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Economia Global e Gestão
versão impressa ISSN 0873-7444
Economia Global e Gestão v.14 n.3 Lisboa dez. 2009
O mecenato: uma perspectiva económico-fiscal
Daniel Taborda* e António Martins**
RESUMO: A relevância social de algumas entidades do terceiro sector está na base do seu financiamento público, que assenta não só nas transferências públicas directas, mas também nos donativos atribuídos pelo sector privado. É precisamente para fomentar este comportamento que o Estado consagra benefícios fiscais aplicáveis às empresas e particulares que apoiam determinadas instituições, cujo interesse público da sua actividade justifica que aquele participe de forma indirecta no seu financiamento, abdicando da receita fiscal inerente. Este trabalho foca essencialmente os aspectos económicos do mecenato, em particular o comportamento filantrópico das empresas.
Palavras-chave: Mecenato, Organizações não Lucrativas, Donativos, Terceiro Sector
TITLE: Charitable giving: an economic and fiscal perspective
ABSTRACT: The social importance of some entities pertaining to the third sector is evoked as the reason behind direct public financial support, which is based not only on direct public transfers, but also on the donations made by the private sector. In order to encourage this behaviour, the State relinquishes revenue by granting tax benefits to companies and citizens who support institutions of widely recognized public interest. The focus of this work is mainly the economical aspects behind donations, in particular the corporate charitable giving.
Key words: Corporate Charity, Non Profit Organizations, Donations, Third Sector
INTRODUÇÃO
A acção social do Estado, dificultada no capítulo do fornecimento de serviços públicos por força das limitações orçamentais, tem vindo a ser complementada e, nalguns casos, substituída, pela iniciativa do terceiro sector. A mobilização da sociedade civil, muitas vezes através da benemerência e do voluntariado, dedica-se a causas e áreas de intervenção bastante diversas. Engloba, designadamente, a saúde, a educação, o ambiente, o combate à pobreza, a ajuda à terceira idade e o desenvolvimento cultural e científico.
O conhecimento dos factores que influenciam os donativos privados contribui para a eficácia da captação de financiamento por parte das instituições do terceiro sector, contribuindo para a sua viabilidade económica. Por outro lado, compreender o papel central que o efeito preço dos donativos desempenha no respectivo montante, bem como na apreensão dos motivos que estão na base do comportamento filantrópico empresarial, reveste-se de capital importância na definição da política fiscal, vertida, em particular, no regime do mecenato patente no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e em outros diplomas, designadamente no Estatuto do Mecenato Científico.
Os decisores políticos europeus têm vindo a reconhecer o mérito da missão prosseguida pelas organizações do terceiro sector. Com efeito, para além das vantagens no plano da coesão e tranquilidade social, elas têm ainda a capacidade de criar novos empregos. Como nota Freitas do Amaral (2005, p. 748), o sector solidarista é um «dos mais sólidos esteios da sociedade civil, autónoma perante o Estado, e indispensável à existência de uma ordem democrática e pluralista».
O propósito deste texto é o de discutir os aspectos económicos do mecenato, dando relevo aos objectivos das organizações que actuam como mecenas. A questão do regime fiscal de incentivo ao mecenato será particularmente abordada.
AS ENTIDADES DO TERCEIRO SECTOR COMO RECIPIENTES DE DONATIVOS MECENÁTICOS
A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção: privado, público e cooperativo e social [(art. 80.º, alínea b)]. Nos termos do art. 82.º, n.º 4, o sector cooperativo e social abrange, para além das cooperativas, todas as formas de exploração comunitária e de autogestão, a par do sector não lucrativo ou solidário.
A propósito deste último, especificamente previsto na alínea d) do n.º 4 do art. 82.º, introduzido pela revisão constitucional de 1997, Gomes Canotilho e Vital Moreira (2007, p. 987) referem que «foi, assim, consagrado na Constituição aquilo que, na literatura jurídica e económica, por vezes se designa por terceiro sector ou sector da economia social, para abranger todas as formas de exploração dos meios de produção que, além da circunstância residual de não serem públicas nem movidas pelo lucro privado, se caracterizam pelo facto de não obedecerem à lógica de acumulação capitalista...».
Numa perspectiva ampla de solidariedade social, este sector comporta as instituições não lucrativas que, normalmente, se dedicam à assistência social, promoção da cultura, saúde, educação, apoio a idosos, entre outras, e cuja actuação se centra nas actividades altruístas e humanitárias.
Geralmente assumem a forma de associações e fundações, que configuram tipos de pessoas colectivas que são, como se sabe, muito diferentes das sociedades, as quais têm um cunho eminentemente lucrativo. Exemplo paradigmático de entidades do terceiro sector, para além das associações mutualistas, são as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), explicitamente consagradas na CRP (art. 63.º, n.º 5), e que têm como suporte jurídico uma associação ou uma fundação.
A expressão terceiro sector, referindo-se às entidades que, não sendo públicas, não são também privadas com fins lucrativos, é frequentemente utilizada como sinónimo do sector cooperativo e social. Neste sentido, Ferreira (2005, p. 250) sustenta que o art. 82.º, n.º 4 da Lei Fundamental abre o terceiro sector às «cooperativas, comunidades locais, explorações colectivas por trabalhadores, as pessoas colectivas sem carácter lucrativo que tenham como principal objectivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista; a Constituição não designa expressamente mais instituições, mas entende-se que sejam as fundações e as associações».
