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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. serIII n.4 Coimbra jul. 2011

 

Ressocialização do enfermeiro gerente

 

Maria Auxiliadora Trevizan*; Isabel Amélia Costa Mendes**; Carla Aparecida Arena Ventura***; Maria Regina Lourenço Jabur****; Silvia Helena Tognoli*****

* RN. Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São Paulo [trevizan@eerp.usp.br].

** RN. Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São Paulo [iamendes@usp.br].

*** Advogada, PhD -Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São Paulo [caaventu@eerp.usp.br].

**** RN. PhD -Fundação Padre Albino e Gerente de Enfermagem da Fundação Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São Paulo [mrl.jabur@terra.com.br].

***** RN. Bolsista de Apoio Técnico do Grupo de Estudos e Pesquisas em Comunicação no Processo em Enfermagem – GEPECOPEn EERP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo [sitognoli@eerp.usp.br].

 

Resumo

Trata-se de estudo teórico cujo objetivo é contribuir para a compreensão sobre o processo de ressocialização profissional e organizacional do enfermeiro-gerente. Assim sendo, os autores indicam premissas fundamentadas na Teoria do U com vista a contribuir para o desenvolvimento dos recursos humanos da enfermagem. A Teoria do U apresenta valores ao processo gerencial caracterizando-o pelos atos de sentir, presenciar e concretizar. Com base em quatro estudos da literatura da enfermagem brasileira, sobre as funções do enfermeiro desenvolvidas durante três décadas, observa-se a consolidação de valores organizacionais baseados nos modelos clássicos da administração que enfatizam a visão mecanicista do Homem, não condizente com a compreensão dos serviços de saúde como entidades sociais. Nesse contexto, conclui-se que há possibilidade de inserção dos pressupostos da Teoria do U na atividade gerencial do enfermeiro, ressocializando-o frente a comportamentos e atitudes focalizados no sentir, no presenciar e no concretizar.

Palavras-chave: educação em enfermagem; gerência; enfermagem; ressocialização.

 

Resocialization of the nurse manager

Abstract

This is a theoretical study aimed at contributing to understanding of the professional and organizational resocialization process of the nurse manager. Thus, we report the premises of the U Theory in order to contribute to the development of human resources in Nursing. U Theory presents values for nursing managerial work characterized by the acts of feeling, living and concretizing. Based on four studies in the Brazilian Nursing literature about the nursing role over three decades, we noted a consolidation of organizational values based on classical management models, emphasizing the mechanical view of humans which does not match with an understanding of health services as social entities. In this context, we conclude that it is possible to include the premises of U Theory in nurses’ management activities, resocializing them in terms of behaviors and attitudes based on feeling, living and concretizing.

Keywords: nursing education; management; nursing; resocialization.

 

Resocialización del enfermero gerente

Resumen

Se trata de un estudio teórico cuyo objetivo es el de contribuir a la comprensión sobre el proceso de resocialización profesional y organizacional del enfermero-gerente. Siendo así, los autores indican premisas fundamentadas de la Teoría U destinadas a contribuir al desarrollo de los recursos humanos de la enfermería. La Teoría U aporta valores al proceso gerencial caracterizándolo mediante actos de sentir, presenciar y concretizar. Basándose en cuatro estudios de la literatura de la enfermería brasileña sobre las funciones del enfermero desarrolladas durante tres décadas, se observa la consolidación de valores organizacionales basados en los modelos clásicos de la administración que enfatizan la visión mecanicista del Hombre, en desacuerdo con la comprensión de los servicios de salud como entidades sociales. En ese contexto, se concluye que existe la posibilidad de inserción de los principios de la Teoría U en la actividad gerencial del enfermero, resocializándolo por medio de comportamientos y actitudes focalizados en el sentir, el presenciar y el concretizar.

Palabras clave: educación en enfermería; gerencia; enfermería; resocialización.

 

Introdução

A tarefa da administração, sob o ponto de vista de seu conceito tradicional, é ordenar, sistematizar e disciplinar a energia humana direcionando-a, única e exclusivamente, para os objetivos da organização. Propostas neste sentido foram minuciosamente elaboradas e enfática e arduamente definidas por Taylor, Fayol e Weber, através do Movimento da Administração Científica da Teoria da Gerência Administrativa e do Modelo Burocrático, respetivamente, constituindo-se assim na Teoria Clássica da área. Este enfoque compreende os recursos humanos da organização apenas como meios de produção e assim subjaz a essa conceção a necessidade de dirigir e controlar o comportamento dos trabalhadores tendo em vista os anseios organizacionais.

