Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.2 Coimbra jun. 2014
https://doi.org/10.12707/RIV14004
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Análise das propriedades psicométricas da versão portuguesa de um instrumento de avaliação de e-Literacia em Saúde
Analysis of the psychometric properties of the portuguese version of an eHealth literacy assessment tool
Análisis de las propiedades psicométricas de la versión portuguesa de un instrumento para evaluar la alfabetización digital en Salud
Catarina Cardoso Tomás*; Paulo Joaquim Pina Queirós**; Teresa de Jesus Rodrigues Ferreira***
* Licenciada em Enfermagem e Engenharia de Segurança do Trabalho, Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria. Mestranda em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria na Escola Superior de Saúde de Leiria. Doutoranda em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto, Assistente de 2.º Triénio, Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde de Leiria, Departamento de Ciências de Enfermagem, 2411-901, Leiria, Portugal [catarina.cardosot@gmail.com]. Morada de correspondência: Rua Paulo VI, Lote 44, N.º 23-B, 5.º A, 2410-149 Leiria.
** Pós doutorando ICBAS-UP. Doutoramento em Desenvolvimento e Intervenção Psicológica. Mestre em Saúde Ocupacional. Licenciatura em História e em Enfermagem de Reabilitação. Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Departamento de Enfermagem, 3046-851, Coimbra, Portugal [pauloqueiros@esenfc.pt].
*** Doutorada em Psicologia. Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Departamento de Enfermagem, 4200-072, Porto, Portugal [teresarodrigues@esenf.pt].
Resumo
Contexto: As fontes de informação eletrónica assumem um papel primordial nos contextos de informação em saúde, tornando-se fontes privilegiadas para toda a população, sobretudo adolescentes.
Objetivos: Validar a eHealth Literacy Scale para a população portuguesa; conhecer os níveis de e-literacia eletrónica nos adolescentes, bem como a sua relação com variáveis sociodemográficas.
Metodologia: Foi realizado um estudo quantitativo, descritivo-correlacional, retrospetivo e transversal, utilizando uma amostra não probabilística de 1215 adolescentes.
Resultados: A escala apresenta bons valores de consistência interna, bem como correlação entre todos os itens, maioritariamente moderada e estatisticamente muito significativa. Foram encontradas diferenças nalguns itens entre rapazes e raparigas. Adolescentes em anos de escolaridade mais avançados reconheceram não saber onde encontrar recursos sobre saúde na internet, em relação aos que frequentam níveis de escolaridade inferior.
Conclusão: Os adolescentes da amostra apresentam bons níveis de e-literacia em saúde. Incluir o desenvolvimento desta literacia nos programas de saúde escolar, permitirá aos jovens adquirir as competências necessárias para uma boa tomada de decisão e promover a saúde no futuro.
Palavras-chave: literacia em saúde; internet; adolescente.
Abstract
Background: Electronic information sources play a key role in health information contexts and are privileged resources for the entire population, particularly for adolescents.
Aims: To validate the eHealth Literacy Scale for the Portuguese population; and to identify the levels of eHealth literacy among adolescents, as well as the association between these levels and socio-demographic variables.
Methodology: A quantitative, descriptive-correlational, retrospective and cross-sectional study was conducted using a non-probability sample of 1215 adolescents.
Results: The scale showed good internal consistency and mostly moderate, statistically significant inter-item correlations. Gender differences were found in some items. Moreover, adolescents in higher grade levels reported being unaware of where to find health resources on the internet when compared to those in lower grade levels.
Conclusion: This sample of adolescents showed good levels of eHealth literacy. Including eHealth literacy promotion programs in the high school curriculum will allow young people to acquire the necessary skills required for an informed decision making and promote their health in the future.
Keywords: health literacy; internet; adolescent.
Resumen
Contexto: Las fuentes de información electrónica asumen un papel fundamental en los contextos de información sobre la salud y representan fuentes privilegiadas para toda la población, especialmente adolescentes.
Objetivos: Validar la eHealth Literacy Scale para la población portuguesa; conocer los niveles de alfabetización digital de los adolescentes, así como su relación con variables sociodemográficas.
Metodologia: Se realizó un análisis cuantitativo, descriptivo-correlacional, retrospectivo y transversal, para el cual se utilizó una muestra no probabilística de 1.215 adolescentes.