Sendo certo que o terceiro sector não acolhe uma realidade homogénea e que os seus contornos não são unânimes, também é verdade que o seu alcance é vulgarmente apreendido. Discorrer sobre esta temática transcende o âmbito deste trabalho, sem prejuízo de o fazermos sempre que estejam em causa questões fiscais. E, neste contexto, desde logo, cumpre salientar que o tratamento fiscal das cooperativas é distinto da generalidade das entidades sem fins lucrativos[1].
De facto, apesar de as organizações do terceiro sector apresentarem, entre elas, traços distintivos, esta expressão é recorrentemente utilizada para designar aquelas que visam responder a algumas necessidades da colectividade. Esta oferta de serviços públicos actua sob a égide dos valores da solidariedade e do respeito pela dimensão humana, abstendo-se de critérios de índole lucrativa. Há, assim, uma assunção manifesta de que a sua actuação não se pauta por objectivos financeiros, ou melhor, opera num pressuposto de não distribuir os excedentes gerados pela sua actividade. Correspondem às non-profit organisations da terminologia anglo-saxónica[2].
Sem prejuízo de eventuais perturbações decorrentes do interesse próprio (self-interest) de alguns actores, a ausência do elemento finalístico do lucro atribui às entidades do terceiro sector uma aura que, complementada pelo tratamento favorável que o Estado lhes concede, facilita a captação de fundos. Para além da outorga de incentivos fiscais aos que apoiam as entidades do terceiro sector, o Estado estabelece isenções na esfera da sua tributação. Esta diferenciação é susceptível de críticas fundadas nas distorções introduzidas no plano da concorrência, na medida em que as suas actividades podem coincidir com as de empresas do sector lucrativo que se debatem com constrangimentos fiscais e de regulação. Porém, como nota Ackerman (1996), as características distintivas que possuem, nomeadamente a confiança do público, a captação dos impulsos de generosidade das pessoas e a sintonia ideológica que estabelecem com alguns grupos sociais, operam como uma fronteira face a outras entidades, colocando-as num plano competitivo diferente, prevenindo eventuais ameaças ao funcionamento da economia de mercado.
De acordo com Franco et al. (2005), o sector não lucrativo português, entendido como o conjunto de instituições organizadas privadas (ainda que informalmente) não distribuidoras de lucros, auto-governadas e voluntárias[3], envolveu, em 2002, cerca de 250 mil trabalhadores. O seu financiamento assenta em receitas próprias (48%), apoio público (40%) e filantropia (12%). Contudo, se o voluntariado for incluído na filantropia, a estrutura de financiamento altera-se substancialmente: 44%, 36% e 20%, respectivamente. Ainda assim, a contribuição da filantropia para o financiamento destas instituições é, em Portugal, inferior à média dos países desenvolvidos, onde atinge 28%.
À semelhança da composição do terceiro sector, as entidades previstas no regime do mecenato são de natureza diversa. Fruto da delimitação genérica e imprecisa do terceiro sector, com fronteiras de geometria variável «o que não é público nem privado lucrativo» , é compreensível que, em obediência à segurança jurídica, o regime do mecenato tenha procedido a uma enumeração exaustiva, tipificando as entidades recipientes. Ademais, as entidades do terceiro sector não esgotam o conteúdo dos beneficiários do mecenato[4]. Assim, independentemente da sua natureza pública ou privada o Estado a financiar-se a ele próprio , as entidades elegíveis para efeitos de mecenato têm de prosseguir determinadas actividades consideradas relevantes nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva, educacional e científica (art. 61.º do EBF).
AS DESPESAS PÚBLICAS E OS DONATIVOS: O EFEITO CROWDING-OUT
Os mecanismos mais importantes de que o Estado dispõe para dinamizar esta importante área económica são as transferências directas para as instituições do terceiro sector, a oferta dos serviços públicos e a subsidiação dos donativos do sector privado, através da via fiscal. É no contexto desta última vertente, que concretiza uma das finalidades extra fiscais dos impostos a de influenciar a afectação de recursos , que surgem os benefícios fiscais concedidos aos sujeitos passivos que consignam uma parte do seu rendimento, sob a forma de donativos, às instituições do terceiro sector. Atente-se que o Estado mantém a faculdade de direccionar o fornecimento de bens e serviços para as áreas que lhe interessa apoiar, mediante o reconhecimento e hierarquização dos benefícios fiscais dos donativos que lhes são destinados (tal como é visível na moldura legal do EBF), e de dimensionar o terceiro sector.
Quando as motivações para a concessão de donativos são principalmente de natureza altruísta, a função «utilidade» do filantropo incorpora a utilidade dos outros, pelo que é evidentemente influenciada por esta. Ora, se a política governamental for deficitária em matéria social, os filantropos, animados por razões essencialmente altruístas, revelam maior propensão para conceder donativos, substituindo-se à função do Estado.
Contrariamente, se o governo aumentar as despesas com os serviços públicos para um nível que, sob o ponto de vista do bem-estar dos cidadãos, é adequado, os agentes que concedem donativos, com o escopo de incrementar a satisfação dos recipientes, deparam-se com menos razões para o fazer. É neste quadro que ocorre o fenómeno do crowding-out, que resulta do efeito simétrico que o incremento das despesas públicas pode ter na atribuição de donativos[5]. Saber se os donativos são concedidos por particulares ou por empresas não é uma questão desprezível nesta matéria, uma vez que o efeito crowding-out pode ser induzido em cada um destes grupos, não só pelo comportamento do Estado, mas também pelo do outro grupo.
