Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.1 Coimbra mar. 2014
https://doi.org/10.12707/RIII12152
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Sistemas de Informação de Enfermagem: exploração da informação partilhada com os médicos
Nursing Information Systems: exploration of information shared with physicians
Sistemas de Información en Enfermería: explotación de la información compartida con los médicos
Liliana Andreia Neves da Mota*; Filipe Miguel Soares Pereira**; Paulino Artur Ferreira de Sousa***
* Doutoranda em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Mestre em Informática Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Mestre em Enfermagem Médico-Cirúrgica pela Escola Superior de Enfermagem do Porto. Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica a exercer funções no Centro Hospitalar do Porto - Unidade Hospital Santo António, na Unidade de Transplantação Hepática e Pancreática, 4099-00, Porto, Portugal [saxoenfermeira@gmail.com]. Morada: Travessa do Formal, 42, 4415-653, Lever, Portugal
** Doutor em Ciências de Enfermagem pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Mestre em Ciências de Enfermagem pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [filipereira@esenf.pt].
*** Doutor em Ciências de Enfermagem pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Mestre em Ciências de Enfermagem pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [paulino@esenf.pt].
Resumo
Enquadramento: Ao longo dos anos foram-se verificando alterações substanciais ao nível da documentação em enfermagem resultantes da utilização de tecnologias da informação na atividade diária dos profissionais de saúde. Os médicos são os maiores consumidores da informação recolhida, processada e documentada pelos enfermeiros, dada a relevância dessa informação no seu processo de tomada de decisão clínica.
Objetivos: Identificar e descrever a informação recolhida, processada e documentada pelos enfermeiros que é mais relevante para atividade profissional dos médicos.
Metodologia: Estudo qualitativo e exploratório com recurso à observação participante (98 horas) e entrevistas semi-estruturadas (3) com informantes-chave, realizado em contexto hospitalar. Foi realizada a análise indutiva de conteúdo das notas de campo e entrevistas.
Resultados: A informação mais relevante para os médicos depende do contexto dos sujeitos, da ação e das profissões, e foi agregada em três categorias: «parâmetros de vigilância»; «medicação e atitudes terapêuticas»; e «dados intercorrentes».
Conclusão: As estratégias de recolha de dados mostraram-se capazes de gerar dados válidos para a identificação das categorias de informação mais relevantes para os médicos («parâmetros de vigilância», «medicação e atitudes terapêuticas» e «dados intercorrentes»). A informação relevante para os médicos não é influenciada por quem toma a decisão de prescrição da colheita dos dados.
Palavras-chave: sistemas de informação; documentação; enfermagem.
Abstract
Theoretical framework: Over the years there has been substantial change in the amount of nursing documentation arising from the daily use of information technologies by health professionals. Physicians are the greatest consumers of the information collected, processed and documented by nurses, given the relevance of this information to the clinical decision-making process.
Objective: To identify and describe the information collected, processed and documented by nurses which is considered to be the most relevant for the medical profession.
Methodology: A qualitative exploratory study using participant observation (98 hours) and semi-structured interviews (3) with key-informants, conducted in a hospital setting. Inductive content analysis of field notes and interviews was performed.
Results: For physicians, the most relevant information depends on the context of the subject, the action and the professions, and was gathered into three categories: monitoring parameters; medication and therapeutic attitudes; and intercurrent data.
Conclusion: Data collection strategies produced valid data to identify the most relevant information categories for physicians (monitoring parameters, medication and therapeutic attitudes and intercurrent data). Relevant information for physicians is not influenced by the person who makes a decision on data collection.
Keywords: information systems; documentation; nursing.
Resumen
Marco contextual: A lo largo de los años, se han producido cambios sustanciales en relación a la documentación en enfermería, como resultado del papel que las tecnologías de la información desempeñan en la actividad diaria de los profesionales sanitarios. Los médicos son los mayores consumidores de la información recopilada, procesada y documentada por el personal de enfermería, dada la relevancia de esta información en el proceso de toma de decisiones clínicas.
