Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.11 Coimbra dez. 2013
https://doi.org/10.12707/RIII12136
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Resiliência e ajustamento à maternidade no pós-parto
Resilience and maternal adjustment in the postpartum period
Resiliencia y adaptación a la maternidad en el posparto
Marta Cristiana Malheiro Alegria Felgueiras* ; Luís Carlos Carvalho da Graça**
* Mestre em Enfermagem. Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia Unidade Local de Saúde do Alto Minho, 4900-007, Viana do Castelo, Portugal [cristianafelgueiras@gmail.com]. Morada: Rua Martins Soares, lote 24, 4900-007 Viana do Castelo.
** Doutor em Enfermagem. Docente, Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, 4900-314, Viana do Castelo, Portugal [luisgraca@ess.ipvc.pt].
Resumo
Mães resilientes possuem flexibilidade e força interior necessárias para recuperarem face às adversidades.
A transição para a maternidade envolve um conjunto de tarefas que requerem a reestruturação de responsabilidades e comportamentos.
Os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia devem reconhecer a importância das suas intervenções nesta transição e adequar a sua prática, de forma a promoverem a vivência de uma parentalidade saudável.
Foi objetivo do estudo avaliar a relação entre a resiliência e o ajustamento à maternidade. A amostra, não probabilística, foi constituída por 106 mães, com colheita de dados aos 3 meses após o parto, através da Resilience Scale (RS) e da Maternal Adjustment and Maternal Attitudes (MAMA).
Observou-se boa consistência interna nos dois instrumentos (0,86 e 0,92).
Imagem Corporal e Sintomas Somáticos foram as subescalas da MAMA que obtiveram apreciação mais negativa, enquanto Relação Conjugal e Atitudes Perante a Gravidez e o Bebé apreciação mais positiva.
A Resiliência apresentou scores mais elevados na Autoconfiança e menos elevados na Autossuficiência.
Os resultados indicaram uma associação negativa entre o ajustamento à maternidade e as atitudes maternas e a resiliência.
Em conclusão: no pós-parto as mulheres com maior resiliência apresentam melhor ajustamento à maternidade e atitudes mais positivas.
Palavras-chave: adaptação psicológica; resiliência psicológica; puerpério; enfermagem materno-infantil.
Abstract
Resilient mothers have the flexibility and the inner strength necessary to bounce back from adversity.
The transition to motherhood involves a new set of tasks that require the restructuring of responsibilities and behaviors.
Midwives need to recognize the importance of their interventions in this process and adjust their practice to promote a healthy parenting experience.
The aim of this study was to assess the relationship between resilience and maternal adjustment. The sample was non-probabilistic, consisted of 106 mothers, and data collection was performed when the babies were 3 months old, by administering the Resilience Scale (RS) and the Maternal Adjustment and Maternal Attitudes (MAMA) to their mothers.
There was good internal consistency in both instruments (0,86 and 0,92).
Body Image and Somatic Symptoms were the sub-scales from MAMA that had more negative scores, while Marital Relationship and Attitudes to Pregnancy/ Baby had the most positive scores.
Resilience showed higher scores for self-confidence and lower for self-reliance.
The results indicated a negative association between maternal adjustment and maternal attitudes and resilience.
In conclusion: at the postpartum period, women with higher resilience have better adjustment to motherhood and more positive attitudes.
Keywords: psychological adaptation; psychological resilience; postpartum period; maternal-child nursing.
Resumen
Las madres resilientes tienen la flexibilidad y fuerza interior necesaria para recuperarse cuando las cosas no van bien.
La transición a la maternidad implica un conjunto de tareas que requieren que las responsabilidades y los comportamientos se reestructuren.
Los enfermeros especialistas en salud materna y obstetricia deben reconocer la importancia de sus intervenciones en este proceso y ajustar su práctica para promover una maternidad sana.
El objetivo de este estudio fue evaluar la relación entre la resiliencia y la capacidad de adaptación a la maternidad. La muestra, no probabilística, constó de 106 madres y la recogida de datos se realizó a los 3 meses, mediante la aplicación de la Resilience Scale (RS) y de la Maternal Adjustment and Maternal Attitudes (MAMA).
