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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.6 Coimbra set. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV14086 

ARTIGO TEÓRICO/ENSAIO

 

Clarificação do conceito «recuperação cirúrgica retardada» para uso na prática clínica

Concept clarification of «delayed surgical recovery» for clinical practice implementation

Clarificación del concepto de «recuperación quirúrgica tardía» para usarlo en la práctica clínica

 

Tallita Mello Delphino*; Rosimere Ferreira Santana**; Priscilla Alfradique de Souza***

* Pós-Graduação, Enfermeira, Universidade Federal Fulminense, 24020-091, Rio de Janeiro, Brasil [tallitamell@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha e análise de dados, discussão; escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Dr. Celestino, nº 74 – Centro - Niterói - 24020-091, Rio de Janeiro, Brasil.

** Ph.D., Enfermeira, Departamento Médico Cirúrgico (Mem), Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa - Universidade Federal Fluminense, 24020-091, Rio de Janeiro, Brasil [rosifesa@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão; escrita do artigo.

*** Msc., Enfermeira, University of Texas Health Science Center at San Antonio, 78229, Texas, Estados Unidos da América [prialfra@hotmail.com][priscillalfradique@gmail.com]. Contribuição no artigo análise de dados e discussão; escrita do artigo.

 

RESUMO

Contexto: Embora o conceito «recuperação cirúrgica retardada» apresente uma alta estimativa de ocorrência na prática de Enfermagem cirúrgica, a inespecificidade dos atributos críticos tem interferido na acurácia diagnóstica e consequente aplicação na prática clínica. Verifica-se assim a necessidade de clarificação do conceito.

Objetivo: Analisar o conceito do diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada», através do método de Walker e Avant, 2011.

Principais tópicos em análise: Foram identificados atributos críticos e apontados antecedentes e consequentes. São apresentados caso-modelo, caso-contrário e caso-ilegítimo. Deiscência da sutura, hiperemia, presença de secreção na ferida operatória, prolongamento do tempo de pós-operatório e relato de que é necessário mais tempo para recuperação mostraram-se como os principais atributos críticos para o diagnóstico.

Conclusão: A análise do conceito permitiu delimitar os atributos definidores e oferecer a base para o desenvolvimento dos casos que explicitam as circunstâncias de ocorrência do diagnóstico de «recuperação cirúrgica retardada».

Palavras-chave: diagnóstico de enfermagem; enfermagem perioperatória; formação de conceito; enfermagem.

 

ABSTRACT

Context: While the concept of “delayed surgical recovery” has a high estimated occurrence in surgical nursing practice, the lack of specificity of critical attributes has interfered with diagnostic accuracy and consequent application in clinical practice. There is thus a need for concept clarification.

Objectives: To analyse of the concept of the nursing diagnosis «delayed surgical recovery», using the method of Walker and Avant, 2011.

Main topics under analysis: Critical attributes were identified and antecedents and consequences were pointed out. Model, contrary, and illegitimate cases are presented. Suture dehiscence, hyperaemia, presence of secretion in the surgical wound, prolonged postoperative time, and reporting that more time is needed for recovery were the key critical attributes for diagnosis.

Conclusion: The concept analysis made it possible to establish the boundaries of the defining attributes and provide the basis to develop the cases that explain the circumstances surrounding the diagnosis of «delayed surgical recovery».

Keywords: nursing diagnosis; perioperative nursing; concept development; nursing.

 

RESUMEN

Contexto: Aunque el concepto de «recuperación quirúrgica tardía» presente un índice de ocurrencia elevado en la práctica de enfermería quirúrgica, la falta de especificidad de los factores críticos ha interferido en la precisión diagnóstica y en la consecuente aplicación en la práctica clínica. Por lo tanto, es la necesidad de aclarar el concepto.

Objetivos: Analizar el concepto de diagnóstico de enfermería en la «recuperación quirúrgica tardía» a través del método de Walker y Avant, 2011.

