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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.6 Coimbra set. 2015
https://doi.org/10.12707/RIV14082
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Efeito das intervenções breves na redução do consumo de risco nos utentes em tratamento com metadona
Effect of brief interventions in reducing hazardous alcohol consumption in users receiving methadone treatment
Efecto de las intervenciones breves para reducir el consumo de riesgo de los usuarios en tratamiento con metadona
Nídia Raquel Pereira Rosa*; Ângela Maria Mendes Abreu**; Teresa Maria Mendes Diniz de Andrade Barroso***
* MSc., Enfermeira, Centro de Respostas Integradas de Coimbra – Equipa de Tratamento da Figueira da Foz, Portugal [nidia.rosa@arscentro.min-saude.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; experimentação; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua do Covão – Casalinhos, 3080-153, Figueira da Foz, Portugal.
** Ph.D., Professora Adjunta, Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery, 20.211-110, Rio de Janeiro, Brasil [angelabreu@golbo.com]. Contribuição no artigo: escrita e revisão do artigo.
*** Ph.D., Professora Adjunta, Investigação Ciências da Saúde: Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [tbarroso@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: desenho do estudo, acompanhamento metodológico, tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita e revisão do artigo.
RESUMO
Enquadramento: O consumo de álcool nos indivíduos em tratamento com metadona pode constituir um problema para a estabilidade e a adesão ao tratamento.
Objectivos: Avaliar o efeito das Intervenções Breves (IB) na redução do consumo de risco, nos utentes em tratamento com metadona
Metodologia: Estudo de natureza pré-experimental, avaliação antes e após com grupo único. Amostra não aleatória, consecutiva de 24 utentes. Inclui o Alcohol Use Disorders Identificacion Test (AUDIT). As Intervenções breves foram desenvolvidas pelo enfermeiro com treino específico.
Resultados: Na avaliação inicial, 16 sujeitos apresentavam nível de baixo risco, 6 nível de risco e 2 nível nocivo. Na avaliação final, 5 meses após as IB, 19 sujeitos apresentavam nível de baixo risco, 5 nível de risco e nenhum caso com consumo nocivo, verificando-se uma redução dos níveis de risco tendo sido a evolução estatisticamente significativa (p=0,031).
Conclusão: Os resultados sugeriram efeitos positivos das IB na diminuição do consumo de risco dos utentes em tratamento com metadona.
Palavras-chave: dependência de heroína; metadona; bebidas alcoólicas; enfermagem.
ABSTRACT
Theoretical framework: Alcohol consumption in individuals receiving methadone treatment can be a problem for treatment stability and adherence.
Objectives: To assess the effect of Brief Interventions in reducing hazardous risk consumption in users receiving methadone treatment
Methodology: Pre-experimental study, with one-group pretest-posttest design. Non-randomised consecutive sample of 24 users. The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) was used. Brief interventions were performed by nurses with specific training.
Results: At baseline, 16 subjects had a low risk, 6 had a hazardous risk, and 2 had a harmful risk. In the final assessment, 5 months after the Brief Interventions, 19 subjects had a low risk and 5 a hazardous risk. No cases were found of harmful drinking. A statistically significant reduction in the drinking risk levels was observed (p= .031).
Conclusion: The results suggest positive effects of Brief Interventions in reducing hazardous alcohol in users receiving methadone treatment.
Keywords: heroin dependence; methadone; alcoholic beverages; nursing.
RESUMEN
Marco contextual: El consumo de alcohol en los individuos tratados con metadona puede ser un problema para la estabilidad y la adhesión al tratamiento.
Objetivos: Evaluar el efecto de las intervenciones breves para reducir el consumo de riesgo de los usuarios que están en tratamiento con metadona.
Metodología: Estudio de naturaleza preexperimental, evaluación antes y después de las intervenciones con un grupo único. Muestra no aleatoria y consecutiva de 24 usuarios. Incluye el Alcohol Use Disorders Identificacion Test (AUDIT). Las intervenciones breves fueron realizadas por enfermeros con una formación específica.