Objetivos: Identificar y describir la información recopilada, procesada y documentada por el personal de enfermería más relevante para la actividad profesional de los médicos.
Metodología: Se llevó a cabo un estudio cualitativo y exploratorio en el que se utilizaron una observación participante (98 horas) y unas entrevistas semiestructuradas (3) a informantes clave en el contexto hospitalario. Asimismo, se realizó un análisis de contenido inductivo de las notas de campo y entrevistas.
Resultados: La información más importante para los médicos depende del contexto de los sujetos, de la acción y de las profesiones, y se estructura en tres categorías: «parámetros de seguimiento»; «medicación y actitudes terapéuticas»; y «datos intercurrentes».
Conclusión: Se demostró que las estrategias para la recopilación de datos sirvieron para generar datos válidos para identificar las categorías de información más relevantes para los médicos («parámetros de seguimiento», «medicación y actitudes terapéuticas» y «datos intercurrentes»). La persona que toma la decisión de prescribir la recogida de datos no influye en la información relevante para los médicos
Palabras clave: sistemas de información; documentación; enfermería.
Introdução
Desde Florence Nightingale que os enfermeiros se preocupam com a problemática da documentação da assistência de forma que os registos efetuados representem, de forma fiel, a prática clínica para garantir a continuidade e a melhoria da qualidade dos cuidados prestados (Simões & Simões, 2007; Mota, 2010).
Atualmente, ocorre o aumento da sensibilização e consciencialização da necessidade de encontrar soluções de Sistemas de Informação que sejam promotores da comunicação e continuidade dos cuidados, da gestão, da investigação e da formação (Pereira, 2009). Estes propósitos alargam os horizontes e colocam novos desafios a todos aqueles que estão envolvidos no desenho, implementação e reformulação dos Sistemas de Informação de Enfermagem (SIE) em uso nas instituições de saúde.
A promoção da continuidade dos cuidados apresenta-se como um dos principais objetivos dos Sistemas de Informação clínicos. Tal propósito implica que, no desenho dos Sistemas de Informação, se garantam os requisitos (estruturais e de conteúdo) centrados na informação relevante para efeitos da coordenação entre os vários profissionais envolvidos na assistência ao cliente. A continuidade dos cuidados é um dos aspetos permanentemente presentes nos processos de avaliação da qualidade dos serviços de saúde, o que comprova a importância que esta dimensão da assistência tem em toda a dinâmica dos cuidados.
Mesmo que centrados no papel da informação na promoção da continuidade dos cuidados, importa esclarecer que esta problemática pode ser colocada na perspetiva da partilha de informação multiprofissional, entre profissionais da mesma disciplina, no âmbito do mesmo serviço ou na lógica de articulação de diferentes serviços ou instituições (Sousa, 2006). Neste estudo colocamos o acento tónico na partilha de informação entre enfermeiros e médicos dentro do mesmo ambiente de cuidados.
Com este trabalho de investigação pretende-se identificar e descrever a informação partilhada entre médicos e enfermeiros, que é relevante para efeitos da continuidade dos cuidados. Também é objetivo deste estudo a identificação de exemplaridades que permitissem evoluir com maior propriedade para uma segunda fase do estudo de caráter quantitativo. Pretendemos então ir de encontro às questões que se prendem com a natureza da informação, assim como os repositórios da informação recolhida, processada e documentada pelos enfermeiros e que é relevante para os médicos.
