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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.5 Coimbra dez. 2011
https://doi.org/10.12707/RIII1110
Saúde mental na atenção básica: como se configura a produção do conhecimento no Brasil
Lisnéia Fabiani Bock*; Maria Aparecida Baggio**; Sílvia Azevedo dos Santos***; Betina H. Schlindwein Meirelles****
* RN. Doutoranda em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Docente do Centro Universitário Metodista do Sul - IPA. Membro do Grupo de Estudos da História do Conhecimento da Enfermagem e Saúde GEHCES [ffabibock@hotmail.com].
** RN. Doutoranda em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gestão e Gerenciamento do Cuidado de Enfermagem e Saúde - GEPADES. Bolsista CNPq [mariabaggio@yahoo.com.br].
*** RN. Doutora em Educação. Docente do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC; Líder do Grupo de Estudos sobre Cuidados em Saúde de Pessoas Idosas - GESPI/PEN/ UFSC [silvia@ccs.ufsc.br].
**** RN. Doutora em Enfermagem. Docente da NFR e PEN/UFSC. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde - GEPADES e do Núcleo de Estudos e Cuidados em Doenças Crônicas - NUCRON, vinculados a PEN/UFSC [betinam@nfr.ufsc.br].
Resumo
Este trabalho busca, através da revisão integrativa da literatura, identificar a produção científica brasileira em saúde mental na atenção básica, divulgada nas bases de dados Latino-Americanas. O levantamento bibliográfico abrangeu as publicações nacionais de 2001 a 2008, por meio da busca na BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), nas bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e BDENF (Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de Enfermagem do Brasil), consideradas como as principais bases de dados das ciências da saúde em geral e enfermagem brasileira. A amostra foi composta por 42 artigos, submetidos a análise descritiva. Os resultados apontam a região Sudeste com maior ocorrência de produção em contraste com a região Norte, na qual não foi registado nenhum estudo divulgado nas bases investigadas. As revistas de saúde em geral e saúde pública em particular, divulgaram maior número de estudos em saúde mental na atenção básica, seguidas das revistas especializadas. Dos estudos, 48% eram pesquisas originais, apresentando resultados de teses e dissertações. Refletimos sobre a necessidade de que as produções apresentem, de forma mais explícita e detalhada, o delineamento dos estudos, principalmente, na descrição dos objetivos e etapas metodológicas.
Palavras-chave: saúde mental; saúde pública; atenção básica; enfermagem.
Mental health in primary care: how to set up knowledge production in Brazil
Abstract
This study seeks, through integrative review of the literature, to identify Brazillian scientific production in the area of mental health in primary care, using Latin-American databases. The bibliographical research covered national publications from 2001 to 2008 carried out by searching the VHL (Virtual Library of Health), and the LILACS (Latin America and Carribean Health Sciences) and BDENF (Bibliographic Database Specialist in Nursing in Brazil) databases; the main databases for general health sciences and nursing in Brazil. The sample was composed of 42 articles, submitted to descriptive analysis. The result shows the South-east region as having the higher level of production in contrast with the North region, which did not have any published study in the bases investigated. Health journals in general and public health journals in particular publish higher numbers of studies of mental health in primary care, followed by specialist magazines. Forty-eight percent of the studies were original research, presenting the results of theses and dissertations. We reflect on the need for articles to present, in a more explicit and detailed way, the design of the research, mainly the description of objectives and methodological stages.
Keywords: mental health; public health; primary health care; nursing.
Salud mental en la atención primaria: cómo se configura la producción del conocimiento en Brasil
Resumen
Este trabajo procura, a través de la revisión integrativa de la literatura, identificar la producción científica brasileña en salud mental en la atención primaria, divulgada en las bases de datos Latinoamericanas. El levantamiento bibliográfico incluyó las publicaciones nacionales de 2001 a 2008, por medio de la búsqueda en la BVS (Biblioteca Virtual de Salud), en las bases de datos de LILACS (Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud) y BDENF (Base de Datos Bibliográficos Especializada en el Área de la Enfermería en Brasil), consideradas como siendo las principales bases de datos de las ciencias de la salud en general y en la enfermería brasileña. La muestra estuvo compuesta por 42 artículos, sometidos a un análisis descriptivo. Los resultados señalan la región Sudeste con mayor ocurrencia de producción en contraste con la región Norte, que no registró ningún estudio divulgado en las bases investigadas. Las revistas de salud en general y salud pública en particular divulgaron un mayor número de estudios en salud mental en la atención primaria, seguidas por revistas especializadas. Un 48% de los estudios eran investigaciones originales, presentando resultados de tesis y memorias. Reflexionamos sobre la necesidad de que las producciones presenten, de forma más explícita y detallada, el delineamiento de los estudios, principalmente, en la descripción de los objetivos y etapas metodológicas.