Embora a literatura empírica não seja unânime, Trost (2006) observa que, de uma forma geral, há um efeito crowding-out parcial, em que o reforço do papel do Estado no fornecimento de serviços públicos tem, por consequência, uma quebra do nível de donativos menos que proporcional. Tal significa que o efeito crowding-out não é perfeito. Note-se que, entre outras razões, as despesas públicas podem funcionar como um meio de sinalização de que o desenvolvimento do terceiro sector é relevante sob o ponto de vista social, incentivando, por esta via, o apoio dos agentes privados[6].
De acordo com o modelo de Andreoni (1990) warm glow model , existem razões que animam os filantropos e que não resultam apenas do efeito positivo causado no recipiente, alimentando a ideia de que a contribuição própria e a contribuição dos outros não são substitutos perfeitos. Tal não invalida que a função «utilidade» dos filantropos incorpore a satisfação dos recipientes. Porém, importa equacionar outras motivações que o acto de contribuir encerra. Sob os auspícios do warm glow model, os filantropos contribuem com o intuito de melhorar o bem-estar dos outros, mas beneficiam de outras fontes de satisfação (reconhecimento, gratidão e sentimentos de desresponsabilização) que acabam por influenciar a sua função «utilidade»[7].
Os resultados de Duncan (1999) sugerem que o efeito crowding-out envolve não só dinheiro, mas abrange também o trabalho voluntário, encontrando-se, pois, subvalorizado. Conclui que o crowding-out não é perfeito e acolhe, portanto, a tese do warm glow, sem no entanto repudiar liminarmente o altruísmo puro. Defende, à semelhança de muitos outros autores, que, nesta matéria, não há soluções simplistas ou de polarização extrema. O mesmo autor observa ainda que a cooperação entre filantropos diminui o sentimento pessoal de realização que anima o acto de conceder donativos, uma vez que, segundo a «teoria do impacto filantrópico», os contribuidores não se movem exclusivamente pela vontade em aumentar o nível de recursos públicos, ou pelos sentimentos positivos que derivam do seu acto (warm glow). Agem, também, pelo seu desejo intrínseco de «fazerem a diferença».
Nesta abordagem, o efeito crowding-out provocado pelas despesas públicas, assegurada que seja a hipótese de terem outro destino, poderá transformar-se num efeito crowding-in, porquanto este tipo de filantropia encontra a sua razão de ser na afectação de recursos a destinos específicos. Os fundamentos da «teoria do impacto filantrópico», ainda que tenha tido como pano de fundo os donativos dos indivíduos, podem ser extrapolados para os donativos empresariais. De facto, sobretudo no âmbito da filantropia estratégica, as organizações ganham um controlo do tipo de causas que querem ver apoiadas, o que não acontece com o cumprimento estrito do dever de contribuir: a afectação da receita do tributo é decidida sem ter em conta as preferências de quem o entrega.
Tal como Trost (2006) faz notar, a literatura tem limitado a análise do efeito crowding-out aos donativos atribuídos por particulares. No plano da filantropia organizacional, o efeito crowding-out parcial sugere a existência de factores não exclusivamente altruístas na função «utilidade» dos gestores, ou de um modelo de maximização de lucros. Assim, os resultados do estudo de Trost indiciam a ausência de crowding-out, demarcando-se das conclusões relativas aos donativos individuais, e aventam que, neste cenário, a capacidade explicativa do modelo de maximização da utilidade dos gestores depende da assunção de que o bem-estar da comunidade recipiente não integra a sua função utilidade. O trabalho de Day e Devlin (2004) aponta para a existência de crowding-in. Ou seja, os donativos das empresas estabelecem uma relação positiva com as despesas públicas. Esta relação de complementaridade é mais forte nas áreas do apoio social e da educação, o que induziu a que as autoras ventilassem a hipótese de as instituições recipientes de donativos serem muito dependentes do financiamento estatal.
Em síntese, se numa determinada economia, as empresas que concedem donativos são encorajadas por razões de «interesse», geralmente relacionadas com a maximização dos lucros, o efeito crowding-out, à partida, terá pouca expressão, persistindo um reduzido grau de substituição entre as despesas públicas e os donativos empresariais. Assim, o Estado poderá aumentar as despesas públicas, sem temer uma contracção do nível de donativos. Porém, no que se refere à compreensão dos efeitos da política económica do governo, existem outras questões que devem ser ponderadas, nomeadamente a elasticidade-preço dos donativos.
OS MODELOS DA MAXIMIZAÇÃO DOS LUCROS E DA MAXIMIZAÇÃO DA UTILIDADE DOS GESTORES: ASPECTOS TEÓRICOS E RESULTADOS EMPÍRICOS
As motivações da filantropia empresarial são de diversa ordem. Sem prejuízo da corrente conciliadora, que sustenta a hipótese de o interesse próprio e do altruísmo não serem mutuamente exclusivos, o estudo da filantropia empresarial tem vindo a ser sistematizado em torno de dois modelos distintos: o modelo da maximização do lucro e o modelo da maximização da utilidade do órgão de gestão, em que a relação entre a taxa de imposto e o montante de donativos vem operando como um indicador da aderência destes modelos à realidade (Carroll e Joulfaian, 2005; Brammer e Millington, 2005).
Analisando a concessão de donativos sob a óptica da maximização dos lucros, os donativos podem não ter a natureza de verdadeira filantropia, sendo registados no conjunto de custos de funcionamento da empresa que contribuem para a obtenção de resultados.
