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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.9 Coimbra mar. 2013
https://doi.org/10.12707/RIII1253
Competências relacionais dos estudantes de enfermagem: Follow-up de programa de intervenção
Relational skills of nursing students: Follow-up of an intervention program
Competencias relacionales de los estudiantes de enfermería: seguimiento del programa de intervención
Rosa Cristina Correia Lopes*; Zaida de Aguiar Sá Azeredo**; Rogério Manuel Clemente Rodrigues***
* Mestre em Psiquiatria e Saúde Mental. Doutoranda em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Professora adjunta na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra [rlopes@esenfc.pt]
** Doutora em Saúde Comunitária. Professora Auxiliar no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto [zaida.azeredo@gmail.com].
*** Doutor em Ciências de Enfermagem. Professor adjunto na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra [rogerio@esenfc.pt].
Resumo
O desenvolvimento de competências pessoais e sociais torna-se facilitador ou mesmo imprescindível para que o enfermeiro demonstre competências relacionais e de ajuda na sua actividade diária.
Este estudo, de natureza quasi-experimental, objetivou avaliar a validade do programa de desenvolvimento de competências sociais designado Cuidar-se para Saber Cuidar e as suas implicações no desenvolvimento de competências relacionais de ajuda e de comunicação interpessoal nos estudantes de enfermagem, num follow-up de seis meses.
A amostra aleatória totalizou 104 estudantes do 2º ano, 3º semestre do Curso de Licenciatura em Enfermagem, constituindo o grupo de controlo (42 estudantes) e o grupo experimental (62 estudantes).
Recolha de dados através de: Questionário Sociodemográfico; Escala de Alexitimia de Toronto; Escala de Assertividade de Rathus; Inventário Clínico de Autoconceito; Inventário de Competências Relacionais e de Ajuda; e Escala de Avaliação da Comunicação Interpessoal.
Os resultados evidenciam que o impacto do Programa se fez notar no autoconceito, na assertividade, na alexitimia, nas competências relacionais de ajuda e na comunicação interpessoal.
Concluiu-se que o Programa possui validade, consistência e utilidade no desenvolvimento e na aprendizagem de competências pessoais, sociais e profissionais dos estudantes de enfermagem, com implicações positivas no desenvolvimento de competências relacionais de ajuda e de comunicação interpessoal.
Palavras-chave: estudantes de enfermagem; competência clínica; educação baseada em competências.
Abstract
The development of personal and social skills is a facilitator or even essential for nurses to demonstrate relational skills and helping skills in their daily activity.
This study, quasi-experimental in nature, aimed to assess the validity of the program of development of social skills called Care to Know Care and its implications for the development of relational skills of helping and interpersonal communication in nursing students at six month follow-up after the program.
A random sample totalled 104 students from the 2nd year, 3rd semester of the Nursing Degree Course, constituting a control group (42 students) and an experimental group (62 students).
Data collection was done using: a Sociodemographic Questionnaire, the Toronto Alexithymia Scale, Rathus Assertiveness Scale, Clinical Self-concept Inventory, Relational and Help Skills Inventory and Interpersonal Communication Assessment Scale.
The results show an impact of the program on self-concept, assertiveness, alexithymia, relational and helping skills and interpersonal communication.
It was concluded that the program has validity, consistency and usefulness in the development and learning of personal, social and professional competencies of nursing students, with positive implications for the development of relational helping skills and interpersonal communication.
Keywords: nursing students; clinical competence; competency-based education.
Resumen
El desarrollo de competencias personales y sociales se convierte en un elemento facilitador o incluso esencial para que las enfermeras demuestren competencias relacionales y de ayuda en su actividad diaria.
Este estudio cuasi experimental ha tenido como objetivo evaluar la validez del programa de desarrollo de competencias sociales llamado Cuidarse para Saber Cuidar y sus implicaciones en el desarrollo de competencias relacionales de ayuda y de comunicación interpersonal en los estudiantes de Enfermería, en un seguimiento de seis meses.
La muestra aleatoria ha estado constituida por 104 estudiantes de segundo año, tercer semestre de los estudios de Enfermería, es decir un grupo de control (42 estudiantes) y un grupo experimental (62 estudiantes).