Resultados: La escala presentó buena consistencia interna y una correlación entre todos los ítems, en su mayoría, moderada y estadísticamente muy significativa. Se encontraron algunas diferencias en ciertos ítems entre chicos y chicas. Los adolescentes en años de escolaridad más avanzados, en relación con aquellos de niveles escolares inferiores, reconocieron no saber dónde encontrar recursos sobre la salud en Internet.
Conclusión: Los adolescentes de la muestra presentan un buen nivel de alfabetización digital en salud. La inclusión del desarrollo de esta alfabetización en los programas de salud escolar permitirá a los jóvenes y la adquisición de las competencias necesarias para una adecuada toma de decisiones en salud e promócion de la salud en el futuro.
Palabras clave: alfabetización en salud; internet; adolescente
Introdução
Uma das áreas em que ter uma adequada literacia se mostra fundamental é a saúde. Ter ou não níveis adequados de literacia, apresentando competências para processar e compreender a informação de saúde, conseguindo tomar decisões adequadas com a mesma, pode ditar a diferença, por exemplo, entre tomar doses terapêuticas ou tóxicas de fármacos, ou seguir ou não as indicações de técnicos de saúde (Bodie & Dutta, 2008). Apesar da proliferação da informação em saúde nos sites e ambientes eletrónicos, muita desta informação permanece inacessível a uma grande percentagem da população, devido aos baixos níveis de literacia em saúde e competências informáticas (Robinson & Graham, 2010).
A e-literacia em saúde dos indivíduos requer a habilidade para pesquisar, encontrar, estimar e avaliar, integrar e aplicar os ganhos obtidos a partir do ambiente eletrónico com vista à resolução de problemas de saúde. Este conjunto de competências requer que se seja capaz de trabalhar também com novas tecnologias, pensar criticamente acerca dos assuntos relacionados com os media e com a ciência, bem como navegar num vasto leque de ferramentas e fontes de informação, com vista a adquirir a informação necessária para tomar decisões (Norman & Skinner, 2006a, 2006b).
De acordo com o Modelo de Lírio, utilizado para a conceção da eHealth Literacy Scale, a e-literacia em saúde engloba seis competências ou literacias que integram uma rede interativa que funciona sempre que se realiza uma tarefa em e-saúde (como procurar informação sobre saúde ou monitorizar o estado de saúde), utilizando para tal ferramentas tecnológicas (Chan, Matthews, & Kaufman, 2009). Três delas, a literacia funcional, a literacia em informação e a literacia em media são de tipo analítico, e aplicam-se a um grande número de fontes de informação, independentemente do tema ou contexto. As restantes, a literacia em saúde, a literacia científica e a literacia informática são específicas de contexto, e estão, sobretudo, relacionadas com as circunstâncias em que a informação é procurada (equipamentos utilizados e condições de pesquisa), tipo de informação apresentada (científica ou não) e temáticas procuradas, neste caso, relacionadas com a saúde (Norman & Skinner, 2006a, 2006b).
O objetivo principal deste estudo é o de avaliar as propriedades psicométricas de um instrumento para a avaliação da e-literacia em saúde nos adolescentes portugueses, a Escala de e-Literacia em Saúde (eHealth Literacy Scale) de Norman e Skinner, (2006a), pretendendo-se, conjuntamente, avaliar os níveis de e-literacia em saúde nos adolescentes, bem como conhecer a relação entre os níveis de e-literacia em saúde e o sexo, a idade e o ano de escolaridade dos adolescentes.
Enquadramento
A literacia em saúde é considerada um objetivo de saúde pública a atingir no século XXI, enfatizando-se a necessidade de olhar para os diferentes contextos, onde a informação em saúde pode ser adquirida e utilizada, como parte da estratégia para abordar a literacia em saúde. Presentemente, mais do que nunca, os contextos de informação em saúde incluem fontes eletrónicas, como a internet e outras tecnologias, o que potenciou o seu papel no consumo em saúde (Austin, 2012; Norman & Skinner, 2006a; Stellefson et al., 2011), tornando-se as fontes de informação privilegiadas da população em geral. Também em Portugal, esta fonte de informação assume-se como um recurso estratégico para quase metade da população, com especial relevo para adolescentes e jovens adultos (Ministério da Saúde. Direção Geral de Saúde, 2012). Estas fontes de informação em saúde têm a potencialidade de robustecer as pessoas, providenciando ferramentas que as ajudam a tomar decisões informadas, bem como oportunidades de gestão pessoal do estado de saúde de cada pessoa (Austin, 2012).