Principales temas de análisis: Se identificaron atributos críticos y se nombraron antecedentes y consecuentes. Se presentan caso-modelo, caso-contrario y caso-ilegítimo. La dehiscencia de sutura, la hiperemia, la presencia de secreción de la herida quirúrgica, la prolongación del tiempo posoperatorio y el informe de que se necesita más tiempo para la recuperación se mostraron como los atributos más importantes para el diagnóstico.

Conclusión: El análisis del concepto permitió delimitar los atributos definidores y ofrecer la base para el desarrollo de los casos que explican las circunstancias de ocurrencia del diagnóstico de la «recuperación quirúrgica tardía».

Palabras clave: diagnóstico de enfermería; enfermería perioperatoria; formación de concepto; enfermería.

 

Introdução

O diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada» foi incluído na classificação NANDA-I em 1998, contido no Domínio 11 de Segurança e Proteção. Está definido como “extensão do número de dias de pós-operatório necessários para iniciar e desempenhar atividades que mantêm a vida, a saúde e o bem-estar” (Herdman & Kamitsuru, 2014, p. 404).

A necessidade de se analisar conceitualmente um diagnóstico vem do facto de que, muitas vezes, alguns conceitos são utilizados de forma equivocada ou incompreendida pelos profissionais de Enfermagem devido a terminologia confusa ou ao modo como foram construídos (Moreira et al., 2014). Verifica-se assim a necessidade de estratégias que ajudem na sua elaboração para que sejam claramente expostos quanto à sua representação da realidade (Andrade, Fernandes, Nóbrega, Garcia, & Costa, 2012; Moreira et al., 2014). Desta forma, a análise de conceito pode ser definida como um método utilizado para especificar ou clarificar um conceito existente e tem a finalidade de delinear atributos ou características do fenómeno estudado (Walker & Avant, 2011).

Apesar de «recuperação cirúrgica retardada» ser um diagnóstico claramente esperado na prática de Enfermagem cirúrgica, associado à deteção precoce das complicações cirúrgicas, são escassos os estudos que o enfocam. Após pesquisa na literatura, verificou-se a dificuldade dos enfermeiros na identificação deste diagnóstico na prática clínica, bem como das suas características definidoras e fatores relacionados (Lopes, Moura, Raso, Vedovato, & Ribeiro, 2013; Pivoto, Lunardi Filho, Santos, Almeida, & Silveira, 2010; Silva, Viana, & Volpato, 2008).

Porém, num estudo de Santana, Amaral, Pereira, Delphino, e Cassiano (2014), encontraram-se estimativas sobre a ocorrência do diagnóstico de «recuperação cirúrgica retardada». Mediante a amostra de 72 indivíduos, entre eles adultos e idosos cirúrgicos, o diagnóstico teve uma prevalência de 36,67%, havendo aumento relativo da taxa do diagnóstico nos idosos (77,1%) em comparação à dos adultos (75,7%).

Estes dados evidenciam a importância da utilização deste diagnóstico na prática clínica e a necessidade de clarificação da ocorrência do diagnóstico. Além disso, poderá auxiliar na deteção precoce e prevenção dos achados clínicos do diagnóstico em estudo e permitir o emprego adequado do diagnóstico de Enfermagem na prática clínica.

Para oferecer uma assistência qualificada, direcionada às necessidades do paciente cirúrgico, é necessário que os profissionais de Enfermagem identifiquem corretamente os diagnósticos de Enfermagem desta área (Moreira et al., 2014). A identificação acurada e precisa do diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada» é uma ferramenta essencial para promover orientação adequada acerca da recuperação plena, realização correta do curativo cirúrgico, prevenção de infeção, alimentação adequada e retomada das atividades rotineiras. Por conseguinte, haverá contribuição para redução das complicações pós-operatórias (Meeker & Rothrock, 2011).