Fundamentação Teórica
Os Sistemas de Informação (SI), cada vez mais, ocupam um lugar de destaque nas organizações, realidade à qual os serviços de saúde não ficam alheios. Com efeito, os SI constituem um recurso de primordial importância na estratégia de ação e governo dos serviços de saúde (Friedman & Wyatt, 2006). No contexto do setor da saúde reconhece-se o capital associado à qualidade dos SI visto que estes asseguram (ou deveriam assegurar) a informação útil e necessária às diversas funções dos profissionais de saúde e aos diferentes níveis de decisão da instituição. Neste quadro, emergem como necessários SI capazes de se afirmar como estruturas sólidas, capazes de garantir processos eficientes de recolha, processamento, organização e gestão dos dados que resultam dos processos assistenciais. Desta forma, será possível reunir, guardar, processar e facultar informação relevante, de modo a torná-la acessível e útil para aqueles que a desejam (e possam) utilizar. É neste sentido que otimizar os SI da saúde e o fluxo de informação nas instituições de saúde, precisa de ser encarado como estratégia fundamental para a melhoria da qualidade dos cuidados prestados ao cidadão (Ministério da Saúde. Administração Central do Sistema de Saúde, 2009), realidade à qual a Enfermagem não pode ficar alheia (Sousa, 2006).
Naquilo que se refere ao contexto específico dos SIE, para a evolução a que aludíamos, muito contribuíram os avanços nas ciências da informação e aqueles verificados na Disciplina de Enfermagem. Com a crescente preocupação com a qualidade dos cuidados, as organizações de saúde apostam na implementação de SI para otimizar os seus processos e, assim, maximizar resultados (Pereira, 2009). A qualidade dos cuidados prestados está diretamente relacionada com a qualidade da informação disponível aos profissionais de saúde e a gestão da informação clínica é uma parte fundamental da sua atividade diária (Currell & Urquhart, 2003).
A implementação de um SI permite melhorar a prática clínica, adequar os cuidados de saúde e aumentar a eficiência e efetividade das organizações de saúde (Ammenwerth et al., 2004).
Os SIE devem ser entendidos como potentes ( ) repositórios de dados de um cliente, em suporte eletrónico, que permitam o armazenamento e a partilha de informação com diversos utilizadores autorizados (Häyrinen, Saranto, & Nykänen, 2008, p. 293).
Nas organizações, a informação é utilizada como um recurso na medida em que influencia fortemente todas as tomadas de decisão, quer seja a nível clínico, organizacional ou de gestão pois A informação é um recurso primordial para a tomada de decisão (Guimarães & Évora, 2004, p. 74).
O processo de tomada de decisão é fruto de um processo sistematizado que envolve o estudo do problema a partir de um levantamento de dados, produção de informação, estabelecimento de propostas de soluções, escolha da decisão, viabilização e implementação da decisão e análise dos resultados obtidos (Guimarães & Évora, 2004).
Metodologia
O estudo desenvolveu-se no Centro Hospitalar do Porto, EPE (CHP, EPE), no departamento de Cirurgia do Hospital Geral de Santo António (HSA).
No contexto do departamento de Cirurgia, o serviço de Cirurgia 3 foi o local escolhido para realizar o núcleo da fase empírica do estudo. Trata-se de um serviço cirúrgico do foro hepato-biliar e pancreático e, neste serviço, o processo clínico do cliente é eletrónico, pelo que os enfermeiros efetuam os seus registos no Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE) e os médicos consultam a informação recolhida e processada pelos enfermeiros através do Sistema de Apoio ao Médico (SAM). Estes SI são interoperáveis.
Este estudo teve um caráter exploratório, ancorado numa perspetiva qualitativa. Neste quadro, a atenção dos investigadores incide sobre a realidade tal como é percebida pelos indivíduos (Fortin, 2003, p. 149). Assim, procedemos a um estudo alicerçado na observação (em contexto real), numa perspetiva de investigação interpretativa, que visou estudar a problemática da relevância da informação documentada pelos enfermeiros para os médicos, ( ) fenómeno no seu ambiente natural, esforçando-se por encontrar o seu sentido, ou interpretá-lo nos termos dos significados que as pessoas lhes atribuem (Denzin & Lincoln, 1994, p. 2).