O estilo de administrar e gerenciar pessoas e serviços está mudando. O gerenciamento que acata a metáfora da organização como uma máquina, que resiste à mudança, centraliza informações, ignora opiniões e recomendações dos trabalhadores, cria um ambiente de medo e desconfiança, aponta erros com arrogância, está cedendo espaço para uma postura administrativa mais humana, aberta e flexível e que valoriza o aprendizado contínuo. O novo paradigma gerencial está fundamentado na compreensão de que as pessoas são os recursos mais valiosos de qualquer organização que busca a criatividade, a inovação e a qualidade excelente.

A administração passou a compreender, desta maneira, a importância das pessoas no cenário empresarial porque considerou que ao mesmo tempo que as organizações têm objetivos específicos estabelecidos, elas são comunidades de pessoas que constroem relacionamentos, ajudam-se mutuamente e buscam significado em suas atividades quotidianas para sua dimensão pessoal (Capra, 2002).

Como bem postula a Teoria Y, a motivação, o potencial de desenvolvimento, a capacidade de assumir responsabilidades, de conduzir o comportamento rumo aos objetivos da organização, são fatores que estão presentes nas pessoas. Sendo assim, a administração tem a responsabilidade de propiciar condições para que as pessoas reconheçam e desenvolvam, por si próprias, essas características humanas (McGregor, 2002). Portanto, o reconhecimento do que preconiza a Teoria Y aliado à necessidade organizacional de maior produtividade com qualidade, num mercado tão competitivo, tem provocado na administração a demanda de atitudes e comportamentos diferentes daqueles utilizados pelas pessoas sob a vigência da Teoria Clássica.

A mudança na forma e no conteúdo do trabalho administrativo e gerencial tem paulatinamente alcançado as organizações, dentre elas as prestadoras de serviços de saúde (Osty e Uhalde, 2008). Contudo, no setor hospitalar, tomando as atividades administrativas exercidas pelo enfermeiro, pode-se inferir que a socialização inicial deste profissional, nesse meio, se deu sob intensa e poderosa influência da Teoria Clássica da Administração. Até hoje sente-se o impacto da referida teoria nos padrões gerenciais dos enfermeiros, com um agravante -tais funções são caracterizadas como seu objeto de trabalho (Trevizan, 1988). Em outras palavras, os enfermeiros brasileiros, na sua maioria, têm-se envolvido, sobretudo, em funções administrativas no contexto hospitalar. Entretanto, o desempenho destas funções, por estes profissionais, tem-se mostrado inadequado e insuficiente tendo em vista a garantia de uma assistência personalizada e de excelência. Assim, torna-se necessária uma mudança alicerçada na ressocialização do enfermeiro-gerente sob a visão de novos valores (Trevizan et al., 2010). Nesse sentido, indaga-se: que valores existem no âmago do trabalho do enfermeiro que exerce a gerência? Esta é uma inquietação que há tempos é registada na literatura. A Teoria do U apresenta valores ao processo de liderança gerencial caracterizando-o pelos atos de sentir, presenciar e concretizar (Senge, 2007). A ideia central da teoria é, portanto, estimular a construção de lideranças conectadas com o mundo e que consigam aprender fazendo. A Teoria do U é, assim, uma tecnologia social de mudança, transformadora, que fornece elementos para que os líderes enfrentem os desafios gerenciais buscando aprender com as experiências passadas e aprender com o futuro como ele emerge. Neste contexto, este estudo apresenta como objetivo contribuir para a compreensão do processo de ressocialização profissional e organizacional do enfermeiro-gerente, com base nos pressupostos da Teoria do U, com vista a oferecer novos elementos para o desenvolvimento dos recursos humanos da enfermagem. Desta forma, foram selecionadas duas teses de doutoramento em Enfermagem das décadas de 80 e 90 do século XX e uma dissertação de mestrado da década de 2000, cujas investigações focalizam a função gerencial do enfermeiro num mesmo hospital-escola, o que possibilitou comparar o conteúdo e observar a evolução da função gerencial executada pelo enfermeiro nesta organização de saúde.

Também foi utilizada outra tese de doutoramento da década de 2000 que versa sobre a especificidade do enfermeiro numa visão multiprofissional, para caracterizar a especificidade do trabalho do enfermeiro. As teses e dissertações analisadas foram desenvolvidas no âmbito do Programa de Doutorado em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. A reflexão aqui apresentada baseia-se neste referencial, interrelacionando-os com os pressupostos das teorias administrativas, especialmente da Teoria do U.

