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Economia Global e Gestão

versão impressa ISSN 0873-7444

Economia Global e Gestão v.15 n.1 Lisboa abr. 2010

 

Empresas multinacionais de países emergentes: o crescimento das multilatinas

 

Eva Stal* e Milton de Abreu Campanário**

* estal@uninove.br

Doutora em Administração. Professora. Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. / PhD in Business Administration. Professor. Master and Doctorate Program in Business Administration, University Nove de Julho – UNINOVE.

** campanario@uninove.br

Doutor em Economia. Coordenador e Professor. Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. / PhD in Economics. Program Director and Professor. Master and Doctorate Program in Business Administration, University Nove de Julho – UNINOVE.

 

 

RESUMO

As empresas multinacionais latino-americanas ganham crescente relevância no comércio mundial. Desde os anos de 1970, firmas de países emergentes caminharam no sentido inverso ao das grandes multinacionais, que se expandiram pelo mundo aproveitando suas vantagens de recursos financeiros, tecnológicos e gerenciais. Nos anos de 1980, predominaram empresas asiáticas, cujos pequenos mercados domésticos estimulavam as exportações de produtos sofisticados. A partir da década de 1990, a liberalização econômica na América Latina estimulou as empresas locais a aprimorar produtos e processos para competir com as firmas estrangeiras nos mercados globais. Porém, as características deste movimento ainda não foram adequadamente explicadas. Este fenômeno é apresentado à luz das principais teorias de negócios internacionais, sendo levantadas algumas características dos países emergentes que podem contribuir para novas proposições conceituais. A capacitação tecnológica é considerada essencial para a expansão das multilatinas.

Palavras-chave: Multilatinas, Capacitação Tecnológica, Internacionalização, Países Emergentes

 

Multinational enterprises from emerging countries: technological capability and the growth of multilatinas

ABSTRACT

Multinational firms from Latin American countries are becoming relevant in the global trade. Since the 1970’s, emerging countries’ companies started to internationalize, going in the opposite direction of traditional MNCs, which scattered through the world to take advantage of their financial, technological and managerial resources. In the 1980’s, given their tiny local markets, Asian firms prevailed, exporting sophisticated products. As of the 1990’s, economic liberalization in Latin America stimulated local firms to enhance products and processes to compete with foreign firms in the global market. However, the features of this movement have not been adequately explained. We present this phenomenon at the light of the main theories of international business, and stress some traits of emerging countries which may contribute to new conceptual propositions. Technological capability is considered an essential asset for the expansion of multilatinas.

Key Words : Multilatinas, Technological Capability, Internationalization, Emerging Countries

 

 

INTRODUÇÃO

A expansão de empresas multinacionais (EMN), ao final da Segunda Guerra, começou com as grandes corporações americanas e européias, que buscavam novos mercados para seus produtos, num movimento de substituição de exportações, mediante a implantação de unidades industriais em países centrais e em alguns países periféricos mais promissores (Bresser Pereira, 1978). Até então, empresas estabeleciam escritórios de venda e assistência técnica nos países em desenvolvimento, para onde exportavam seus produtos. Porém, tais países haviam iniciado a substituição de importações, dificultando aquela estratégia.

Outra razão para a instalação de fábricas no exterior era aproveitar as inovações tecnológicas desenvolvidas no país de origem, ampliando o ciclo de vida dos produtos. Dadas as dificuldades em abastecer seus mercados no exterior a partir da produção nos Estados Unidos, devido a barreiras tarifárias, as EMN decidiram produzir nos mercados consumidores. Na América Latina, houve um «casamento de conveniência» entre esta estratégia e a política industrial da época, que priorizava a substituição de importações, o que resultou na predominância estrangeira nos setores mais dinâmicos da indústria. Substituíram-se exportações de produtos acabados pela exportação de matérias-primas, peças e componentes para a produção nos vários países. A integração dos países em desenvolvimento nas redes de produção das EMN teve papel relevante no aumento das exportações desses países e no seu aprendizado tecnológico.

Investimentos diretos no exterior (IDE) são recursos que as empresas utilizam nas estratégias de atuação mundial (fusões e aquisições, criação de unidades em outros países e financiamento entre matrizes e subsidiárias). O IDE estrangeiro teve um papel relevante no processo de transformação econômica e crescimento de muitos países emergentes, nas duas últimas décadas. A entrada de capitais, tecnologia e capacidade gerencial dos países industrializados beneficiou os mercados emergentes de tal modo que, em curto período de tempo, algumas de suas empresas acumularam capital e conhecimento, o que lhes permitiu investir no exterior, tornando-se «multinacionais emergentes» (Narula e Zanfei, 2005).

O objetivo deste ensaio é analisar o crescimento das EMN de países em desenvolvimento, em especial das multinacionais latino-americanas – Multilatinas ( S antiso, 2007; Cuervo -CAZURRA, 2008). Uma breve consulta à literatura aponta dezenas de artigos focalizando empresas do sudeste asiático e muito poucos sobre empresas latino-americanas. As diferenças entre as empresas dessas regiões e seus padrões de desenvolvimento são abordadas, bem como algumas características geográficas e culturais, e as políticas públicas adotadas.