A maximização da utilidade dos indivíduos encontra no espectro dos donativos das pessoas singulares um ambiente genuinamente natural. Tal como já foi mencionado, os donativos individuais demandam um corpo teórico que, ultrapassando a lógica redutora do aumento do consumo, se baseia no postulado de que os indivíduos podem aumentar o seu nível de satisfação em função da melhoria do bem-estar dos outros. Esta perspectiva poderá ser adaptada para o campo das pessoas colectivas, mediante a assumpção de que a sua acção não se esgota no propósito da maximização dos lucros, assumindo os donativos um papel mais próximo da filantropia no seu estado mais puro, consistente com a satisfação em contribuir para o bem-estar social. Os argumentos de natureza normativa preconizam o dever de a organização aliviar o impacto dos problemas que causa à sociedade e de partilhar alguns dos benefícios que esta lhe permite obter. Tal não obsta a que, ainda que implicitamente, o oportunismo dos membros do órgão de gestão condicione a decisão de doar.
Nesta dupla abordagem, a variável preço relativo (1-t), em que t representa a taxa de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas[8], tem vindo a ser amplamente utilizada para a identificação das motivações das organizações na concessão de donativos. Assim, quando os donativos equivalem, em substância, aos custos comuns da empresa, a alteração da taxa de imposto não tem qualquer efeito no respectivo montante.
No modelo da maximização de lucros não se está perante um comportamento autenticamente altruísta; a empresa apenas concede donativos na medida em que estes contribuem para a maximização dos seus lucros. Ou seja, os donativos da empresa não são, na sua verdadeira natureza, altruístas. Eles assentam, pois, na análise custo/benefício e são vistos como mais um instrumento de gestão.
Num quadro teórico alternativo em que os donativos correspondem a um comportamento menos instrumental (pelo menos na perspectiva da organização), o seu financiamento terá origem em rendimentos residuais. Estes rendimentos, sem destino previamente fixado, são influenciados pela variação da taxa de imposto, o que é consistente com o modelo da maximização da utilidade dos gestores.
É importante reiterar a ideia de que o desígnio da obtenção de lucros não colide necessariamente com o modelo da maximização da satisfação do órgão de gestão. Shaw e Post (1993) afirmam que não vêem qualquer problema no facto de os programas de apoio social terem reflexos positivos na imagem, reputação ou goodwill da empresa patrocinadora. Acrescentam que, neste capítulo, as motivações das empresas resultam de uma amálgama de razões altruístas, estratégicas, de cidadania e de prudência, repudiando expressamente a tese de que o interesse próprio é incompatível com factores de ordem moral. Seguindo o mesmo fio condutor, a abordagem de Dienhart (1988) concilia os termos «investimento» e «caridade».
O estudo da filantropia empresarial tem sido marcado por um contexto de controvérsia, no qual duas lógicas principais se defrontam. Todavia, actualmente, mais do que dicotómicas, estas lógicas ganham contornos comuns se for considerado que a concessão de donativos é uma dimensão da responsabilidade social, entendida esta como uma forma de actuação que está para além das exigências legais e cujo eixo estruturante é composto por regras dos campos económico e social, acarretando vantagens simultâneas para a empresa e para a comunidade.
A concessão de donativos promove a integração da organização na comunidade e reforça os laços entre a organização e os seus funcionários. Também proporciona um aumento da sua reputação, com reflexos positivos junto dos stakeholders. Quando articulada com a actividade principal da empresa, poderá assumir um carácter estratégico, maximizando o «resultado social», com repercussões na atracção de melhores recursos, promoção de vantagens competitivas e aumento da performance económico-financeira. Nesta óptica, mesmo com efeitos temporalmente diferidos, a lógica de maximização de lucros está perfeitamente enquadrada. Fairfax (2006) refere que mesmo os defensores da primazia dos interesses dos accionistas admitem que algumas acções encetadas pelos gestores, aparentemente orientadas para a satisfação dos outros stakeholders, numa perspectiva de longo prazo, são consistentes com o modelo da maximização dos lucros.
Para explicar a relação entre a taxa de imposto e os donativos concedidos, seguir-se-á de perto a formulação de Boatsman e Gupta (1996). Neste modelo, o órgão de gestão, com o propósito de incrementar a sua própria satisfação, financia os donativos empresariais através de lucros discricionários. Em traços gerais, este conceito refere-se aos lucros adicionais, face a um montante mínimo exigido pelos sócios da empresa, que poderão financiar despesas com actividades que não estão directamente relacionadas com a obtenção de receitas.
Há um nível de donativos que pode ser consistente com a maximização de lucros, mas não está excluída a possibilidade de o órgão de gestão contribuir acima desse montante, com o propósito de aumentar a sua utilidade, extraída, por exemplo, do acesso a grupos de elite sociais, do apoio a causas que lhe sejam caras e da demonstração pública do seu poder e capacidade de influência. Em conformidade com esta regra, admite-se que a receita marginal dos donativos seja superior ao seu custo marginal, reflectindo que o nível de donativos excede o nível óptimo que maximiza os lucros da empresa, o que, de alguma forma, suporta a hipótese, divulgada por Brammer e Millington (2005), de que a remuneração dos gestores e os donativos possam ser substitutos.
Atente-se que a suposição de este modelo se basear numa lógica de os donativos serem concedidos pelos gestores, na qualidade de agentes dos sócios, deve ser rejeitada. Com efeito, ainda que seja razoável admitir que os sócios de uma empresa preferem concretizar a sua política de donativos através da organização cuja propriedade detêm (sobretudo na hipótese de as taxas que recaem sobre o seu rendimento pessoal serem inferiores à taxa de imposto da empresa e, portanto, o efeito da dedutibilidade dos donativos ser mais expressivo quando concedidos por esta via), em conformidade com o quadro teórico dominante, os membros do órgão de gestão actuam no sentido de atingirem os seus objectivos e não como meros agentes daqueles. Evidentemente que se os órgãos de gestão forem titulares do capital social e as organizações tiverem o seu capital concentrado, esbatendo-se as fronteiras entre os interesses das partes, esta questão adquire maior nitidez e pertinência. Para Fry et al. (1982), aceitar a tese de que os proprietários concretizam a sua política filantrópica através da organização que detêm, pressupõe que as pequenas empresas atribuem relativamente mais donativos do que as grandes, já que é naquelas que se verificam as características supra referidas. Esta tese não tem colhido suporte empírico em grande parte da literatura.
