendo a catástrofe causada pela monocultura. Mesmo assim, tanto os textos quanto os discursos políticos sobre este tema continuam a espelhar uma visão moderna da paisagem que precisa de ser radicalmente mudada. O olhar trazido pelas relacionalidades mostra, por exemplo, que projetos que não prestem atenção às territorialidades no passado - mesmo que elas aparentem ter desaparecido por os territórios não estarem permanentemente ocupados e/ou terem ocupações de população que não vivia ali no passado - não irão operar essa mudança. Programas de reconversão da paisagem descritos pelo cultivo de árvores para captação de carbono não implicarão, portanto, a reversão da monocultura de árvores, o que implicaria, como o olhar sobre as historicidades antropogénicas dos biomas nos mostra, uma associação relacional de humanos e não humanos em formas múltiplas que vão da presença atual e renovada à memória de locais de habitação antiga. O olhar das relacionalidades identifica, desta forma, um cenário claro dos caminhos para a ressurgência e identifica os trajetos tecnicamente ínvios que mais não fariam senão atiçar a catástrofe moderna.

Considerações finais

A partir da perspetiva da floresta como paisagem da diversidade, formada por processos antropogénicos, argumentei que a monocultura de uma mesma espécie de árvore em extensão é uma “não-floresta”. Essa é uma perspetiva antropológica sobre a manutenção da biodiversidade em suas ressurgências relacionais. Para a sustentar recorri a etnografias sobre as terras indígenas na Amazónia e na mata Atlântica, assim como na região de floresta tropical de monção em Timor-Leste. Propus perspetivar a floresta como bioma antropogénico cuja biodiversidade está entrelaçada com a historicidade humana e aprofundar as historicidades humanas em associações relacionais, mesmo em regiões onde houve no passado deslocamento populacional.16 Argumentei que esta proposta torna viável um posicionamento da própria antropologia como projeto de conhecimento na contemporaneidade, marcada pela sua tradição de sínteses teórico-etnográficas descentradas do modelo hegemónico da modernidade.

Face ao novo regime climático, ressurgir paisagens “vulneráveis”, para usar a expressão política, implica romper com o modelo de simplificação ecológica. Neste texto sublinhei em particular que a relação com vivências no passado é central às ressurgências em florestas que trouxeram até à atualidade a biodiversidade. A partir da perspetiva antropológica o nosso olhar sobre a floresta passa a assentar em formas irrevogáveis de construção da diversidade afastando-se, definitivamente, em rutura, com a domesticação generalizada. A antropologia torna visível a coalescência entre os processos históricos destrutivos que intensificaram e intensificam a simplificação do território, ao ponto de confundirem cultivo de árvores em linha com floresta, e aqueles que, conduzidos por sujeitos históricos muitas vezes invisibilizados na construção da biodiversidade, como é o caso dos povos indígenas, são os que a têm garantido.

Neste texto alinhei a nossa perspetiva sobre políticas da “floresta” em Portugal a essas historicidades em terrenos sobre os quais tenho desenvolvido trabalho etnográfico. Argumentei que as possibilidades de ressurgência terão de contar com as historicidades das formas antigas de habitar, compreendendo a floresta como vidas em relacionalidade com o passado, nas quais a presença humana e mais do que humana em relacionalidade não só não deve como não pode ser desconsiderada. O que aqui desenvolvi mostra que qualquer ressurgência assente no cultivo isolado de árvores em linha para captação de carbono estará a reproduzir o mesmo ato de composição de paisagem sem relacionalidades, e com isso a deslocar-se dos históricos que viabilizam ressurgências em diversidades. É, portanto, a construção de relacionalidades, entre as quais as de humanos com outros mais do que humanos, conectadas também ao passado, que dá densidades temporais às paisagens, rompendo com ressurgências pela mera extensão de quantidade e altura de árvores, em nome dos mundos de vidas emergentes e em relação.

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1Este texto foi apresentado no dia 7 de novembro de 2022 como Aula Ernesto Veiga de Oliveira - a conferência que assinala o início do ano letivo no Departamento de Antropologia no ISCTE. Quero agradecer aos colegas do Departamento de Antropologia do ISCTE e especificamente a Filipe Verde por me terem convidado, e aos colegas e alunos que fomentaram um interessante debate. O texto foi redigido originalmente como parte do programa de investigação das minhas provas de habilitação para exercício das funções de investigadora coordenadora que entreguei em novembro de 2021 e defendi publicamente em outubro de 2022 no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. A versão final deste artigo ganhou muito com os comentários de Humberto Martins, a quem estou muito grata.

