Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.4 Coimbra fev. 2015
https://doi.org/10.12707/RIV14019
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Qualidade de vida dos utentes dos cuidados de saúde primários do distrito de Vila Real
Quality of life of primary health care users in the district of Vila Real
Calidad de vida de los usuarios de la atención primaria de salud del distrito de Vila Real
Alexandrina Lobo*; Amâncio António de Sousa Carvalho**; Jacinta Pires Martins***; Maria João Filomena Santos Pinto Monteiro****; Vitor Manuel Costa Pereira Rodrigues*****
* Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem Dr. José Timóteo Montalvão Machado, 5400-673, Chaves, Portugal [damiaolobo@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, experimentação, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondência: Av. Padre Júlio Fragata nº109, 3.1, 4710-413 Braga, Portugal.
** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Vila Real-UTAD, 5000-232 , Vila Real, Portugal [amancioc@utad.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão.
*** MeSc., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem Dr. José Timóteo Montalvão Machado, 5400-673, Chaves, Portugal [jpires@esechaves.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise de dados e discussão, escrita do artigo.
**** Ph.D., Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem de Vila Real-UTAD, 5000-232, Vila Real, Portugal [marijosilva@sapo.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise de dados e discussão, escrita do artigo.
***** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Vila Real-UTAD, 5000-232, Vila Real, Portugal [vmcr@utad.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, desenho do estudo.
RESUMO
Enquadramento: A Qualidade de Vida (QV) é determinada pelo estado funcional e condição de saúde, dependendo em grande parte dos recursos individuais, socioeconómicos e culturais e constitui um dos principais desafios dos cuidados de saúde.
Objetivos: Caracterizar a QV dos utentes dos cuidados de saúde primários do distrito de Vila Real (norte de Portugal).
Metodologia: Estudo transversal, descritivo-correlacional, englobando 6747 sujeitos. Na recolha de dados utilizou-se variáveis de caracterização sociodemográfica e o MOS-SF 36.
Resultados: A média da QV é de 67,85±10,809, o que quer dizer que os utentes têm uma perceção positiva da QV. Os sujeitos apresentam melhores resultados na componente emocional. Parece existir relação entre a QV e a classe etária, setor de atividade, rendimentos mensais e os centros envolvidos no estudo.
Conclusão: O nível de QV reportado pelos sujeitos da amostra é positivo e acima de outros estudos. O conhecimento dos fatores que influenciam a QV torna possível definir um conjunto de intervenções no sentido dos utentes poderem vir a obter mais ganhos em saúde.
Palavras-chave: qualidade de vida; atenção primária à saúde.
ABSTRACT
Theoretical framework: The Quality of Life (QoL) is determined by functional status and health condition, depending largely on individual, socio-economic and cultural resources, and is one of the major challenges of health care.
Objectives: To characterise the QoL of primary health care users in the district of Vila Real (northern Portugal).
Methodology: Cross-sectional descriptive correlational study, involving 6747 subjects. The MOS SF-36 and various socio-demographic variables were used for data collection.
Results: The mean QoL was 67.85±10.809, which indicates that users had a positive perception of QoL. Participants showed better results in the emotional component. An association seemed to exist between QoL and age group, activity sector, monthly income and the centres involved in the study.
Conclusion: The level of QoL reported by sample subjects was positive and higher than in other studies. The identification of the factors that influenced QoL makes it possible to define a set of interventions for users to obtain more health gains.
Keywords: quality of life; primary health care.
RESUMEN
Marco contextual: La Calidad de Vida (CV) se determina por el estado funcional y el estado de salud, depende en gran medida de los recursos individuales, socioeconómicos y culturales y constituye uno de los principales retos de la atención sanitaria.
Objetivos: Caracterizar la CV de los usuarios de atención primaria de salud del distrito de Vila Real (norte de Portugal).
Metodología: Estudio transversal, descriptivo-correlacional que engloba a 6.747 sujetos. En la recopilación de datos se utilizaron variables de caracterización sociodemográfica y el MOS SF-36.