 

MULTINACIONAIS TRADICIONAIS E DE PAÍSES EMERGENTES

Ao se instalar em um país em desenvolvimento, dois recursos principais da EMN tradicional - o conhecimento e a capacidade inovadora - são difundidos não apenas para a subsidiária, como para as organizações e pessoas que compõem a infra-estrutura tecnológica local (institutos de pesquisa, fornecedores, agências governamentais), num rico processo de aprendizagem.

Há fortes relações entre o IDE e o crescimento econômico, prosperidade e desenvolvimento industrial nos países emergentes. O IDE aumenta o estoque de capital do país, a produtividade, os níveis de emprego e renda. Além desses efeitos diretos, há ganhos de eficiência resultantes do aumento da concorrência gerada pelas empresas estrangeiras, dos transbordamentos tecnológicos e gerenciais e dos efeitos do aprendizado learning-by-doing sobre os fornecedores locais. Os fluxos de capital são considerados de importância secundária, frente à transmissão de idéias e de conhecimento tecnológico, organizacional e gerencial ( G ammeltoft, 2007).

Quando empresas de países emergentes concorrem com EMN estrangeiras em seus mercados domésticos, elas desenvolvem capacidades, experiência e confiança que lhes permitem competir com as mesmas EMN no exterior. Isto pode explicar por que economias emergentes que tiveram sucesso em atrair IDE (China e Índia, na Ásia; Brasil e Chile na América Latina) rapidamente aumentaram seus investimentos no exterior. Aparentemente, o investimento estrangeiro estimulou ou ajudou a acelerar o processo inverso (Luo e Tung , 2007).

As EMN tradicionais possuem marcas conhecidas, processos de inovação e tecnologias sofisticadas, sistemas de gestão eficientes, além de acesso a recursos financeiros, talentos, e redes de fornecedores e distribuição ( K hanna e P alepu, 2006). Já os países em desenvolvimento possuem «vazios ou deficiências institucionais», que consistem na falta de intermediários especializados, de sistemas de regulamentação eficientes, de mecanismos que garantam a aplicação dos contratos, mercados de capitais pouco desenvolvidos, consumidores exigentes, porém sensíveis a preços, infra-estrutura deficiente, burocracia, ambientes econômico e político voláteis. Isto dificulta e encarece o acesso de empresas desses países a capital ou recursos humanos qualificados, e torna mais difíceis os investimentos em P&D ou na construção de marcas globais.

Entretanto, ao entrar em países emergentes, as EMN tradicionais enfrentam os mesmos problemas que as empresas domésticas. E nesses casos, as empresas locais têm mais sucesso, pela experiência em trabalhar nesse ambiente peculiar, que as faz desenvolver capacidades específicas, ou pela familiaridade com as necessidades dos clientes, tanto no mercado doméstico, como em outros países de mesmo estágio de desenvolvimento ( K hanna e P alepu, 2006; Dawar e Frost, 1999). As EMN tradicionais também relutam em adaptar suas estratégias, produtos, serviços e comunicação a cada mercado em desenvolvimento em que operam. Em geral, acabam ocupando os nichos-prêmio do mercado.

Existem duas sérias dificuldades que as firmas que se internacionalizam devem enfrentar – o risco de ser estrangeiro ( liability of foreignness) e a desvantagem de origem (disadvantage of foreignness). O primeiro aspecto refere-se à falta de compreensão sobre o ambiente, relações com agentes locais até a adaptação às regras de comportamento empresarial. O segundo aspecto é mais difícil de enfrentar, pois envolve discriminação dos governos e/ou consumidores contra determinada nacionalidade, levando a um prejuízo em relação às empresas locais ( Cuervo -CAZURRA , M aloney e M anrakhan, 2007). A brasileira EMBRAER utilizou a estratégia de convidar formadores de opinião para conhecer suas instalações, de forma a mudar a imagem que eles tinham do país e, assim, contrabalançar o impacto do «risco Brasil» sobre a credibilidade da empresa ( G hoshal e T anure, 2004).

As EMN de países emergentes podem transformar a sua desvantagem de origem em vantagem, ao concorrer com EMN tradicionais em países em desenvolvimento, pois estão acostumadas a ambientes com deficiências institucionais ( Cuervo -CAZURRA e Genc, 2008). Estes autores estudaram as condições dos 50 países menos desenvolvidos do mundo, segundo a UNCTAD, e verificaram que, quanto menos desenvolvidas são as instituições de um país, maior o número de EMN de países emergentes que lá atuam.

Ainda hoje, quando muitas empresas multinacionais de países emergentes já possuem condições de competir em mercados globais, é aconselhável que elas escolham países onde possam ter melhores condições de sucesso. Tais empresas têm custos menores, se adaptam aos mercados emergentes, e se expandem globalmente fabricando os mesmos produtos que lhes deram a liderança doméstica ( Ghemawat e Hout, 2008). Sua maior vulnerabilidade ainda é a inexperiência em coordenar operações e gerenciar conflitos em diferentes países e a falta de conhecimento sobre clientes e canais de distribuição globais.

É necessário experimentar novos instrumentos e políticas de gestão – colaborações, alianças com empresas tradicionais e contratação de pessoas-chave que conheçam os mercados onde elas querem se instalar. E se preparar para a perda das vantagens de custos, construindo capacitação para competir em níveis superiores da cadeia de produção e usando sua liderança em operações domésticas para adquirir negócios em «decadência» – como fez a Gerdau , que em seguida introduziu o seu modelo de gestão nas usinas adquiridas em diferentes países.