Os estudos de observação, acompanhados da elaboração de notas de campo e entrevistas (não estruturadas) permitem o estudo exploratório aprofundado de uma realidade no seu «terreno» (Fortin, 2003, p. 149). Esta metodologia é uma estratégia de investigação compreensiva que pode ser usada para descrever, explorar, perceber ou avaliar um fenómeno com interesse profissional nos diferentes contextos (Anthony & Jack, 2009, p. 1177), por permitir o estudo de um conjunto de características dos eventos da vida real.
Esta fase do estudo, para além de utilizar a observação participante (98 horas) com base nas orientações propostas por Leininger (1991), recorreu a três entrevistas semi-estruturadas, para clarificar alguns conteúdos identificados aquando da observação. Todas as entrevistas foram realizadas no espaço físico do serviço de Cirurgia 3 do HSA, normalmente no gabinete médico, de acordo com a disponibilidade e vontade de cada um dos informantes. A duração das entrevistas variou entre 30 e 120 minutos.
Os dados foram recolhidos pelo investigador principal, após autorização do Conselho de Administração do CHP,EPE e de todas as entidades que este Conselho entendeu por relevantes. A análise de conteúdo aos dados foi conseguida com recurso ao Software NVIVO®, que não substitui o investigador na organização dos achados.
Resultados e Discussão
O objetivo da investigação estava orientado para a identificação da informação recolhida e documentada pelos enfermeiros e que se mostra relevante para os médicos. A relevância da informação é «contexto dependente», o que significa que existem diversos aspetos que se constituem como fundamentos do valor atribuído pelos médicos à informação.
Ao falarmos em «contexto» referimo-nos a três dimensões que nos são propostas por Le Boterf (1994, 1998): o «contexto do(s) sujeito(s)»; o «contexto da ação»; e o(s) «contexto(s) da(s) profissão(ões)». Quer isto dizer que a relevância da informação, no quadro deste estudo, é influenciada por aspetos intrínsecos aos médicos, por fatores associados à realidade específica do serviço de Cirurgia 3 do HSA e, ainda, por questões relativas à natureza das profissões (Médica e de Enfermagem).
Contexto dos sujeitos
Neste domínio incluem-se questões relativas a disposições e atitudes dos participantes, o nível de conhecimento que se tem dos clientes e alguns comportamentos, por vezes «auto defensivos».
Mal dos hospitais se os enfermeiros não fizessem os seus registos, independente do que os médicos pedem; então não haveria registos de nada. (Dr. X) - Notas de campo.
O que nos vale são as metodologias de enfermagem que suportam os registos do doente. (Dr. Y) Entrevista.
É possível que, atolados em informação, os utilizadores não captem o essencial, o core do problema. Podemos dizer que, quando existem muitos dados, o excesso de informação acaba por banalizar a informação relevante.
Ela [a enfermeira que acompanha os médicos na visita] vai-me chamando à atenção para algumas coisas que eu posso não ter valorizado, até porque não presenciei, eu não vi naquele emaranhado de coisas escritas no computador; e ela vai-me chamar a atenção disso. É importante. (Dr. X) Entrevista.
É neste quadro que as realidades concretas de cada contexto de ação procuram definir estratégias e modelos de organização capazes de, naquilo que se pretende deste estudo, não diluir a informação relevante num emaranhado de dados.
Contexto da ação
Neste contexto inserem-se normas (implícitas) de atuação dos profissionais, tradições e rotinas do serviço e, em certa medida, a existência de «padrões assistenciais» ou «roteiros clínicos» que, não estando suficientemente formalizados, também radicam nas rotinas e tradição do serviço.
No fundo, o que ela [a enfermeira responsável] faz é: recolher do sistema e do conjunto de pessoas que esteve a trabalhar durante os turnos, e que presenciou um conjunto de alterações ou de coisas do tipo de anormalidades, todos os dados que nos são necessários ela reúne aquilo tudo, é a nossa, passo a expressão, tabela. (Dr. X) Entrevista.