La recopilación de datos se ha realizado a través de: Cuestionario sociodemográfico, Escala de alexitimia de Toronto, Escala de asertividad Rathus, Inventario Clínico Auto-Concepto, Inventario de Competencias de relación de la ayuda y Escala de evaluación de la comunicación interpersonal.
Los resultados muestran que el impacto del programa se refleja en el autoconcepto, la asertividad, la alexitimia, las competencias relacionales de ayuda y en la comunicación interpersonal.
Se concluye así que el programa tiene validez, coherencia y utilidad en el desarrollo y el aprendizaje de los estudiantes de Enfermería de carácter personal, social y profesional, con implicaciones positivas en el desarrollo de competencias relacionales de ayuda y de comunicación interpersonal.
Palabras clave: estudiantes de Enfermería; competencia clínica; Educación basada en competências.
Introdução
Em inúmeras investigações foi demonstrado que indivíduos com bom relacionamento interpessoal são mais saudáveis, menos propensos a doenças e mais produtivos no trabalho. O desempenho profissional em diversas áreas ( ) depende, criticamente, de um conjunto de competências pessoais e habilidades de relacionamento (Del Prette e Del Prette, 2011, p.10). Considera-se que os indivíduos socialmente habilidosos contribuem significativamente para a melhoria do clima organizacional, para a melhoria da qualidade das relações intra e intersectoriais e para a melhoria das relações com fornecedores, clientes e público em geral.
Nesta sequência, as competências sociais têm sido relacionadas com uma melhor qualidade de vida, com relações interpessoais mais gratificantes, com maior realização profissional e com sucesso profissional (Caballo, 2009). Os programas de desenvolvimento de competências sociais, no sentido do desenvolvimento máximo das capacidades pessoais e relacionais, têm sido utilizados para desenvolver habilidades interpessoais necessárias à realização de um trabalho eficiente, em diferentes áreas profissionais: medicina; psicologia; e também em estudantes de psicologia e de ciências exatas com o objetivo de melhorar o rendimento académico, o relacionamento interpessoal ou o ingresso no mercado de trabalho (Del Prette e Del Prette, 2011).
Por outro lado, em Enfermagem sublinha-se que o fundamento dos cuidados está centrado na relação interpessoal estabelecida entre o profissional e a pessoa que necessita de cuidados, aspecto defendido por inúmeras teóricas de Enfermagem e que está bem evidente na definição de cuidados de enfermagem da Ordem dos Enfermeiros.
Podemos também afirmar que a base da competência profissional de enfermagem reside, em primeiro lugar, nas qualidades pessoais, ou seja, na personalidade do enfermeiro, que é determinante para a aquisição de formação e experiência. Esta comporta, assim, dois aspectos essenciais: a mobilização das competências pessoais; e a mobilização dos saberes e saber-fazer aplicados aos cuidados em Enfermagem (Phaneuf, 2005).
Alguns estudos realçam a existência de uma associação positiva entre a qualidade da relação enfermeiro-cliente e os resultados no cliente em diversas populações (Edwards, Peterson e Davies, 2006). Estes autores desenvolveram um estudo com o objetivo de determinar a existência da melhoria nas habilidades de comunicação dos enfermeiros após a implementação de um projeto de intervenção, tendo comparado a frequência e a qualidade das habilidades de comunicação não-verbal (calor, escuta ativa, iniciação da relação terapêutica e assertividade, referenciadas como importantes facilitadoras das relações interpessoais) utilizadas pelas enfermeiras antes do projeto e cinco meses após a sua implementação. Os resultados revelaram uma tendência para a melhoria da assertividade e melhoria significativa nas habilidades de escuta ativa e iniciação da relação terapêutica após a intervenção. Estes factos sustentam a importância da implementação de estratégias que visem o desenvolvimento destas habilidades de comunicação e relação, focando como implicação prática que gestores e enfermeiros utilizem estas estratégias para avaliar a prática de enfermagem.
Nesta sequência desenvolveu-se um estudo, de natureza quasi-experimental, que objetivou avaliar as implicações do Programa de Intervenção Cuidar-se para Saber Cuidar no desenvolvimento de competências (relacionais de ajuda e comunicação interpessoal nos estudantes de enfermagem) favorecedoras do desempenho em Ensino Clínico.
