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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra dez. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV15010 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Construção do Formulário de Avaliação da Competência de Autocuidado na Pessoa com Ostomia de Ventilação

Development of a Form to Assess the Self-Care Competence of the Person with a Tracheostomy

Construcción de un Formulario de Evaluación de la Competencia del Autocuidado de la Persona con Ostomía de Ventilación

 

Sílvia Maria Moreira Queirós*; Célia Samarina Vilaça de Brito Santos**; Maria Alice Correia de Brito***; Igor Emanuel Soares Pinto****

* Msc., Enfermeira, Centro Hospitalar de S. João E.P.E., 4200-319, Porto, Portugal [silvia.queiros86@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; redação do artigo. Morada para correspondência: Rua 32, nº 900, 3º direito, 4500-319, Espinho, Portugal.

** Ph.D., Psicologia. Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [celiasantos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; redação do artigo.

*** Ph.D., Enfermagem. Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [alice@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão; redação do artigo.

**** Msc., Doutorando, Enfermagem, Universidade Católica Portuguesa, 4202-401 Porto, Portugal [isp.igor@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; discussão; redação do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação é descrito como impulsionador de uma transição saudável para a vida com uma traqueostomia. Um instrumento que permita avaliar a competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação auxilia a tomada de decisão do enfermeiro e promove a melhoria dos cuidados.

Objetivos: Construir um instrumento de avaliação da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação.

Metodologia: Estudo de investigação metodológico. A validade de conteúdo foi obtida através do julgamento de peritos, com uma metodologia de tipo focus group. A fidelidade foi avaliada através do coeficiente alpha de cronbach. O instrumento foi aplicado numa amostra com 80 participantes, cuja técnica de amostragem foi não probabilística de conveniência.

Resultados: O estudo resultou num formulário constituído por 39 indicadores, organizados em 6 domínios, com boa consistência interna (alpha=0,89) e reconhecida validade de conteúdo.

Conclusão: A versão final do formulário construído é aplicável, sendo-lhe conferido potencial para uma futura investigação da sua validade.

Palavras-chave: Autocuidado; ostomia; traqueostomia; cuidados de enfermagem

 

ABSTRACT

Background: The development of the self-care competence in the person with a tracheostomy is described as a key driver for a healthy transition to life with a tracheostomy. An instrument for assessing the self-care competence of the person with a tracheostomy contributes to nurses' decision-making and promotes the quality of care.

Objectives: To develop a tool for assessing the self-care competence of the person with a tracheostomy.

Methodology: A methodological study was conducted. Content validity was obtained through the judgment of experts, with a focus group methodology. Reliability was assessed using Cronbach's alpha coefficient. The instrument was applied to a sample of 80 participants, using a non-probability convenience sampling technique.

Results: The study resulted in a form with 39 indicators, divided into 6 areas, which showed good internal consistency (alpha = 0.89) and recognised content validity.

Conclusion: The final version of the form is applicable, and has the potential to be used in future studies on its validity.

Keywords: Self-care; ostomy; tracheostomy; nursing care

 

RESUMEN

Marco contextual: El desarrollo de la competencia del autocuidado en personas con ostomía de ventilación es un factor que fomenta una transición saludable a la vida con una traqueostomía. Un instrumento para evaluar la competencia del autocuidado en la persona con una ostomía de ventilación ayuda en la toma de decisiones a los enfermeros y promueve la mejora de la atención.

Objetivos: Desarrollar un instrumento para evaluar la competencia del autocuidado en personas con una ostomía de ventilación.

Metodología: Investigación metodológica. La validez del contenido se obtuvo a través del juicio de expertos con un grupo de enfoque. La fidelidad se evaluó mediante el coeficiente alfa de Cronbach. El instrumento se aplicó a una muestra de 80 participantes y la técnica de muestreo fue no probabilística de conveniencia.

Resultados: El estudio dio lugar a un formulario que consta de 39 indicadores, organizados en 6 áreas, que mostró buena consistencia interna (alfa = 0,89) y validez de contenido.

Conclusión: La versión final del formulario es aplicable y tiene potencial para realizar futuras investigaciones sobre su validez.