Palabras clave: salud mental; salud pública; atención primaria; enfermería.
Introdução
As condições de vida do doente mental na comunidade, nos dias de hoje, são mais favoráveis, visto que o entendimento sobre a doença mental é maior, e que a sociedade possui mais conhecimento sobre o que se pode fazer em aspectos médicos, psicológicos e sociais pelos doentes. As medidas de promoção da saúde mental situam-se no modo como a sociedade interage com os doentes mentais e como se dá a atenção à saúde ao integrar os diversos serviços de saúde mental e os cuidados à esses doentes e às suas famílias (Loureiro, Dias e Aragão, 2008). No campo da Atenção Básica à Saúde existem diversos elementos que compõem a vida das pessoas e que podem produzir ou agravar o sofrimento psíquico, o que demanda um cuidado maior sobre o modo como são produzidas as condições de existência do sujeito, e a estratégia de atenção a saúde que depende da rede de relações estabelecidas entre os usuários e os trabalhadores do serviço. As novas práticas em saúde, com vistas à integralidade da atenção, exigem uma interação entre diferentes saberes e fazeres do cotidiano. A produção do cuidado em Saúde Mental na Atenção Básica depende da articulação entre as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os demais serviços da rede de atenção à saúde mental, na perspectiva de encontrarmos diferentes tecnologias de cuidado que se integrem para atender às necessidades de saúde da pessoa com transtorno mental e sua família. Também se deve à articulação das equipes das UBS com os demais setores que potencializam o cuidado em direção à autonomia e ao resgate do lugar social do usuário quanto a recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos), sociais (moradia, trabalho, escola), econômicos (dinheiro, previdência), culturais, religiosos e de lazer (Pitta, 2001). O resgate do doente mental para o convívio social implica endereçar à comunidade a pluralidade de aspectos presentes no convívio da pessoa em sofrimento psíquico na vida social. O convívio com a desigualdade social, o ambiente de violência, o desemprego e o transtorno comportamental ainda fazem parte do cotidiano da comunidade e da sociedade (Reinaldo, 2008).
Para tanto, torna-se primordial existirem espaços na rede de Atenção Básica, para as relações entre os trabalhadores de saúde e desses com os usuários. Esta articulação retoma os pressupostos da Reforma Psiquiátrica, reconstruindo os saberes e práticas dos trabalhadores de modo a estabelecer novas relações com o portador de transtorno mental (Amarante, 2003a). A partir de tais apontamentos, supõe-se que os reflexos destas transformações pós-reforma psiquiátrica tenham apresentado contribuições na produção científica relativas à saúde mental na atenção básica. Para isso, o estudo se propõe a identificar a produção científica brasileira em saúde mental na atenção básica, divulgada nas bases de dados Latino-Americanas, no período de 2001 a 2008.
Metodologia
Optamos pelo método da revisão integrativa de literatura, seguindo o modelo analítico proposto por Ganong, que segue as seguintes etapas: seleção das questões temáticas, estabelecimento dos critérios para a seleção da amostra, representação das características da pesquisa original, análise dos dados, interpretação dos resultados e apresentação da revisão (Ganong, 1987). Foi elaborado um protocolo para a revisão integrativa a fim de determinar os critérios para a seleção da amostra.