Resultados: La media de la CV es de 67,85 ± 10,809, lo que significa que los usuarios tienen una percepción positiva de la CV. Los sujetos muestran mejores resultados en el componente emocional. Asimismo, parece que existe una relación entre la CV y el grupo etario, el sector de actividad, los ingresos mensuales y los centros que participan en el estudio.
Conclusión: El nivel de CV notificado por los sujetos de la muestra es positivo y está por encima de otros estudios. El conocimiento de los factores que influyen en la CV hace posible definir un conjunto de intervenciones para que los usuarios puedan llegar a obtener más beneficios para la salud.
Palabras clave: calidad de vida; atención primaria de salud.
Introdução
A saúde individual e coletiva são recursos preponderantes no desenvolvimento das sociedades e comunidades, sendo tanto mais importantes, quanto maior a incidência e prevalência de doenças crónicas e incapacitantes (Vintém, 2008). A saúde é portanto, considerada uma condição essencial da vida humana, capaz de providenciar ao indivíduo um estado de bem-estar e equilíbrio, que lhe garanta um desempenho satisfatório nos diversos domínios: físico, psicológico e social e consequentemente na qualidade de vida (Soares, Toledo, Santos, Lima, & Galdeano, 2013). Assim, neste trabalho procurou--se caracterizar a QV dos utentes dos cuidados de saúde primários do distrito de Vila Real (norte de Portugal), no sentido de que possam ser formuladas recomendações estratégicas sustentáveis para esta região e verificar as relações entre a QV e variáveis sociodemográficas, numa perspetiva da melhoria contínua da qualidade de vida dos utentes.
Enquadramento
A perceção de Qualidade de Vida (QV) relacionada com a saúde tem vindo a assumir relevância crescente enquanto aferidor da qualidade dos serviços e cuidados de saúde, tal como nas áreas económica e social da saúde de um país (World Health Organization Quality of Life, 2005).
Não sendo consensual, o conceito de QV tem reconhecidamente duas componentes: uma objetiva ou social, que contempla fatores económicos, políticos e ambientais (saúde em geral, nível funcional e socioeconómico) e outra subjetiva ou psicológica que reflete o julgamento pessoal [autoestima, satisfação com a vida e bem-estar (WHOQoL, 2005)]. Apesar da vulgarização na utilização do termo, continua a ser um conceito de difícil operacionalização, dadas as múltiplas variáveis que compõem o seu significado (Santos, Martins, & Ferreira, 2009). Assim, tendo em consideração a multiplicidade de abordagens, diversos autores defendem como ponto de concordância do conceito QV, a sua multidimensionalidade, englobando tanto componentes objetivas, como a satisfação das necessidades básicas e a funcionalidade, como componentes subjetivas bem-estar, felicidade, amor, prazer e realização pessoal (Santos et al., 2009; Vilar & Salgadinho, 2009). Pela sua variabilidade e subjetividade, trata-se de um conceito dinâmico, alterando-se com o tempo e as situações vivenciadas, representando sobretudo, a perceção individual sobre a posição na vida, tendo em conta a influência dos aspetos culturais e as particularidades do meio ambiente biológico e social (Santos et al., 2009).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu QV como a perceção individual e posicionamento na vida, face ao contexto cultural e sistema de valores, em que se insere, tendo em conta os seus objetivos, expetativas, padrões e preocupações (WHOQoL, 2005). Neste enquadramento foram adotadas as quatro dimensões básicas da QV, às quais se deve dar especial atenção, ou seja, a dimensão física relativa à perceção do indivíduo sobre a sua condição física; a dimensão psicológica que representa a perceção do indivíduo sobre a sua condição afetiva e cognitiva; a dimensão social que reflete a perceção do indivíduo sobre os relacionamentos sociais e os papéis sociais adotados na vida e, por último, a dimensão ambiental que traduz a perceção do indivíduo sobre aspetos diversos relacionados com o ambiente onde vive (Tajvar, Arab, & Montazeri, 2008; Campolina, Dini, & Ciconelli, 2011).
A diversidade de fatores intervenientes na QV das pessoas recomenda que a sua abordagem, considere os aspetos> físicos, mentais e/ou clínicos e incorpore aspetos da realidade social e económica do utente, que poderão condicionar a sua vida (Bentley et al., 2013).