Palabras clave: Autocuidado; ostomía; traqueostomía; atención de enfermería

 

Introdução

A reconstrução da autonomia no autocuidado após uma condição de doença ou incapacidade constitui-se como um dos principais domínios do exercício profissional dos enfermeiros, cujo conhecimento base é proveniente da disciplina de enfermagem. A promoção da autonomia no autocuidado à ostomia tem sido descrita como uma das principais impulsionadoras de adaptação ao estoma (O'Connor, 2005) e, consequentemente, de uma transição saudável para a vida com uma ostomia. Avaliar a competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação é indispensável pois, por um lado, permite ao enfermeiro definir o seu plano de intervenção face às necessidades de cuidados identificadas nesse âmbito e, por outro, possibilita a monitorização da evolução da pessoa no processo de desenvolvimento de competência no autocuidado ao traqueostoma. Assim, um instrumento de avaliação da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação é uma ferramenta fundamental no auxílio à tomada de decisão do enfermeiro na conceção dos cuidados à pessoa com traqueostomia. Neste sentido, foi definido como objetivo do estudo construir um formulário de avaliação do desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação.

 

Enquadramento

A traqueotomia consiste num procedimento cirúrgico, programado ou emergente, em que é realizada uma abertura no pescoço até à traqueia, de forma a garantir a permeabilidade da via aérea (Durbin, 2010). Essa abertura, de índole provisória ou permanente, é habitualmente denominada de traqueostomia, ostomia ou estoma de ventilação. As principais causas para a sua realização são: A obstrução da via aérea superior, o acesso facilitado à via aérea inferior para aspiração de secreções e ainda a manutenção de uma via aérea estável em clientes que requerem ventilação mecânica prolongada (Durbin, 2010).

O número de traqueotomias realizadas interna­cionalmente tem aumentado (Parker et al., 2007), principalmente nos doentes internados nas unidades de cuidados intensivos, para facilitar a ventilação mecânica. A incidência crescente de cancro da cabeça e pescoço concorre igualmente para o aumento gradual do número de pessoas com traqueostomia. O cancro da cabeça e pescoço está geralmente associado a alterações anatómicas e funcionais que podem condicionar a deglutição, a fonação, a respiração e a permeabilidade da via aérea. Consequentemente, a traqueotomia é um procedimento cirúrgico frequente neste grupo de doentes. De entre os cancros da cabeça e pescoço o mais prevalente é o da laringe (Matos, Silva, & Monteiro, 2012). Segundo dados do registo oncológico em Portugal, o carcinoma da laringe constitui-se como o nono tipo de tumor maligno mais prevalente no sexo masculino, tendo uma taxa de incidência de cerca de 10,4 casos por cada 100.000 habitantes (Direção-Geral da Saúde, 2014). Segundo dados internacionais são reportados anualmente cerca de 150.000 novos casos de cancro da laringe no mundo (Matos et al., 2012). Nos estádios mais graves de cancro da laringe, a opção de tratamento passa pela laringectomia total, que consiste na remoção cirúrgica completa da laringe, com a criação de uma ostomia de ventilação definitiva, com perda absoluta da sua ligação às vias aéreas superiores (Gul & Karadag, 2010). Consequentemente, há cada vez mais pessoas a viverem com uma traqueostomia, pelo que a capacitação da pessoa para a vida com uma ostomia de ventilação é cada vez mais um importante campo de ação do enfermeiro.

Efetivamente, a realização de uma ostomia, provisória ou definitiva, visa a melhoria da condição de saúde ou da qualidade de vida da pessoa. Contudo, os desafios que a formação de um estoma acarreta podem ter um impacto significativo em vários aspetos da vida da pessoa, nomeadamente ao nível fisiológico, social, psicológico, cultural (Sousa, Santos, & Graça, 2015) e, particularmente, no seu autocuidado. De facto, a presença de uma ostomia requer um reajuste no desempenho de algumas atividades de vida diárias de autocuidado da pessoa, bem como o desenvolvimento de novas competências, especificamente no que concerne ao autocuidado à sua ostomia. Além de obter novos conhecimentos, a pessoa tem ainda de adquirir habilidades instrumentais e disposições que lhe permitam cuidar e viver com a ostomia, o que salienta o cariz multidimensional do problema.

O desenvolvimento de competência no autocuidado à ostomia, apesar de exigente e complexo, é descrito na literatura como um dos principais impulsionadores de uma transição saudável para a vida com uma ostomia. Estudos desenvolvidos concluíram que a promoção do desenvolvimento de competência para o autocuidado à ostomia se constitui como um fator preditivo significativo de adaptação ao estoma (O'Connor, 2005). Este possibilita a promoção da aceitação do estoma e o encorajamento para que a pessoa fique envolvida no seu autocuidado (Lo et al., 2011). Faculta ainda um melhor ajustamento psicológico e auxilia a pessoa a readquirir o autocontrolo e a autoeficácia, percebidos como perdidos após a cirurgia. Paralelamente está também associado a níveis mais elevados de autoconfiança e autoestima (Registered Nurses' Association of Ontario [RNAO], 2009).