 

A TRAJETÓRIA DAS EMN DE PAÍSES EMERGENTES

Nas últimas décadas, o processo de globalização da economia derrubou parcialmente as barreiras comerciais entre os países, estimulando a entrada no mercado global de firmas de países emergentes, até então restritas a seu ambiente doméstico. Podem-se considerar três grandes ondas de internacionalização após a Segunda Guerra Mundial: a primeira foi dominada pela Europa e pelos Estados Unidos, até a década de 1970; a segunda foi liderada pelo Japão e pelos «tigres asiáticos», e se estendeu até o final dos anos 1980. E a terceira onda é representada pelos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e outros países emergentes.

A primeira geração de EMN dos países emergentes surgiu no contexto das estratégias de substituição de importações (anos de 1970), operando num ambiente protegido por altas tarifas, com poucos recursos, adaptando produtos às condições locais, em processos intensivos em mão-de-obra, na época conhecidos como «de tecnologia apropriada». O objetivo principal era ganhar mercados e eficiência produtiva (Dunning, 1988; 1994) e os investimentos eram direcionados a outros países em desenvolvimento, geralmente vizinhos.

Este movimento teve origem predominantemente na América Latina – Argentina, México, Chile, Brasil, Colômbia e Venezuela ( Gammeltoft, 2007). Em um primeiro momento, as empresas latino-americanas no exterior visavam estabelecer parcerias com seus clientes, mantendo-se próximas para ajustes de produtos, assistência técnica e facilidades logísticas, assegurando canais de exportação de seus produtos.

A segunda onda de internacionalização foi estimulada por uma combinação de fatores pull and push (atração de empresas estrangeiras e estímulo à saída de empresas locais), e o objetivo maior era obter ativos estratégicos, daí a existência de investimentos tanto em países em desenvolvimento como em países desenvolvidos, fora de sua vizinhança. Esta fase começou nos anos 1980 e foi dominada por multinacionais dos Tigres Asiáticos – Coréia do Sul, Taiwan, Hong-Kong e Singapura – logo seguidas por empresas da Malásia, Tailândia, China, Índia e Filipinas (Minda, 2008). Os investimentos desses países no exterior foram mais significativos que os da primeira geração de EMN de países emergentes, e dirigidos a setores mais sofisticados tecnologicamente ( Chudnovsky e López, 2000).

Coréia, Taiwan, Singapura e Hong-Kong haviam sofrido transformações importantes desde os anos 1960, e possuíam à época um conjunto de empresas industriais que fabricavam produtos tecnologicamente complexos e competiam em condições de igualdade com empresas de países desenvolvidos ( Kim e Nelson, 2000). Essa mudança envolvera aquisição e assimilação de tecnologias que, por sua vez, exigiram altos níveis de investimento em capital físico e humano, além de fortes doses de empreendedorismo, aprendizagem e inovação, sempre voltados a exportações. Pelos critérios do Banco Mundial (renda per capita acima de 11 000 dólares), hoje os quatro países são considerados desenvolvidos.

A segunda geração de EMN da América Latina surgiu com a liberalização econômica. Dawar e Frost (1999) observam que havia três respostas típicas das empresas a essa situação – pedir ajuda ao governo, tornar-se parceira subordinada a uma multinacional estrangeira ou ser vendida. No setor de autopeças, a brasileira SABÓ foi uma das poucas sobreviventes e escolheu a segunda alternativa. Mas, para ir além dessa posição, foi fundamental a sua capacidade tecnológica.

A liberalização econômica teve papel fundamental no estímulo à internacionalização, ao modificar as condições ambientais em que as empresas atuavam, exigindo aumento de competitividade. Muitas empresas estatais, que haviam crescido e se consolidado sob a proteção governamental, foram privatizadas, em condições competitivas para concorrer no exterior. Na América Latina, o Chile foi o primeiro país onde isso ocorreu, em 1975, espalhando-se depois pelo continente. Não foram necessárias políticas públicas de apoio à internacionalização – a simples remoção de barreiras institucionais impulsionou as empresas a buscar novos mercados.

A abertura econômica modificou o perfil das 500 maiores empresas da América Latina. Entre 1991 e 2001, o número de empresas estatais caiu de 20% para menos de 9%. As multinacionais estrangeiras passaram de 27% para 39%. Esta crescente concorrência pressionou as empresas locais, que tradicionalmente fabricavam produtos e serviços para seu ambiente local (Santiso, 2007). As empresas mais dinâmicas tornaram-se as Multilatinas. Algumas se instalaram em outras regiões do continente, como o Mercosul e a zona andina, outras buscaram mercados emergentes em outros continentes – África e Ásia, ou em países da OCDE, especialmente os Estados Unidos.

Ao longo do tempo, surgiram outras razões para o IDE: acessar tecnologia; acessar fontes de financiamento internacionais; superar barreiras tarifárias e não-tarifárias; aproveitar a expansão do número de acordos regionais de livre comércio. Nesta fase, as maiores EMN asiáticas já competiam com as multinacionais ocidentais, investiam em países desenvolvidos, e alguns daqueles países tornaram-se exportadores líquidos de IDE – Coréia do Sul, Hong-Kong, Taiwan (Minda, 2008).