De facto e na atualidade, os resultados e/ou os ganhos em saúde não são equacionados apenas, em termos de diminuição das taxas de mortalidade ou morbilidade, mas também em função das consequências sociais e da qualidade proporcionada à vida das pessoas (Vilar & Salgadinho, 2009). Nesta ordem de ideias Otero-Rodrigues et al. (2010) expõem que as mudanças na QV são preditoras de mortalidade em idosos, evidenciando que a sua avaliação constitui um valioso instrumento para a gestão dos cuidados de saúde. Isto porque uma maior longevidade só faz sentido se corresponder a uma boa QV, sendo esta considerada, um dos principais desafios da sociedade atual e um dos principais objetivos dos cuidados de saúde.
Quando nos reportamos a cuidados de saúde, os principais atores do sistema, são os clientes e os profissionais, a par de outros recursos. De entre os profissionais de saúde, os enfermeiros são o grupo maioritário dos recursos humanos em saúde, devendo a sua ação ser norteada pela promoção do bem-estar e autocuidado e pela facilitação aos processos de adaptação, orientando os seus objetivos e intervenção para a melhoria da QV do cliente. Estes pressupostos são explícitos no código deontológico da profissão, no artigo 82º: participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida (Conselho de Enfermagem, 2010). Desta forma os enfermeiros, incorporam nas suas intervenções os pressupostos da melhoria contínua da QV, ao visar a pessoa como um todo (o ser humano e a sua circunstância), em busca do equilíbrio e bem-estar geral. Nesta perspetiva, a apreciação que o utente faz do seu estado de saúde, tem um papel decisivo no âmbito do planeamento e execução das intervenções de Enfermagem, no sentido da melhoria contínua da qualidade dos cuidados prestados (Santos et al., 2009).
A QV, tal como expresso na Carta de Ottawa (World Health Organization, 1986), deve ser considerada como um indicador para a promoção da saúde e bem-estar das populações. Assim, decorrente da última reforma dos cuidados de saúde primários em Portugal (Decreto lei nº 28/2008), são essenciais estudos científicos que se debrucem sobre esta problemática no sentido da obtenção de ganhos em saúde, traduzidas numa melhor QV.
Questões de Investigação
Qual o nível de QV dos utentes dos cuidados de saúde primários do distrito de Vila Real (norte de Portugal)?
Qual a influência das variáveis sociodemográficas na QV dos utentes dos cuidados de saúde primários do distrito de Vila Real?
Metodologia
Este estudo integra-se no projeto de investigação duma equipa de investigadores multi-institucional, financiada pelo Ministério da Saúde/INSA, IP com a referência 2011/EXT456. Reporta-se a um estudo transversal, descritivo, correlacional com uma abordagem quantitativa.
Foi realizado com utentes das freguesias da área geográfica do distrito de Vila Real, correspondendo aos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES), Alto Trás-os-Montes II - Alto Tâmega e Barroso (ATMATB) e Douro I - Marão e Douro Norte (DMDN). Para este estudo, utilizou-se uma amostra intencional de 6747 sujeitos, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: idade superior a 18 anos, residir e utilizar os centros de saúde dos dois ACES, pelo menos uma vez nos últimos dois anos.
No que diz respeito aos procedimentos éticos, foi oficializado o pedido por escrito à Administração Regional de Saúde do Norte, sendo que a participação no estudo foi de caráter voluntário, tendo sido garantida a confidencialidade dos resultados e o anonimato dos respondentes. O estudo foi autorizado, tendo tido parecer favorável da Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Norte (referência 49/2012 de 4 de dezembro de 2012). Foram tidos em conta os princípios da Declaração de Helsínquia, nomeadamente, a não exploração dos participantes, a igualdade e trato justo, a seleção justa da população do estudo, a beneficência, a não maleficência, a autonomia das pessoas, respeitando os seus valores e uma relação risco-benefício favorável.