Metodologia
O Programa Cuidar-se para Saber Cuidar, concebido, implementado e avaliado num projeto de investigação mais lato, é um programa educativo que pretendeu promover e/ou otimizar o desenvolvimento de competências pessoais, sociais e profissionais dos estudantes de enfermagem, utilizando estratégias estruturadas e formais. Estas visaram obter como resultado final, para além do bem-estar pessoal e social, o sucesso académico e profissional, possibilitado pelo desenvolvimento de competências relacionais, que nas Ciências de Enfermagem têm tradução no Saber-fazer Relacional.
O desenho do Programa de Intervenção, assente em dinâmicas de grupo e tarefas individuais, foi sustentado numa abordagem cognitivo-comportamental e simultaneamente numa abordagem humanista Rogeriana do desenvolvimento humano. Constituiu-se em 10 sessões, com duração de 2 horas cada, organizadas em torno do desenvolvimento de uma competência (comunicação, expressão de emoções, escuta, empatia, autoconceito e conhecimento de si, assertividade e cooperação) e pressupondo sempre uma abordagem de interligação e integradora dos diversos conteúdos trabalhados nas diferentes sessões. As sessões decorreram ao longo de aproximadamente dois meses, com uma periodicidade semanal e/ou bissemanal.
Amostra
A investigação teve como população os estudantes do 2º ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem (CLE), de uma Escola Superior de Enfermagem, que realizaram ensino teórico no 3º semestre, perfazendo um total de 166 estudantes.
A amostra aleatória, totaliza 104 estudantes do 2º ano, 3º semestre do CLE, que constituíram o grupo de controlo (GC 42 estudantes) e o grupo experimental (GE 62 estudantes). No momento do estudo de follow-up do Programa (6 meses após o seu terminus), estes estudantes frequentavam o 2º Ano, 4º Semestre, e encontravam-se nas duas semanas finais do primeiro Ensino Clínico (Ensino Clínico de Fundamentos de Enfermagem). O cálculo do tamanho da amostra corrigido, para um erro amostral tolerável de 6%, é de 104 estudantes (Eº = 0,06; nº = 1/(0,06)² = 277 estudantes; n = 166x277/166+277 = 45982/443 = 103,7 estudantes).
Foram considerados como critérios de selecção da amostra: a colaboração voluntária no programa de intervenção; e a inexistência de realização de Ensino Clínico.
Apenas o GE foi submetido ao programa de intervenção Cuidar-se para Saber Cuidar.
A amostra é maioritariamente do género feminino (92,86% no GC e 90,32% no GE), com estado civil solteiro na quase totalidade (98,39% no GE e 100% do GC) e idade compreendida entre os 18 e 35 anos. A média de idades foi de 19,19 anos e o desvio padrão de 0,50 no GC e de 19,55 anos e 2,16 no GE, respetivamente
Instrumento de colheita de dados
O instrumento de colheita de dados de auto-avaliação foi constituído por: Questionário Sociodemográfico; Escala de Alexitimia de Toronto TAS-20 (Veríssimo, 2001); Escala de Assertividade de Rathus RAS (Detry e Castro, 1996); Inventário Clínico de Autoconceito ICAC (Vaz-Serra, 1986); e Inventário de Competências Relacionais e de Ajuda ICRA (Ferreira, Tavares e Duarte, 2006).
Para a hetero-avaliação utilizou-se a Escala de Avaliação da Comunicação Interpessoal ICAS (Lopes, Azeredo e Rodrigues, 2010), instrumento preenchido pelos professores que orientam no Ensino Clínico os estudantes participantes na investigação, sendo relativo ao desempenho desses mesmos estudantes.
De seguida apresentamos uma breve descrição dos instrumentos utilizados:
Questionário Sociodemográfico.
Escala de Alexitimia de Toronto (TAS-20) de auto-avaliação do tipo Lickert, com 20 itens pontuados de 1 a 5, o valor total varia entre 20 e 100 (itens 4, 5, 10, 18 e 19 pontuados inversamente), constituída por três fatores: F1 dificuldade em identificar sentimentos; F2 dificuldade em descrever sentimentos; e F3 pensamento orientado para o exterior. O estudo da fiabilidade e validação da tradução portuguesa revela, relativamente à consistência interna, alta fiabilidade da escala como um todo e, quanto à estabilidade temporal, uma fiabilidade excelente (Veríssimo, 2001).