Contexto da(s) profissão(ões)
Não restam dúvidas que, ao equacionarmos os fatores que fundamentam o valor atribuído pelos médicos à informação que resulta da atividade dos enfermeiros, urge assinalar aquilo que, tradicional e historicamente, têm sido as relações e interações entre estes dois grupos profissionais. Os aspetos que aludimos, quer relativos ao domínio do «contexto dos sujeitos» quer do «contexto da ação», são produto daquilo que, tradicionalmente, são as relações entre as duas profissões: médicos e enfermeiros.
Não consulto o sistema [de informação] e coloco todas as questões à enfermeira responsável, porque isso é a obrigação dela. (Dr. X) Entrevista.
( ) estou cá de manhã para isso, o meu papel é muito esse (Enf. Y) - Notas de campo.
Uma vez identificados os múltiplos fatores que, no contexto do serviço onde foi realizada a primeira fase do estudo, influenciam o valor atribuído à informação, importa desenvolver a descrição dos itens de informação documentados pelos enfermeiros e que se mostram relevantes para os médicos.
Em resultado do processo de análise de conteúdo dos dados, e com base na arquitetura dos sistemas em uso, podemos afirmar que o conteúdo da informação recolhida, processada e documentada pelos enfermeiros, relevante para efeitos do exercício profissional dos médicos, organiza-se em três categorias: «parâmetros de vigilância»; «medicação e atitudes terapêuticas»; e «dados intercorrentes».
Parâmetros de vigilância
Dentro desta categoria incluímos itens que resultam de atividades de vigilância de parâmetros fisiológicos dos clientes, como os sinais vitais, as «drenagens», o controlo metabólico (glicemia capilar), o balanço hídrico, entre outros. Estes aspetos representam os conteúdos das «folhas de vigilância» que eram colocadas ao «fundo da cama» e que existiam antes da introdução do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem e do Sistema de Apoio ao Médico (sistemas eletrónicos), onde era feito o registo da «vigilância de 24 horas».
Ora bem, as vigilâncias de 24 horas, aí encontro a informação que necessito ( ) A mais importante, logo de início, os dados vitais e, depois, informação da mesma forma relevante, como as drenagens dos drenos cirúrgicos e as suas características e alguma outra informação (Dr. X) - Notas de campo.
Sabemos que o diagnóstico e a decisão clínica, no âmbito das profissões da saúde, podem ser entendidos como processos dinâmicos de recolha, processamento e análise de dados (Stempsey, 2009). Neste sentido, percebemos a utilidade dos parâmetros de vigilância para efeitos da prática clínica dos médicos.
O valor atribuído aos parâmetros incluídos nesta categoria, de acordo com o que emergiu no estudo, também radica na utilidade percebida pelos médicos daqueles dados na deteção precoce de complicações intercorrentes.
A Dr.ª X dá indicação à Dr.ª Y [que trabalha com ela] para ver nas vigilâncias [um dos outputs do SI] se os doentes estão apiréticos - Notas de campo.
Sim, esse [as «drenagens»] é um dos parâmetros que nós usamos para decidir se retiramos ou não um dreno, por exemplo: é a quantidade e o tipo do aspirado; se o aspirado é patológico, mesmo que seja pouco é patológico ( ), mesmo que drene pouco é patológico. Isso vai fazer com que eu fique em alerta para uma potencial complicação. (Dr. Z) Entrevista.
Dada a natureza cirúrgica do serviço onde foi realizado o trabalho de campo, a dor configura um dos parâmetros de vigilância que merece maior atenção por parte dos médicos.
A Dr.ª X (sentada ao computador) procura, de forma veemente, nos itens de vigilância a ocorrência de dor e a forma como tem evoluído. - Notas de campo.
Para além do mais, um dos aspetos que deriva da relevância atribuída pelos médicos à vigilância da dor, tem que ver com o seu controlo, nomeadamente através de medicação disponível em «SOS».