A recolha de dados decorreu na comunidade, entre janeiro e junho de 2012, realizada por um grupo de quatro bolseiros de investigação, inscritos no último ano do curso de licenciatura em Enfermagem, devidamente treinados especificamente para colaborarem na recolha de dados. Foram contactados todos os presidentes de junta das freguesias e párocos, para se conseguir uma maior adesão dos participantes, os quais foram entrevistados tanto no domicilio como no local de trabalho e/ou de lazer. Excluíram-se do estudo todos os inquéritos/sujeitos com mais de cinco questões sem resposta.
A participação dos indivíduos foi voluntária e o consentimento informado foi concedido a partir do momento em que aceitaram preencher/responder ao questionário. Este foi elaborado para o efeito, auto preenchido e/ou aplicado pelos investigadores, onde se incluíram variáveis de caracterização sociodemográfica e o Medical Outcomes Study-Short Form (MOS SF-36) para a avaliação/medição da perceção da QV (Ferreira, 2000).
O MOS SF-36 é um questionário que permite avaliar a perceção individual do estado geral da saúde e de QV dos sujeitos. É constituído por 36 itens repartidos por oito dimensões de estado de saúde, assinalando tanto os estados positivos como os estados negativos de saúde. MOS SF-36 é uma medida genérica do estado de saúde desenhada para ser autoadministrada, ou administrada por entrevista, ou por telefone, sendo atualmente uma das medidas genéricas do estado de saúde mais conhecida (Ferreira, 2000). Contempla escalas de itens múltiplos para medir as oito dimensões de saúde, agrupando-se em duas componentes: a componente física, que compreende a função física, o desempenho físico, a dor corporal e a saúde em geral e a componente emocional, que engloba o desempenho emocional, a vitalidade, a função social e a saúde mental. Abarca ainda a escala de transição em saúde, que não sendo considerado um conceito de saúde, pretende medir a mudança em geral na saúde. Para cada uma das dimensões a pontuação é expressa numa escala de 0 (pior estado de saúde possível) a 100 (melhor estado de saúde possível), apresentando um vasto conjunto de resultados que evidenciam a elevada fiabilidade, validade e poder de resposta deste instrumento de medição (Ferreira, 2000).
Para a análise e tratamento dos dados recorreu-se ao programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 19 para Windows, estabelecendo-se o nível de significância de 5% (p=0,05). Recorreu-se à estatística descritiva com medidas de localização e tendência central (média, moda e mediana) e de dispersão absoluta (desvio padrão) e inferencial utilizando o teste Qui-quadrado, o teste t-student, para duas amostras, o teste ANOVA (Analysis of Variance), a fim de se verificar as diferenças entre diversas variáveis, procedendo-se ainda à comparação múltipla de médias através do teste post-hoc de Tukey. Quando não se cumpriam os pressupostos para a utilização dos testes paramétricos, utilizou-se os testes alternativos não paramétricos Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. No que se refere aos grupos etários, adotamos a divisão do ciclo de vida: em vida adulta, dos 18-44 anos, meia idade dos 45-64 anos e idosos.
Resultados
Da caracterização sociodemográfica da amostra (Tabela 1), salientamos, que o maior grupo pertencia ao sexo feminino, tinha entre 18 e 44 anos, era casado, vivia com os cônjuges e filhos, possuía o ensino básico, enquadrava-se no setor terciário de atividade laboral, trabalhava por conta de outrem e auferia um rendimento mensal entre 451-1000 Euros. Este quadro repete-se nas proporções dos dois ACES, exceto, na situação profissional em que no ACES ATMATB o maior grupo era dos reformados (30,9%) e no rendimento mensal, no mesmo ACES, o maior grupo (40,3%), auferia entre 200-450 Euros, um rendimento mais baixo do que no total da amostra e no ACES DMDN.
A média da idade era 50,13±20,625 anos, sendo o mínimo 18 anos e o máximo 99 anos.
Na Tabela 2 apresentam-se as médias das dimensões da perceção de QV relacionada com a saúde, por sexo, grupo etário e total da amostra.
No total da amostra, as dimensões nas quais os utentes apresentavam melhor QV eram o desempenho físico, a função social e o desempenho emocional, o que significa que são as dimensões que mais contribuem para uma melhor QV. As dimensões que apresentavam pior QV eram a função física, a saúde geral e a vitalidade, significando que são as dimensões que menos contribuíram para a QV. Este quadro repete-se quer com as categorias da variável sexo, quer nos diferentes grupos etários.