Diante do exposto, tem-se como objetivo analisar o conceito do diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada».

 

Desenvolvimento

Realizou-se a análise do conceito do diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada». Em função da clara aplicabilidade teórico-prática para os diagnósticos de Enfermagem (Guedes & Lopes, 2010), optou-se pelo modelo proposto por Walker e Avant (2011). Esse modelo é constituído por oito passos: 1º - seleção do conceito; 2º - seleção dos objetivos da análise conceitual; 3º - identificação dos possíveis usos do conceito; 4º - determinação dos atributos definidores (elementos diagnósticos diferenciais do fenómeno); 5º - desenvolvimento de casos-modelos; 6º - desenvolvimento de outros casos; 7º - identificação de antecedentes e consequentes; e 8º - definição de referências empíricas.

Após a seleção do conceito a ser analisado, estabeleceu-se o objetivo da análise: determinar os atributos críticos e definições operacionais do conceito «recuperação cirúrgica retardada». Na terceira fase do estudo, para obter estudos referentes ao tema, foi realizada uma revisão integrativa da literatura. A pesquisa foi realizada nas bases de dados MEDLINE via PubMed, LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), BDENF (Banco de dados de Enfermagem) e CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), no período de janeiro a fevereiro de 2012, utilizando os descritores: «diagnóstico de Enfermagem», «Enfermagem perioperatória» e «cuidados pós-operatórios», tanto em português quanto em inglês e associados entre si. Foram incluídos artigos disponibilizados na íntegra em inglês, português e espanhol. De um total de 222 artigos encontrados, foram recuperados na íntegra um total de 92 artigos. Destes, retiraram-se 54 repetidos, restando 38 artigos selecionados. Após a leitura completa destes 38 artigos, selecionaram-se nove estudos que faziam referência ao diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada».

Realizou-se a leitura aprofundada dos artigos, sendo identificadas e organizadas, em instrumento próprio. As definições operacionais para cada característica definidora e cada fator relacionado com o diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada», bem como dos atributos encontrados na literatura mas que não constavam a priori na classificação.

As fases posteriores de determinação dos atributos definidores, desenvolvimento de casos-modelos, desenvolvimento de outros casos, identificação de antecedentes e consequentes e definição de referências empíricas serão posteriormente descritas para melhor compreensão. Pesquisou-se a definição de cada atributo para aprofundar a análise dos mesmos. As definições pouco delimitadas na revisão foram complementadas em dicionários e/ou em literatura básica da área de Enfermagem cirúrgica.

Os resultados do estudo foram apresentados por meio de categorias temáticas advindas das fases de análise conceitual. Como este estudo não envolveu investigação com seres humanos, não foi necessário o encaminhamento à Comissão de Ética em investigação.

Uso do conceito

Com a revisão integrativa da literatura, identificou-se a escassez de utilização do conceito «recuperação cirúrgica retardada» na área da Enfermagem. Comummente, encontram-se enfermeiros que identificam no paciente integridade da pele prejudicada, mobilidade física prejudicada, dor aguda, prolongamento dos dias de internamento (Pivoto et al., 2010; Silva et al., 2008). Contudo, na literatura, são escassos os relatos referentes especificamente ao diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada» (Appoloni, Herdman, Napoleão, Carvalho, & Hortense, 2013; Santana et al., 2014). Tal não quer dizer que este fenómeno não ocorra na prática clínica. Porém, definido principalmente como complicações pós-operatórias e com uma concentração de estudos na área médica, no cuidado com deiscências, na prevenção de infeções pós-operatórias, na prevenção de complicações respiratórias, entre outras (Feijó, Cruz, & Lima, 2008; Lenardt, Melo, Betiolli, Seima, & Michel, 2010; Meeker & Rothrock, 2011).