 

Revisão da literatura

A ressocialização profissional e a função gerencial do enfermeiro

A socialização, ou seja, o processo inicial de aprendizado de papéis sociais pelo enfermeiro em seu primeiro contacto com a prática, envolve a aquisição de habilidades e conhecimentos necessários para a realização das atividades, com base num senso de identidade que caracteriza a cultura organizacional (Shinyashiki et al., 2006). Nessa perspetiva, a identidade profissional do enfermeiro é construída dentro dos serviços de saúde, especialmente os hospitalares. Nesse contexto, a socialização inicial do enfermeiro vem sendo historicamente pautada por valores mecanicistas que não mais respondem às necessidades organizacionais da atualidade.

Considerando a realidade atual, caracterizada por uma maior complexidade, vislumbra-se a necessidade de mudanças de valores na construção de um movimento de ressocialização dos profissionais dos serviços de saúde, especialmente os enfermeiros, ampliando-se o cuidado de enfermagem e tornando-o mais interativo, intersubjetivo e vinculado à pessoa humana (Nunes et al., 2010). Propõe-se, então, uma nova socialização ou ressocialização dos enfermeiros no contexto organizacional em que atuam. Dessa forma, a mudança cultural que fundamenta esta ressocialização deve ser incorporada por todos os membros da organização nos diferentes níveis (estratégico, tático e operacional). No caso dos hospitais, os profissionais que desempenham funções gerenciais ou táticas são peças chave neste processo. Partindo do entendimento de que o exercício gerencial é priorizado pelo enfermeiro da área hospitalar, e que tal evidência tem-se constituído em uma questão mesclada por incompreensões em nosso país, o estudo de Trevizan (1988), da década de 80, buscou analisar esse desempenho do enfermeiro sob a ótica das determinações institucionais e verificar como este profissional, atuando em funções gerenciais, se comporta dentro de uma organização hospitalar burocrática. Dessa investigação depreende-se que, dos dados coletados através de observação intermitente, nos anos de 1980 e 1985, os enfermeiros despenderam em média, respetivamente, 66% e 62,5% de tempo em funções administrativas nas unidades de internação estudadas. Tais funções foram classificadas como burocráticas e não burocráticas, indicando que em 1980 o índice de funções burocráticas atingiu 68% e em 1985 esse índice alcançou 77% do total das atividades administrativas, sendo que, verificar prontuários, exames, escalas de cirurgia; receber, passar ou dirigir passagem de plantão; orientar funcionários sobre normas, rotinas e atribuições; e implementar ordens médicas, foram as funções burocráticas mais frequentes nos dois referidos anos. Tais resultados permitem afirmar que, diante das implicações do processo organizacional hospitalar em questão, os enfermeiros devem tomar para si o desempenho das funções gerenciais nas unidades de internação. Mas observou-se que o comportamento gerencial apresentando pelos profissionais investigados é de grande adesão aos pressupostos e argumentos burocráticos que emanam do interior da organização de saúde estudada. O trabalho do enfermeiro, na sua grande parte, é marcado pela impessoalidade e distância do cliente. Pode-se inferir que, no contexto estudado, este profissional se vincula e se compromete burocraticamente com sua organização empregadora e que seu compromisso com a profissão se dá também em níveis de burocratização.

Com base nos dados da pesquisa de Ferraz (1995), realizada na década de 90, pode-se constatar que o panorama descrito no estudo acima apresentado por Trevizan (1988) não se modificou, ou seja, os enfermeiros continuam realizando suas funções gerenciais predominantemente orientados para a tecnoburocracia hospitalar (Fernandes, 2000). A autora argumenta que dos depoimentos dos atores sociais investigados, os mais veementes apontam para a necessidade de mudanças no papel do enfermeiro. Cabe salientar que a composição dos atores sociais, participantes desta pesquisa, é a seguinte: elementos da administração superior e intermediária da enfermagem, o superintendente do hospital, diretores dos departamentos de apoio médico, apoio técnico, apoio administrativo, diretor da divisão médica, enfermeiros, auxiliares e atendentes de enfermagem e médicos docentes e residentes. Assim, podemos observar que transformações no papel do enfermeiro e, consequentemente, na sua prática assistencial e gerencial começam a ser requeridas por diversos agentes do conjunto hospitalar, inclusive pelo superintendente e médicos, cujas demandas em relação ao comportamento do enfermeiro estimulavam esse profissional a manter a burocratização de seu trabalho.