Inventário Clínico de Autoconceito (ICAC) escala tipo Lickert com 20 itens, cotados de 1 a 5, em que a maior pontuação exprime um autoconceito mais elevado (itens 3, 12 e 18 são cotados de forma inversa), o total varia entre 20 e 100. Constituído por seis fatores: F1 aceitação/rejeição social; F2 auto-eficácia; F3 maturidade psicológica; e F4 impulsividade. Os fatores 5 e 6 apresentam um carácter misto, pelo que o autor não lhes atribuiu uma denominação específica. A validação do ICAC revelou um coeficiente de Spearman-Brown de 0,791 e um coeficiente teste-reteste de 0,838 (Vaz-Serra, 1986).
Escala de Assertividade de Rathus (RAS) escala de auto-relato estruturado, constituída por 30 itens, que descrevem comportamentos ou sentimentos que ocorrem em situações sociais quotidianas, cotados de -3 a +3, respetivamente, salvaguardando os itens cotados de forma inversa: 1, 2, 4, 5, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 23, 24, 26, 30. O valor global varia de -90 a +90. O trabalho de Rathus revela como intervalo de confiança os valores normais [-15, +34]. A versão portuguesa desenvolvida por Detry e Castro (1996) mostra como intervalo de confiança [-26, +22]. As autoras salvaguardam que na construção da RAS, o conceito de assertividade se relaciona com um conjunto de parâmetros da competência social.
Inventário de Competências Relacionais de Ajuda (ICRA) instrumento de auto-resposta que avalia as competências relacionais de ajuda de um enfermeiro e que foi desenvolvido por Ferreira, Tavares e Duarte (2006). A cotação varia de 1 a 7 e o valor global de 51 a 357. Constituído por quatro fatores: F1 competências genéricas; F2 competências empáticas; F3 competências de comunicação; e F4 competências de contacto. O coeficiente de Sperman-Brown obtido na sua validação foi de 0,8792 e o coeficiente de alpha de Cronbach de 0,7474.
Escala de Avaliação da Comunicação Interpessoal (ICAS) de hétero e auto-avaliação, tipo Lickert, constituída por 23 itens que correspondem aos comportamentos de comunicação interpessoal que se esperam dos estudantes de enfermagem. A cotação varia de 1 a 4 e corresponde ao nível de eficácia atingido em cada item. O estudo de fiabilidade e validade da versão portuguesa revelou um elevado índice de confiabilidade e muito boa estabilidade temporal (Lopes, Azeredo e Rodrigues, 2010). Constituído por três fatores: F1 advocacia; F2 uso terapêutico de si próprio; e F3 validação.
Os dados obtidos foram tratados informaticamente através do programa Predictive Analytics Software (PASW) Statistics, versão 18,0 para Windows, tendo-se recorrido a métodos inerentes à estatística descritiva e inferencial.
Procedimento
Foram desenvolvidas diligências que culminaram na obtenção das autorizações dos autores (nacionais e internacionais) para a utilização dos instrumentos de colheita de dados e na obtenção das autorizações da Presidente. Salientamos também o carácter voluntário da participação dos estudantes e a respetiva assinatura da declaração de consentimento informado.
Importa ainda referir que esta investigação obteve o parecer favorável da Comissão de Ética da Unidade Investigação em Ciências da Saúde Enfermagem (UICISA-E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.
Este estudo foi realizado seis meses após a realização do Programa de Intervenção, coincidindo com o final do primeiro EC e, para além da auto-avaliação dos estudantes relativamente ao desenvolvimento das suas competências, também prevê a sua hetero-avaliação, havendo por isso a necessidade de solicitar aos professores orientadores dos estudantes em Ensino Clínico o preenchimento da Escala de Avaliação da Comunicação Interpessoal relativa ao desempenho de cada um dos estudantes pertencentes à amostra.
Resultados
O Quadro 1, relativo ao autoconceito e às dimensões aceitação social, auto-eficácia, maturidade psicológica e impulsividade, evidência uma diferença significativa nas médias entre o GC e GE (sendo mais elevadas no GE) a nível da auto-eficácia e do autoconceito de um modo global.