O modelo da maximização da utilidade do órgão de gestão decompõe o impacto do aumento da taxa de imposto no montante de donativos concedidos em dois efeitos de sinal contrário: o efeito rendimento e o efeito substituição. No âmbito do primeiro, dado que os lucros são a base do financiamento dos donativos, o aumento da taxa de IRC constitui um factor potencialmente conducente à sua redução (relação negativa).
O efeito substituição sustenta uma possível relação positiva entre a taxa de IRC e o montante de donativos concedidos. O aumento da taxa de IRC conduz a uma diminuição da preferência pelo lucro, tornando a sua troca pela concessão de donativos, ou por outras despesas discricionárias, compensadora, diminuindo o ónus da tributação. Dito de outra forma, o preço relativo dos lucros discricionários face às despesas que financiam é alterado, porquanto os primeiros estão sujeitos a tributação, ao invés das segundas que são dedutíveis.
Segundo o modelo de Williamson (1963), o efeito substituição é superior ao efeito rendimento, pelo que, verificada a condição de existir um nível suficiente de lucros que satisfaça as pretensões dos sócios, a relação entre a taxa de imposto e o montante de despesas afectas às preferências de consumo dos gestores (de que são exemplo os donativos) é positiva[9]. Schwartz (1968) obteve uma relação negativa entre a variável preço e os donativos, com uma elasticidade-preço[10], consoante os modelos utilizados, entre -1,06 e -2,00, acima dos valores obtidos por Clotfelter (1985).
Noutro sentido, e à semelhança de Levy e Shatto (1978), os resultados de Arumlapalam e Stoneman (1995) confirmaram uma relação significativa positiva entre a taxa de imposto e os donativos, prevalecendo assim o efeito substituição sobre o efeito rendimento.
Note-se, no entanto, que o efeito substituição é positivo apenas e só na hipótese de o valor mínimo de lucros não ser ultrapassado; caso contrário reforçará o efeito rendimento. Assim, se a fronteira de lucros exigidos pelos titulares do capital for transposta, o órgão de gestão não incorrerá em despesas que não sejam absolutamente consistentes com o propósito de maximização de lucros, prevenindo a sua indesejada substituição. Independentemente de se saber qual dos efeitos é dominante, uma relação significativa entre a taxa de imposto e os donativos sugere que o escopo dos donativos das empresas não se reduz à maximização de lucros.
Navarro (1988) equaciona este problema de forma diferente, excluindo os lucros discricionários da função utilidade. Contrastando com o modelo do comportamento discricionário avançado por Williamson, para Navarro, os lucros discricionários não fazem parte da função utilidade dos gestores; financiam tão-somente o consumo de actividades discricionárias, não conferindo utilidade por si mesmo. Se a diferença na abordagem do problema parece de somenos importância, as suas implicações são diametralmente opostas às do modelo referido, uma vez que a exclusão do efeito substituição, permanecendo o efeito rendimento isoladamente, contribui para uma relação negativa entre a taxa de imposto e o montante de donativos.
Os resultados de Navarro (1988) atestam que a relação entre a taxa de imposto e o montante de donativos é pouco significativa. Apoiam a ideia de que a concessão de donativos segue uma lógica de maximização de lucros, em que as taxas de imposto afectam o nível de lucros, mas não têm impacto no montante de donativos, que maximiza aqueles lucros. Ainda que quase neutra, Navarro verificou que a relação é negativa, o que parece alimentar a tese de que a variável lucro discricionário deve ser omitida no modelo tradicional de maximização da utilidade dos gestores. Os resultados de Brammer e Millington (2005), baseados numa amostra de 550 empresas do Reino Unido, cotadas na London Stock Exchange em 1999, também sugerem ausência de significância estatística da taxa de imposto na explicação do montante relativo de donativos.
DONATIVOS E SISTEMA FISCAL
Na legislação portuguesa, o art. 61.º do EBF qualifica os donativos empresariais como custo fiscal, preenchidos que estejam determinados pressupostos (nomeadamente o seu carácter de liberalidade), destinados a determinadas actividades prosseguidas pelas entidades, públicas ou privadas, referidas no art. 62.º do mesmo diploma. Apesar de serem custos fiscais e de lhes ser aplicável um sistema de majorações, a dedutibilidade dos donativos encontra limites não só no EBF, como no art. 86.º, n.º 2, alínea b) do CIRC (neste último caso, operando como limitações às deduções à colecta). Os donativos são despesas fiscais que carecem de quantificação, de modo a dar cumprimento à análise custo-benefício a que estão sujeitos por imposição legal. Ou seja, a redução da receita fiscal, suportada para incentivar comportamentos filantrópicos, não é irrestrita.