Fizeram parte da amostra: artigos de pesquisa original, revisão de literatura e reflexão teórica, publicados em periódicos nacionais indexados nos bancos de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e BDENF (Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de Enfermagem do Brasil), na forma completa, no período de janeiro de 2001 a setembro de 2008. Foram excluídos: editoriais, relatos de experiência, ensaios, debates, entrevistas, cartas, artigos de opinião, comentários, resumos de anais, ensaios, publicações duplicadas, teses, dissertações, monografias, boletins epidemiológicos, relatórios de gestão, documentos oficiais de Programas Nacionais e Internacionais, livros, materiais publicados em outros idiomas que não fossem o inglês, espanhol, português e estudos que não contemplassem a temática.
O levantamento dos artigos foi realizado pela Internet, no mês de setembro de 2008, pela BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), nos bancos de dados LILACS e BDENF, consideradas como as principais bases de dados das ciências da saúde em geral e enfermagem brasileira.
Foram utilizadas as seguintes palavras-chave, contempladas nos DeCS (Descritores em Ciências LISNÉIA FABIANI BOCK, et al. Revista de Enfermagem Referência - III - n.° 5 - 2011 175 da Saúde), na Biblioteca Virtual em Saúde (2010): Saúde Mental, Serviços de Saúde Mental, Serviços Comunitários de Saúde Mental, Centros Comunitários de Saúde Mental, Promoção da Saúde, Saúde Pública, Políticas Públicas, Política de Saúde, Formulação de Políticas, Programas Nacionais de Saúde, Políticas Públicas de Saúde. O agrupamento no campo palavras foi da seguinte forma: Saúde Mental OR Serviços de Saúde Mental OR Serviços Comunitários de Saúde Mental OR Centros Comunitários de Saúde Mental AND Promoção da Saúde OR Saúde Pública OR Políticas Públicas OR Política de Saúde OR Formulação de Políticas OR Programas Nacionais de Saúde OR Políticas Públicas de Saúde, e, no campo ano de publicação, deste modo: 2001 OR 2002 OR 2003 OR 2004 OR 2005 OR 2006 OR 2007 OR 2008. Com essa busca foram identificados 130 artigos no LILACS e 11 no BDENF, totalizando 141 artigos.
A seguir, foi realizada a conferência dos 141 artigos no que tange a questão norteadora, os critérios de inclusão e de exclusão. A amostra do LILACS constituiu-se ao final de 42 artigos e do BDENF de 9 artigos. Importa destacar que esses 9 trabalhos resultantes da busca no banco de dados do BDENF se repetem no LILACS, totalizando ao final 42 artigos científicos disponíveis no LILACS e BDENF.
Do total da amostra, 8 artigos não foram encontrados na íntegra na internet, disponibilizados on-line pelas revistas indexadas nas bases de dados LILACS e BDENF. Desses, 6 artigos foram obtidos por meio de contato direto com os próprios autores, através de endereço eletrônico acessado no curriculum lattes dos mesmos, que enviaram os artigos via correio postal ou eletrônico. Dois artigos foram consultados nos periódicos disponíveis na Biblioteca da UFSC, na forma impressa. Assim, para análise dos dados, foram organizadas em tabela específica as informações pertinentes à identificação do artigo e autores; as revistas de publicação, ano de publicação, bem como o critério de avaliação de periódico - Qualis/CAPES referente às mesmas no ano 2008; objetivos, delineamento metodológico e questões éticas; população-alvo; contexto sociocultural; referencial teórico filosófico utilizado, instrumento de coleta e tipo de análise dos dados. Após, procedemos à leitura crítica para a análise descritiva dos resultados.
Resultados e discussão
Ao analisar os 42 artigos, evidenciamos a distribuição destes em 25 revistas científicas da área da Saúde, com publicações relacionadas à Saúde Mental na atenção básica. Destas, a que publicou o maior número de artigos sobre a temática foi a Revista História, Ciências, Saúde Manguinhos, do Rio de Janeiro (12%), dedicada à pesquisa em história das ciências e da saúde e divulgação científica, com impacto nas diferentes disciplinas que atuam na área da saúde e enfermagem. Em seguida, os periódicos da Revista Brasileira de Psiquiatria, Caderno de Saúde Pública e Revista de Enfermagem da UERJ apresentaram percentual de 7% das publicações analisadas.