Quadro 1
Relativamente à assertividade, o Quadro 2 permite constatar que a diferença das médias entre o GC e o GE não são significativamente diferentes no estudo de follow-up. Importa reter que a escala utilizada considera a assertividade em pontuações intermédias, equivalendo a não assertividade às pontuações mais baixas e às mais altas.
Quadro 2
Houve por isso a necessidade de analisar as diferenças entre proporções considerando as variáveis nominais: assertivo e não assertivo, o que tornou evidente a diferença estatisticamente muito significativa entre o GC e o GE (Quadro 3).
Quadro 3
O Quadro 4 mostra que a alexitimia no global e nas dimensões dificuldade em identificar sentimentos e pensamento orientado externamente tem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de controlo e experimental, sendo as médias inferiores no GE, o que corresponde a participantes com índices mais baixos de alexitimia.
Quadro 4
Recorreu-se também à análise das diferenças entre proporções referente às variáveis nominais: claramente sem alexitimia, com alexitimia moderada e claramente com alexitimia, constatando-se a existência de diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos no estudo de follow-up (Quadro 5). Verificando-se a existência de percentagem mais elevada de indivíduos sem alexitimia e a menos percentagem de indivíduos com alexitimia no GE relativamente ao GC.
Quadro 5
Os resultados expostos no Quadro 6, relativos às competências relacionais de ajuda dos estudantes de enfermagem em Ensino Clínico, mostram que existem diferenças significativas entre os grupos de controlo e experimental a nível das competências genéricas, das competências de comunicação, da competência empática e, globalmente, a nível das competências relacionais de ajuda. A análise das médias obtidas em cada grupo permite constatar que o GE obtém pontuações mais elevadas globalmente nas competências relacionais de ajuda e em todas as dimensões, incluindo as competências de contacto que não apresentam significância inferencial.
Quadro 6
Quando inquirimos os professores sobre o desenvolvimento da comunicação interpessoal dos seus estudantes durante o Ensino Clínico, os resultados do Quadro 7 permitem constatar que o GE apresenta uma média de valores superiores às do GC em todas as dimensões e, globalmente, na comunicação interpessoal. Considerando as diferenças estatisticamente observadas, pode inferir-se que o Programa de Intervenção aplicado é eficaz na melhoria das competências de comunicação interpessoal, no global, e nas suas dimensões advocacia e uso terapêutico de si próprio.
Quadro 7
Discussão
Os resultados deste estudo de follow-up evidenciam que o impacto do Programa de Intervenção (medido seis meses após a sua conclusão) se fez notar no autoconceito, na assertividade, na alexitimia, nas competências relacionais de ajuda e na comunicação interpessoal.
Assim, relativamente ao autoconceito, a comparação dos dois grupos como amostras independentes demonstra a existência de diferenças significativas na dimensão auto-eficácia e no autoconceito.
Julgamos que o espaço temporal mediado entre o terminus do Programa e o estudo de follow-up tornou evidente as diferenças entre os grupos referentes ao autoconceito, e que possam ter origem na intervenção, o que corrobora as perspetivas defendidas em diversos estudos empíricos sobre a possibilidade de modificação do autoconceito através de intervenção (Parker, Martin e Marsh, 2008; Marsh et al., 2009).
O estudo de Fuentes et al. (2011), com 1281 adolescentes, embora não inclua no seu desenho a avaliação de qualquer intervenção, os resultados indicam que uma maior pontuação no autoconceito corresponde a um melhor ajustamento social, a boas habilidades pessoais e sociais e menos problemas comportamentais, o que, na opinião dos autores, suporta a ideia de que o autoconceito é um construto estreitamente relacionado com o ajustamento psicossocial. Assim, estes resultados parecem-nos reforçar os resultados obtidos com a intervenção desenvolvida nesta investigação.