Medicação e Atitudes Terapêuticas
Dentro desta categoria são destacados os itens de informação que permitem aos médicos perceber, por exemplo, se a medicação prescrita em «SOS» está a produzir o efeito desejado, ou ainda o planeamento dos exames auxiliares do diagnóstico. Daqui resulta, como seria expectável, que os itens de informação documentados pelos enfermeiros que são relevantes para os médicos têm uma forte relação com os «roteiros clínicos».
Interessa-me muito saber se a medicação surtiu ou não efeito (Dr. X) Entrevista.
É importante saber se os enfermeiros administram ou não [a medicação] (Dr. Y) Entrevista.
Uma das médicas dizia-me que lhe interessa muito conhecer, relativamente à medicação, se os doentes têm recusado as tomas ou não, se existem efeitos adversos. - Notas de campo.
Os dados referentes à ocorrência de efeitos e reações adversas aos medicamentos são um traço dominante do discurso dos médicos participantes no estudo, aspeto que incorpora, nas opiniões veiculadas, problemas significativos de acessibilidade.
As significativas são as de ordem clínica e as intercorrências, medicação e as reações à medicação ou a intolerância. As mais frequentes até são de declaração obrigatória. Digo, por exemplo: reações eruptivas. Talvez aí ( ) se houvesse um quadro específico (Dr. X) Entrevista.
A par dos itens relativos à medicação, nesta categoria também se incluiu a informação que reporta a realização de exames auxiliares do diagnóstico. Estes dados assumem particular relevo, na medida em que representam um dos marcos (do período pré-operatório) dos «roteiros clínicos» que identificámos.
Mas, também aqui, numa escala de valor da relevância da informação, emerge como significativo o registo da «não realização» do exame e respetiva justificação. A eventual «não realização» de um exame constitui um «dado intercorrente», que se desvia da normalidade da gestão de cada um dos casos dos clientes.
Dados intercorrentes
Nesta categoria estão incluídos todos os itens de informação que, no contexto da realidade estudada, são considerados «intercorrências» ou «coisas anormais».
Na evolução das situações clínicas dos clientes existe um padrão que se considera expectável ou «normal». Por outro lado, o «nível de conhecimento» que os médicos detêm sobre cada um dos casos demonstra-nos que os dados relevantes são aqueles que têm caráter de «novidade» o que, num quadro de abundância de dados, nos obriga ao desenho de soluções capazes de colocar aquela «novidade» e/ou «anormalidade» (Notas de campo) em destaque.
Informação relacionada com as «coisas anormais», que são presenciadas pelos enfermeiros. (Dr. X) Entrevista.
O que nos interessa são essas surpresas, são as intercorrências de turnos anteriores, não presenciadas por nós (Dr. Y) Entrevista.
Os conteúdos específicos de informação que podem ser enquadrados dentro desta categoria mantêm uma estreita relação com as duas categorias anteriores, relativas ao teor da informação relevante. Assim, aquilo que merece destaque é a informação que reporte «coisas anormais», verdadeiras «surpresas» (alterações), que se relacionem com os parâmetros de vigilância e a medicação.
Encontro-me na sala onde os médicos têm os terminais para consulta. Verifico que o que interessa, neste momento, à Dr. Y são as características anormais da drenagem, pelo que o foi procurar nos registos de Enfermagem. - Notas de campo.
( ) se o aspirado é patológico, mesmo que seja pouco, é anormal, se deveria ser branco ou amarelo e é verde ( ) temos que ter noção disso (Dr. Z) Entrevista.
Se o doente teve uma dejecção ( ) mas se foi muito abundante ou com características patológicas. É este tipo de coisas que interessam. Se o doente já está a tolerar a alimentação ( ) ou se não tolera. (Dr. Y) Entrevista.
Em termos genéricos, e em conformidade com os enunciados da Ordem dos Enfermeiros (2007), de acordo com Silva (2006), na documentação de Enfermagem é possível distinguir dois grandes domínios. Por um lado, a dimensão interdependente que corresponde a aquilo que os enfermeiros documentam em resultado de uma prescrição médica (medicação, preparação para exames, vigilância de parâmetros vitais, etc.). Por outro lado, a dimensão autónoma, referente aos dados relativos aos diagnósticos de Enfermagem, intervenções autónomas e resultados de Enfermagem.