2Esta perspetiva contribui para uma diversidade de abordagens sobre a condição contemporânea face à crise climática mapeadas em várias coletâneas (cf.Cortés Vázquez, Martins e Mendes 2020; Taddei e Marras 2022; Devos et al. 2021).

3Para uma visão de conjunto sobre essa perspetiva ver Bastos (2019).

4Na Aula Inaugural referi Ernesto Veiga de Oliveira a propósito da questão timorense. Destaquei a sua posição ética face às problemáticas territoriais que marcaram a autodeterminação de Timor-Leste (Oliveira 1987: 8). Salientei ainda o apoio à exposição Povos de Timor, Povo de Timor - Vida, Aliança, Morte (curadoria de Maria Olimpia Campagnolo e Henri Campagnolo), realizada em 1989 no Museu de Etnologia. Essa posição de Veiga de Oliveira a favor da autodeterminação ainda era pouco consensual em Portugal nessa época, como mostra Almeida (1999).

5Público - Ípsilon, 18 de outubro de 2022.

6Fiz ao todo 18 meses de trabalho de campo entre os tupinambá de Olivença, com um ano contínuo em 1997-1998. Entre os fataluku realizei oito meses de trabalho de campo em períodos intercalados com a duração de dois a quatro meses entre 2012 e 2016.

7Para visões mais de conjunto sobre a multiplicidade de perspetivas nesta vasta área de estudos, ver por exemplo Cortés Vázquez, Martins e Mendes (2020), Taddei e Marras (2022), Devos et al. (2021).

8“Povos da floresta - mensagem indígena”. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9Skmq6wPewE (última consulta em outubro de 2023).

9Esta descrição da territorialidade começou na primeira estadia continuada em 1997-1998 e desdobrou-se nos trabalhos de campo para a demarcação da terra indígena entre 2003 e 2008.

10Para além dos “encantados”, também os chamados “donos dos lugares” (que podem ser entidades diretamente associadas a mangues ou rios, ou simplesmente a uma parte de mata) marcam a sua presença como forças cosmopolíticas em locais de habitação antiga (cf.Viegas e Cardoso no prelo).

11Sobre o contributo indígena para se conceber um modo de existência sustentado na diversidade ver Cunha 2017.

12Na qualidade de membro da Assembleia Geral da Missão Europeia de Adaptação às Alterações Climáticas, incluindo Transformações Sociais, tive acesso a relatórios preparatórios ao trabalho do Mission Board em 2019 que sustentam esta posição, que se reflete de forma muito clara no relatório final da Missão (European Commission 2020).

13“Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2020. Presidência do Conselho de Ministros”, Sumário: Cria o Programa de Transformação da Paisagem. Diário da República, 1.asérie, n.º 121, 24 de junho de 2020, 6-18.

14“Portaria n.º 301/2020. Administração Interna, Modernização do Estado e da Administração Pública, Ambiente e Ação Climática e Agricultura”, Sumário: Aprova a delimitação dos territórios vulneráveis com base nos critérios fixados no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28A/2020, de 26 de junho. Diário da República, 1.ª série, n.º 249, 24 de dezembro. 25-48.

15Voz do Campo, 2020, “Vêm aí milhões para mudar a paisagem e reduzir a área ardida em Portugal”. Disponível em https://www.agrozapp.pt/noticias/Imprensa+nacional/vem-ai-milhes-para-mudar-a-paisagem-e-reduzir-a-area-ardida-em-portugal (consultado em 30 de outubro de 2023).

16Katia Favilla está a desenvolver investigação antropológica sobre as ressurgências da paisagem perturbada pelos eucaliptais e o megaincêndio de 2017 com trabalho de campo na Serra do Açor, no âmbito do seu doutoramento no ICS, (Re)florestar - Sobre Ruínas e Recomeços Após os Incêndios de 2017: Um Estudo de Caso em Arganil, sustentada pela bolsa FCT, ref. 2022.14273.BD.

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