A aceitação fiscal dos donativos suscita críticas por parte daqueles que entendem que a missão da empresa está circunscrita à maximização dos lucros, vislumbrando na concessão de donativos uma actuação do órgão de gestão em ordem à satisfação da sua utilidade e, portanto, desconexa da sua função. A consagração legal da dedutibilidade dos donativos, como se de outro custo de funcionamento se tratasse, estimula um comportamento discricionário por parte do órgão de gestão, podendo, inclusivamente, legitimar um abuso dos direitos de propriedade dos accionistas e potencia uma afectação ineficiente dos recursos organizacionais. Os detractores da tese que preconiza a aceitação fiscal dos donativos centram as suas críticas no encorajamento das preferências de consumo dos gestores que, para granjearem prestígio social, ou em devoção a princípios altruístas e a outras crenças ideológicas, normalmente sob o argumento da responsabilidade social da organização, delapidam o património social.
Uma outra corrente milita a favor da dedutibilidade fiscal dos donativos, uma vez que defende que a função da empresa não está confinada à maximização dos lucros. Nestas perspectivas antagónicas, há o entendimento comum de que a atribuição de donativos é uma actividade cujo escopo extravasa a maximização dos lucros, pelo menos, num sentido estrito. O que parece estar no centro da divergência é o facto de os primeiros não aceitarem esta realidade e reivindicarem que a legislação fiscal proteja os prejudicados (normalmente os sócios) do comportamento discricionário dos gestores, ao passo que os segundos não vislumbram na conduta do órgão de gestão qualquer irregularidade quando abraça outros propósitos, nomeadamente a concretização da responsabilidade social da organização.
De uma forma geral, em diversos países é atribuída às organizações a faculdade de concederem donativos. No entanto, perante o objectivo da maximização dos lucros, e conforme afirmado na sentença do Supremo Tribunal do Michigan no caso Dodge vs. Ford Motor Company em 1919, podem surgir importantes conflitos de interesse. Neste processo, Henry Ford pretendia reter dividendos na empresa para reinvestir em actividades secundárias ao propósito da maximização de lucros. Esta pretensão suscitou a indignação de accionistas minoritários («the Dodge brothers»), reputando de ilegítimo o intuito de beneficiar os funcionários e clientes, com o fundamento de ser feito à custa dos accionistas. O Tribunal corroborou a tese de que a missão primordial da gestão é favorecer os accionistas[11].
Atente-se, contudo, em outro episódio judicial, ocorrido três décadas mais tarde, o qual demonstra que, historicamente, a concessão de donativos tem concorrido para o agravamento dos problemas de agência: em 1952, na sequência da doação de 1500 dólares da A. P. Smith Manufacturing Company à Universidade de Princeton, um accionista (Barlow) processou a empresa por danos. O Tribunal decidiu que esta agira em prol do bem comum, já que o destinatário do donativo satisfaz necessidades colectivas e portanto, de forma indirecta, também beneficia a empresa (em 1953, o recurso do accionista para o Supremo Tribunal de New Jersey não colheu provimento). Segundo Brown et al. (2006), com esta decisão, a lei americana passou a consagrar a legitimidade dos donativos que não estão relacionados com a actividade da empresa. Para Sharfman (1994), esta sentença judicial institucionalizou formalmente a filantropia empresarial, cuja aceitação estava, desde há muito tempo, generalizada na sociedade norte-americana.
Existem benefícios intangíveis proporcionados pela atribuição de donativos que não são claramente subsumíveis numa lógica de maximização de lucros e que caem no desenho legislativo da ausência de contrapartidas para a organização. Esta perspectiva, segundo Fairfax (2006), legitima que alguns tribunais validem a atribuição de donativos, mediante o goodwill que geram na comunidade, declinando uma abordagem centrada na maximização da riqueza dos sócios no longo prazo que, necessariamente, teria repercussões na sua desqualificação fiscal. Assim, a utilização de fundos da empresa para financiamento de projectos comunitários, incrementando a qualidade de vida, é consistente com a lei e com a ética. Porém, esta abordagem não soluciona a controversa questão de saber qual o órgão que, em última instância, deve ter competência nesta matéria. Este problema enquadra-se, naturalmente, nos problemas de agência: se a decisão sobre a filantropia empresarial ficar na esfera dos sócios, os custos de agência reduzem-se.
Blair (1998) entende que uma empresa não se reduz a um acervo de activos detidos por sócios. Não constitui uma forma de organização da propriedade dos sócios, uma vez que inclui activos intangíveis e inalienáveis que resultam do esforço conjunto de vários actores. O capital humano de uma organização, por exemplo, não pode ser reivindicado pelos detentores do capital. Por isto, a doutrina que enforma a relação de agência deixa de ser aplicável no seu sentido mais estrito. Blair conceptualiza a organização como um nexo de contratos, em que os vários stakeholders acordam em contribuir para o bem comum e, abdicando dos seus direitos de propriedade individuais, colocam-nos numa plataforma colectiva, organizada hierarquicamente e dirigida por gestores. Remete para estes o poder de decidirem sobre a afectação dos activos detidos pela organização, incluindo as actividades filantrópicas.
Entre nós aceita-se geralmente a legitimidade de os gestores decidirem o montante e destinatários dos donativos concedidos, sem prejuízo das disposições estatutárias especiais. Esta opção é concebível num cenário em que os programas filantrópicos operam como tácticas próprias num quadro estratégico organizacional e, ainda que implicitamente, originam benefícios para a organização.
Quando os benefícios para a empresa não são tão notórios, materializando-se a possibilidade de, à custa dos recursos desta, os gestores obterem vantagens pessoais com a actividade filantrópica, então, a decisão do montante de donativos a conceder deve estar sujeita a regras especiais. Deve ser feito um teste à razoabilidade dos donativos (montante e destinatário) em sede de Assembleia-geral. De facto, se a filantropia for enquadrada exclusivamente no plano moral, então os gestores não devem, em nome da ideologia da organização, escolher os valores e os destinos dos donativos, carecendo, pois, da aprovação dos sócios.