Contudo, é certo que um mesmo item de informação, por exemplo, o valor da pressão arterial (PA), numa determina situação pode ser registado pelo enfermeiro em resultado da prescrição médica e, noutro cenário, em resultado da decisão do próprio que, procedendo ao «primeiro levante», está focado no diagnóstico de enfermagem «Risco de hipotensão ortostática».
Ora, de acordo com os dados que resultaram da observação e das entrevistas realizadas, podemos concluir que, para os médicos, a relevância da informação não deriva do facto de determinado item de informação documentado se inscrever na dimensão interdependente ou autónoma do exercício profissional dos enfermeiros. O que interessa aos médicos é:
Se o doente teve uma dejecção (...), Se o doente já está a tolerar a alimentação ( ) ou se não tolera. (Dr. X) Entrevista.
Durante a visita, a Enf. responsável alerta o médico para o facto de a doente ter tido febre. - Notas de campo.
À semelhança daquilo que acontece em muitos outros contextos de ação, o registo da eliminação intestinal dos doentes, do seu padrão de ingestão nutricional, da tolerância aos medicamentos, dos episódios de febre, entre outros, não existe, apenas e só, se for prescrito pelos médicos.
Temos que reconhecer que há aspetos, e isso tem a ver com as metodologias de trabalho de Enfermagem, de há muitos anos, que há muitas coisas que os enfermeiros registam ( ) mesmo que [o médico] não prescreva E nós estamos habituados a que isso seja feito, e está bem feito e é muito importante. Aliás, provavelmente, mal dos hospitais se os enfermeiros não fizessem os seus registos, independente do que os médicos pedem; então não haveria registos de nada ( ) e, portanto, o que nos vale são as metodologias de enfermagem que suportam os registos dos doentes.(Dr. X) Entrevista.
Os enfermeiros são organizados, têm tudo registado, bem ou mal, as coisas no vosso trabalho estão organizadas, podem até estar mal explícitas, mas estão lá, é uma questão de as procurar. Usamos esses registos. (Dr. Y) Entrevista.
A relevância que a informação assume para os médicos, independentemente da sua «origem» e fluxo dos dados, acaba por reforçar a necessidade de criar sistemas interoperáveis (confrontar ISO/IEC 2382 1, 1993) dentro dos serviços, como estratégia de otimização do recurso informação, em benefício da qualidade dos cuidados (Sousa, 2006).
Conclusão
A relevância da informação é «contexto dependente» o que significa que existem diversos aspetos que se constituem como fundamentos do valor atribuído pelos médicos à informação, no que se refere à disposição e atitude dos sujeitos (médicos e enfermeiros), às tradições e rotinas enraizadas nos contextos e à tradição das relações/interações entre médicos e enfermeiros.
As estratégias de recolha de dados mostraram-se capazes de gerar dados válidos para a identificação das categorias de informação mais relevantes para os médicos («parâmetros de vigilância», «medicação e atitudes terapêuticas» e «dados intercorrentes»).
A relevância da informação recolhida, processada e documentada pelos enfermeiros não depende do seu prescritor. A informação assume valor para os médicos independentemente do fluxo de dados pelo que é fundamental que o desenvolvimento de sistemas de informação interoperáveis para garantir a qualidade e continuidade dos cuidados.
Estudos que enfoquem o fenómeno da partilha de informação entre dois dos grupos profissionais mais decisivos na saúde (médicos e enfermeiros) são imperativos. Neste sentido, importa desenvolver, em investigações futuras, a questão colocada neste estudo numa lógica da informação documentada pelos médicos e de maior relevância para os enfermeiros.