A dissertação de mestrado de Fernandes (2000), da década de 2000, constitui-se numa réplica de um estudo sobre as atividades dos enfermeiros-chefes de unidades de internação de um hospital-escola, realizado na década de 70 (Trevizan, 1978). Com os objetivos de identificar as atividades realizadas pelos enfermeiros e verificar sua evolução, os resultados de ambos os estudos foram comparados, concluindo-se que mesmo depois de transcorridos mais de vinte anos, a maioria das atividades exercidas está centrada no gerenciamento burocrático (43,4%). Quando investigados sobre quais as atividades que tomam mais o seu tempo, os enfermeiros, mais uma vez, referiram entre outras, aquelas de natureza administrativoburocráticas. Expressa a autora sua preocupação sobre a questão e afirma que muitas hesitações e incertezas ainda persistem na conduta quotidiana da enfermeira; que os problemas apontados tempos atrás ainda nos atingem, atualmente (Fernandes, 2000).

Partindo da perceção de que há um dilema a respeito do que seja específico do enfermeiro, o que compete ao enfermeiro, a tese de doutoramento de Saar e Trevizan (2007), da década de 2000, buscou identificar e analisar a especificidade profissional do enfermeiro através de literatura científica selecionada, informações de enfermeiros e de outros profissionais da equipe de saúde de uma instituição hospitalar. Em suas considerações, a autora Saar (2005) e Saar e Trevizan (2007) afirma que a cultura dos microssistemas de saúde espera que o enfermeiro assuma o papel de administrador, tornando-o seu papel principal. Dos dados obtidos, foi constatado que além de ser o papel de administrador o mais evidenciado nas falas dos informantes e nos trabalhos analisados, é este papel que distingue o enfermeiro dos demais elementos da equipe de enfermagem. Salienta, ainda, que este papel do enfermeiro é sua especificidade e que ele é exercido a partir de modelos já existentes.

Ao comparar os resultados das três pesquisas, Trevizan (1988), Ferraz (1995) e Fernandes (2000), realizadas no mesmo hospital-escola, podemos observar que a prática gerencial do enfermeiro continua vinculada aos aspetos da administração convencional e burocrática, priorizando conteúdos favoráveis às metas organizacionais em detrimento das metas profissionais que emanam da enfermagem. No quarto estudo analisado, Saar (2005) afirma que o exercício da gerência é a especificidade do enfermeiro, mas, também como os outros, salienta a necessidade de mudança neste exercício. A seguir, abordaremos premissas da Teoria do U como alternativa complementar na ressocialização do enfermeiro que exerce a gerência.

 

Premissas da Teoria do U para a ressocialização do enfermeiro

Foi empreendida uma obra literária e científica a partir da compreensão da natureza dos todos, e de como partes e todos se inter-relacionam, alertando para o fato de que os sistemas vivos criam-se a si mesmos, estão sempre se desenvolvendo e se transformando juntamente com seus elementos. Segundo os autores, em nenhum lugar é mais importante entender a relação entre partes e todos do que na evolução das instituições globais e dos sistemas mais amplos que elas criam coletivamente. Entretanto, o problema primário dessas instituições é que elas ainda não tomaram consciência de si mesmas como sistemas vivos. Quando fizerem isso, poderão se tornar um lugar para se presenciar o todo como deve ser, não como tem sido (Senge, 2007).

Neste sentido, há necessidade de novas maneiras de pensar o aprendizado. Quando atuamos sob medo ou ansiedade (como é, no nosso entender, o caso do enfermeiro), nossas ações apresentam inclinação para se apoiarem num padrão habitual, para a repetição. Com as ações coletivas, o processo não é diferente. Nestas circunstâncias há aprendizado, mas é um aprendizado reativo, no qual reforçamos modelos mentais estabelecidos.

As novas maneiras de pensar o aprendizado procederam de entrevistas que os autores realizaram com cientistas, empresários e líderes sociais que, muitas vezes, eram iniciadas com perguntas sobre a essência do trabalho do entrevistado, resultando em diálogos que possibilitaram a compreensão mais profunda do eu e do sentimento de pertença ao mundo. Em relação aos empresários, os autores perceberam que estes estavam esclarecidos em relação ao significado de agir com ideias novas e conhecimento intuitivo a serviço do que está emergindo. Desta forma, cientistas e empresários propiciaram elucidação de um novo tipo de aprendizado com capacidade de criar um mundo não conduzido fundamentalmente pelo hábito. Trata-se de níveis mais profundos de aprendizado que produzem maior consciência do todo, de como ele é e de como evolui, pois assim há a possibilidade de gerar ações capazes de beneficiar continuamente o todo que emerge. Em outras palavras, a profundidade da perceção é determinante e quanto mais profunda, mais nos possibilita ver o todo, o que é, e assim atuar a partir dessa fonte (Senge, 2007).