Resultados: En la evaluación inicial, 16 sujetos presentaron un nivel de riesgo bajo, 6 nivel de riesgo y 2 nivel nocivo. En la evaluación final, 5 meses después de las intervenciones breves, 19 sujetos presentaron un nivel de riesgo bajo, 5 nivel de riesgo y no hubo casos con nivel de consumo nocivo, lo que verifica una reducción de los niveles de riesgo y una evolución estadísticamente significativa (p=0,031).
Conclusión: Los resultados sugirieron efectos positivos de las intervenciones breves en la disminución del consumo de riesgo de los pacientes que están en tratamiento con metadona.
Palabra clave: dependencia de heroína; metadona, bebidas alcoholicas, enfermería.
Introdução
Os comportamentos relacionados com o consumo de substâncias psicoativas representam um importante fator de risco para os indivíduos e as sociedades em todo o mundo. O consumo de álcool foi identificado como um dos principais fatores de risco, acarretando diversas doenças e mortalidade prematura em todo o mundo, com especial relevância na Região Europeia (World Health Organization, 2014).
O consumo de álcool nos indivíduos em programa de tratamento com metadona pode constituir um grave problema para a estabilidade e adesão ao tratamento. Desde a década de 90, estudos neste domínio indicam que um terço ou mais dos indivíduos em tratamento com cloridrato de metadona consumiam álcool regularmente (El-Bassel, Schilling,Turnbull, & Kuo-Hsien, 1993). Por outro lado, os resultados dos estudos neste domínio indicam que o consumo problemático de álcool está associado a vários comportamentos de risco, designadamente partilha de agulhas e consumos de substâncias psicoativas (El-Bassel et al., 1993). Outros estudos sugerem que o consumo de álcool diminui após a entrada no programa de tratamento (Caputo et al., 2002).
Noutra perspetiva, observou-se entre utentes integrados em programa de metadona uma elevada taxa de abuso de álcool em comparação com a população geral. Houve também um aumento do consumo de álcool durante o tratamento com metadona, que poderá estar relacionado com o efeito compensatório deste em associação à metadona, em função do consumo anterior de heroína (Ottomanelli, 1998). Os problemas ligados ao álcool nos indivíduos em programas de tratamento com metadona, não têm tido a vigilância necessária por parte dos profissionais de saúde (Moussas et al., 2015), sendo essencial a deteção precoce e a intervenção adequada.
No que concerne aos problemas ligados ao álcool, as evidências científicas aconselham o posicionamento dos profissionais no sentido da sensibilização ao nível da população em geral com programas de prevenção universal, e ainda a adoção de IB direcionadas para os cuidados de saúde primários com o objetivo de detetar e intervir precocemente na redução do consumo de risco e nocivo de álcool (Furtado & Marques, 2004; Barroso, Barbosa, & Mendes, 2006; Segatto, Pinky, Laranjeira, Rezende, & Vilela, 2007).
Neste sentido, outros autores apontam que as IB são as que apresentam uma melhor relação custo/benefício para o consumo de risco e consumo nocivo (Furtado & Marques, 2004; Ribeiro, 2014). A eficácia destas intervenções, em geral, está associada ao conjunto das boas práticas desenvolvidas por profissionais de saúde com formação (Schaus, Sole, McCoy, Mullett, & O'Brien, 2009; Seigers & Carey, 2010).
Em Portugal são escassos os estudos sobre as IB na redução dos consumos de risco de álcool e desconhecem-se estudos de avaliação destas intervenções nesta população. O presente estudo tem como objetivo avaliar o efeito das IB na redução do consumo de risco álcool, nos utentes em tratamento com metadona.
Enquadramento
O consumo nocivo de álcool é uma ameaça à saúde pública mundial. O relatório da OMS refere que este consumo é a causa de cerca de 60 doenças. Conduz ainda a inúmeras consequências: sinistralidade laboral, perturbações na saúde materna, infantil e familiar, patologia orgânica (manifestada pelas doenças crónicas afetando os indivíduos após vários anos de consumo abusivo e pelos efeitos relacionados com o consumo agudo) e assistência/tratamento associados (World Health Organization, 2014).