Quando se analisa as médias em função do sexo, o sexo masculino apresentava média mais elevada do que o sexo feminino no desempenho físico, mas inferior no caso da função social e desempenho emocional.
No que se refere aos grupos etários, as médias mais elevadas das dimensões pertenciam todas ao grupo dos 18-44 anos, mas nas médias menos elevadas, este grupo etário apenas apresentava a média mais baixa na função física, ou seja, percecionam melhor QV do que os outros grupos etários.
A média da componente emocional é mais elevada do que a da componente física, quer no total da amostra, quer nos dois sexos, quer nos diferentes grupos etários. A média da pontuação global do SF36 é superior no sexo feminino e no grupo etário dos 18-44 anos, significando que têm melhor perceção da QV. A média da QV do total da amostra é de 67,85±10,809, o que quer dizer que os utentes têm uma perceção positiva da QV. Na análise da relação entre a QV e as variáveis de caracterização sociodemográfica da amostra, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os diferentes grupos das variáveis sexo, escolaridade, estado civil e unidades funcionais (Tabela 3).
Foram obtidas diferenças estatisticamente significativas (ANOVA: p= 0,028) na relação com o grupo etário, em que o grupo etário dos 18-44 anos obteve média superior ao grupo dos 45-64 anos, significando que perceciona uma melhor QV.
Observaram-se diferenças estatisticamente muito significativas (ANOVA: p= 0,005) em função do setor de atividade profissional, em que o setor terciário detinha a média mais elevada, relativamente ao setor primário, o que quer dizer que os utentes que exercem a sua atividade no setor terciário reportam melhor QV.
Verificaram-se também diferenças estatisticamente significativas (ANOVA: p= 0,027) entre os utentes que auferiam rendimentos mensais de menos de 200 Euros e os que auferiam de 450 a 1000 Euros, com os primeiros a obterem uma média mais elevada e a percecionarem melhor QV.
Por último, constataram-se, ainda, diferenças estatísticas altamente significativas (t de Student: p< 0,000) entre os utentes dos dois ACES, em que os utentes do ACES DMDN reportaram melhor QV, relativamente aos utentes do ACES ATMATB (Tabela 3).
Discussão
As características sociodemográficas da nossa amostra são muito semelhantes às características da amostra do estudo de Praça (2012), no qual participaram 1111 utentes do ACES Trás-os-Montes I Nordeste (norte de Portugal). Neste estudo também era maioritário o sexo feminino (71,4%), a classe etária dos 18-45 anos (50%), o estado civil casado (61,8%) e o nível de instrução ensino básico (32%). No entanto, os valores são mais elevados no estudo de Praça (2012), exceto, no que diz respeito à variável nível de instrução ou escolaridade. A média da idade dos utentes do nosso estudo é superior à do estudo de Praça (2012), que era de 47,6±18,5 anos, o que se compreende, uma vez que a idade mínima é a mesma (18 anos), mas a idade máxima é superior no nosso estudo (99 anos).
O mesmo sucedeu no estudo de Ferreira & Santana (2003), realizado com uma amostra de 2459 sujeitos, pertencentes a população portuguesa ativa saudável, com o objetivo de medir a perceção do estado de saúde e a QV. No entanto, as proporções são mais elevadas neste estudo, no caso da classe etária e estado civil, embora a categorização das classes etárias seja diferente do nosso estudo.
No conjunto das características que dificultam a avaliação da QV, destaca-se a sua subjetividade: pela imensidão de aspetos contemplados nas tentativas da definição do conceito; a multidimensionalidade: a vida compreende múltiplas facetas e dimensões, tais como, a física, a psicológica e a social; a bipolaridade: com as dimensões positivas e negativas; a mutabilidade: a avaliação da QV altera-se com o tempo e com o contexto (Santos, Sawada, & Santos, 2011).