Se observó una buena consistencia interna en los dos instrumentos (0,86 y 0,92).
La Imagen Corporal y los Síntomas Somáticos fueron las subescalas de la MAMA que obtuvieron una apreciación más negativa, mientras que la Relación de Pareja y Actitudes Hacia el Embarazo y el Bebé obtuvieron una apreciación más positiva.
La Resiliencia mostró unos scores más elevados en Autoconfianza y menos en Autosuficiencia.
Los resultados indicaron una asociación negativa entre adaptación a la maternidad y actitudes maternas y resiliencia.
En conclusión: en el período de posparto, las mujeres con mayor resiliencia tienen una mejor adaptación a la maternidad y unas actitudes más positivas.
Palabras clave: adaptación psicológica; resiliencia psicológica; período de posparto; enfermería materno infantil.
Introdução
O modelo salutogénico, desenvolvido por Antonovsky, mostrou ser uma contribuição mais poderosa para a promoção da saúde mental do que a clássica orientação patológica centrada no risco e na doença, uma vez que encara a pessoa (ou grupo) como um todo e se centra nos aspetos positivos, na resolução de problemas e na capacidade de usar os recursos disponíveis, em vez de se focar nos fatores de risco, obstáculos e deficits. Este modelo ajuda a compreender porque é que as pessoas conseguem permanecer bem, apesar de sujeitas a situações stressantes e a dificuldades (Lindström e Erikson, 2005).
O sentido de coerência (SOC) é um conceito crucial à promoção de saúde em indivíduos expostos a situações de stress extremo. Trata-se da combinação da capacidade de compreensão, capacidade de gestão e capacidade de investimento. Salutogénese é um conceito dinâmico e flexível. É um recurso de saúde promotor de resiliência. Pessoas com maior SOC são mais resilientes sob stress do que as pessoas com baixo SOC (Lindström e Erikson, 2006).
Rutter (1990, p. 181) define resiliência como the positive pole of the obiquitous phenomenon of individual difference in peoples responses to stress and adversity, podendo os mesmos stressores ser experienciados de maneira diferente por diferentes pessoas, em diferentes momentos, ou seja, resiliência não é um atributo fixo do indivíduo.
Uma prática profissional centrada na resiliência implica centrar-se nas forças e nas oportunidades, em vez de nos problemas. A vantagem desta abordagem é opor-se ao pessimismo e determinismo da adversidade, uma vez que é dada atenção à promoção de recursos quer internos, quer ambientais, para a construção de resiliência e redução do risco (Masten e Powell, 2003).
O enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia deve estimular as potencialidades dos indivíduos, famílias e comunidades para os ajudar a gerir as dificuldades e promover capacidades, habilidades e competências que os ajudem a ultrapassar os desafios. Importa, cumulativamente, ter em consideração as circunstâncias e a influência ambiental e ecológica (Bronfenbrenner, 1979), uma vez que a intervenção não deve ser apenas focalizada nas características internas do indivíduo.
Os processos de transição para a maternidade constituem-se numa área nobre da intervenção dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia. Uma transição implica que a pessoa incorpore novo conhecimento, altere um comportamento, alterando também a definição de si no seu contexto social. Implica sempre uma mudança e, consequentemente, uma adaptação a uma nova realidade. Os cuidados de enfermagem devem centrar-se no cuidado ao ser humano que, durante o seu ciclo de vida, é confrontado com a vivência de transições que o colocam em situações de maior vulnerabilidade e risco para a saúde (Meleis, 2010).
Tornar-se mãe implica uma mudança de identidade que se inicia, frequentemente, antes da gravidez. Esta mudança necessária pode causar sentimentos ambíguos e ser geradora de conflitos internos sobre as competências da mulher enquanto futura mãe (Mercer e Walker, 2006).