O consumo de substâncias psicoativas representa um importante fator de risco para os indivíduos e as sociedades em todo o mundo. O relatório sobre a saúde no mundo, de 2002, indicou que 8,9% da quantidade total das doenças resultam do consumo dessas substâncias, sendo que o álcool representou 4% e as drogas ilícitas 0,8% da totalidade das doenças (Segato et al., 2007). Anualmente, o consumo de álcool causa 1,8 milhões de mortes (3,2% do total) e a perda de 58,3 milhões (4% do total) de anos de vida ajustados, por incapacidade em todo o mundo (World Health Organization, 2014).
Nos Inquéritos nacionais ao consumo de substâncias psicoativas na população em geral, de 2007, observa-se um aumento da prevalência de consumos, para todos os grupos etários. Entre 2001 e 2007 a prevalência do consumo de bebidas alcoólicas aumentou 3,5%, de 75,6% para 79,1%. A proporção da população que iniciou o consumo de bebidas alcoólicas entre os 15 e os 17 anos representava, em 2001, cerca de 30%, tendo este valor aumentado para os 40% em 2007 (Balsa, Vital, Urbano, & Pascueiro, 2008).
Relativamente ao reconhecimento do problema, em Portugal, os dados relativos a 2011, indicam um número de 45 863 utentes atendidos nos serviços especializados da rede pública para tratamento de substâncias ilícitas e/ou álcool (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências [SICAD], 2013). Durante 2011 estiveram em programas de manutenção com agonistas opiáceos (metadona e buprenorfina) cerca de 21 236 pessoas, 78% em tratamento com metadona. (Instituto de Droga e da Toxicodependência [I.D.T.], 2012)
Os programas de tratamento com agonistas opiáceos, designadamente com metadona são considerados eficazes, pois mantêm os utentes em tratamento, diminuindo o consumo de heroína e os problemas associados, complicações ao nível da saúde e criminalidade. No entanto, muitos destes utentes continuam a consumir diversas substâncias, em particular o álcool, apesar das consequências adversas que resultam da sua utilização. Uma das mais importantes preocupações com o consumo de álcool concomitantemente ao tratamento com metadona prende-se com a potenciação do efeito depressor da metadona no Sistema Nervoso Central, em particular a depressão do centro respiratório com as consequentes implicações clínicas (Patrício, 2009).
Alguns estudos de caracterização dos padrões de consumo de álcool nos utentes em tratamento com metadona, como já foi referido, indicam um aumento do consumo de álcool durante os programas de substituição com este fármaco, provavelmente associado ao efeito de compensação do álcool com as doses de metadona estabelecidas no tratamento (Caputo et al., 2002).
Em Portugal, num estudo de avaliação dos padrões de consumo de utentes em programas de tratamento com agonistas, os autores verificaram na amostra em estudo (n=39) 23,1% dos utentes apresentavam níveis de risco para o consumo de álcool (avaliados com o AUDIT) e 28,2% pontuavam como dependentes de álcool (Henriques & Paixão, 2009).
A realização deste trabalho insere-se numa Equipa de Tratamento (ET) de um Centro de Respostas Integradas, numa unidade de intervenção local que tem como função abordar e atuar no consumo nocivo, já referenciado, bem como intervir na dependência moderada e nas situações de policonsumos. Estas unidades locais foram reestruturadas no final de 2011, com a determinação da extinção por fusão, do Instituto da Droga e da Toxicodepndência, IP (IDT), com a integração das suas atribuições no Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências e nas Administrações Regionais de Saúde, IP. Faz ainda parte desta reestruturação a Rede de Referenciação. Esta preconiza diferentes níveis de intervenção, dos quais destacamos as ações de rastreio e deteção precoce de consumo de risco, consumo nocivo, e dependência, e a implementação das IB.