O enfermeiro é o principal responsável pelo desenvolvimento da competência da pessoa para o autocuidado à sua ostomia (Lo et al., 2011). Neste sentido, avaliar a competência de autocuidado à ostomia de ventilação é indispensável pois, por um lado, permite ao enfermeiro definir o seu plano de intervenção inicial face às necessidades de cuidados identificadas e, por outro, possibilita a monitorização da evolução do seu processo de desenvolvimento dessa competência específica. Até ao momento da realização do estudo ainda não existia um instrumento que descrevesse e sistematizasse o desenvolvimento de competência para o autocuidado à ostomia de ventilação ou que permitisse avaliá-lo. Existiam já instrumentos de avaliação da autoeficácia no autocuidado à ostomia, da qualidade de vida da pessoa com ostomia de ventilação, mas ainda não existia nenhum especificamente dirigido à avaliação do desenvolvimento da competência da pessoa para o autocuidado à ostomia de ventilação.

Assim, foram várias as razões que fundamentaram a decisão sobre o objeto de estudo desta investigação. Por um lado, o número crescente de pessoas com ostomia de ventilação e a relevância da competência no autocuidado à ostomia de ventilação para a autonomia da pessoa, para a sua saúde, bem-estar e consequentemente para a sua qualidade de vida. Por outro lado, a importância da sistematização da colheita de dados relevantes sobre o autocuidado à ostomia de ventilação, para a identificação dos diagnósticos de enfermagem relativos a esse autocuidado, bem como para a avaliação da eficácia das intervenções de enfermagem implementadas. Finalmente, pela inexistência de instrumentos que permitissem avaliar, de forma estruturada e sistemática, a competência no autocuidado à ostomia de ventilação.

 

Metodologia

A investigação desenvolvida consistiu num estudo de tipo metodológico. Os estudos que englobam a construção de novos instrumentos de medida são considerados metodológicos (Fortin, 2009) e são indispensáveis para a produção de conhecimento disciplinar.

O instrumento desenvolvido foi um formulário, que se constitui como um instrumento com o mesmo formato estrutural do questionário, mas a ser preenchido pelo investigador. A opção por este tipo de instrumento de colheita de dados fundamentou- -se em dois principais motivos: Por se pretender avaliar a competência de autocuidado através do juízo clínico do enfermeiro e pelo facto do conceito de avaliação de competência remeter para uma apreciação realizada por outros, em que se compara o desempenho de alguém numa atividade específica, com os indicadores de resultado predelineados para a mesma.

O processo de construção do instrumento denominado de Formulário de Avaliação da Competência de Autocuidado na Pessoa com Ostomia de Ventilação assentou numa sequência de etapas bem definidas, conforme estabelecido por Lobiondo-Wood e Haber (2001).

Assim, iniciou-se o processo com a elaboração de uma revisão da evidência produzida até à data sobre o conceito em análise, nomeadamente a competência no autocuidado à ostomia de ventilação. Após a sua definição, o conceito de competência no autocuidado à ostomia de ventilação foi traduzido para as dimensões e respetivos indicadores/itens que o permitem mensurar. Para a elaboração dos itens do formulário foi utilizado como modelo base um formulário pré-existente desenvolvido por Gomes (2012), Silva (2012) e Cardoso (2011), e validado por Pinto (2014), que avalia o desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de eliminação intestinal. Para a sua adequação às especificidades do autocuidado à ostomia de ventilação foram analisadas as orientações da Classificação dos Resultados de Enfermagem (Moorhead, Johnson, Maas, & Swanson, 2010) sobre os indicadores de resultados referentes ao Autocuidado da Ostomia e ao Conhecimento: Cuidado da ostomia, os indicadores descritos na literatura revista e ainda a experiência da prática clínica dos investigadores. Face à natureza multidimensional da competência no autocuidado à ostomia de ventilação, os 38 indicadores criados foram organizados em seis principais dimensões/domínios, conforme estabelecido por Gomes (2012), Silva (2012) e Cardoso (2011): (A) conhecimento, (B) autovigilância, (C) interpretação, (D) tomada de decisão, (E) execução e (F) negociação e utilização de recursos de saúde.

Para a avaliação da competência no autocuidado à ostomia de ventilação, optou-se por uma pontuação ordinal única, numa escala de likert de 5 pontos, de acordo com a competência demonstrada pela pessoa. A pontuação variou entre 1 e 5, em que quanto maior a pontuação, maior a competência demonstrada. Assim, a significância das categorias avaliadas traduziu-se em 1 - não demonstra, 2, 3 ou 4 - demonstra parcialmente, 5 - demonstra totalmente, 0 - não se aplica. A atribuição de uma pontuação entre 2 e 4 variou de acordo com a avaliação do enfermeiro e estava relacionada com o número de critérios demonstrados, dentro de cada indicador dos domínios da competência.