Verificamos que os artigos, em sua maioria, foram publicados em periódicos da área da saúde em geral (Saúde Pública, Saúde Mental, Enfermagem, Terapia Ocupacional, Psicologia), através de cadernos e revistas. Com relação ao Coeficiente de avaliação dos periódicos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Qualis CAPES), a maioria das publicações estudadas foram em revistas de circulação Internacional C e Nacional B, ambas com 8 (32%), seguindo com 4 (16%) em revistas Internacional B, 3 (12%) Nacional C e 2 (8%) em revistas de circulação Nacional A.
Analisando o número de publicações, a partir do ano de 2004 há um aumento significativo de estudos na área da saúde mental, conforme o gráfico 1. Por outro lado, percebe-se também um declínio dessa produção a partir de 2007, ainda que não se conheça os possíveis motivos para esse comportamento.
GRÁFICO 1 Frequência das publicações no período de 2001 a 2008.
No ano de 2001 encontramos um percentual considerável de publicações na amostra identificada, vindo em encontro ao momento de efetivação das políticas públicas de saúde mental na atenção básica e ao processo de desconstitucionalização em todo país. Entre 2002 a 2004 houve uma queda quanto ao número de produções, aumentando novamente em 2005 e 2006. Tal fato pode estar relacionado aos desdobramentos da Oficina de Saúde Mental, no VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva ABRASCO, intitulada Desafios da integração com a rede básica, com a participação do DAB, Coordenação Geral de Saúde Mental/DAPE, Coordenadores estaduais e municipais de saúde mental e trabalhadores da saúde mental de diversas regiões do país, em julho de 2003. A partir dos subsídios produzidos por essas Oficinas,a Coordenação Geral de Saúde Mental, em articulação com a Coordenação de Gestão da Atenção Básica, propõe uma espécie de organização das ações de saúde mental na atenção básica (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação de Saúde Mental, 2010).
Outra associação feita é com relação à influência da política em 2004, através do anexo a Portaria GM 52, que aprovou o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS (Borges e Baptista, 2008). Em 2005, houve pelo menos uma chamada pública nacional de editais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq com financiamento para pesquisa em saúde mental. Possivelmente, estes acontecimentos tenham repercutido no aumento da produção científica em saúde mental, em 2005 e 2006.
De entre os artigos incluídos na revisão integrativa, 12 (29%) são de autoria de Psicólogos, dentre esses, alguns em coautoria com acadêmicos de enfermagem e psicologia, 11 (26%) de Enfermeiros, 4 (10%) realizados por Médicos Psiquiatras, 1 (2%) por Assistente Social, 1 (2%) por Terapeuta Ocupacional, 3 (7%) foram redigidos por psicólogos e enfermeiros e em 10 (24%) não conseguimos identificar a categoria profissional de seus autores.
Os dados refletem a expressão da equipe inter e múlti profissional na produção científica em saúde mental na atenção básica que, ainda, se mostra muito voltada para as áreas da Psicologia, Enfermagem e Medicina. Uma possível explicação para esse fato é que, hoje, na atenção básica de saúde os usuários que possuem sofrimento psíquico são atendidos quase que exclusivamente por enfermeiros, médicos e psicólogos. Na rede não existe um trabalho constituído de suporte sendo oferecido de forma integrada por outros profissionais da equipe interdisciplinar. Logo, as produções refletem o que acontece no cotidiano e assim encontramos apenas 2 produções, da Terapia Ocupacional e Assistência Social. Não constatamos, nos estudos analisados, autoria ou coautoria de profissionais de nível técnico assistencial e de outras áreas como profissionais de educação física, fisioterapia, entre outros.
Quanto à titulação dos autores, em 17 (41%) dos artigos analisados não há registro da titulação dos mesmos. Constatou-se que 12 (28%) artigos foram publicados por doutores, 5 (12%) por doutores e mestres, 8 (19%) por mestres.
Considerando a política de desenvolvimento das ciências e tecnologias no Brasil, a produção científica qualificada é um dos principais parâmetros de avaliação dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu no Brasil, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES. Vale lembrar, que esta produção é um compromisso dos pesquisadores, em especial mestres e doutores, vinculados a estes Programas (Rodrigues et al., 2008; Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2010). Por esta razão, acredita-se que o aumento dos cursos de Pós-Graduação possa ter sido um dos fatores determinantes no desenvolvimento da produção científica em saúde mental no Brasil, contribuindo decisivamente para a construção do Revista de Enfermagem Referência - III - n.° 5 - 2011 LISNÉIA FABIANI BOCK, et al. 177 conhecimento neste período, visto que grande parcela da amostra analisada advém de estudos de mestres e doutores.