Assumindo a subjetividade de que se reveste o conceito de QV, comparando as médias das dimensões da QV do presente estudo com as dos estudos acima citados (Praça, 2012; Ferreira & Santana, 2003) verificamos que nestes estudos as médias são mais elevadas nas dimensões função física, dor corporal, desempenho emocional e saúde mental. Isto significa que os sujeitos participantes nos estudos atrás citados têm melhor perceção da QV naquelas dimensões, ou seja, têm menos limitações com impacto na QV, menor intensidade e desconforto causado pela dor, melhor nível de energia e menor fadiga, mais quantidade e melhor qualidade das atividades sociais, menor ansiedade e depressão e melhor bem-estar psicológico.
Por sua vez, no estudo de Fernandes, Vasconcelos, & Silva (2009), no qual participaram 62 funcionários de uma instituição de Belém do Pará (Brasil), repete--se quase aquele quadro, com uma ligeira diferença. A dimensão dor corporal deixa de figurar entre as médias da QV mais elevadas, em relação ao nosso estudo, sendo substituída pela dimensão vitalidade.
Analisando a média global da QV do presente estudo e do estudo de Praça (2012) que foi de 66,28±19,72, podemos afirmar que os sujeitos da nossa amostra reportaram um nível de QV ligeiramente superior aos dos utentes do referido estudo.
Tendo em conta os mesmos cruzamentos, apenas se constaram diferenças estatisticamente significativas entre a média da pontuação total da QV dos grupos etários e dos rendimentos mensais, enquanto no estudo de Praça (2012), houve diferenças estatisticamente significativas entre os sexos, classes etárias, estado civil, nível de instrução e rendimentos mensais. Todavia, as classes etárias e os rendimentos mensais estão categorizados de maneira diferente.
Tanto no presente estudo, como no estudo de Praça (2012), os mais jovens têm melhor QV, mas nos rendimentos mensais, no nosso estudo a associação não é linear, sendo percecionada melhor QV nos utentes que recebem menos de 200,00 euros mensais, seguidos pelos que dispõem mais de 1000,00 euros mensais, a classe de maior rendimento, enquanto no referido estudo a perceção aumenta com o aumento do rendimento mensal. Nas restantes variáveis em que se verificaram diferenças estatisticamente significativas são os homens que percecionam melhor QV, bem como os solteiros e os que vivem em união de facto, relativamente, aos viúvos e os que possuem um nível de instrução superior.
Por seu lado, no estudo de Ferreira & Santana (2003), os autores também encontraram diferenças estatisticamente significativas, entre a média da QV quanto ao sexo, classe etária, estado civil e nível de instrução, em que os homens percecionam melhor QV, assim como os mais jovens, os solteiros e os sujeitos com maior nível de habilitação literária. Repete-se, apenas, o quadro das classes etárias do presente estudo, mas coincide em todas as outras variáveis em análise, com o estudo de Praça (2012). Estas diferenças, que se observam entre os estudos atrás citados e o presente estudo, poderão ser explicadas pelas diferentes características da nossa amostra, que se insere numa área geográfica com aspetos particulares.
As outras variáveis envolvidas no presente estudo, como o setor de atividade, a unidade funcional de saúde a que pertence o utente e o respetivo ACES, não foram estudadas pelos autores acima citados.
Conclusão
Após uma análise detalhada dos resultados do presente estudo e tendo em conta os objetivos delineados à partida, estamos em condições de elencar um conjunto de conclusões, que passamos a evidenciar.
O perfil dos utentes participantes no presente estudo com maior QV integra indivíduos do sexo feminino, pertencentes à classe etária dos 18-44 anos, são solteiros, possuem o ensino secundário, exercem a sua atividade profissional no setor terciário e auferem menos de 200 euros.
As médias das oito dimensões de caracterização da QV dos sujeitos da nossa amostra estão todas acima dos 50%, sendo mais elevadas na dimensão desempenho físico, função social e desempenho emocional. As menos elevadas são a função física, saúde geral e vitalidade. A QV da componente emocional é melhor do que da componente física. O nível de QV reportado pelos sujeitos da amostra é positivo.
Parece existir relação entre a QV e o grupo etário, o setor de atividade, o rendimento mensal e o ACES a que o sujeito pertence. As outras variáveis não se mostraram discriminativas.