Uma organização eficiente equaciona o trade-off entre a redução dos lucros disponíveis no curto prazo, induzida pelos custos com a filantropia e a melhoria da sua reputação, com impactos positivos na performance económico-financeira futura e, sobretudo, fundamenta a opção junto dos seus sócios, harmonizando eventuais pontos de vista conflituantes. Os sócios da organização deverão ser sensibilizados para o impacto positivo que os donativos têm na rendibilidade de longo prazo, já que, no curto prazo, se traduzem na redução dos lucros disponíveis para distribuição. Useem (1988) refere que, para as empresas sujeitas a uma disciplina de mercado mais rigorosa, o pay-back previsto para as contribuições tem de ser mais evidente. Assim, é desejável que a concessão de donativos seja submetida a uma análise custo-benefício (tendo presentes as limitações das medidas quantitativas nesta matéria), bem como à apreciação dos sócios, para evitar acusações aos gestores de autopromoção social.
CONCLUSÕES
A relevância económica dos donativos suscita questões de variada natureza, tanto a um nível geral, como num plano mais específico da gestão das organizações.
Como afirmámos, se as empresas que concedem donativos são encorajadas por razões assentes no interesse próprio, o efeito crowding-out, terá pouca expressão, persistindo um reduzido grau de substituição entre as despesas públicas e os donativos empresariais. Assim, o Estado poderá aumentar as despesas públicas, sem temer uma contracção do nível de donativos.
A consagração legal da dedutibilidade dos donativos estimula um comportamento discricionário por parte do órgão de gestão podendo, inclusivamente, legitimar um abuso dos direitos de propriedade dos accionistas e potenciar uma afectação ineficiente dos recursos organizacionais. Porém, uma outra corrente defende que a função da empresa não está confinada à maximização dos lucros, sendo que o mecenato faria então parte da função social das organizações. Nestas perspectivas antagónicas, há o entendimento comum de que a atribuição de donativos é uma actividade cujo escopo extravasa a maximização dos lucros, pelo menos, num sentido estrito.
No que se refere ao estímulo fiscal para a atribuição de donativos, preenchido o pressuposto de que as entidades recipientes de donativos são eficazes no fornecimento de bens e serviços, sendo racional apoiar o seu desenvolvimento, então se a elasticidade-preço dos donativos for suficientemente elevada (superior à unidade, em valor absoluto), é preferível que o Estado financie indirectamente estas entidades, por via do reconhecimento de benefícios fiscais aos sujeitos passivos que lhes concedem donativos, do que financiá-las através de transferências directas.
De tudo quanto antecede, em que ficou explícita a ambiguidade dos resultados empíricos obtidos pelos diversos autores, é importante analisar a relação estabelecida entre a taxa de IRC e o montante de donativos concedidos pelas empresas portuguesas. Só depois de aquilatar a significância da taxa efectiva de imposto das empresas na atribuição de donativos, se pode aferir da aderência dos modelos apresentados à realidade portuguesa, avaliar o impacto da variação da taxa de IRC no montante de donativos e compreender os efeitos da legislação fiscal portuguesa que regula especificamente esta matéria.
Assim, importa proceder a uma análise empírica da matéria em apreço, de modo a compreender em que medida o factor fiscal é relevante na concessão de donativos empresariais e se as medidas de política fiscal em vigor em Portugal são compatíveis com os resultados obtidos.
NOTAS
1A questão de as cooperativas serem animadas por razões lucrativas é objecto de controvérsia. A este facto não é alheia a orientação para o mercado de algumas cooperativas. Para Namorado (2006, p. 4), «em Portugal, as cooperativas têm como uma das suas características estruturantes, consagradas na lei, precisamente a não-lucratividade, sendo além disso o subsector cooperativo o elemento nuclear da economia social». Coutinho de Abreu (1996, 2006, 2007) milita a favor da tese segundo a qual as cooperativas não têm um escopo lucrativo. No entanto, sem prejuízo das disposições do Estatuto Fiscal Cooperativo (em especial, os seus art. 7.º e 13.º), o CIRC considera que as cooperativas exercem, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, prescrevendo a tributação do seu lucro.
2Segundo Vasconcelos (2005, p. 79), «vem do direito inglês a prática das non profit making societies. Estas sociedades, que na prática portuguesa têm sido entendidas como sociedades não lucrativas, desempenham, no direito em que se inserem, um papel e uma função muito diversos do que no direito português se considera serem sociedades comerciais. Servem para suportar charities e outras instituições que, no direito português são qualificáveis como associações».
3Este estudo teve por objectivo a comparação internacional do sector não lucrativo português, identificando 12 categorias de actividade das organizações que o compõem: cultura e lazer; educação e investigação; saúde; serviços sociais; ambiente; desenvolvimento e habitação (desenvolvimento económico, social e comunitário, habitação e emprego e formação); participação cívica e defesa de causas; intermediários filantrópicos (fundações Grant-making, promoção e apoio ao voluntariado e organizações angariadoras de fundos); internacional (programas de intercâmbio/amizade/culturais, associações de assistência ao desenvolvimento, organizações de assistência internacional a situações de desastre e organizações internacionais promotoras dos direitos humanos e da paz); congregações religiosas; empresariais e profissionais, sindicatos (associações empresariais, associações profissionais e sindicatos) e outros.
4Por outro lado, englobando o sector cooperativo e social no terceiro sector, algumas das entidades do terceiro sector não estão contempladas no Mecenato, tais como a generalidade das cooperativas.