As IB são procedimentos simples, baseados em pressupostos cognitivo-comportamentais, voltados para educação e motivação do utente para mudança de comportamentos, que têm um custo reduzido e mostraram ser eficazes na redução dos consumos e diminuição dos problemas relacionados com o álcool (Babor & Higgins-Biddle, 2001; Barroso, Rosa, Jorge, & Gonçalves, 2012). O enfermeiro encontra-se numa posição privilegiada, nos diversos contextos do seu exercício para a avaliação e a implementação das IB.
Questões de Investigação
Os indivíduos submetidos às IB apresentam uma redução nos níveis de risco de consumo de álcool
Metodologia
Trata-se de estudo de natureza pré-experimental, com pré e pós teste, com grupo único. Participaram, neste estudo, utentes de uma ET, dependentes de substâncias psicoativas ilícitas, em tratamento com metadona. A amostra, no momento inicial, foi constituída por 25 utentes integrados em programa de tratamento com metadona, de ambos os sexos (19 do género masculino e seis do género feminino).
Quanto aos resultados relativos à avaliação do efeito das IB, considerando a variável níveis de risco do consumo de álcool, valores traduzidos pelo AUDIT e pelas características da intervenção, salienta-se que, na avaliação final, só foi possível avaliar, 24 dos inquiridos, sendo este o número da amostra a considerar.
Trata-se de uma amostra não probabilística, obtida de forma consecutiva, todos os utentes da equipa de tratamento, que naquele período (durante o mês de novembro) aceitaram e deram o seu consentimento para participar no estudo, tendo em conta os seguintes critérios de inclusão: dependentes de substâncias psicoativas ilícitas, em tratamento com metadona, sem diagnóstico de dependência de álcool, letrados, com idades iguais ou superiores a 18 anos.
A avaliação pré-teste, rastreio e respectivas IB, decorreram em novembro de 2011, o pós-teste (5 meses após) decorreu em abril de 2012, avaliando os níveis de risco do consumo de álcool.
O instrumento utilizado foi um questionário dividido em duas partes, sendo na primeira parte referente às questões sócio demográficas, consumos de substâncias psicoativas, consumos de bebidas alcoólicas assim como de tratamentos efetuados pelos utentes. A segunda parte incluiu o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT), um questionário de rastreio com reconhecimento mundial, desenvolvido pela OMS com objetivo de identificar, em serviços de diferentes níveis e contextos, pessoas que têm consumo de risco e consumo nocivo de álcool.
O AUDIT mede o consumo, os sintomas de dependência e as consequências pessoais e sociais do beber. O questionário, com dez questões aborda o padrão de consumo e as suas consequências nos últimos 12 meses; as três primeiras avaliam a quantidade, frequência e embriaguez; as três seguintes, sintomas de dependência; e as quatro últimas, o risco de consequências danosas ao consumidor. O AUDIT enfatiza a identificação do beber nocivo e consequências adversas e foca, sobretudo, os sintomas que aconteceram nos últimos 12 meses (Babor & Higgins-Biddle, 2001), é recomendada a sua utilização pelo Plano Nacional Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD, 2013).
Os score das respostas do AUDIT variam de 0 a 4, e as pontuações mais altas são indicativas de problemas. O AUDIT permite avaliar três niveis distintos de risco: nivel I (0-7) baixo risco; nivel II (8-15) risco; nivel III (16-19) risco nocivo; nivel IV (>20) provável dependência. A obtenção de 7 ou menos pontos permite classificar uma pessoa como tendo baixa probabilidade de consumo excessivo de álcool; a obtenção de pontuação de 8 a 15 (nivel II) corresponde às pessoas com consumos de risco. O consumo de álcool em níveis de risco define-se como o nível ou padrão de consumo que acarreta consequências prejudiciais para a saúde, se o consumo persistir, podendo não ser visível. A obtenção da pontuação entre 16 e 19 (nivel III), corresponde ao consumo nocivo de álcool que é defenido como o padrão de consumo que traduz consequências para a saúde, tanto ao nível físico (por exemplo, cirrose hepática) como mental (por exemplo, depressão), como sociofamiliar (por exemplo, acidentes laborais ou violência) (Babor & Higgins-Biddle, 2001).