Do mesmo modo, o estudo longitudinal de Edwards et al. (2010) para a auto-avaliação do stress e auto-estima em estudantes de enfermagem nas diferentes fases do seu processo de formação, revelou que o stress é maior no início do terceiro ano (último ano) de treino clínico (ensino clínico), sendo estes valores significativamente mais elevados do que em qualquer outro momento do curso, e que paralelamente a auto-estima é mais baixa no final do ensino clínico, o que levou os autores a sugerirem o desenvolvimento de efetivas intervenções de stress. Também na avaliação do stress em estudantes de enfermagem, Dias e Silva (2011), após a participação na unidade curricular de Gestão de stress, que incluiu o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento de competências, confirmam a evidência de mudanças nos comportamentos e atitudes face ao stress.
No que se refere à assertividade, a sua categorização revela um aumento do número de indivíduos assertivos no GE.
Estes resultados são consistentes com o estudo de Lin et al. (2004), que no follow-up de um programa de treino de assertividade com estudantes de medicina e de enfermagem, também verificaram que a assertividade foi significativamente melhorada no grupo experimental.
Outros estudos salientam a necessidade de desenvolvimento das habilidades sociais em estudantes e profissionais de área científicas que privilegiam a relação como instrumento terapêutico. Assim, Del Prette e Del Prette (2011) encontram em estudantes de psicologia uma menor expressividade de sentimentos positivos e negativos relativamente à amostra normativa, considerando que isso se poderia dever ao ajustamento do estudante ao estereótipo do psicólogo como profissional mais contido e controlado (que poderia ser reforçado ao longo da formação ou constituir um fator pré-seletivo na escolha desta área) ou a deficits em habilidades sociais nessa área que o curso de psicologia não supriria, embora focalizando outras características do desempenho social.
Na avaliação da alexitimia constata-se a existência de diferenças significativas nas dimensões dificuldade em identificar sentimentos e pensamento orientado externamente e globalmente na alexitimia, entre o GE e o GC, sendo notório o aumento do número de participantes sem alexitimia no GE.
Estes resultados parecem corroborar os resultados encontrados por Bekker et al. (2008) que num estudo com uma amostra feminina clínica (n=552) e não-clínica (n=559) constatam que a assertividade é forte preditor da autonomia e que a componente cognitiva da alexitimia contribuiu para o autoconhecimento e para a capacidade de gerir situações novas. Concluem que o treino de assertividade e o reforço da regulação das emoções são importantes para a capacidade de resolução de problemas e autonomia.
Também em outros estudos (Christopher e McMurran, 2009), a alexitimia foi associada a uma menor eficácia na resolução de problemas sociais, enquanto que a preocupação empática foi associada a uma maior eficácia na resolução desses mesmos problemas. Em enfermeiros (n=297) a empatia mostra correlacionar-se positivamente com a gestão de relacionamentos em grupo e com a gestão das emoções (Agostinho, 2008).
Relativamente à avaliação das competências relacionais de ajuda, a comparação dos dois grupos põe em evidência diferenças significativas entre os grupos experimental e de controlo ao nível das competências genéricas, das competências de comunicação, da competência empática e globalmente das competências relacionais de ajuda.
Estes resultados são consistentes com os de Araújo e Gomes (2010) que, também com estudantes de enfermagem, encontram que o desenvolvimento das competências relacionais de ajuda está associado sobretudo às competências genéricas, competências empáticas e competências de comunicação e dependente de variáveis pessoais.
São consistentes também com a pesquisa de Melo (2005), que em estudantes do 4º ano do CLE encontra relação significativa entre o desenvolvimento do autoconceito (em todas as dimensões - aceitação social, auto-eficácia, maturidade e impulsividade) e o desenvolvimento de competências relacionais de ajuda, defendendo que para facilitar o desenvolvimento de competências relacionais de ajuda nos estudantes de enfermagem é essencial atender às suas características individuais. Importa ressalvar que a população deste estudo se encontra numa fase mais avançada da sua formação académica, bem como do seu desenvolvimento pessoal.
De acordo com a base conceptual do ICRA (Ferreira, Tavares e Duarte, 2006) e numa análise de pormenor dos conceitos que estão subjacentes às dimensões detetadas com notárias diferenças entre os grupos, podemos constatar que o Programa Cuidar-se para Saber Cuidar permitiu o desenvolvimento de competências genéricas através do incremento dos conhecimentos de si e dos conhecimentos profissionais; o desenvolvimento das competências de comunicação através do incremento da comunicação verbal, mas essencialmente da comunicação não-verbal (olhar, toque, escuta, distância e meios de comunicação; e o desenvolvimento das competências empáticas através do incremento da compreensão empática, respeito caloroso, autenticidade e especificidade. Os avanços alcançados nestas dimensões culminam no incremento global das competências relacionais de ajuda dos estudantes do GE (visível nas pontuações médias).