As mudanças que ocorrem nas relações são também, muitas vezes, negativas e incluem a diminuição da satisfação conjugal e maiores níveis de conflito (Glade, Bean e Vira, 2005). No entanto, a relação conjugal e o sistema de apoio que proporciona é importante para facilitar mudanças e transições de desenvolvimento e para diminuir o impacto dos eventos adversos. A qualidade da relação conjugal pode contribuir para a adaptação e ajustamento psicológico do indivíduo, especialmente quando os níveis de vulnerabilidade são elevados, como durante a transição para a parentalidade (Figueiredo et al., 2008).
A transição para a maternidade é rica em oportunidades de intervenção do enfermeiro, sobretudo o enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia. Estas devem ser entendidas como fundamentais para que esta transição ocorra de forma saudável, contribuindo para um melhor ajustamento à maternidade e atitudes mais positivas (Graça, Figueiredo e Carreira, 2011).
Os cursos de preparação para o parto/parentalidade são uma importante fonte de suporte durante o período de transição para a maternidade, sobretudo porque as mães/famílias de hoje não vivenciam a gravidez mais do que uma ou duas vezes, sendo esta, portanto, mais suscetível de envolver grandes expectativas (Vehvilainen-Julkunen, 1995).
Mercer (2004) desenvolveu a teoria da consecução do papel maternal, considerando que a transição para a maternidade se desenvolve em quatro fases: antecipatória; formal (quando há maior necessidade de orientação por profissionais); informal; e de identidade pessoal ou materna. Cerca dos quatro meses após o parto a maioria das mães já adquiriu autoconfiança e competência para cuidar do seu recém-nascido e incorporou a nova identidade no seu self (Mercer e Walker, 2006).
Apesar do risco que a maternidade acarreta, por ser um momento de crise, a grande maioria das mães demonstra um funcionamento resiliente na realização das tarefas e responsabilidades. Neste período, um companheiro é uma fonte de suporte e de apoio, que ajuda a minimizar muitas das adversidades para as mães (Cleaver, Unell e Aldgate, 2011).
Quando enfrentam um desafio pode ser importante para os pais conhecerem outros em situação similar (Glade, Bean e Vira, 2005), podendo o enfermeiro especialista em saúde materna proporcionar apoio e a aproximação de mães em situações similares que lhes permitam constituírem redes de apoio informais.
Vários estudos mostraram que os pais se adaptam melhor quando os profissionais discutem as implicações e natureza das dificuldades com honestidade e demonstram sensibilidade para com a ansiedade dos pais (Hill et al., 2007).
Os projetos promotores de resiliência, que visam ajudar aqueles que experienciam adversidades são, maioritariamente, dirigidos a crianças e não a adultos/pais e há ainda poucos estudos acerca de estratégias promotoras de resiliência, sobretudo a nível familiar (Hill et al., 2007).
O conceito de resiliência tem sido pouco utilizado em estudos que abordam a parentalidade e ajustamento à maternidade, apesar destes terem ideias implícitas de desenvolvimento de habilidades e capacidades que as famílias adquirem quando enfrentam dificuldades. Neste caso, o conceito mais utilizado é o de «coping» (Hill et al., 2007).
O presente estudo tem como objetivo avaliar a relação entre a resiliência e o ajustamento à maternidade, através da aplicação das versões portuguesas da MAMA (Maternal Adjustment and Maternal Attitudes) de Kumar, Robson e Smith (1984) e da RS (Resilience Scale) de Wagnild e Young (1993). As versões portuguesas (Felgueiras, 2008; Figueiredo, Mendonça e Sousa, 2004) destes instrumentos são relativamente recentes e nunca foram utilizados previamente em conjunto.
Este estudo torna-se pertinente no sentido em que poderá contribuir para a prevenção de comportamentos desajustados face à transição para a maternidade com consequências futuras, quer a nível familiar, quer a nível social. Justifica-se no sentido em que a confirmação da associação entre resiliência e ajustamento à maternidade pode ajudar a compreender os fatores e circunstâncias facilitadores de uma maternidade resiliente, para que, apesar dos riscos e dos desafios da maternidade, as mães não manifestem comportamentos desajustados e/ou desadequados num momento de maior vulnerabilidade.