Às pessoas com consumo nocivo deve ser colhida a história clínica completa (incluindo eventos traumáticos) bem como a pesquisa de sinais físicos relacionados com o consumo. Deve ainda ser oferecida uma IB e acompanhamento. Na presença de sintomas e/ou sinais de problemas relacionados com o álcool deverão ser realizados exames complementares de diagnóstico dirigidos. Deve ainda ser avaliada a presença de dependência alcoólica (Babor & Higgins-Biddle, 2001).
As variáveis do estudo são: sócio demográficas (sexo, idade, profissão, naturalidade, residência, escolaridade e com quem habita), a variável independente (as IB - Educacional, Aconselhamento Simples e Aconselhamento Breve) e, variável dependente (os níveis de risco do consumo de álcool).
As IB foram desenvolvidas pela enfermeira com formação para o efeito (Treino e aquisição de competências para aplicação do protocolo). De acordo com os níveis de risco foram implementadas as IB, em função do protocolo adaptado de Babor e Higgins-Biddle (2001). Aos utentes com baixo risco (nível I; score 0-7) foi oferecida uma intervenção educacional; aos utentes com risco (nível II; score 8-15), foi oferecido aconselhamento simples, aos utentes com consumo nocivo (nível III; score 16-19) foi oferecido aconselhamento simples e aconselhamento breve; os utentes com níveis de risco IV (20-40) seriam referenciados para diagnóstico.
Para cada nível de risco foram elaborados guiões para as IB, tendo em consideração determinados padrões tais como: a linguagem e a respetiva abordagem.
As IB foram desenvolvidas com base em guiões estruturados adaptados de Babor e Higgins-Biddle (2001) no âmbito do projeto Saúde sem Reservas inscrito na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem.
Salienta-se ainda que, durante esta investigação foram realizadas 25 IB: 16 Intervenções Educacionais, 6 Intervenções de Aconselhamento Simples e 2 Aconselhamentos Breves.
Para a análise dos dados adquiridos recorreu-se ao uso do software aplicativo Statistical Package for the Social Sciences (S.P.S.S), versão 17. O tratamento e a análise de dados requereram o teste Shapiro-Wilk, para verificar a normalidade das distribuições. Considerando os resultados dos testes de normalidade Shapiro-Wilk (para uma amostra inferior a 50), todas as variáveis dependentes põem em causa os pressupostos da normalidade. Decorrente do tipo de variável em estudo (níveis de risco para o consumo de álcool) e do tipo de amostra (amostra emparelhada), optou-se pelo teste não paramétrico Wilcoxon, para avaliação do efeito das IB na amostra.
Todos os participantes do estudo foram previamente informados, de forma esclarecedora, bem como foram prontamente esclarecidos acerca de qualquer questão que considerassem pertinente para uma melhor compreensão do estudo. Esses aspetos foram assegurados pelo termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi autorizado pela Delegação Regional do Centro, do IDT., IP.
Resultados
A amostra, no momento inicial, foi constituída por 25 utentes integrados em programa de tratamento com metadona, de ambos os sexos (76,0% do género masculino e 24,0% do género feminino), com uma média de idades de 37,2 anos (DP = 6,7). Procedeu-se à caracterização das variáveis sociodemográficas, dos consumos de substâncias psicoativas, dos consumos de bebidas alcoólicas assim como, de tratamentos efetuados pelos inquiridos. Cerca de 64,0% dos indivíduos da amostra encontravam-se desempregados e 84,0 % dos inquiridos viviam com a família, conforme (Tabela 1).