Atualmente, a terceira geração de EMN de países emergentes é constituída por empresas que conseguem se destacar num ambiente de competição global, concorrendo com outras EMN em países emergentes e também em países desenvolvidos, e ameaçam os concorrentes globais estabelecidos. A presença de empresas do Brasil, China, Rússia e, até mesmo do Egito e da África do Sul, está modificando rapidamente o cenário de diferentes setores industriais e mudando as regras desta competição ( A ulakh, 2007).

As EMN de países emergentes já correspondem a um quarto do número total das principais multinacionais do mundo. Uma tendência que se observa é o aumento das relações Sul-Sul. Firmas chinesas investem em países da Ásia e também da África e América do Sul, buscando força de trabalho ainda mais barata. Há investimentos na produção de bicicletas em Gana e video players no sudeste asiático. A empresa têxtil Ramatex, da Malásia, construiu fábrica na Namíbia, de onde fornece roupas para o mercado global (Santiso, 2007).

As Multilatinas não possuem as mesmas vantagens específicas que as EMN asiáticas nas indústrias de alta tecnologia ou em setores intensivos em capital. A desvantagem resulta parcialmente do modelo inicial de desenvolvimento industrial, a baixa taxa de acumulação de capital físico e humano, mas também da falta de visão das políticas públicas, especialmente aquelas voltadas para a educação, indústria, e pesquisa e desenvolvimento. Todos esses elementos geraram baixo nível de produtividade dos fatores de produção e menor capacidade de inovação (Minda, 2008). Os países latino-americanos confiaram nos grandes mercados domésticos e em leis que protegiam as empresas nacionais.

O sucesso de certos países asiáticos resultou de políticas governamentais coerentes e focalizadas que visavam fortalecer a inovação e a afluência de conhecimento. Foram feitos investimentos estratégicos em recursos humanos, no desenvolvimento de infra-estrutura para P&D (parques tecnológicos, incubadoras, laboratórios públicos) e na proteção da propriedade intelectual. A falta de políticas similares nos países da América Latina explica a baixa proporção de empresas latino-americanas nas indústrias de alta tecnologia ( Chudnovsky e López, 2000).

Utilizando o Índice de Competitividade Global (GCI), calculado pelo World Economic Forum, que considera nove fatores – instituições, infra-estrutura, macroeconomia, saúde e educação primária, educação superior e treinamento, eficiência do mercado, capacidade tecnológica, grau de sofisticação dos negócios e, por último, inovação – Minda (2008) mostra que a América Latina está muito atrás dos países asiáticos. Para o período 2006-2007, o país mais bem classificado foi o Chile (27.º). O México ficou em 57.º, e o Brasil em 66.º, após ter ocupado o 57.º posto no ano anterior.

China e Índia são os países mais populosos do mundo, respectivamente com 20,4% e 17% da população mundial. Apesar de serem países em desenvolvimento (pelos valores de renda per capita), estão entre as 10 maiores economias do mundo. A qualidade média dos estudantes universitários em ambos os países é muito baixa, porém os graduados das melhores instituições são muito competentes, e isto é o que explica tantos investimentos americanos em laboratórios de P&D nos dois países. Além disso, o número de estudantes enviados para fazer graduação, mestrado e doutorado no exterior é muito expressivo.

A China vem licenciando tecnologias do exterior, mediante acordos formais. Com isso, adquiriu competência para copiar e realizar engenharia reversa a partir de tecnologias estrangeiras. O acesso ao conhecimento externo tem maior peso no aumento da produtividade e crescimento dos dois países do que a inovação resultante de seus próprios esforços de P&D (Dahlman, 2007).

Por todas essas razões, a maior parte das pesquisas sobre as multinacionais de países emergentes tem focalizado as empresas asiáticas, e as Multilatinas têm recebido menos atenção. Ao contrário daquelas, que possuem fatores de competitividade amplamente reconhecidos, aqui esses fatores precisam ser construídos. As empresas se internacionalizam para buscar recursos e capacidades, e não para explorá-las, num movimento inverso à perspectiva tradicional ( B onaglia e G oldstein , 2007). Estudos sobre IDE dos países BRIC têm crescido, mas Índia e China têm sido os focos preferenciais.

No caso da América Latina, existem fatores comuns na trajetória dos países. No final da década de 1980, as economias eram bastante fechadas e algumas das maiores empresas, inclusive industriais, eram estatais. A região se especializou em setores com uso intensivo de recursos naturais e mão-de-obra. Os países passaram por processo de reforma nos anos 1990, levando à maior integração aos mercados mundiais. A liberalização comercial expôs as empresas à competição no mercado doméstico, e as estimulou a buscar oportunidades em outros mercados, seja como mecanismo de defesa, ou por perceberem que podiam competir com rivais multinacionais, pois já o haviam feito no mercado interno. A profissionalização da gestão de empresas privadas e as privatizações reforçaram esta busca de oportunidades no mercado externo. As privatizações em outros países também criaram oportunidades de investimento via aquisições. Políticas de defesa da concorrência em alguns países restringiram o crescimento doméstico, desta forma incentivando o investimento no exterior. Mas havia também muitas empresas de grande porte pertencentes a grupos familiares conservadores, que resistiam a mudanças (Rocha, Silva e Carneiro, 2007).