O estudo realizado permitiu-nos conhecer a qualidade de vida dos utentes dos cuidados de saúde primários do distrito de Vila Real, assim como a sua relação com as variáveis sociodemográficas e nesse sentido a possibilidade de equacionar um conjunto de recomendações que se possam traduzir numa melhor perceção da qualidade de vida.
Referências bibliográficas
Bentley, J. P., Brown, C. J., McGwin, G. Jr., Sawyer, P., Allman, R. M., & Roth, D. L. (2013). Functional status, life-space mobility, and quality of life: A longitudinal mediation analysis. Quality of Life Research, 22(7), 1621-1632. [ Links ]
Campolina, A. G., Dini, P. S. & Ciconelli, R. M. (2011). Impacto da doença crônica na qualidade de vida de idosos da comunidade em São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, 16(6), 2919-2925. [ Links ]
Conselho de Enfermagem. (2010). Divulgar: Padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem. Lisboa, Portugal: Ordem dos Enfermeiros. [ Links ]
Decreto-Lei nº 28/08, de 22 de Fevereiro. Diário da República nº 38/07- I Série. Ministério da Saúde. Lisboa.
Fernandes, I. I., Vasconcelos, K. C., & Silva, L. L. (2009). Análise da qualidade de vida segundo o questionário SF-36 nos funcionários da gerência de assistência nutricional (GAN) da fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. (Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharel). Universidade da Amazônia, [ Links ] Brasil.
Ferreira, P. (2000). Criação da versão portuguesa do MOS SF-36: Parte I: Adaptação cultural e linguística. Acta Médica Portuguesa, 13, 55-63. [ Links ]
Ferreira, P. L., & Santana, P. (2003). Perceção do estado de saúde e de qualidade de vida da população activa: Contributo para a definição de normas portuguesas. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 21(2), 15-30. [ Links ]
Otero-Rodríguez, A., León-Muñoz, L. M., Balboa-Castillo, T., Banegas, J. R., Rodríguez-Artalejo, F. & Guallar-Castillón, P. (2010). Change in health-related quality of life as a predictor of mortality in the older adults. Quality of Life Research, 19(1), 15-23. [ Links ]
Praça, M. I. F. (2012). Qualidade de vida relacionada com a saúde: A perspetiva dos utentes que frequentam os centros de saúde do ACES Trás-os-Montes I Nordeste. (Dissertação de mestrado). Instituto Politécnico de Bragança, Portugal. [ Links ]
Santos, C., Martins, T., Ferreira, T. R. (2009). Saúde e qualidade de vida: Contributos teóricos. In Saúde e Qualidade de Vida: Estado da arte, (pp.12-38). Porto, Portugal: Escola Superior de Enfermagem do Porto. [ Links ]
Santos, C. L. T., Sawada, N. O. & Santos, J. L. F. (2011). Avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes submetidos ao transplante de células: Tronco hematopoéticas. Revista Latino-Americana Enfermagem, 19(6), 1-12. [ Links ]
Soares, D. A., Toledo, J. A. S., Santos, L. F., Lima, R. M. B., Galdeano, L. E. (2008). Qualidade de vida de portadores de insuficiência cardíaca. Acta Paulista de Enfermagem, 21(2), 243-248. [ Links ]
Tajvar, M., Arab, M. & Montazeri, A. (2008). Determinants of health- related quality of life in Tehran, Iran. BMC Public Health, 8, 323-329. [ Links ]
Vilar, F. J. R. & Salgadinho, I. (2009). Do conceito de qualidade de vida à qualidade de vida como conceito. Enfermagem em Foco, 2(57), 34-36. [ Links ]
Vintém, J. M. (2008). Inquéritos nacionais de saúde: Auto-percepção do estado de saúde: Uma análise em torno da questão de género e da escolaridade. Revista Saúde Publica, 6(2), 5-18. [ Links ]
WHOQoL. (2005). The world health organization quality of life assessment (WHOQoL): Position paper from the world health organization. Social Science e Medicine, 41(10), 1403-1409. [ Links ]
World Health Organization. (1986). Ottawa charter for health promotion. Geneva: Author. [ Links ]
Recebido para publicação em: 06.02.14
Aceite para publicação em: 16.07.14