Considerando a evolução dos 24 utentes da amostra em estudo (antes e após as IB), conforme se pode observar na (Tabela 2), na avaliação inicial 68,0% dos utentes encontravam-se no nível I e na avaliação final observa-se um aumento para 79,2% neste nível de baixo risco; no nível de risco (II), na avaliação inicial havia 24,0% dos utentes, contudo após as IB verifica-se uma diminuição de utentes neste nível de risco (20,8%); relativamente ao nível de risco considerado nocivo na avaliação inicial havia 2 sujeitos e na avaliação final não se encontra nenhum utente da amostra em estudo com consumo nocivo.
Nos resultados apresentados na (Tabela 3), inerentes à evolução do nível de risco, como se pode verificar, 5 utentes reduziram o risco de consumo de álcool; não há nenhum utente da amostra em estudo que aumente o nível de risco, e 19 utentes da amostra em estudo mantiveram o nível de risco (entre o nível de baixo risco e o nível de risco) o que indicou um efeito positivo em relação aos níveis de risco, estatisticamente significativo (z= -2,236; p= 0,031).
Discussão
Após análise dos resultados apresentados, em relação ao perfil, o presente estudo mostrou que a população atendida era de adulto jovem com uma média de idade de 37,2 anos, sendo maioria homens, desempregados vivendo com a família, e com baixo nível de instrução escolar. Tais resultados são consistentes com os dados recolhidos dos relatórios nacionais, conforme aponta o estudo do IDT., IP (2012). Durante o ano de 2011, os utentes que recorreram às unidades de ambulatório foram na maioria do género masculino (82,8%), com uma média de idades de 39 anos, de nacionalidade portuguesa e solteiros (58,3%), vivendo com a família (48,4%) e de um modo geral continuam a ser populações com um baixo nível de instrução escolar (61,4% inferior ao 3.ºciclo).
Quando comparados os níveis de risco I, II e III antes e após as IB, o presente estudo mostrou resultados importantes em relação às intervenções com estes indivíduos, mostrando a mudança de comportamento com migrações desses sujeitos para níveis de risco de consumo mais baixos, conforme podemos verificar nos resultados apresentados, ou seja, 5 indivíduos diminuíram o nível de risco e 19 mantiveram-se na mesma zona de risco, estas diferenças de evolução foram estatisticamente significativas, indicando um efeito positivo das IB na redução do consumo nocivo de álcool. Estes resultados sugerem que as IB contribuem para a diminuição e ou estabilização dos níveis de risco, do consumo de álcool e vêm fortalecer o que outros estudos e autores apontam nesse sentido.
Desta forma, estudos como Schaus, Sole, McCoy, Mullett, e O'Brien, (2009), Seigers e Carey, (2010) sugerem que as IB têm um efeito significativo na diminuição dos consumos de álcool, bem como nos danos relacionados e ainda relatam que estas intervenções têm sido uma referência quer para o encaminhamento para tratamento de consumidores nocivos quer para a redução do consumo de álcool (Schaus et al., 2009).
Estas intervenções têm como principal objetivo detetar o problema e motivar as pessoas a modificar comportamentos. Permitem, ainda, identificar indivíduos em risco no consumo de álcool, indivíduos que já tenham problemas ou até mesmo casos de dependência (Furtado & Marques, 2004). Além disto, disponibilizam ao profissional de saúde informações que permitem desenvolver um plano de intervenção específico para a pessoa, que pode ser utilizado para motivar a alteração do seu comportamento, desencadeando a decisão e o compromisso para a mudança (Segato et al., 2007)
A eficácia das IB está associada ao conjunto das boas práticas levadas a cabo por profissionais de saúde, com formação e treino neste domínio. Após a deteção dos consumos, as IB correspondem, em termos de evidência, ao tipo de abordagem mais eficaz no contexto de consumo de risco e nocivo, ao nível dos Cuidados de Saúde Primários (Ribeiro, 2014).