Vários autores sugerem a incorporação da internet nos programas de intervenção escolar que abordam a saúde como forma de proporcionar oportunidades de desenvolver nos jovens as competências de literacia em saúde, nomeadamente através do ensino acerca da procura e seleção da informação em fontes eletrónicas (Ghaddar, Valerio, Garcia, & Hansen, 2012; Gray, Klein, Noyce, Sesselberg, & Cantrill, 2005). Torna-se imperativo estimular a procura de informação correta e adequada pelos jovens, a partir de programas escolares, em parceria com instituições de saúde, que visem a promoção de competências de literacia em saúde, nomeadamente de procura de informação online sobre saúde (Gray et al., 2005). Incluir a literacia em saúde como um objetivo nos programas de saúde escolar é primordial, pois adquirir esta competência, para além de permitir promover comportamentos saudáveis pelos jovens, permite a aquisição da capacidade para obter, avaliar e aplicar a informação sobre saúde com sucesso, tornando este tipo de programas mais eficazes nos seus objetivos (Loureiro et al., 2012). Também no Plano Nacional de Saúde, a promoção da literacia assume-se como uma estratégia a adotar com vista à melhoria dos níveis de saúde na população em geral (Ministério da Saúde. Direção Geral de Saúde, 2012).
O desenvolvimento deste tipo de competências na adolescência é fundamental, pois permite ao jovem a tomada de decisões adequadas e pertinentes relativamente à sua saúde, no futuro (Paek & Hove, 2012). Investir nesta formação permite, não só robustecer os jovens e dotá-los de competências para melhorarem as suas decisões sobre saúde no presente, mas também, poderem tornar-se utilizadores mais conscienciosos e informados dos serviços de saúde. Permitirá assim que utilizem estes serviços de forma mais proveitosa, empregando adequadamente a informação sobre saúde no futuro, e aumentando a sua confiança no processo de seleção e utilização dessa mesma informação (Ghaddar et al., 2012).
Apesar de serem um segmento bastante familiarizado com estas tecnologias, colocam-se algumas questões acerca da qualidade dos seus acessos à internet, apresentando este grupo algumas dificuldades em compreender ou utilizar a informação sobre saúde disponível online, apesar do seu uso frequente (Gray et al., 2005; Norman & Skinner, 2006a).
Com o objetivo de conhecer a perceção e experiências dos adolescentes acerca da utilização da internet para procurar informação sobre saúde, Gray et al. (2005) realizaram um estudo de caráter qualitativo nos EUA e Reino Unido, com base em 26 focus groups, constituídos por adolescentes dos 11 aos 19 anos, de ambos os sexos. Concluíram que os jovens muitas vezes não conseguem procurar a informação adequada sobre saúde, simplesmente porque não conseguem soletrar ou escrever os termos médicos corretamente. Relativamente a esta dificuldade, os jovens sugeriram que um dicionário de termos médicos online poderia ajudar a colmatá-la. Frequentemente, a informação está disponível, mas os adolescentes não conseguem compreender o seu significado.
Apesar do acesso massificado à internet e a fontes de informação eletrónicas, os jovens continuam a referir um défice de competências para pesquisar informação válida e fidedigna sobre saúde, bem como para avaliar essa mesma informação (Stellefson et al., 2011).
Outro dos obstáculos apontados pelos jovens diz respeito à seleção dos sites fidedignos que contêm a informação pretendida, perante a grande quantidade de resultados disponíveis, quando um termo ou tema é procurado num motor de busca. Páginas com informação fidedigna, bem como as que contêm opiniões e relatos pessoais, são referidas pelos jovens como importantes, mas deveriam permitir perceber de que tipo de informação se trata, bem como o acesso sem dificuldades por adolescentes de várias idades (Gray et al., 2005).
Os jovens referem que a informação que procuram e encontram na internet já lhes permitiu modificar e melhorar alguns comportamentos, nomeadamente em relação à alimentação (dietas mais saudáveis e equilibradas) e exercício físico, bem como diminuir comportamentos de risco, como a utilização de substâncias potenciadoras de performance física e intelectual. Os adolescentes referem que, por norma, consultam a internet numa primeira tentativa de recolher informação sobre determinado tema, sendo que procuram depois um profissional de saúde se considerarem necessário (Gray et al., 2005).
Diversos estudos foram já realizados, em vários países, com vista a medir os níveis de e-literacia em saúde de adolescentes, utilizando para o efeito a eHealth Literacy Scale (eHEALS).