Metodologia
O presente estudo decorreu no distrito de Viana do Castelo, que tem uma área estimada de 2 255 km². A percentagem de mulheres em idade fértil é de 45,2%, com uma taxa bruta de natalidade de 7,4% e a idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho é de 29,0 anos (Portugal. Instituto Nacional de Estatística, 2011). Trata-se de um estudo descritivo-correlacional e transversal.
O método de amostragem foi não probabilístico, por conveniência (Ribeiro, 2007). A amostra foi constituída por 106 mulheres, que recorreram aos Centros de Saúde no período de junho a novembro de 2011, aquando da vacinação das crianças, e que já tinham passado o terceiro mês após o parto. Como critérios de inclusão definiu-se: saber ler e escrever; ser mãe de uma criança de 3 meses de idade; e disponibilizar-se voluntariamente para participar no estudo.
Os instrumentos de colheita de dados foram a versão pós-natal do Maternal Adjustment and Maternal Attitudes (Figueiredo, Mendonça e Sousa, 2004) e a Resilience Scale (Felgueiras, 2008).
A escala MAMA foi desenvolvida por Kumar, Robson e Smith (1984) para avaliar o ajustamento e as atitudes maternas. É um questionário de auto relato, com uma versão pré e outra pós-natal, constituído por 60 itens distribuídos equitativamente por cinco subescalas de 12 itens cada uma. Engloba as subescalas: imagem corporal; sintomas somáticos; atitudes para com o companheiro; atitudes perante o sexo; e atitudes para com a gravidez e o bebé.
A escala mede a frequência com que determinadas situações ocorreram durante o último mês através de uma escala tipo Likert que varia entre 1 (nunca/de forma alguma), 2 (raramente/um pouco), 3 (muito/às vezes) e 4 (muitíssimo/muitas vezes).
A «subescala imagem corporal» (itens 2*, 12*, 18, 19*, 21*, 31, 44*, 47*, 49, 53, 55* e 57) avalia a perceção que a grávida tem da sua imagem corporal e a relação com o seu próprio corpo em contínua transformação decorrida do período de gravidez.
A «subescala sintomas somáticos» (itens 1, 4, 6, 9, 17, 27, 32*, 33, 35*, 38, 41 e 59*) investiga queixas associadas a manifestações somáticas (respiratórias, cardiovasculares, gastrointestinais, etc.).
A «subescala relação conjugal» (itens 3, 8, 15*, 26*, 34, 36, 37*, 43, 48*, 50*, 52* e 56) afere a qualidade afetiva e emocional em relação ao companheiro ou cônjuge.
A «subescala atitudes para com o sexo» (itens 5*, 11*, 13*, 20, 23,25*, 30, 39, 42, 45*, 46* e 58*) pretende avaliar os sentimentos de agrado/desejo e vergonha/insatisfação perante a relação sexual.
A subescala atitudes para com a gravidez e o bebé (itens7, 10, 14*, 16, 22*, 24*, 28*, 29, 40*, 51, 54 e 60*) reflete as inquietações, sentimentos e atitudes relativamente ao cuidar do seu filho.
Os itens assinalados (*) são recodificados. O questionário é pontuado no sentido em que, por adição, a um resultado mais elevado corresponde um pior ajustamento à maternidade e atitudes mais disfuncionais.
A consistência interna da escala é boa (alfa de Cronbach 0,86), de acordo com Ribeiro (2007).
Na Resilience Scale (RS), desenvolvida por Wagnild e Young (1993), os itens estão operacionalizados em sete pontos de 1, discordo totalmente, a 7, concordo totalmente. Todos os itens estão descritos de forma positiva, variando os scores entre 25 e 175, com scores mais elevados refletindo elevada resiliência. A versão original é constituída por duas subescalas: Competência Pessoal e Aceitação de Si Próprio e da Vida.