Este tipo de intervenções compreende algumas vantagens tais como: são facilmente inseridas nas consultas de enfermagem, não demoram muito tempo a executar, recorrem a material didático e são constituídas por uma curta sequência de etapas (Furtado & Marques, 2004; Schaus et al., 2009; Seigers & Carey, 2010). Estas etapas incluíram a identificação e a dimensão dos problemas ou dos riscos, o aconselhamento e a orientação e, em algumas situações, monitorização periódica do sucesso no alcance dos objetivos assumidos voluntariamente pela pessoa.
O consumo de álcool, nestes utentes, constitui uma preocupação para os profissionais de saúde, que promovem comportamentos saudáveis, durante os programas de tratamento com metadona. O uso de metadona e de álcool, entre os indivíduos em programa de tratamento, pode ter implicações graves. As preocupações com este duplo consumo prendem-se com a potenciação do efeito depressor do sistema nervoso central, com os efeitos decorrentes da indução enzimática hepática e pode ser um grave problema para a estabilidade e adesão ao tratamento (Patrício, 2009).
Para que a dependência de álcool não passe a ser entendida como apenas mais um dos problemas associados à amostra deste estudo, é fundamental que sejam elaborados novos estudos, enfatizando: a prevenção, os Cuidados de Saúde Primários, a deteção e as intervenções precoces. No mesmo sentido, destacam-se os benefícios da utilização das IB para a redução de consumo de álcool, na população integrada em programas de tratamento com metadona (Gossop, Marsden, & Stewart, 2002).
Salientam-se as limitações deste estudo, relacionadas com as barreiras do investigador, pois este tinha que adequar a sua intervenção, enquanto responsável pelo estudo e pelas próprias intervenções assim como, a enfermeira na unidade, onde o estudo decorria. A conjugação das duas funções não foi tarefa fácil pois existiam questões éticas que se destacavam assim como, a disponibilidade do profissional/investigador poderia ser posta em causa. Todavia, a construção do protocolo de intervenção e toda a preparação prévia para a aplicação das IB foram uma ajuda imprescindível para atingir os objetivos propostos.
O facto do estudo em causa ser de natureza pré-experimental, com desenho antes-após, com grupo único, não havendo grupo de controlo, permite a existência de várias ameaças à validade interna, uma vez que não foram controladas outras variáveis às quais os utentes da amostra em estudo estiveram expostos que fossem favoráveis à melhoria dos níveis de risco de consumo de álcool e não tendo grupo de controlo (não sujeito às IB) que permitisse assegurar que a evolução positiva se devesse ao efeito das IB e não a outros fatores.
O método de amostragem escolhido – amostragem não probabilista, a amostra integrou os utentes que se encontravam no momento e no período de recolha de dados e da respetiva intervenção. Contudo, apenas 24 inquiridos fizeram parte da amostra, o que pode provocar o enviesamento e dificultar a representatividade da população alvo.
Por fim, no que diz respeito à avaliação final, apesar das IB terem sido realizadas conforme o protocolo, e com um folow up de cinco meses, seria necessário avaliações posteriores, a fim de se verificar a continuidade e a manutenção dos efeitos das IB.
Conclusão
Deste estudo evidencia-se que os utentes da amostra em estudo apresentam níveis de risco elevado de álcool, e que as IB desenvolvidas pelo enfermeiro com formação e treino reduzem os níveis de risco de consumo de álcool nos utentes em tratamento com metadona. Estas mudanças de comportamentos, face ao consumo de álcool e melhoria do estado geral de saúde, poderão contribuir para melhorar a adesão dos utentes ao regime de tratamento com metadona.
A formação de profissionais de saúde, em particular os enfermeiros para a deteção precoce dos consumos de risco de álcool, implementação das IB na redução de consumo excessivo de álcool, monitorização e referenciação, deve ser uma prioridade na formação base e especializada.
Apesar das limitações já apresentadas, este estudo representa um importante contributo para o reconhecimento das IB na redução dos níveis de risco de consumo de álcool em utentes em programas de tratamento com metadona.
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Recebido para publicação em: 21.11.14
Aceite para publicação em: 02.07.15