Com base na literatura científica, observa-se que a definição de «recuperação cirúrgica retardada» está ligada a uma ideia central, que pode ser definida pelo aumento do número de dias de pós-operatório, dificuldade para o autocuidado e demora na cicatrização da ferida, permitindo a discussão do conceito para a prática clínica (Feijó et al., 2008; Pivoto et al., 2010; Silva et al., 2008).

Atributos definidores

Os atributos definidores, também chamados atributos críticos, são características que atuam como elementos para diagnósticos diferenciais, isto é, para discriminar o que é uma expressão do conceito do que não o é. São os elementos constituintes do conceito que o definem teórica e operacionalmente. O conjunto de atributos é o que torna possível a identificação de situações do mesmo (Walker & Avant, 2011). Esses são descritos na Tabela 1.

Adiar o retorno às atividades de trabalho e emprego é decorrente de um processo de recuperação atrasado, retardando as atividades habituais de vida e de trabalho (Meeker & Rothrock, 2011), decorrente da não recuperação plena.

A dificuldade para movimentar-se pode ocorrer durante a recuperação cirúrgica e caracteriza-se pela restrição no movimento físico, devido à própria sensação de dor comum neste período, às condições ortopédicas e/ou presença de drenos que restringem a movimentação do corpo (Pivoto et al., 2010; Silva et al., 2008).

Frequentemente o utente necessita de ajuda para completar o autocuidado, já que se sabe que os procedimentos cirúrgicos geralmente provocam alteração na satisfação do autocuidado devido à dor e fadiga, com dificuldade para o banho/higiene, vestir-se e alimentar-se (Silva et al., 2008).

A dificuldade para o autocuidado, bem como o adiamento das atividades de trabalho e emprego, relacionam-se com a não recuperação plena e por isso consideram-se características definidoras (Meeker & Rothrock, 2011; Pivoto et al., 2010; Silva et al., 2008).

Para perceção de que é necessário mais tempo para recuperação, sugere-se a reformulação para relato de que é necessário mais tempo para recuperação. Este atributo refere-se à perceção que o paciente tem da sua recuperação (Lopes et al., 2013). Este pode relatar que ainda não se sente totalmente recuperado e que necessita de mais alguns dias para a recuperação plena. A reformulação do atributo julgou-se importante para que não houvesse confusão com o fator relacionado com as expetativas pós-operatórias. Além disso, deixa claro que se trata das considerações do paciente sobre a sua recuperação.

Quanto à evidência de interrupção na cicatrização da área cirúrgica, os autores definem como algo inesperado, que acontece após um procedimento cirúrgico. Apontam a deiscência da sutura como uma complicação comum da ferida operatória (Appoloni et al., 2013; Feijó et al., 2008; Lenardt et al., 2010; Meeker & Rothrock, 2011). A deiscência da sutura é uma grande preocupação por se tratar de um evento que leva a uma recuperação prolongada (Feijó et al., 2008; Lenardt et al., 2010).

Pode-se inferir também que a vermelhidão local, edema e secreção amarelada também estão frequentemente associados ao diagnóstico. Ou seja, se a ferida operatória apresenta um dos sinais supracitados, pode-se afirmar que o indivíduo apresenta a sua «recuperação cirúrgica retardada».

Considera-se a evidência de interrupção na cicatrização um termo genérico que pode comprometer o enfermeiro a não aplicar o diagnóstico pela sua não compreensão. Sugere-se assim a complementação deste termo por evidências específicas como edema na ferida cirúrgica, hiperemia na ferida operatória, presença de secreção na ferida operatória e deiscência da sutura, observáveis quando há interrupção na cicatrização.

De acordo com os resultados observados nos artigos verificou-se que fadiga e relato de dor podem ser considerados mais diagnósticos reais do que características definidoras em si (Lasaponari et al., 2013; Lenardt et al., 2010; Lopes et al., 2013; Pivoto et al., 2010). Ou seja, se o paciente apresenta fadiga durante a sua recuperação não significa necessariamente que tem «recuperação cirúrgica retardada», pois pode estar relacionada com a patologia de base, comummente oncológica ou cardíaca, apresentando assim o diagnóstico de fadiga segundo a NANDA-I (Herdman & Kamitsuru, 2014).