Na versão portuguesa da escala, a partir da análise dos componentes principais emergiram 5 componentes: Perseverança (itens 1,2,9,10,23 e 24); Autoconfiança (itens 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 22); Serenidade (itens 4, 6, 12 e 16); Sentido de Vida (itens 8, 11, 13, 21 e 25); e Autossuficiência (itens 3 e 7). Um item (5) foi excluído por apresentar uma baixa correlação com o total (inferior a 0,2). O valor de Alfa de Cronbach foi 0,92, evidenciando muito boa consistência interna, superior ao estudo de validação para a população portuguesa (Felgueiras, 2008).
O estudo iniciou-se após o parecer favorável da Comissão de Ética da Unidade Local de Saúde do Alto-Minho e a autorização do Conselho de Administração, tendo sido salvaguardados a confidencialidade, o anonimato e a livre participação.
Para a análise de dados recorreu-se a técnicas de estatística descritiva e à correlação de Pearson, sendo o nível de significância admitido de 5%.
Para o tratamento de dados foi utilizado o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 19).
Resultados
As mulheres tinham idades entre os 20 e os 42 anos, com uma média de 31,2 ± 4,76 anos e uma mediana de 31 anos. A maioria tinha entre os 30 e os 39 anos (60,4%), eram casadas ou viviam em união de fato (90,6%), em famílias nucleares (84,9%) e, relativamente à escolaridade, 33% tinham o ensino secundário e 34% um bacharelato ou licenciatura. Predominaram mulheres em situação laboral ativa (75%), que trabalham por conta de outrem.
Maioritariamente eram primigestas (54,7%), não se verificando nenhuma gravidez gemelar. As gravidezes foram planeadas por 83% das mulheres e a sua vigilância ocorreu em Centro de Saúde, para 39,6% das mulheres, enquanto que 20,8% recorreu exclusivamente a serviços privados e 26,4% optou por ambos os serviços. A primeira consulta de vigilância da gravidez foi para 97,2% das mulheres no primeiro trimestre de gravidez e a frequência de cursos de preparação para o parto/parentalidade verificou-se em 63,2%.
O parto sem instrumentação foi experienciado por 55,7% das mulheres, 35,8% tiveram uma cesariana e as restantes 8,5% tiverem um parto por ventosa, sendo que a maioria (74,6%) teve o parto que esperava. Em relação ao recém-nascido, 2,8% tiveram problemas de saúde graves e 6,6%, necessitaram de hospitalização.
Relativamente às atitudes e ajustamento materno, os scores mínimos variaram entre 12 para as Atitudes Perante o Sexo e 15 para a Imagem Corporal, os Sintomas Somáticos e as Atitudes perante a Gravidez e o Bebé. Os scores máximos variaram entre 33 para as Atitudes Perante a Gravidez e o Bebé e 42 para os Sintomas Somáticos e a Relação Conjugal. A média (27,7±4,93) e mediana (28) mais elevadas observaram-se na Imagem Corporal, e a média (19,7±4,75) e a mediana (18,5) mais baixas na Relação Conjugal. A Imagem Corporal e Sintomas Somáticos foram as subescalas que obtiveram uma apreciação mais negativa por parte da mulher, enquanto a relação conjugal e atitudes perante a gravidez e o bebé obtiveram uma apreciação mais positiva.
Relativamente à RS, os scores mínimos variaram entre 3 para a Autossuficiência e 13 para a Perseverança e para o Sentido de Vida. Os scores máximos variaram entre 14 para a Autossuficiência e 49 para a Autoconfiança. A média (38,0±6,06) e mediana mais elevadas (33,5) observaram-se na Autoconfiança, enquanto que a média (10,8±2,04) e mediana mais baixas (11) se observaram na Autossuficiência.
No estudo das correlações (Quadro 1) podemos verificar uma correlação negativa entre a maioria das subescalas.
Todas as dimensões da escala MAMA apresentam correlações negativas com a RS, variando de fraca para a imagem corporal (r=-0,204), sintomas somáticos (r=-0,256) e atitudes para com a gravidez e o bebé (r=-0,378), a moderada para a relação conjugal (r=-0,434) e as atitudes perante o sexo (r=-0,450).
Também todas as subescalas da RS apresentaram uma correlação negativa com a MAMA total MAMA, tratando-se de correlações fracas.