Pesquisas realizadas com multinacionais brasileiras apresentam alguns motivos para a expansão internacional (SOBEET/Valor Econômico, 2008; Rocha, Silva e Carneiro, 2007), entre os quais desejo de crescimento; redução de contratos governamentais; globalização do setor de atuação; instalação de centros de distribuição para apoiar atividades de exportação; acompanhar clientes em mercados internacionais; acesso a matérias-primas, canais de distribuição, tecnologia, capitais baratos; acompanhar a concorrência em mercados internacionais; estabelecer plataformas de exportação em outros países; buscar economias de escala; saturação do mercado interno; e deficiências institucionais no país de origem.

 

AS TEORIAS DE NEGÓCIOS INTERNACIONAIS E OS NOVOS PARTICIPANTES

Dentre as várias teorias que explicam a internacionalização de empresas, duas se destacam – o paradigma eclético da produção internacional ou paradigma OLI (Dunning, 1988, 2001) e a teoria comportamental da Escola de Uppsala (Johanson e Vahlne, 1977). A primeira afirma que as empresas precisam ter vantagens de propriedade (O – ownership), ou seja, recursos que as tornem competitivas no mercado internacional; devem existir vantagens de localização (L – location) nos diferentes países, que os tornem atrativos para as empresas lá se instalarem; e, uma vez ponderados esses fatores, as empresas decidem se é melhor internalizar (I – internalization) a produção naqueles países ou se é melhor exportar seus produtos ou licenciar sua produção para uma firma local.

Para a teoria comportamental, as empresas se expandem para países onde a distância psicológica seja menor, com cultura e ambiente similares ao seu. Este é um processo incremental e, à medida que aprofundam o conhecimento sobre esses países, aumentam seus investimentos locais, em uma cadeia de estabelecimento.

As empresas se internacionalizam motivadas pela busca de um ou mais fatores: recursos naturais, mercado, eficiência produtiva, e ativos estratégicos (Dunning, 1994). Neste último caso, elas visam obter competências que lhes proporcionem maiores vantagens competitivas naqueles mercados, por meio da inovação de produtos e novos canais de distribuição.

Na primeira geração de multinacionais latino-americanas, as vantagens de propriedade (O) das empresas eram basicamente relacionadas às condições do país de origem, ou seja, determinadas pelas distorções de mercado introduzidas pelo modelo de substituição de importações, e apenas sustentáveis em países com condições similares de vantagens de localização (L) (Dunning , Van Hoesel e Narula, 1996). Ou seja, o paradigma eclético se aplica, especialmente quando as EMN se instalam em outros países emergentes, para explorar suas vantagens de propriedade.

Dunning e outros autores procuraram adaptar o paradigma OLI de modo a acomodar o crescimento das fusões & aquisições, joint ventures e alianças internacionais, porém o fato relevante na internacionalização de empresas de países emergentes é que elas, em geral, não possuem as vantagens de OLI. Elas se internacionalizam, sob as novas condições criadas pela globalização, justamente para construir essas vantagens, para buscar recursos e capacidades (ativos estratégicos), e não para explorá-las – movimento inverso ao das EMN tradicionais (Bonaglia e Goldstein, 2007).

O Investment Development Path, proposto por Dunning (2001), mostra que à medida que um país se desenvolve, a configuração de suas vantagens OLI muda, e é possível identificar tanto as condições responsáveis pela mudança, como o seu efeito na trajetória de crescimento do país, mostrando sua propensão a ser investidor ou receptor de investimento. Segundo o modelo, os países passam por cinco estágios de desenvolvimento, desde a fase de pré-industrialização (onde não há investimentos de fora, pois há poucas vantagens relacionadas a L, nem para fora, pois as empresas possuem poucas ou nenhuma vantagem de O), até o estágio final, onde há um equilíbrio entre a entrada e saída de IDE.

Os primeiros IDE decorrem de vantagens específicas do país, enquanto em estágios posteriores eles decorrem de vantagens específicas da firma. O estágio do Brasil, segundo esta teoria, deveria justificar maior volume de IDE para fora, o que não ocorre devido a deficiências no ambiente institucional – ausência de um mercado de capitais desenvolvido e baixa disponibilidade de crédito a longo prazo, principalmente para pequenas e médias empresas (Amal, 2006). Políticas públicas podem modificar a configuração de OLI.

Atualmente, a seqüência da internacionalização, segundo a qual as empresas primeiro exportam, e depois se instalam em outros países, num processo incremental, foi praticamente abandonada. Em alguns setores, o alto custo da inovação, aliado aos curtos ciclos de vida dos produtos e as múltiplas competências necessárias para o lançamento de novos produtos, impulsionou as empresas a se internacionalizar rapidamente. Outras buscam aumentar seus ativos em vários países, sem ter tido experiência prévia na exploração de seus recursos e capacidades no mercado internacional (Narula, 2006).

Entre os vários autores que explicam a internacionalização de EMN de países emergentes, Dunning, através do IDP e das quatro motivações, Lall (1983) e Tolentino (1993) abordam explicitamente a influência das capacidades tecnológicas sobre o processo de globalização das empresas desses países (MINDA, 2008). A Tabela 1 resume as principais diferenças de conceitos sobre as gerações de empresas multinacionais de países em desenvolvimento.