Esta escala, elaborada em 2006 por Norman e Skinner (Norman & Skinner, 2006a), foi desenvolvida com vista à avaliação da e-literacia em saúde para um largo espectro da população e contextos. Trata-se de um instrumento de autopreenchimento, que pode ser empregue por um profissional de saúde, e que se baseia na perceção individual dos sujeitos acerca das suas próprias competências e conhecimentos, dentro de cada domínio avaliado da e-literacia em saúde. É constituído por 8 itens, existindo ainda mais dois que, apesar de não fazerem parte da escala, complementam a informação (itens 1 e 2). A sua pontuação varia de 1 a 5, sendo que quanto mais elevada, maiores os níveis de e-literacia em saúde. Este instrumento foi concebido com o objetivo de estimar, de forma global, as competências em e-saúde da população, podendo esta informação ser utilizada para a realização de programas de promoção de saúde, individuais ou coletivos (Norman & Skinner, 2006a).
Um estudo realizado por Norman e Skinner (2006a), autores da escala, permitiu compreender os níveis de e-literacia em saúde de adolescentes canadianos. Foi utilizada uma amostra de 664 adolescentes de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 13 e 21 anos, provenientes de 14 escolas secundárias de uma cidade canadiana e que frequentavam na altura do estudo entre o 9.º e o 11.º ano de escolaridade. Foram encontrados valores mais elevados de e-literacia em saúde no sexo masculino (t726=2,236, p=0,026). Para além disso, não se detetaram alterações significativas nos valores de e-literacia em saúde, tendo em conta a idade dos participantes, nem em relação à tecnologia de informação utilizada (internet, televisão, mensagens telefónicas, e-mail, pager, telemóvel). Na amostra utilizada, a e-literacia em saúde também parece não estar relacionada com a auto perceção sobre o estado de saúde, não sendo considerada um fator preditor do nível de saúde percebido ao longo do tempo. (Norman & Skinner, 2006a).
A e-literacia em saúde de 182 adolescentes que frequentavam o 6.º, 7.º e 8.º anos de escolaridade no estado do Michigan, nos EUA, foi avaliada num estudo em que se realizou uma intervenção com vista à sua promoção. A amostra apresentou um valor médio de e-literacia em saúde de 3,51 (=0,60). Depois de realizado um programa de promoção de e-literacia em saúde aos participantes, composto por três sessões, o valor médio subiu para 3,62 (=0,65). Jovens em anos de escolaridade superior apresentaram valores mais elevados de e-literacia em saúde (Hove, Paek, & Isaacson, 2011; Paek & Hove, 2012).
Ghaddar et al. (2012) realizaram um estudo num agrupamento escolar do Texas (South Texas Independent School District), que incluiu cinco escolas, duas das quais, com formação na área da saúde. Foi utilizada uma amostra de 261 estudantes, com idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos de idade, a frequentar do 9º ao 12º ano de escolaridade, 58% dos indivíduos frequentavam as escolas com formação em saúde. A amostra compreendia elementos de ambos os sexos, sendo que a maioria eram hispânicos (86%). Avaliada a e-literacia com recurso à eHealth Literacy Scale, foram encontrados níveis adequados de e-literacia em saúde, tendo sido encontrada um valor médio de 3,83. Apesar disto, 37% dos indivíduos apresentaram níveis de e-literacia limitada. Níveis mais elevados de e-literacia em saúde foram encontrados nos indivíduos a frequentar as escolas com formação em saúde, e de forma global, a frequentar os anos letivos mais avançados.
Em termos europeus, um estudo realizado na Holanda, utilizando uma amostra estratificada de 88 participantes da região de Twente, bem como o instrumento eHEALS, revelou que os mesmos apresentavam um valor médio de e-literacia em saúde de 3,45 (=0,74). Os valores de e-literacia em saúde encontrados diminuem com a idade e aumentam com a escolaridade dos participantes. Apesar disto, estas diferenças não são estatisticamente significativas. Já com o número de horas diárias de uso da internet parece existir uma correlação positiva, estatisticamente significativa, sugerindo uma influência positiva do tempo gasto em utilização da internet na e-literacia em saúde (Drossaert, Van Der Vaart, & Van Deursen, 2011).