Com relação ao contexto sociocultural, de entre os estudos analisados, 24% não informam a região em que o mesmo foi desenvolvido, 19% relatam ser do contexto nacional, 17% referem-se a cidades do Estado de São Paulo, 12% do Rio Grande do Sul, 10% do Rio de Janeiro, 7% de Minas Gerais, 5% da Bahia, e 2% no Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Distrito Federal. Dos resultados, a região do Brasil com maior ocorrência de produção, foi a Sudeste, em contraste com a região Norte, onde não evidenciamos estudos nas bases de dados investigadas. Tal evidência pode estar relacionada com o crescimento dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem no país, tendo em vista que no período entre 1996 a 2004 a área de Ciências da Saúde foi a que mais prosperou. Um exemplo disso, diz respeito à análise da área da Enfermagem que, em 2005, contava com 27 Programas de Pós-Graduação reconhecidos, apontando um crescimento de 31,25% em relação à avaliação trienal 1998-2000, da CAPES. Este crescimento foi evidenciado apenas nas regiões Sul e Sudeste e a região Nordeste não apresentou progressos neste sentido. Atualmente, de acordo com os dados da CAPES, a região Sudeste conta com 2.183 (53,2%) dos cursos de Pós-Graduação, a região Sul 810 (19,7%), a Nordeste 681 (16,6%), a Centro-Oeste 272 (6,63%) e a região Norte 157 (3,9%) dos cursos de Pós- Graduação do país (Rodrigues et al., 2008). Também é de nosso conhecimento que, especialmente na área da enfermagem, os profissionais que trabalham na assistência direta aos usuários não tem por hábito buscar a educação continuada nem tão pouco investigar e divulgar seus achados na forma de artigos científicos. O que mais vimos ocorrer são enfermeiros relatando suas experiências em eventos científicos através de rápidos manuscritos.
Por outro lado, na área da saúde mental pós-reforma psiquiátrica os primeiros serviços substitutivos do manicômio foram implantados e implementados no Estado de São Paulo, estimulados por muitos pesquisadores vinculados aos programas de Pós- Graduação que floresciam nessa região (Amarante, 2003b).
Ao analisar os delineamentos de pesquisa da amostra estudada, identificamos que 18 (42,8%) utilizaram a abordagem metodológica qualitativa, 6 (14,2%) desenvolveram estudos com métodos quantitativos, 1 (2,3%) realizou estudo quanti - qualitativo, e 17 (40,5%) são classificados como estudo de revisão bibliográfica, reflexão e relato de experiência.
Cabe lembrar que, o conhecimento produzido no período de 1975 a 2003, no Programa de Pós- Graduação em Enfermagem Psiquiátrica, referência para a qualificação de profissionais e formação de pesquisadores no campo de saúde mental, vem apresentando a perspectiva qualitativa como escolha da maioria dos pesquisadores (Barros et al., 2005).Os tipos de estudos da amostra estudada configuram, em sua maioria, a pesquisa original com 25 estudos (59,5%), principalmente apresentando resultados de teses e dissertações. Outros 10 (23,8%) estudos discorrem acerca da reflexão teórica acerca das práticas da assistência em saúde mental, 04 (9,5%) são de revisão de literatura e 03 (7,2%) de relato de experiência.
Com relação aos métodos utilizados nas 25 pesquisas mencionadas anteriormente, constata-se que: 13 (52%) caracterizam-se como exploratória descritiva, 3 (12%) documental, 3 (12%) epidemiológica, 3 (12%) história de vida, 1 (4%) estudo de caso, 1 (4%) etnográfica, e também 1 (4%) a pesquisa bibliográfica. Assevera-se a necessidade de maior clareza e descrição acerca do método utilizado e o caminho metodológico percorrido no desenvolvimento do estudo, visto o olhar minucioso necessário para a obtenção dos dados acima, tanto nos resumos quanto no corpo do texto.