O relato de dor pode ser um diagnóstico real (dor aguda) caso ocorra no início do pós-operatório, o que é expectável na maioria das cirurgias (Miranda, Silva, Caetano, Souza, & Almeida, 2011). Caso a dor persista, o paciente poderá apresentar o diagnóstico de dor crónica ou dor aguda persistente. Neste caso, essa dor constante pode ser um fator que contribui para o desenvolvimento de «recuperação cirúrgica retardada».

Caso modelo

Esta etapa visa ilustrar o conceito através de um exemplo que contenha os seus atributos definidores. O caso deve representar um caso padrão, com o conceito e atributos essenciais (Walker & Avant, 2011). O propósito desta etapa é proporcionar uma demonstração prática do conceito, num contexto relevante.

Como modelo para «recuperação cirúrgica retardada» elaborou-se o seguinte caso: M.J.L., 67 anos, sexo masculino, em D15 de pós-operatório de reconstrução do trato intestinal. Obesidade (IMC=35,27) e Diabetes mellitus há 25 anos, afirma necessitar de mais tempo para recuperação e preocupação com trabalho, pois não se sente totalmente restabelecido, com relato de dor e desconforto na ferida operatória abdominal, que se apresenta extensa, edemaciada, ruborizada, com exsudado seroso em média quantidade e deiscência no seu terço inferior.

Casos adicionais

Para auxiliar na decisão quanto aos atributos realmente importantes para o conceito, são citados outros casos. Todos esses casos não são exemplos legítimos do conceito (Walker & Avant, 2011). São eles, segundo as autoras: casos relacionados (ilustram atributos além dos essenciais em foco), casos-contrários (são casos contrários ao caso modelo, exemplificando situações onde o conceito não está presente), casos ilegítimos (situação que não preenche os princípios estabelecidos para o conceito, sendo situações falsas, onde o conceito na verdade não está presente), casos-limítrofes (ilustra a dificuldade em afirmar elementos essenciais do caso modelo) e casos inventados (ilustrativo apenas da consistência dos atributos frente ao conceito). Como exemplo de casos adicionais será apresentado um caso-contrário e outro ilegítimo.

Caso-contrário:

B.F.S., 20 anos, sexo feminino, sem comorbidades, em D2 de pós-operatório de tireoidectomia total, apresenta incisão cirúrgica de aproximadamente 6 cm na região anterior do pescoço, com cicatrização de primeira intenção e sem sinais de infeção, exsudado, edema ou vermelhidão, com provável alta para amanhã.

O caso contrário apresentado sugere que a paciente não apresenta atraso na sua recuperação cirúrgica (Walker & Avant, 2011).

Caso Ilegítimo:

V.N.F, 49 anos, em D17 de internamento, com diagnóstico médico de cancro de bexiga metastásica para quadril D, refere dor 9, segundo Escala Visual Analógica (EVA) há mais de oito meses. Realizou procedimento cirúrgico de confeção de cistostomia, cicatrizado e funcionante com urina límpida. Aguardando esquema de controle da dor.

O caso ilegítimo demonstra que apesar do paciente apresentar prolongamento do tempo de internamento, não possui o diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada». Os diagnósticos de Enfermagem dor crónica e risco de infeção, são justificados pelo facto de não possuir nenhum outro atributo definidor crítico que indique complicação pós-operatória.

Antecedentes e consequentes

Os antecedentes são situações, eventos ou fenómenos que precedem o conceito de interesse, enquanto os consequentes correspondem ao que aconteceu como consequência, observados como resultados do conceito (Walker & Avant, 2011). Ou seja, os antecedentes podem preceder e/ou contribuir para retardo na cicatrização da ferida operatória e consequentemente prolongamento no tempo de recuperação cirúrgica do paciente, estes apresentados na Tabela 2.