Foi desse contexto que emergiram as sementes da Teoria do U. Brian Arthur, economista, foi um dos entrevistados que contribuiu com destaque ao discorrer sobre a necessidade de pressentir um futuro emergente tendo em vista os desafios impostos por uma economia cada vez mais fundamentada em recursos tecnológicos. No mesmo ritmo da evolução tecnológica, vão também acontecendo alterações destrutivas nas estruturas organizacionais e, em consequência, há decadência em relação à previsibilidade. Tudo muda rapidamente nesse ambiente empresarial e as decisões tomadas segundo os hábitos da teoria clássica tornam-se procedimentos inviáveis e insensatos. Agora, na nova realidade organizacional é preciso ver o problema de uma certa distância e impedir qualquer tipo de reação automática. Frequentemente, mudanças realizadas em organizações são superficiais porque seus processos não produzem a profundidade de compreensão necessária e o consequente envolvimento das pessoas. Quando se deseja mudar acontecimentos, comportamentos, tendo-se em vista que o futuro deve ser realmente desigual do passado, outro processo é requerido. Os autores referem-se a este processo como os atos de sentir, presenciar e concretizar e o denominam de Teoria do U, dado que, esses três atos se caracterizam pelo movimento em forma de U (Senge, 2007; Scharmer, 2007).

O sentir é se inteirar da realidade da situação até se integrar totalmente a ela. É estudar o problema por todos os ângulos. O presenciar resulta da profundidade do que ocorre no sentir, descendo o U, e determina o que acontece depois. Significa o alcance de um estado de lucidez e conexão com o que está surgindo, com o saber interior. O presenciar é a condição que está na base do U, significando ver a partir da fonte mais profunda e fazer-se de veículo para essa fonte. O desafio para perceber a ação de presenciar está na subtileza da experiência. O concretizar significa trazer alguma coisa nova à realidade. Aqui é importante atuar através de um fluxo natural, pois o conhecimento foi absorvido por meio da sensação. Assim como o sentir requer ausência de esquemas preestabelecidos, o concretizar pressupõe a não imposição de nossa vontade, uma vez que, agir a partir da nossa intenção mais profunda, traz à tona forças que nunca se manifestariam se nos limitássemos a impor nossa vontade a uma situação (Senge, 2007).

Em síntese, a teoria do U é caracterizada pelo vínculo entre as pessoas, como observadores e como atores, e com o mundo no qual atuam. Quanto ao seu processo: na haste esquerda do U – no sentir, o mundo é o que é, algo lá fora e o eu é um observador desse mundo exterior; aos poucos passa-se a percebê-lo através de sua conexão com o saber interior – é o presenciar na base do U e é o mistério que ocorre na haste direita do Y, no concretizar o mundo se materializa por intermédio das pessoas, ou seja, o eu se transforma e o futuro começa a surgir.

 

Conclusão

Os valores que tradicionalmente embasam o trabalho gerencial do enfermeiro precisam ser transformados no contexto de compreensão das organizações como entidades sociais, eminentemente formadas por pessoas e cujos serviços se direcionam a pessoas.

Dessa forma, acreditamos que o sentir, o presenciar e o concretizar – premissas da Teoria do U – possam fornecer um horizonte para contribuir para a ressocialização dos enfermeiros gerentes na busca constante pela transformação e humanização dos serviços de saúde.

Como as mudanças culturais são incrementais, trata-se de uma experiência subtil que requer sensibilidade na busca de perceção de uma realidade prestes a emergir, para atuar em consonância com ela. Nesse sentido, a inserção dos pressupostos da Teoria do U na atividade gerencial do enfermeiro possibilita, a nosso ver, sua ressocialização frente a comportamentos e atitudes focalizados no sentir, no presenciar e no concretizar. Em síntese, esse processo de ressocialização do enfermeiro pressupõe: - o aprendizado de não impor padrões obsoletos a realidades novas; dedicação a muita observação da qual decorre um tipo diferente de saber; a dependência do ponto de partida do enfermeiro e de quem ele é como pessoa; ação compatível com seu sentimento interior, o qual vai trazendo significado à medida que ele se funde com as circunstâncias; que o enfermeiro deve ver além do que está preparado para ver, ultrapassando seus modelos mentais.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 14.03.11

Aceite para publicação em: 13.06.11

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