Esta investigação apresenta algumas limitações metodológicas no que se refere à dificuldade de generalização dos resultados (pelo tamanho da sua amostra). Contudo, o estudo permitiu gerar dados e obter um modelo de abordagem à problemática em estudo, sob o ponto de vista qualitativo, passível de ser concretizado num estudo posterior de cariz quantitativo.
Referências bibliográficas
Ammenwerth, E., Brender, J., Nykänen, P., Prokosch, H. U., Rigby, M., & Talmon, J. (2004). Vision and strategies to improve evaluation of health information systems: Reflections and lessons based on the HIS-EVAL workshop in Innsbruck. International Journal of Medical Informatics, 73 (6), 479-491. [ Links ]
Anthony, S., & Jack, S. (2009). Qualitative case study methodology in nursing research: An integrative review. Journal of Advanced Nursing, 65 (6), 1171-1181. [ Links ]
Currell, R., & Urquhart, C. (2003). Nursing records systems: Effects on nursing practice and health care outcomes. The Cochrane Collaboration, 2, 1245. [ Links ]
Denzin, N., & Lincoln, Y. (1994). Handbook of qualitative research. London, England: Sage. [ Links ]
Fortin, M. (2003). O processo de investigação da concepção à realização. Loures, Portugal: Lusociência. [ Links ]
Friedman, C. P., & Wyatt, J. C. (2006). Evaluation methods in medical informatics. New York, NY: Springer. [ Links ]
Guimarães, E., & Évora, Y. (2004). Sistema de informação: Instrumento para tomada de decisão no exercício da gerência. Ciência da Informação, 33 (1), 72-80. [ Links ]
Häyrinen, K., Saranto, K., & Nykänen, P. (2008). Definition, structure, content, use and impacts of electronic health records: A review of the research literature. International Journal of Medical Informatics, 77 (5), 291-304. [ Links ]
International Organization for Standardization, & International Electrotechnical Commission. (1993). Information technology - Vocabulary - Part 1: Fundamental terms (3ª ed.). Genève, Switzerland: Autor. [ Links ]
Le Boterf, G. (1994). Modelos de aprendizagem em alternância na comunidade: Cinco desafios a enfrentar. Formar, 10, 40-46. [ Links ]
Le Boterf, G. (1998). De la compétence à la navigation professionnelle. Paris, França: Les Éditions dOrganisation. [ Links ]
Leininger, M. (1991). Culture care diversity and universality. New York, NY: National League for Nursing Press. [ Links ]
Ministério da Saúde. Administração Central do Sistema de Saúde. (2009). RSE Registo de saúde electrónico: Documento estado da arte (Versão 2.0). Lisboa, Portugal: Autor. [ Links ]
Mota, L. (2010). Sistemas de informação de enfermagem: Um estudo sobre a relevância da informação para os médicos (Tese de Mestrado). Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal. [ Links ]
Ordem dos Enfermeiros. (2007). Sistema de informação em enfermagem: Princípios básicos da arquitectura e principais requisitos técnico-funcionais. Lisboa, Portugal: Autor. [ Links ]
Pereira, F. (2009). Informação e qualidade do exercício profissional dos enfermeiros. Coimbra, Portugal: Formasau. [ Links ]
Silva, A. (2006). Sistemas de informação de enfermagem: Uma teoria explicativa da mudança. Coimbra, Portugal: Formasau. [ Links ]
Simões, C. M. A. R., & Simões, J. F .F. L. (2007). Avaliação inicial de enfermagem em linguagem CIPE® segundo as necessidades humanas fundamentais. Revista de Enfermagem Referência, 2 (4), 9-23. [ Links ].
Sousa, P. (2006). Sistema de partilha de informação de enfermagem entre contextos de cuidados de saúde: Um modelo explicativo. Coimbra, Portugal: Formasau. [ Links ]
Stempsey, W. (2009). Clinical reasoning: New challenges. Theoretical Medicine & Bioethics, 30 (3), 173-179. [ Links ]
Recebido para publicação em: 07.11.12
Aceite para publicação em: 09.10.13