Quanto à população alvo dos estudos, 19 (45,2%) abordam a Reforma Psiquiátrica e as Políticas Públicas de Saúde. Destes, 1 contextualiza a família; 12 (28,6%) evidenciam os sofredores psíquicos, sendo que 1 trata da família, 1 do idoso e 2 da infância e adolescência; 6 (14,3%) referem-se aos profissionais de saúde; 5 (11,9%) aos serviços e instituições de saúde. Percebe-se, com esses dados, que o alvo dos estudos analisados, evidencia a busca do alinhamento com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica e apresentam referência a esta, por parte da gestão e das práticas dos profissionais nos campos da assistência, bem como retrata a realidade dos serviços e instituições que prestam serviços aos sofredores psíquicos e a realidade deles próprios (Barros et al., 2005).
Quanto ao instrumento utilizado para a coleta de dados, 11 (26,2%) estudos utilizaram a entrevista, 4 (9,5%) o questionário estruturado, 5 (11,9%) Revista de Enfermagem Referência - III - n.° 5 - 2011 Saúde mental na atenção básica: como se configura a produção do conhecimento no Brasil 178 tilizaram dados diretos de prontuários, 10 (23,8%) dados de documentos e relatórios, 4 (9,5%) fizeram uso de diário de campo, sendo 3 de observação participante e 01 não participante, 2 (4,8%) utilizaram dados do DATASUS, 1 (2,4%) utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, e 3 (7,1%) utilizaram-se de bibliografias ou textos diversos que constituem o manuscrito.
Assim, dos 42 artigos da amostra, 30 referem uso de instrumento(s) para coleta de dados. Importa salientar que os tipos de instrumentos anteriormente citados foram utilizados, em alguns estudos, de forma associada, ocorrendo associação de até três tipos de instrumentos para a coleta dos dados. Desses 30 trabalhos, 22 utilizaram apenas um instrumento para coletar dados, 6 utilizaram dois e 2 fizeram uso de três tipos de instrumentos para constituição dos dados. Em outros trabalhos, como de revisão de literatura, reflexão teórica ou relato de experiência, a maioria não utiliza, entretanto, desses, 5 artigos referem uso de documentos para sustentação teórica ou reflexiva de seus estudos.
No que se refere às questões éticas, dos 42 artigos, 15 (35,7%) deles têm participação direta de seres humanos na pesquisa e 3 (7,1%) envolvimento indireto, com manejo de informações de prontuário de pacientes. Apenas 5 (11,9%) apresentam referência de parecer/ apreciação por um Comitê de Ética em Pesquisa, conforme prevê a Resolução 196/96 que determina diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos (Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, 2010).
Ao buscarmos a identificação do referencial teórico, em 34 (81%) trabalhos não é apontado o uso e, em 8 (19%) o referencial teórico é utilizado e citado, de entre os quais: 3 (7,1%) usam Michael Foulcault; 1 (2,3%) usa a Reabilitação Psicossocial; 1 (2,4%) usa a Política de Saúde Mental, a Reforma Psiquiátrica e a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas como referencial; 1 (2,4%) trabalha com as Representações Sociais; 1 (2,4%) com Materialismo Histórico, e 1 (2,4%) utiliza o Modo Psicossocial de Costa-Rosa.
Quanto ao tipo de análise realizada nos estudos, constatamos que 4 artigos foram analisados de forma analítica interpretativa; 2 tiveram análise estatística; 08 utilizaram análise de conteúdo, sendo 2 de acordo com Bardin, 3 segundo Minayo e 3 não especificam autor de referência, apenas que fizeram uso de análise de depoimentos/ discursos dos sujeitos participantes do estudo; 3 são do tipo analítico descritivo; 4 análise documental; 1 análise hermenêutica; 1 refere análise quali e quantitativa; e 1 aponta uso do Programa EPInfo para análise. Desses, um estudo aponta o uso de análise documental e dos depoimentos de sujeitos participantes. Todavia, em 5 estudos não encontramos referência quanto ao tipo de análise. Os demais que não apontam tipo de análise, representam reflexões teóricas, revisões de literatura e relatos de experiência, num total de 14 produções.