Como forma de maximizar os benefícios da disponibilidade de informação sobre saúde na internet, o desenvolvimento de competências de literacia em saúde é essencial (Gray et al., 2005). Quanto mais desenvolvidas são estas competências nos jovens, menor é a sua confiança em sites comerciais e de marca, como fontes de informação em saúde, mesmo que a informação que contenham seja fidedigna (Hove et al., 2011). Esta confiança diminui, pois uma das competências em e-literacia em saúde consiste em conseguir distinguir fontes de informação que pretendem ser persuasivas, das que pretendem ser informativas e educacionais (Hove et al, 2011).
Questões de investigação
Com este estudo interessou-nos saber quais os níveis de e-literacia em saúde na amostra de adolescentes selecionada e a sua relação com o sexo, idade e ano de escolaridades desses adolescentes?
Para responder a esta pergunta, formularam-se várias sub-questões às quais se procuraram dar resposta: Quais os níveis de e-literacia em saúde dos adolescentes?; Existem diferenças de género, relativamente aos níveis de e-literacia em saúde?; Existem diferenças nos níveis de e-literacia em saúde, considerando a idade dos adolescentes?; Existem diferenças nos níveis de e-literacia em saúde entre adolescentes a frequentar anos letivos diferentes?
Metodologia
Para responder às questões de investigação e aos objetivos deste estudo, foi utilizada uma escala composta por 8 itens de resposta tipo Likert com cinco alternativas que vão de strongly disagree a strongly agree (pontuações de 1 a 5). O instrumento contém ainda dois itens adicionais que permitem compreender o interesse dos respondentes em utilizar informação eletrónica em saúde. Estes itens são também de resposta tipo Likert, com cinco alternativas que vão de Not usefull at all a Very usefull (pontuações de 1 a 5). Pontuações mais elevadas correspondem a níveis de e-literacia em saúde mais elevados.
Foi utilizada uma metodologia de validação transcultural adaptada da metodologia apresentada por Sousa e Rojjanasrirat (2010) para tradução e validação da eHealth Literacy Scale para a população portuguesa. Na Figura 1 encontram-se representadas as etapas realizadas durante este processo.
Após o processo de tradução, e validação cultural, a análise psicométrica foi englobada num estudo de caráter quantitativo, do tipo descritivo-correlacional, retrospetivo e transversal.
Sendo a população alvo os adolescentes que frequentam o Ensino Secundário (10º, 11º e 12º anos de escolaridade) no distrito de Leiria, e utilizando um método de amostragem não probabilístico por conveniência, foi utilizada no estudo uma amostra de 1215 adolescentes, estudantes de duas escolas do distrito. Como critérios de inclusão definiram-se: frequentar o ensino secundário numa das duas escolas do distrito de Leiria que aceitaram participar no estudo. Foram excluídos os estudantes que não aceitaram participar no estudo ou que não tinham autorização do encarregado de educação para o fazer.
Os dados foram colhidos com recurso a um questionário de autopreenchimento, compreendendo questões de caráter sociodemográfico (com vista a avaliar as variáveis idade, sexo, ano de escolaridade), bem como a Escala de E-literacia em Saúde (avalia a variável e-literacia em saúde), devidamente traduzida e adaptada culturalmente para a população portuguesa. Durante todo o processo de investigação, todos os procedimentos formais e éticos foram respeitados, tendo sido obtida autorização por parte da Direção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) da Direção-Geral de Educação para a realização do mesmo. Para a análise psicométrica da escala foram utilizados procedimentos estatísticos semelhantes aos que foram utilizados por Norman e Skinner (2006a), nomeadamente a análise da consistência interna através do Cronbachs Alpha, a correlação entre itens (teste de Pearson), bem como a análise fatorial confirmatória e exploratória. Em toda a análise estatística e testes realizados, foi assumida a probabilidade máxima aceitável para a ocorrência de Erro Tipo I de 0,05.
Resultados
Sendo a amostra constituída por 1215 indivíduos, 643 (52,92%) eram do sexo masculino e 572 (47,08%) do sexo feminino. A idade dos participantes teve uma variação dos 14 aos 22 anos, sendo a média de 16,32 anos e a moda 16 (34,32% dos participantes). Em relação ao ano de escolaridade, 35,14% (427) dos participantes frequentavam o 10º ano de escolaridade, 38,60% (469) frequentavam o 11º ano e 26,26% (319) dos participantes frequentavam o 12º ano de escolaridade.