 

TABELA 1 - Teorias clássicas e recentes sobre EMN de países emergentes

 

 

A EXPANSÃO DAS MULTILATINAS E A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

A internacionalização é uma alternativa segura para o crescimento das empresas, permitindo sua exposição a padrões internacionais de produtos, tecnologias e métodos de gestão, gerando importantes retornos para suas operações domésticas. Entretanto, as Multilatinas (ou Translatinas) se mostram globalmente competitivas em produtos de consumo intermediário, fortemente baseados em recursos naturais, não se destacando nos setores mais dinâmicos e inovadores do comércio internacional ( T avares e F erraz, 2007). Para Minda (2008), apesar de algumas exceções, como CEMEX e EMBRAER, que aspiram ao mercado global, a maioria delas possui uma vocação regional, o que reflete, em parte, a especialização produtiva e tecnológica das economias latino-americanas.

Há várias publicações com rankings das maiores multinacionais, considerando o volume de vendas . A empresa de consultoria Boston Consulting Group (BCG) vem publicando, desde 2006, relatórios sobre os 100 New Global Challengers (novos desafiantes globais), empresas campeãs locais, situadas em países de rápido desenvolvimento, que estão globalizando seus negócios e enfrentando os líderes estabelecidos em diversas indústrias. Não estão incluídos bancos e empresas de serviços financeiros.

O Relatório 2008 do BCG mostra que as empresas da lista têm origem em 14 países emergentes – Argentina, Brasil, Chile, China, Egito, Hungria, Índia, Indonésia, Malásia, México, Polônia, Rússia, Tailândia e Turquia –, e estes foram responsáveis por 17,3% do PIB global em 2006, contra 15,7% em 2005 e 13,4% em 2000. Também respondem por uma fatia crescente do comércio internacional – em 2006, a China ultrapassou os Estados Unidos como o segundo maior exportador mundial.

A metodologia destes estudos incluiu a seleção de 30 países, depois reduzidos a 14. Foi elaborada uma lista inicial de 3000 empresas, a partir de rankings locais (na Índia, as 500 maiores empresas listadas pela Businessworld, no Brasil a edição Melhores e Maiores da revista Exame). Depois, equipes próprias do BCG e especialistas internacionais realizaram um processo de triagem, envolvendo critérios como: faturamento acima de 1 bilhão de dólares, subsidiárias próprias, volume de vendas, instalações de produção, centros de P&D, principais investimentos internacionais nos últimos cinco anos, incluindo fusões e aquisições, acesso a capital para expansão internacional, portfólio de tecnologias e patentes.

Comparando os dados dos três relatórios publicados (2006, 2008 e 2009), os países latino-americanos têm representação tímida. A Argentina aparece com 1 empresa a partir de 2008; o Chile tinha apenas 1 em 2008 e mais 1 em 2009. México e Brasil são os países com maior número de empresas na lista. O primeiro tinha 6 empresas em 2006, 7 em 2008 e o mesmo número em 2009. O Brasil passou de 12, em 2006 para 13 em 2008 e 14 em 2009.

Juntos, Rússia, Índia e China tinham, em 2006, 72 empresas na lista, passando para 67 em 2008 e para 62 em 2009. A redução do número de empresas desses países e o lento crescimento dos países da América Latina mostram que outros emergentes estão sobressaindo. Em 2009, aparecem quatro empresas dos Emirados Árabes.

O IDE de empresas de países emergentes em outros países emergentes triplicou, de 15 bilhões de dólares em 1995, para mais de 45 bilhões de dólares, em 2003. No mesmo período, o investimento dessas empresas em países da OCDE saltou de 1 bilhão para 16 bilhões de dólares. Em 2005, o valor total do IDE dos países emergentes atingiu o montante recorde de US$ 133 bilhões, correspondendo a 17% dos fluxos mundiais de IDE, o maior valor já registrado ( S antiso, 2007). Os países asiáticos lideram, com mais de 60% do estoque do IDE de países emergentes em 2005, mas os países da América Latina também se destacam. Depois da Ásia, o maior fluxo de IDE vem dessa região, sobressaindo Brasil, México, Argentina e Chile.

O ranking FT Global 500, publicado anualmente pelo jornal Financial Times, mostra que entre 2006 e 2008, o número de empresas presentes na lista, originárias dos países BRIC, passou de 15 para 62. Os países emergentes continuam a ganhar importância como fontes de IDE, com um novo recorde de 253 bilhões de dólares, resultado, principalmente, da expansão das empresas asiáticas (UNCTAD, 2008).

Na relação das 2000 maiores empresas globais, elaborada pela revista Forbes (The Global 2000), em 2009 aparecem 63 representantes da América Latina – 30 empresas brasileiras, 18 mexicanas, 8 chilenas, 3 colombianas, 2 peruanas, 2 da Venezuela – contra 91 chinesas, 47 indianas, 28 russas, 19 da Malásia, 10 da Tailândia e 6 da Indonésia, num total de 201 empresas.