As duas escalas também apresentaram uma correlação negativa e fraca (r=-0,392).
Considerando as subescalas, constata-se que na sua globalidade se encontram correlacionadas, à exceção da imagem corporal em que as correlações significativas só se observam com a autoconfiança (r=-0,207). Também nos sintomas somáticos não se observam correlações significativas com a autoconfiança e com a autossuficiência, observando-se correlações fracas com a perseverança (r=-0,205), serenidade (r=-0,270) e sentido de vida (r=-0,221). Na relação conjugal observam-se correlações mais fortes com as dimensões da RS, variando de fracas, na autossuficiência (r=-0,227) a moderadas no sentido de vida (r=-0,409) e autoconfiança (r=-0433).
Também as atitudes perante o sexo apresentam correlações bastante significativas com todas as dimensões da RS, sendo fraca na autossuficiência (r=-0,274), serenidade (r=-0,369) e sentido de vida (r=-0,358), e moderada na perseverança (r=-0,411) e na autoconfiança (r=-0,433).
As atitudes perante a gravidez e o bebé apresentaram correlações significativas, variando de r=-0,251, para a autossuficiência, a r=-0,328, para a perseverança, assumindo as restantes valores intermédios.
Discussão
O estudo incluiu mulheres de áreas rurais e urbanas do distrito de Viana do Castelo, que recorreram ao CS para efetuar a vacinação dos 3 meses aos seus filhos.
Trata-se de uma amostra onde predominam mulheres jovens, trabalhadoras ativas (75%), com escolaridade elevada (ensino secundário 33% e ensino superior 34%), a viver em famílias nucleares (84,9%) e casadas/união de fato (90,6%).
Maioritariamente eram mulheres com o primeiro filho (54,7%), com gravidezes planeadas (83%), em que a quase totalidade iniciou a sua vigilância no primeiro trimestre (97,2%), utilizando quer serviços públicos, quer privados. Cerca de 2/3 das mulheres frequentaram cursos de preparação para o parto/parentalidade.
Com o investimento na carreira, as mulheres adiam o nascimento dos filhos e a prole é progressivamente mais reduzida. Cada gravidez é planeada e vivenciada de forma intensa, procurando os recursos de apoio que melhor preparem para a nova etapa da vida.
O parto, como momento marcante na vida das mulheres, é pensado e planeado antecipadamente, o que se observa no presente estudo considerando que 74,6% das mulheres teve o parto que planeou. Verifica-se ainda que só cerca de metade dos partos foram vaginais sem instrumentação e as cesarianas ocorreram em 35,8% dos nascimentos.
Os scores da escala MAMA denotam globalmente atitudes positivas e ajustamento favorável, sendo mais evidente na relação conjugal e nas atitudes perante a gravidez e o bebé. Esta situação pode decorrer do facto da maioria dos casais estarem perante um primeiro filho, em que frequentemente fazem grandes investimentos. Também as relações conjugais podem ser curtas e a conflitualidade estar pouco presente. Os scores mais negativos observam-se na imagem corporal, em que as mulheres podem não se sentir bem com a sua imagem e apresentarem dificuldade ou demora em regressar à imagem anterior à gravidez.
A intervenção dos profissionais poderá ter influenciado positivamente esta transição, pois, conforme Mercer (2004) e Mercer e Walker (2006), durante a fase antecipatória a mulher vai-se preparando e idealizando o novo papel, e na fase formal, com a presença do novo ser, vai deparar-se com os desafios dos cuidados ao bebé, em que a orientação e apoio dos profissionais são essenciais. Os cursos de preparação para o parto/parentalidade têm como objetivo ajudar a mulher nesta transição desenvolvimental. Estes cursos, direcionados para o casal, permitem uma interação entre as mulheres e são um espaço de aprendizagem e de desenvolvimento de competências (Cleaver, Unell e Aldgate, 2011; Hill et al., 2007).
Também os scores da resiliência são globalmente elevados, o que parece poder ser corroborado pelo facto de serem maioritariamente primeiros filhos de gravidezes planeadas, com vigilância adequada e com investimento na preparação para o parto/parentalidade.