Como parte dos fatores relacionados (antecendentes), dor apresentou-se como um dos mais pertinentes, podendo levar a complicações pós-operatórias que podem prolongar o internamento. Logo, o alívio da dor reduz essas complicações (Lasaponari et al., 2013; Lenardt et al., 2010; Miranda et al., 2011; Pivoto et al., 2010; Silva et al., 2008). Dor no pós-operatório é um dos principais fatores que contribuem para a demora na alta hospitalar e o retorno ao hospital após a alta hospitalar (Pivoto et al., 2010), por isso considera-se fator relacionado.

Infecção pós-operatória no local da incisão pode ocorrer devido a diversos fatores, como: tipo de ferida, saúde do paciente, falta de comunicação com o paciente, não conferência do prazo de validade dos materiais, falta de respeito pela sequência lógica de desenvolvimento do curativo e aos princípios de assépsia. Tais fatores podem elevar os riscos para infeção, comprometendo o processo de cicatrização e de recuperação da integridade da pele do paciente, exigindo maior permanência no hospital (Appoloni et al., 2013; Feijó et al., 2008; Meeker & Rothrock, 2011; Pivoto et al., 2010; Silva et al., 2008).

Obesidade, apesar de ser encontrada apenas num artigo, é considerada como um fator de risco devido à baixa irrigação do local do tecido adiposo. Logo, fluxo sanguíneo diminuído pode ocasionar demora na cicatrização (Côrtes, 2013).

Da mesma forma, expectativa pós-operatória, segundo autores (Lopes et al., 2013; Pivoto et al., 2010), corresponde aos sentimentos apresentados que podem contribuir para o atraso de sua recuperação (ansiedade, medo, preocupação, mudança de autoestima). Por isso sugere-se o uso de sentimentos pós-operatórios para clareza da sua definição. Ressalta-se que stresse, ansiedade e medo causam liberação de catecolaminas, que podem levar ao aumento de cortisol e consequente esgotamento muscular e proteico, prolongando o tempo de cicatrização da ferida cirúrgica (Lopes et al., 2013).

A idade avançada também pode contribuir para o atraso na recuperação devido às alterações fisiológicas decorrentes do envelhecimento, assim como as doenças crónicas (Côrtes, 2013; Meeker & Rothrock, 2011). A Diabetes mellitus foi o mais citado pela literatura, pela possibilidade de complicações vasculares e neuropáticas e aos efeitos inibitórios nos mecanismos de defesa, o que pode levar a alterações na fisiopatologia da cicatrização (Côrtes, 2013; Meeker & Rothrock, 2011). A deficiência nutricional, presença de edema e uso de corticóides, também podem diminuir a imunidade e agir como obstáculo à angiogénese (Côrtes, 2013; Lenardt et al., 2010; Meeker & Rothrock, 2011).

Da mesma forma, náuseas e vómitos trazem consequências como a demora do retorno às funções normais. Além disso, os pacientes que não apresentam melhora dos sintomas relacionados, podem ter alta hospitalar adiada, bem como a necessidade de internamento após procedimentos ambulatoriais.

Na montagem diagnóstica, os atributos críticos vão constituir as características definidoras, assim como os antecedentes vão constituir os fatores relacionados. No modelo proposto, os consequentes, tidos como resultados esperados, normalmente não são utilizados na montagem diagnóstica. Porém, eles são de grande ajuda para direcionamento da pesquisa (Walker & Avant, 2011), apresentando correlações com estudos de resultados de Enfermagem (Johnson, Maas, & Moorhead, 2004). Tais fenómenos são relevantes para o diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada». Na Tabela 3 são apresentados os principais consequentes identificados de acordo com a análise conceitual.