Apesar de esses números nos serem desfavoráveis, o número de Multilatinas cresceu significativamente no período de 1991 a 2005, multiplicando-se por 6, ao passar de cerca de 500 empresas para quase 3000. Também sua importância relativa aumentou, de 1,5% para quase 4% de todas as EMNs (Cuervo-Cazurra, 2007). Várias empresas, especialmente brasileiras e mexicanas, continuam a se internacionalizar, competindo pela liderança em indústrias de petróleo e gás, mineração, cimento, aço, alimentos e bebidas. Também há empresas atuando em novos setores, como software, petroquímica e biocombustíveis. Empresas médias também se internacionalizam, mas não constam nesses rankings.

A revista America Economia (www.americaeconomia.com) publica uma lista anual das 500 maiores empresas da América Latina, desde o final dos anos 1980. A diferença para as outras listas citadas é a inclusão de empresas com e sem cotação em Bolsa de Valores, oferecendo uma visão mais ampla das grandes empresas desta região. Os países que lideram são aqueles com populações relativamente grandes, como Brasil, México, Argentina, Colômbia e Venezuela. Para servir aos grandes mercados locais, elas alcançam um tamanho mínimo de eficiência, que lhes permite concorrer em outros países, tornando-se multinacionais.

A análise das maiores empresas domésticas em cada país (estatais ou privadas nacionais) mostra que, em 2005, o Brasil liderava a lista, com 128 empresas, seguido de perto pelo México, com 108, mais atrás vindo Chile com 41, Colômbia com 20 e Argentina com 16. Para selecionar as Multilatinas, a análise se concentrou nas empresas exportadoras – o que não significa, necessariamente, que elas tenham instalações no exterior. México e Brasil aparecem na frente, com 74 e 71 empresas, respectivamente, seguidos por Chile com 22, Argentina com 11 e Colômbia com 9 (Cuervo-Cazurra, 2007). Entretanto, a relação de empresas em 2008 mostra um pequeno retrocesso. O Brasil aparece com 133 empresas nacionais (estatais e privadas), mas o México tem 95, seguido pelo Chile, com 39, Colômbia com 17 e Argentina com 14. Ao examinar as empresas que exportam, aumenta a distância em relação aos números de 2005: o Brasil possui 77 empresas exportadoras, o México 56, o Chile 22, a Colômbia 9 e a Argentina apenas 8.

Desde 2008, também é publicada uma lista das principais Multilatinas, segundo o grau de globalização, que incorpora cinco variáveis – ativos, empregos e vendas no exterior em relação ao total, cobertura geográfica, e potencial de crescimento internacional.

Na primeira vez, eram 50 empresas, das quais 19 brasileiras, 12 mexicanas, 8 chilenas e 5 argentinas. Em 2009, foram listadas 60 empresas, onde 25 são brasileiras, 13 mexicanas, 12 chilenas e 3 argentinas. As maiores Multilatinas são mexicanas e brasileiras. O Brasil possui o maior valor de IDE, concentrando 40% de todo o estoque de investimentos diretos no exterior oriundo da região. Em 2006, o IDE do Brasil foi de 28 bilhões de dólares, superando a entrada de IDE no país, que foi de 19 bilhões de dólares (Santiso, 2007 e 2008).

As empresas podem tornar-se internacionais mediante fusões e aquisições. Porém a maioria deve sua inserção nos mercados mundiais a produtos inovadores, o que constitui uma das dificuldades principais sentidas pelas empresas brasileiras ( G hoshal e T anure, 2004); a outra é a criação de marcas internacionais. A internacionalização através do investimento direto é uma das poucas alternativas para empresas que enfrentam a competição global, com rápidas mudanças tecnológicas. Aquisições internacionais podem ajudar a empresa a obter conhecimento e tecnologia; entretanto, nenhuma firma sobrevive no longo prazo simplesmente com base nisso. É preciso que a empresa adquira capacidade em pesquisa, desenvolvimento e design, além de combinar, integrar e reconfigurar as competências obtidas externamente com a sua base de conhecimento (Kogut e Zander, 1992).

Lall (1983) afirma que os principais ativos das empresas resultam mais de sua base tecnológica e de sua capacidade operacional do que de suas habilidades comerciais. Para Minda (2008), as Multilatinas têm como motivações a busca de mercados e recursos naturais, e menos interesse na obtenção de ativos estratégicos, devido ao menor investimento em setores intensivos em P&D, como eletrônica, TI, produtos químicos e equipamentos de transporte. No caso do Brasil, isto não se aplica inteiramente, dada a existência da Lei de Informática, que exigiu das multinacionais estrangeiras investimentos em P&D, em troca de incentivos fiscais para a produção de computadores e equipamentos de telecomunicações no país. Entre as principais EMN brasileiras, destacam-se também empresas dos setores citados.

Nos últimos anos, os esforços do governo brasileiro para a criação de leis e programas de estímulo e apoio à inovação nas empresas - Lei de Inovação, Lei do Bem, Subvenção Econômica, Juro Zero, entre outros – influenciaram a pauta das exportações brasileiras. Mas os bens intensivos em tecnologia ainda são uma proporção muito pequena do total, tendo passado de 1,06% em 1996 para 4,2% em 2008 (www.protec.org.br, 2009).