Para a validação da escala foram realizadas várias análises. Podem observar-se correlações entre todos os itens da escala, maioritariamente moderadas e estatisticamente muito significativas (p<0,01), o que significa que as questões que constituem o instrumento estão relacionadas, não sendo apesar de tudo redundantes. Tal como se observa na Tabela 1, o valor mais baixo de correlação encontrado foi r=0,123 entre os itens 2 e 9 e o mais elevado (r=0,682) diz respeito à correlação entre os itens 4 e 5, o que revela existirem correlações moderadas.
Quanto à consistência interna da escala, a mesma foi avaliada com recurso ao valor do Cronbachs Alpha. Quando analisados os 10 itens do instrumento, o Cronbachs Alpha total é de 0,853, mas se analisados apenas os 8 itens da escala o Cronbachs Alpha total é de 0,842. Quando um dos 8 itens é retirado da escala o valor do Cronbachs Alpha da escala mantém-se entre 0,811 e 0,834 (Tabela 2).
Ao realizar o teste de consistência interna da escala através do Coeficiente de Guttman Split-half, verifica-se que as partes da escala (compostas por 4 itens cada uma) apresentam Cronbachs Alpha de 0,814 e 0,731 respetivamente, e um Coeficiente de Guttman Split-half total de 0,738. Quando realizado o teste Kaiser-Meyer-Olkin (0,853) e o teste de esferacidade de Bartlett ( χ²=3392,203; df=28; p=0,001) é possível perceber que se reúnem os critérios para a análise fatorial. Seguindo o caminho dos autores originais da escala que consideram uma única dimensão, (com >=0.88; explicação da variância de 44,79%) efetuamos com a nossa amostra uma análise fatorial confirmatória a 1 fator, pelo método das componentes principais sem rotação, encontrando uma explicação da variância de 47,803% com componentes entre 0,587 e 0,798. No entanto, procedemos ainda a uma análise fatorial exploratória com rotação Varimax (Tabela 3) da qual resultou a extração de dois fatores explicando 60,94% do total da variância: um primeiro fator agregando os itens 3, 4, 5 e 6 com 34,33% de explicação da variância, e um segundo com os itens 7, 8, 9 e 10, apresentando 26,60% de explicação da variância.
De referir ainda que na opção de duas dimensões (fatores) os valores do Cronbachs Alpha de cada um é respetivamente 0,814 e 0,731.
Em relação aos valores médios obtidos em cada item da escala (incluindo os itens 1 e 2 que não compõem a escala, mas que estão incluídos no instrumento), tal como se observa na (Tabela 4), estes variaram entre 2,884 no item 10 Sinto-me confiante a usar a informação da internet para tomar decisões sobre saúde. e 4,010 no item 2 Até que ponto considera importante para si poder ter acesso a recursos sobre saúde na internet?.
Foram encontradas diferenças estatisticamente muito significativas (p<0,01) entre os respondentes do sexo feminino e do sexo masculino (Tabela 5), nomeadamente no item 2 Até que ponto considera importante para si poder ter acesso a recursos sobre saúde na internet? (superior no sexo feminino), no item 9 Sei distinguir os recursos de elevada qualidade dos de fraca qualidade entre os recursos sobre saúde da internet. e no item 10 Sinto-me confiante a usar a informação da internet para tomar decisões sobre saúde. (superiores no sexo masculino). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) entre sexos no valor de e-literacia em saúde (total da escala).
Para analisar a relação entre os valores de e-literacia em saúde e a idade, os participantes foram distribuídos em dois grupos etários, tendo como critério a divisão matemática em dois conjuntos de dimensões o mais semelhantes possível. O primeiro grupo compreendeu os participantes com idades até 16 anos (725 elementos, 59,67%) e o segundo grupo compreendeu os participantes com idades a partir de 17 anos (490 elementos, 40,33%). Analisando as diferenças entre eles (teste t-student), não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) em nenhum dos itens do instrumento, nem no valor total de e-literacia em saúde. Foi também realizada uma análise tendo em conta a correlação entre a idade e os resultados obtidos em cada item, bem como com o valor total de e-literacia em saúde (teste de correlação de Pearson), mas mais uma vez não se encontrou qualquer correlação entre a idade e as respostas apresentadas em cada item.
Foi ainda possível verificar que existiam diferenças estatisticamente significativas (p=0,026) entre os participantes dos três anos de escolaridade nas respostas ao item 4 Sei onde encontrar recursos úteis sobre saúde na internet. (teste One-Way Anova). Foi percebido que estas diferenças eram estatisticamente significativas entre o 10º ano e o 12º ano de escolaridade, sendo os valores médios das respostas ao item mais elevados no 10º ano (Tabela 6).