Verifica-se que existe uma correlação negativa entre o ajustamento à maternidade e as atitudes maternas e a resiliência. Mulheres com menos resiliência apresentam atitudes mais negativas.
Durante um período particularmente crítico como é o puerpério, a mulher necessita de desenvolver estratégias que facilitem a transição para a maternidade, constituindo-se isto num desafio para mulheres e casais. Os enfermeiros, nas suas práticas clínicas, devem ser elementos facilitadores desta transição através dos cuidados que prestam e do apoio que proporcionam. A intervenção do enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia é fundamental para a promoção de uma transição positiva e para uma melhor adaptação e desempenho do papel maternal.
Estes profissionais, com responsabilidade e competências acrescidas na área da saúde sexual e reprodutiva, deverão estar atentos a aspetos como as atitudes perante o sexo e a relação conjugal, que sendo dimensões que revelam melhor ajustamento e atitude mais favoráveis, necessitam de ser reforçadas.
Devem também prestar particular atenção à imagem corporal, em que os resultados demonstram pior ajustamento, preparando antecipadamente as mulheres para as alterações da imagem e para a demora no regresso à silhueta anterior à gravidez, em que os projetos de intervenção no pós-parto, direcionados para a prática do exercício físico, que facilitem a recuperação física são relevantes.
Conclusão
A contribuição da resiliência para o cuidar em enfermagem é pertinente porque pode orientar a tomada de decisões e a determinação de prioridades. Os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia encontram-se numa posição privilegiada entre os profissionais de saúde para promover a resiliência, uma vez que estabelecem, desde o início da gravidez, contacto próximo com grávidas, que se prolonga para o puerpério. A RS apresenta características satisfatórias de fidelidade e é um instrumento que pode ser utilizado por enfermeiros para aferir níveis de resiliência.
Também a MAMA apresenta fidelidade satisfatória e tem sido usada com eficácia em diversos contextos para aferir o ajustamento e as atitudes da grávida para com o companheiro, a gravidez e o bebé, comprovando a sua validade.
A correlação entre a resiliência e o ajustamento à maternidade é negativa, não se podendo, no entanto, aferir a relação causa-efeito entre ambas, no sentido de saber qual é que é responsável pela variação da outra.
Esta conclusão permite realçar a importância do enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia para a promoção da resiliência e de todas as suas componentes: perseverança, autoconfiança, serenidade, sentido de vida e autossuficiência como processo facilitador do ajustamento à maternidade. Por outro lado, tendo como foco de atenção, na sua prática profissional, a imagem corporal, os sintomas somáticos, a relação conjugal, as atitudes perante o sexo e as atitudes perante a gravidez e o bebé, o enfermeiro especialista está a promover a resiliência da mulher.
À luz dos conhecimentos atuais e das conclusões deste estudo, em que se verifica que as mulheres demonstraram um bom ajustamento à maternidade, sobretudo na relação conjugal e atitudes perante o sexo, o papel do pai/marido/companheiro é fundamental e este deve ser incluído nos cuidados de enfermagem, como parte integrante de uma tríade. Relativamente à resiliência, chegámos também à mesma conclusão, uma vez que as mulheres obtiveram menor classificação na componente autossuficiência, comprovando a importância do marido/companheiro ou pessoa significativa como fonte de suporte e apoio fundamental na transição para a maternidade.
As escalas denotaram elevada consistência interna e adequação à população portuguesa. Sugere-se, para investigações futuras, um estudo longitudinal, com uma amostra de maior dimensão, que permita aferir a evolução da relação entre resiliência e ajustamento à maternidade ao longo do processo de tornar-se mãe.
Referências bibliográficas
BRONFENBRENNER, Ulrich (1979) - The ecology of human development: experiments by nature and design. Cambridge: Harvard University Press.
CLEAVER, Hedy ; UNELL, Ira ; ALDGATE, Jane (2011) - Childrens needs parenting capacity. Child abuse: parental mental illness, learning disability, substance misuse, and domestic violence [Em linha]. 2ª ed. London: The Stationery Office. [Consult. 21 jan. 2012]. Disponível em WWW: https://www.education.gov.uk/publications/eOrderingDownload/Childrens%20Needs%20Parenting%20Capacity.pdf.