Frente aos achados pode-se dizer que a produção científica relativa à saúde mental na atenção básica de saúde ainda é bastante irregular ao longo dos anos e pouco expressiva, trazendo pouca contribuição para construção do conhecimento na área da saúde e, de forma especial, para enfermagem em saúde mental. Percebe-se a necessidade de estimular-se a publicação dos resultados de trabalhos na atenção a saúde mental que estão sendo desenvolvidos na rede básica de saúde, tais como: consultas de enfermagem em saúde mental; discussão de casos que são atendidos pelas equipes de estratégia de saúde da família, que ocorrem no matriciamento em saúde mental, onde são definidas as melhores estratégias para acompanhamento e cuidado de pacientes com transtorno mental e sofrimento psíquico e sua família; trabalho dos grupos terapêuticos com pacientes em sofrimento psíquico e seus familiares; entre outros. Além do trabalho desenvolvido pelos docentes dos diferentes cursos de graduação na área da saúde, no processo de ensino aprendizagem de seus alunos na interface saúde mental na atenção básica, conforme preconizado pela Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs (Brasil, Ministério da Educação, 2001), que deflagrou toda a mudança curricular dos cursos no Brasil.
Conclusão
Os resultados mostram que a saúde mental na atenção básica vem sendo compartilhada por meio de publicações em periódicos científicos, tendo maior ocorrência nos anos de 2001, 2005 e 2006. No entanto, consideramos que existem lacunas na produção científica que relacionem a família, na Revista de Enfermagem Referência - III - n.° 5 - 2011 LISNÉIA FABIANI BOCK, et al. 179 qual também são membros com transtorno mental a criança, o adolescente e o idoso. Dessa forma importa que o ensino, a pesquisa e a prática se voltem para a inclusão social desses sofredores, resgatando a inclusão dos familiares/ da família no movimento da Reforma Psiquiátrica (Mello, 2005).
No processo de construção do conhecimento científico, foi evidenciado que há maior ocorrência de produções na região Sudeste. Torna-se um desafio para os pesquisadores brasileiros, independente da localização geográfica, ampliar a produção não apenas no aspecto quantitativo, mas também vislumbrar o qualitativo, publicando trabalhos em periódicos Qualis Internacional A e B.
Com base nos estudos, sugerimos que, além da titulação e instituição à que são vinculados os autores dos trabalhos, estes apontem também sua formação para que possamos identificar quais profissionais estão contribuindo com a produção do conhecimento. É importante assinalar que alguns trabalhos não apresentaram referência quanto ao método ou tipo de análise dos dados no resumo, e outros o fizeram em incongruência com as informações do corpo do texto.
Pontuamos a necessidade de as produções apresentarem, de forma mais explícita e detalhada, no corpo do texto, o delineamento das suas propostas, com descrição das etapas metodológicas utilizadas na busca dos dados, bem como da análise e interpretação dos resultados, garantindo assim a apreensão do leitor. Tomamos como exemplo o elevado percentual de estudos que não apontam a região onde o estudo foi desenvolvido (24%) e a falta de considerações acerca das questões éticas atribuídas às pesquisas que envolvem seres humanos, direta ou indiretamente. Entendemos ser necessário que os estudos apresentem conclusões ou considerações finais congruentes com os objetivos dos estudos e colocadas com maior clareza e objetividade, com vista à aplicação em novas pesquisas, ensino e prática.
Constatámos, por meio da presente revisão integrativa, que ainda existem poucas produções publicadas que evidenciem a interface da saúde mental na prática da atenção básica. Mesmo assim, sabe-se que o sofrimento mental está cada vez mais presente na sociedade, em diferentes classes sociais, devendo ser superado, quer seja avançando no conhecimento em relação às diretrizes da política de saúde mental ou aproximando-nos das contingências do processo de adoecimento, contribuindo assim na consolidação da saúde mental no âmbito da atenção básica.
Artigo elaborado na disciplina intitulada Processo de Viver e a Saúde Humana do Curso de Doutorado em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC), Brasil, realizada em 2008/02.
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Recebido para publicação em: 25.01.11
Aceite para publicação em: 06.06.11