Discussão
A Escala de e-Literacia em Saúde apresenta bons valores de consistência interna, com itens válidos que permitem uma adequada avaliação da e-literacia em saúde na população adolescente portuguesa. Nenhum dos itens é dispensável, avaliando pela consistência interna da escala, no caso da omissão de itens. Comparando com os valores de validação da escala original, a consistência interna manteve valores semelhantes, apresentando contudo correlações entre os itens mais fortes e estatisticamente muito significativas. O estudo por nós realizado abre a porta à utilização da escala com um valor total e duas dimensões, uma mais ligada aos aspetos de procura da informação, assente nos dados de um primeiro fator com itens 3,4,5, e 6, e uma segunda dimensão ligada à capacidade de utilização da informação, correspondendo a um segundo fator, com dados dos itens 7, 8, 9 e 10.
Os valores de e-literacia em saúde na amostra em estudo (x= 3,4563; s=0,582), não parecem diferir dos valores encontrados noutras amostras semelhantes estudadas, noutros estudos, em outros países (Drossaert et al., 2011; Ghaddar et al., 2012; Hove et al., 2011; Norman & Skinner, 2006a; Paek & Hove, 2012), sendo considerado que os níveis de e-literacia neste grupo são bons.
Os rapazes referem sentir-se mais confiantes para utilizar a internet para tomar decisões sobre saúde, referindo ainda que conseguem distinguir melhor os recursos de elevada qualidade dos de fraca qualidade, em relação às raparigas. Já o sexo feminino apresentou valores mais elevados quando questionados acerca da importância do acesso a fontes de informação eletrónica. Apesar das diferenças nalguns itens, bem como das diferenças matemáticas entre os níveis, de e-literacia em saúde entre os sexos, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre eles, o que não corrobora os resultados de Norman e Skinner (2006a), que refere ter encontrado níveis de e-literacia em saúde mais elevados nos rapazes.
Apesar das diferenças matemáticas, a idade não parece ser um fator determinante nos níveis de e-literacia em saúde, tal como já tinha sido demonstrado por Drossaert et al. (2011) e Norman e Skinner (2006a). Apenas um item Sei onde encontrar recursos úteis sobre saúde na internet apresentou diferenças estatisticamente significativas em relação ao ano de escolaridade, não se verificando o mesmo para o valor de e-literacia em saúde. Drossaert et al. (2011) e Ghaddar et al. (2012) referem que nos estudos que realizaram foram encontrados níveis mais elevados de e-literacia em saúde nos alunos a frequentar anos letivos mais elevados. Em relação ao item que apresenta diferenças estatisticamente significativas em relação ao ano de escolaridade, verifica-se que o seu valor diminui com o aumento da escolaridade. Tal facto poderá dever-se ao que Hove et al. (2011) refere como ser falta de confiança em determinados sites e dificuldade em distinguir a credibilidade da informação. Desta forma, jovens cujos conhecimentos são maiores, acabam por demonstrar menos confiança nas suas competências, na procura de informação sobre saúde em fontes electrónicas. Desta forma apresentam mais dúvidas sobre a sua capacidade, o que se poderá revelar em valores mais baixos de e-literacia, ou neste caso, na perceção de conhecimento acerca de onde encontrar informação útil sobre saúde.
A não possibilidade de generalização dos resultados à população de adolescentes portugueses constitui a maior limitação desde estudo.
Conclusão
O instrumento eHealth Literacy Scale na versão portuguesa, por nós traduzida e validada, apresenta bons indicadores psicométricos, indicando a viabilidade da sua utilização com um valor total e duas dimensões, procura de informação e utilização da informação. A sua aplicação em amostras, em diferentes contextos, e que permitam a generalização de resultados, permitirá corroborar a sua viabilidade e sensibilidade para a avaliação deste conceito na população adolescente em Portugal.
A amostra selecionada apresenta níveis de e-literacia em saúde bastante satisfatórios. Diferenças foram encontradas entre os géneros, mantendo-se os níveis de e-literacia em saúde ao longo da idade. Alunos a frequentar níveis de escolaridade mais elevados apresentam mais dúvidas sobre onde encontrar informação útil sobre saúde na internet. Concordamos com os vários autores referidos na fundamentação teórica, que referem que a intervenção nos jovens como forma de promover as suas competências em e-literacia em saúde, permitirá não só dotar os jovens de conhecimentos para a procura, avaliação, seleção e utilização da informação sobre saúde nas fontes eletrónicas, mas também um aumento da confiança neste processo. Incluir a e-literacia em saúde nos programas de educação para a saúde escolar e para adolescentes, pode revelar-se uma importante estratégia para a promoção de saúde nesta população, bem como na promoção de competências para o futuro.