Referências empíricas

A última fase busca identificar referências empíricas para os atributos definidores, categorias de fenómenos observáveis que demonstram a ocorrência do conceito (Walker & Avant, 2011). São encontrados na literatura alguns instrumentos existentes para medir o fenómeno de «recuperação cirúrgica retardada», como por exemplo, a escala de avaliação da recuperação cirúrgica pós-alta (Berg, Idvall, Nilsson, Årestedt, & Unosson, 2010) e também o questionário de auto relato do paciente para medir a recuperação pós-operatória (Allvin, Ehnfors, Rawal, Svensson, & Idvall, 2009), bastante disseminados.

Adicionalmente, existem outras referências aplicáveis, tais como: escalas de avaliação e exames laboratoriais que podem auxiliar a identificação dos atributos definidores do diagnóstico, como por exemplo, a Leucometria para avaliar presença de infeção (Meeker & Rothrock, 2011); a escala visual analógica (EVA) para avaliação da dor (Miranda et al., 2011); a Escala de Lawton e Brody (Lenardt et al., 2010) para avaliação da autonomia do idoso para as atividades instrumentais de vida diária; entre outros.

Proposta diagnóstica

De acordo com a análise conceitual, as condições da ferida operatória são de extrema importância para identificação do diagnóstico de Enfermagem «recuperação cirúrgica retardada». Evidencia-se que o conceito de «recuperação cirúrgica retardada» pode estar ligado à ideia central do aumento do número de dias de pós-operatórios, dificuldade para autocuidado e demora na cicatrização da ferida.

Propôs-se uma nova definição para o diagnóstico, que facilite a sua identificação na prática clínica: Extensão do número de dias de pós-operatório necessários para completar a cicatrização da ferida e iniciar e desempenhar atividades que mantêm a vida, a saúde e o bem-estar ao invés de apenas extensão do número de dias de pós-operatórios necessários para iniciar e desempenhar atividades que mantêm a vida, a saúde e o bem-estar. De acordo com a análise conceitual, não houve necessidade de alteração no título do diagnóstico.

Alguns pesquisadores citaram fatores que poderiam influenciar a cicatrização da ferida operatória, porém não estão discriminados na classificação da NANDA-I como Fatores Relacionados do diagnóstico de «recuperação cirúrgica retardada» (Côrtes, 2013; Lenardt et al., 2010; Tennant et al., 2012 ). Sendo assim, foram acrescentados seis fatores relacionados: idade avançada, diabetes mellitus, deficiência nutricional, edema, uso de corticóides, e náusea e vómitos (Tabela 4).

 

Conclusão

A análise conceitual realizada apresentou limitações que se refere à escassez deste conceito claramente disposto na literatura. Contraditoriamente, observou-se uma literatura extensa voltada para as complicações pós-operatórias, porém utilizando a linguagem médica como foco principal.

Os atributos do diagnóstico, que são as características definidoras (prolongamento no tempo de pós-operatório, relato de que é necessário mais tempo para recuperação, deiscência da ferida, hiperemia, edema e secreção na ferida) e os antecedentes, que são os fatores relacionados (dor, expectativas pós-operatórias, infeção pós-operatória no local da incisão e obesidade) do diagnóstico «recuperação cirúrgica retardada» foram destacadas com fortes evidências clínicas que colaboraram para o desenvolvimento do diagnóstico.

A relevância deste estudo está na proposição das definições operacionais para os atributos definidores, o que auxilia a compreensão do enfermeiro e consequente melhoria na assistência de Enfermagem. Além disso, os casos apresentados possibilitam uma acurada identificação do conceito na prática clínica do enfermeiro, que muitas vezes apresenta dificuldades em determinar o correto diagnóstico.

Recomenda-se desenvolvimento de estudos de validação clínica e de conteúdo em diferentes culturas e setores assistenciais para aumentar a representatividade do conceito «recuperação cirúrgica retardada».

 

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Recebido para publicação em: 05.12.14

Aceite para publicação em: 23.03.15

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