Na avaliação das competências de comunicação interpessoal (avaliadas pelo professores) são evidenciadas diferenças significativas entre os dois grupos nas dimensões advocacia e uso terapêutico de si próprio e globalmente na comunicação interpessoal. Importa salientar que estes resultados são consonantes com os provenientes da auto-avaliação dos estudantes (discutidos anteriormente).
Estes resultados parecem apontar alguma divergência com os encontrados por Lin et al. (2004), que após a implementação de um programa de treino de assertividade com estudantes de medicina e de enfermagem, não encontrou diferenças significativas na satisfação da comunicação interpessoal no pós-teste e follow-up, argumentando os autores que para além do programa ser essencialmente projetado para o aumento da assertividade, com menor relevo da comunicação interpessoal, também o tempo mediado entre o pós-teste e o follow-up foi curto (um mês).
Por outro lado, e consonante com os resultados do nosso estudo, salientamos a implementação do projecto Therapeutic Relationships BPG, realizada por Edwards, Peterson e Davies (2006), com o objetivo de determinar a existência de melhoria nas competências de comunicação dos enfermeiros, comparam a frequência e a qualidade das competências de comunicação não-verbal seleccionadas (calor, escuta activa, iniciação da relação terapêutica e assertividade) utilizadas pelas enfermeiras antes e cinco meses após sua da implementação. A evidência de que a melhoria da assertividade melhora significativamente as habilidades de escuta ativa e iniciação da relação terapêutica após a intervenção, sustenta a importância da implementação de estratégias que visem o desenvolvimento de competências de comunicação e relação, focada na implicação prática que gestores e enfermeiros utilizem estas estratégias para avaliar a prática de enfermagem.
Importa ainda salientar que apesar da inferência causal do Programa de Intervenção ser clara e inequívoca, não pode ser estendida com facilidade a outros contextos, pelo que somos de opinião que o estudo revela baixa validade externa, razão pela qual os resultados da presente investigação, tendo em conta a especificidade da população e do contexto, devem ser generalizados com cuidado para além do presente estudo.
Conclusão
Este estudo permite concluir que o Programa de Intervenção produz impacto positivo a médio prazo na melhoria da auto-eficácia, do autoconceito, do aumento da assertividade (representada também no aumento de indivíduos com comportamentos assertivos), na diminuição da dificuldade em identificar e descrever sentimentos e da alexitimia (evidente também no aumento do número de indivíduos sem alexitimia).
Atendendo aos resultados evidenciados às competências relacionais de ajuda, podemos inferir que o programa de intervenção Cuidar-se par Saber Cuidar, para além dos ganhos já referenciados ao nível das competências pessoais e sociais (autoconceito, alexitimia e assertividade), evidenciou um impacto positivo ao nível do desenvolvimento das competências relacionais de ajuda dos estudantes que nele participaram. Assim, o desenvolvimento e/ou a optimização das competências pessoais e sociais do estudante, adoptando estratégias pedagógicas favorecedoras dessa evolução, deverá ser tida em consideração nos contextos formativos das competências relacionais de ajuda.
Paralelamente, o Programa de Intervenção teve também impacto positivo nas competências de comunicação interpessoal dos estudantes de enfermagem, sustentando o seu interesse e utilidade na formação desta população.
Em síntese, os resultados obtidos através dos diferentes instrumentos de pesquisa permitem concluir que o Programa Cuidar-se para Saber Cuidar evidenciou eficácia na promoção de competências pessoais e sociais dos seus participantes, o que contribuiu para um impacto positivo nas competências relacionais de ajuda (referenciado pelos estudantes) e nas competências de comunicação interpessoal (referenciado pelos professores) durante a realização do primeiro Ensino Clínico do CLE.
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Recebido para publicação em: 12.04.12
Aceite para publicação em: 31.01.13