Referências Bibliográficas
Austin, R. (2012). EHealth literacy for older adults - Part I. Ania-Caring Newsletter, (1), 7-9. [ Links ]
Bodie, G. D., & Dutta, M. J. (2008). Understanding health literacy for strategic health marketing: EHealth literacy, health disparities, and the digital divide. Health Marketing Quarterly, 25(1/2), 175-203. doi:10.1080/07359680802126301 [ Links ]
Chan, C. V., Matthews, L. A., & Kaufman, D. R. (2009). A taxonomy characterizing complexity of consumer eHealth literacy. In AMIA Annual Symposium Proceedings (pp. 86-90). [ Links ]
Drossaert, C. H. C., Van Der Vaart, R., & Van Deursen, A. J. A. M. (2011). Does the eHealth Literacy Scale (eHEALS) measure what it intends to measure? Validation of a Dutch version of the eHEALS in two adult populations. Journal of Medical Internet Research, 13(4), e86. doi:10.2196/jmir.1840 [ Links ]
Ghaddar, S. F., Valerio, M. A., Garcia, C. M., & Hansen, L. (2012). Adolescent health literacy: The importance of credible sources for online health information. Journal of School Health, 82(1), 28-36. doi:10.1111/j.1746-1561.2011.00664.x [ Links ]
Gray, N. J., Klein, J. D., Noyce, P. R., Sesselberg, T. S., & Cantrill, J. A. (2005). The internet: A window on adolescent health literacy. Journal of Adolescent Health, 37(3), 243.e1-243.e7. doi:10.1016/j.jadohealth.2004.08.023 [ Links ]
Hove, T., Paek, H-J., & Isaacson, T. (2011). Using adolescent eHealth literacy to weigh trust in commercial web sites. Journal of Advertising Research, 51(3), 524-537. [ Links ]
Loureiro, L. M. J., Mendes, A. M. O. C., Barroso, T. M. M. D. A., Santos, J. C. P., Oliveira, R. A., & Ferreira, R. O. (2012). Literacia em saúde mental de adolescentes e jovens: Conceitos e desafios. Revista de Enfermagem Referência, 3(6), 157-166. doi:10.12707/RIII11112 [ Links ]
Ministério da Saúde. Direção Geral de Saúde. (2012). Plano Nacional de Saúde 2012-2016: 3.1. Eixo estratégico: Cidadania em saúde. Recuperado de http://pns.dgs.pt/files/2012/02/99_3_1_Cidadania_em_Sa%C3%BAde_2013_01_17_.pdf [ Links ]
Norman, C. D., & Skinner, H. A. (2006a). eHEALS: The eHealth literacy scale. Journal of Medical Internet Research, 8(4), e27. [ Links ]
Norman, C. D., & Skinner, H. A. (2006b). eHealth literacy: Essencial skills for consumer health in a networked world. Journal of Medical Internet Research, 8(2), e9. doi:10.2196/jmir8.2.e9 [ Links ]
Paek, H-J., & Hove, T. (2012). Social cognitive factors and perceived social influences that improve adolescent eHealth literacy. Health Communication, 27(8), 727-737. doi:10.1080/10410236.2011.616627 [ Links ]
Robinson, C., & Graham, J. (2010). Perceived internet health literacy of HIV-positive people through the provision of a computer and internet health education intervention. Health Information and Libraries Journal, 27(4), 295-303. doi:10.1111/j.1471-1842.2010.00898.x [ Links ]
Sousa, V. D., & Rojjanasrirat, W. (2010). Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: A clear and user-friendly guideline. Journal of Evaluation in Clinical Practice, 17(2), 268-274. doi:10.1111/j.1365-2753.2010.01434.x [ Links ]
Stellefson, M., Hanik, B., Chaney, B., Chaney, D., Tennant, B., & Chavarria, E. A. (2011). eHealth literacy among college students: A systematic review with implications for eHealth education. Journal of Medical Internet Research, 13(4), e102. doi:10.2196/jmir.1703 [ Links ]
Recebido para publicação em: 10.01.14
Aceite para publicação em: 20.05.14