FELGUEIRAS, Marta Cristiana M. A. (2008) - Adaptação e validação da resilience scale® de wagnild e young para a cultura Portuguesa. Porto: Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde. Tese de mestrado.
FIGUEIREDO, Bárbara [et al.] (2008) - Partner relationships during transition to parenthood. Journal of Reproductive and Infant Psychology. Vol. 26, nº 2, p. 99-107.
FIGUEIREDO, Bárbara ; MENDONÇA, M. ; SOUSA, R. (2004) - Versão portuguesa do maternal adjustment and maternal attitudes (MAMA). Psicologia, Saúde & Doenças. Vol. 5, nº 1, p. 31-51.
GLADE, Aaron C. ; BEAN, Roy A. ; VIRA, Rohini (2005) - A prime time for marital/relational intervention: a review of the transitions to parenthood literature with treatment recommendations. The American Journal of Family Therapy. Vol. 33, nº 4, p. 319-336.
GRAÇA, Luís Carlos C. ; FIGUEIREDO, Maria do Céu B. ; CARREIRA, Maria Teresa C. (2011) - Contributos da intervenção de enfermagem de cuidados de saúde primários para a transição para a maternidade. Revista de Enfermagem Referência. Série 3, nº 4, p. 27-35.
HILL, Malcolm [et al.] (2007) - Parenting and resilience. York: Joseph Rowntree Foundation.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (2011) - Censos 2011 [Em linha]. [Consult. 21 jan. 2012]. Disponível em WWW: http://www.ine.pt/.
KUMAR, R. ; ROBSON, K. M. ; SMITH, A. M. R. (1984) - Development of a self-administered questionnaire to measure maternal adjustment and maternal attitudes during pregnancy and after delivery. Journal of Psychosomatic Research. Vol. 28, nº 1, p. 43-51.
LINDSTRÖM, Bengt ; ERIKSON, Monica (2005) - Salutogenesis. Journal of Epidemiology Community Health. Vol. 59, nº 6, p. 440-442.
LINDSTRÖM, Bengt ; ERIKSON, Monica (2006) - Antonovskys sense of coherence scale and the relation with health: a systematic review. Journal of Epidemiology Community Health. Vol. 60, nº 5, p. 376-381.
MASTEN, Ann S. ; POWELL, Jenifer L. (2003) - A resilience framework for research, policy, and practice. In LUTHAR, Suniya S. - Resilience and vulnerability: adaptation in the context of childhood adversities. New York: Cambridge University Press. p. 1-10.
MELEIS, Afaf Ibrahim (2010) - Transistions theory: middle-range and situation-specific theories. New York: Springer Publishing Company.
MERCER, Ramona T. (2004) - Becoming mother versus maternal role attainment. Journal of Nursing Scholarship. Vol. 36, nº 3, p. 226-232.
MERCER, Ramona T. ; WALKER, Lorraine O. (2006) - A review of nursing interventions to foster becoming a mother. Journal of Obstetric, Ginecologic, & Neonatal Nursing. Vol. 35, nº 5, p. 568-582.
RIBEIRO, José Luís Pais (2007) - Metodologia de investigação em psicologia da saúde. 2ª ed. Porto: Legis Editora.
RUTTER, Michael (1990) - Psychosocial resilience and protective mechanisms. In ROLF, J. [et al.] - Risk and protective factors in the development of psychopatology. New York: Cambridge University Press. p. 181-214.
VEHVILAINEN-JULKUNEN, Katri (1995) - Family training: supporting mothers and fathers in the transition to parenthood. Journal of Advanced Nursing. Vol. 22, nº 4, p. 731-737.
WAGNILD, Gail M. ; YOUNG, Heather M. (1993) - Development and psychometric evaluation of the resilience scale. Journal of Nursing Measurment. Vol. 1, nº 2, 165-178.
Recebido para publicação em: 19.09.12
Aceite para publicação em: 19.09.13