Casanova (2009), analisando as Latinas Globais, afirma que as commodities, tradicionalmente majoritárias na pauta exportadora desses países, hoje não passam de 30%. Uma variedade de produtos como serviços de TI, aço, eletricidade, vinhos, cosméticos, petróleo e gás ganharam espaço. As empresas passaram a focalizar mercados mais estáveis, para equilibrar sua própria volatilidade regional, alcançaram operações mais eficientes e inovaram não apenas tecnologicamente, mas com novos modelos de negócios. Uma parte desse conhecimento resulta de cooperação com os países asiáticos, porém muito se deve às experiências domésticas peculiares, como o atendimento das necessidades dos consumidores que se encontram na base da pirâmide social. Não se deve esquecer a flexibilidade das empresas, desenvolvida pela sobrevivência a épocas de turbulência econômica, nos últimos 20 anos.

A opinião da Associação de Comércio Exterior do Brasil é menos otimista. Para a AEB, as commodities ainda respondem por 65% da pauta de exportações. Os escassos 35% ocupados pelos produtos manufaturados devem-se à falta de tecnologia própria – 72% das exportações desses produtos são feitas por subsidiárias de multinacionais estrangeiras. A comparação com China e Índia é desproporcional – o percentual de manufaturados nas exportações desses países é, respectivamente, de 93% e 80% (Castro, 2009).

A vantagem de uma grande força de trabalho com baixos salários é relevante, mas esta jamais será a base de uma potência econômica. A verdadeira liderança econômica resulta da capacidade de produzir bens e serviços de alta qualidade e tecnologia avançada, incorporando inovações de produtos e processos.

 

CONCLUSÕES

O interesse acadêmico pelas Multilatinas é relativamente recente, não mais do que duas décadas. A tentativa de explicar como algumas empresas nascidas em ambientes de negócios pouco estimulantes e com sérias deficiências institucionais conseguiram sobreviver e se expandir no mercado internacional remete a comparações inevitáveis com os Tigres Asiáticos, as quais nos são francamente desfavoráveis. A experiência desses países demonstra a relevância da inovação tecnológica e de políticas públicas que estimulem o crescimento local das empresas, bem como a sua internacionalização. Podemos nos perguntar, também, por que nossos colegas do grupo BRIC estão em melhores condições, uma vez que tiveram seu desenvolvimento econômico baseado no mesmo modelo de substituição de importações, com foco nos grandes mercados domésticos, e onde se desenvolveram fortes empresas locais.

Faltam políticas públicas na América Latina que valorizem, principalmente, a inovação tecnológica, e todas as condições subjacentes. A superação das deficiências institucionais apontadas requer melhoria da educação em todos os níveis, oferta de profissionais qualificados, provisão de crédito, mercado de capitais desenvolvido, instituições tecnológicas de excelência, leis trabalhistas mais flexíveis, procedimentos menos burocráticos de entrada e saída de negócios, respeito à propriedade intelectual, boa infra-estrutura de transportes, estradas, portos e aeroportos e redução de impostos cumulativos.

Políticas específicas de apoio à internacionalização são desejáveis, especialmente para empresas de menor porte. Para as grandes empresas, a redução das deficiências institucionais facilitaria a sua expansão no ambiente internacional. A experiência dos países asiáticos, desde o final dos anos 1990, mostra o acerto da liberalização de regras e controles para investimentos no exterior e para a repatriação de dividendos lá obtidos (Luo e Tung, 2007). A China lançou, em 1999, o programa Go Global, encorajando as empresas de alto desempenho a investir no exterior para aumentar a sua competitividade, mediante a concessão de empréstimos a juros reduzidos para financiar a compra de empresas estrangeiras.

Acordos bilaterais de tributação (bilateral tax treaties) protegem as multinacionais da dupla taxação, ao realizar negócios nos países signatários, e são cruciais para aumentar os investimentos de lado a lado. O Brasil possui 27 acordos, em comparação com a Rússia, que possui 60, a Índia 71 e a China, 81 (Sobeet, 2007), porém não tem acordos com Estados Unidos e Inglaterra, parceiros muito importantes. Tratados de proteção e garantia do investimento também são necessários, especialmente onde as instituições não são bem desenvolvidas, como os exemplos recentes da Venezuela, Bolívia e Equador mostraram.

Políticas públicas ativas, especialmente no caso de países em desenvolvimento, podem fortalecer a variável localização (location) do Paradigma Eclético de Dunning, tornando o país mais atrativo para investimentos diretos estrangeiros, o que contribui para que o país avance nas etapas do Investment Development Path. A atração de EMN de países desenvolvidos, especialmente de seus centros de inovação, promove diversos benefícios em termos de transferência de tecnologia, métodos de gestão, spin-offs de novas empresas, inserção em redes de fornecedores globais e aprendizagem. Isto contribui para a fabricação de bens e serviços dotados de tecnologia mais avançada, fortalece o desenvolvimento local, as exportações e a capacitação tecnológica nacional. Mesmo em países de baixo custo, como Índia e China, as filiais de empresas estrangeiras foram construídas em cidades como Bangalore e Xangai, onde o preço da terra e os salários eram superiores ao resto do país, mas onde havia trabalhadores e fornecedores qualificados, e, especialmente, concorrentes sofisticados (Ferdows, 1997).

Exportar commodities não é problema, Estados Unidos e União Européia também o fazem. Mas é fundamental que os países se especializem em produtos de maior valor agregado, que possam consolidar a presença latino-americana no cenário internacional.

 

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