5O crowding-out perfeito significa que um aumento de uma unidade monetária na despesa pública se traduz na diminuição de uma unidade monetária na atribuição de donativos.
6Refira-se, por exemplo, o estudo de Horne et al. (2005), que conclui que os filantropos singulares desconhecem o montante de subsídios atribuído pelo Estado ao terceiro sector. Os autores sugerem que o fenómeno do crowding-out, suportado por alguns resultados empíricos, poderá ser explicado pelo facto de o financiamento público se traduzir na redução do esforço das entidades recipientes na captação de donativos.
7Segundo Andreoni (1990), a principal diferença entre os modelos do altruísmo puro e do altruísmo impuro (designação alternativa para o warm glow model) reside no facto de o primeiro assumir que é indiferente para as pessoas quem financia o bem público a fonte e os meios do seu fornecimento , interessando-lhes apenas o seu total. No âmbito do modelo do altruísmo impuro, a função «utilidade» dos indivíduos acolhe uma outra componente de satisfação extraída do acto de doar, dando origem a um coeficiente de altruísmo (ou a um coeficiente de warm glow, designação utilizada em 2006, por Andreoni). Ou seja, para estes indivíduos não é indiferente que os donativos sejam atribuídos por eles, por outros, ou que os bens públicos sejam fornecidos pelo Estado. Neste contexto, o acto de doar segue o corolário do warm glow model, em que as motivações do filantropo não se esgotam no impacto no bem-estar dos outros, o que explica que o efeito crowding-out não é perfeito. Assim, neste modelo, o fenómeno do free-rider é menos proeminente, porque, ceteris paribus, há restrições à substituição dos seus donativos pelos de terceiros.
8É muito comum na literatura o preço do donativo assumir um papel determinante no respectivo montante. Obtém-se através do complementar da taxa de IRC, (1-t), na medida em que, como Johnson (1966) faz notar, a contribuição percentual do Estado para o donativo corresponde à taxa efectiva de imposto, enquanto que o complementar representa a contribuição da organização. Em bom rigor, deveria ser utilizada a taxa marginal, como fizeram Boatsman e Gupta (1996), mas outros autores, como por exemplo Arumlapalam e Stoneman (1995), declinaram o seu uso, optando pela taxa efectiva (obtém-se através do rácio entre o total de imposto pago e o rendimento tributável). A taxa marginal de imposto corresponde ao valor actual do imposto presente e futuro pago por uma unidade adicional de matéria colectável.
9Williamson (1963) introduziu o conceito de expense preference, cuja relevância gravita em torno do facto de os gestores não serem indiferentes à natureza dos custos suportados pela organização. Dos diversos custos enumerados, destaca-se o financiamento de várias actividades discricionárias, que não representam uma remuneração directa dos gestores, mas contribuem para a sua satisfação pessoal. O financiamento destas actividades provém de fundos discricionários que resultam da diferença entre os lucros declarados (antes de impostos) e o montante mínimo de lucros (depois de impostos) exigido pelos sócios. Assim o aumento da taxa de imposto sobre os lucros tem dois efeitos: o efeito substituição, que é positivo, e o efeito rendimento. que é negativo. O efeito global tende a ser positivo, porquanto o primeiro prevalece sobre o segundo. Este é o modelo baseado na maximização da utilidade dos gestores e, segundo Williamson (1963, p. 14), «é nas grandes empresas que as manifestações do comportamento discricionário são importantes». Numa linha análoga já se haviam expressado Jensen e Meckling (1976), sustentando que um dos conflitos inerentes à relação de agência estabelecida entre o órgão de gestão e os titulares do capital deriva de, tendencialmente, o primeiro subtrair rendimentos adicionais gerados pela organização e afectá-los ao seu consumo pessoal. Contrariamente, no modelo da maximização dos lucros, em que apenas os interesses dos sócios são tidos em consideração, a alteração da taxa de imposto sobre os lucros não produz efeitos no investimento discricionário, porque todas as despesas incorridas estão confinadas ao propósito de os potenciar (neste contexto, há uma tendência para que a retenção de lucros tenha de ser amplamente fundamentada, através, por exemplo, da política de investimentos futuros).
10A elasticidade-preço dos donativos corresponde à variação percentual do nível de donativos, como consequência de uma alteração de 1% no respectivo preço.
11Anote-se que, anteriormente, nos EUA, a legitimidade da filantropia empresarial já havia sido questionada pelos sócios das empresas, obtendo a chancela judicial para as suas pretensões. Sharfman (1994) apresenta os casos do Old Colony Railroad (1881), Worthington versus Worthington (1905) e Brinson Railroad versus Exchange Bank et al. (1915), em que o facto de os donativos não afectarem positivamente os objectivos da empresa, ou de não corporizarem benefícios para os seus colaboradores, determinou que os tribunais concluíssem por uma discricionariedade injustificável. Em sentido diferente, com o fundamento de que a atribuição de donativos tinham um elo de ligação com os propósitos da empresa, refiram-se os exemplos de Steinway versus Steinway & Sons et al. (1896) e Main versus. C.B. & Q. Railroad (1899).
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*Daniel Taborda
Mestre em Contabilidade e Auditoria e Doutorando em Gestão. Professor na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital Instituto Politécnico de Coimbra. Revisor Oficial de Contas Estagiário.
MSC in Accounting and Auditing. Assistant Professor at Polytechnic Institute of Coimbra. Trainee Auditor.
**António Martins
Doutor em Gestão. Professor Auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Consultor de Empresas e consultor de Fiscalidade do IMF.
PhD in Management. Assistant Professor at University of Coimbra. Business consultant and Tax consultant of the IMF.