De salientar ainda, que na primeira parte do formulário foi criado um espaço dedicado à caracterização da pessoa através de variáveis de atributo (como a idade, estado civil, habilitações literárias, profissão e situação profissional), variáveis clínicas (diagnóstico clínico, tipo de cirurgia, tipo de ostomia), variáveis de tratamento (consulta prévia de enfermagem, contacto prévio com ostomizados) e ainda outras variáveis como a existência de um cuidador informal. Com esta caracterização pretendeu-se definir um perfil da pessoa com ostomia de ventilação e do seu contexto clínico e de tratamento, enquanto fatores condicionadores do desenvolvimento da competência no autocuidado à ostomia de ventilação.

Posteriormente, para assegurar a correta aplicação do formulário por qualquer enfermeiro que o pretendesse utilizar, foi desenvolvido um manual de apoio ao preenchimento, em que foram explicados detalhadamente os critérios definidores de cada um dos indicadores de resultado dos seis domínios do conceito em análise, de forma conceptual e operacional. Assim, com a elaboração do manual pretende-se que os scores atribuídos aos itens expressem realmente as características definidoras dos indicadores de resultado a avaliar, independentemente do enfermeiro que o aplique.

Após a formulação dos itens, o instrumento criado foi avaliado por um grupo de peritos na área de conhecimento em análise, de modo a garantir a sua validade de conteúdo. Esse grupo de peritos foi constituído por docentes e por enfermeiros da prática clínica: Uma enfermeira estomaterapeuta, uma professora doutora em enfermagem com investigação na área do autocuidado, uma professora doutora em psicologia com investigação na área da oncologia e estomaterapeuta, duas enfermeiras mestres em enfermagem com investigação na área da ostomia, uma enfermeira coordenadora na área da cirurgia oncológica da cabeça e pescoço, uma enfermeira chefe da consulta de otorrinolaringologia e dois enfermeiros especialistas em reabilitação no serviço de internamento e consulta de otorrinolaringologia. A opção por este grupo de peritos prendeu-se com o facto de serem reconhecidos como detentores de maior nível de conhecimento disciplinar na área em análise. Assim, a versão inicial do formulário e respetivo manual de auxílio ao preenchimento foram enviados por correio eletrónico a todos os peritos, para que os analisassem individualmente. Posteriormente, em reunião de focus group, foi avaliado o instrumento na sua globalidade e item a item por todos os intervenientes. Nessa reunião, foram definidos os consensos do grupo para o instrumento e registadas todas as alterações sugeridas. Seguidamente, o instrumento e o manual, devidamente corrigidos com as sugestões definidas pelo grupo, foram reenviados por correio eletrónico para todos os peritos, para que pudessem ser reavaliados. Após essa nova apreciação e após a concordância generalizada, foi formalizada a versão piloto do instrumento e do manual de apoio ao preenchimento do mesmo. A metodologia utilizada para a condução e moderação do focus group foi a definida por Krueger e Casey (2009).

Por fim, o instrumento de colheita de dados foi submetido a um pré-teste num grupo de 18 pessoas com ostomia de ventilação, acompanhadas na consulta externa de otorrinolaringologia numa instituição hospitalar do norte de Portugal. Neste sentido, o formulário foi aplicado pelo investigador principal ao participante do pré-teste, sendo-lhe pedido que respondesse aos itens formulados com respostas desenvolvidas/comentadas, com observações sobre o significado que atribuía às questões, bem como ao formulário na sua globalidade e às condições da sua aplicação. Com base nestas informações foi reformulado o formulário, sendo elaborada a sua versão final.

Após a elaboração dessa versão final, o formulário foi aplicado pelo investigador principal a uma amostra da população alvo. No que concerne ao tamanho da amostra, caso se pretendesse a validação do instrumento criado esta deveria ser, no mínimo, cinco vezes o número de itens do instrumento (Bryman e Cramer, 2003), ou seja 5 x 39, o que definiria um total de 195 participantes. Contudo, com esta investigação não se objetivava a validação do instrumento construído, mas sim um estudo preliminar que permitisse perceber a aplicabilidade do instrumento criado. Assim, a amostra foi constituída por 80 participantes que cumpriam os seguintes critérios de inclusão: Ter idade igual ou superior a 18 anos, ser portador de uma ostomia de ventilação (temporária ou definitiva) e aceitar participar, de forma livre e esclarecida, no estudo. Os critérios de exclusão definidos foram: Ser totalmente dependente no autocuidado à ostomia de ventilação e não ter capacidade cognitiva que possibilitasse a aquisição da competência. Esse critério foi avaliado, quando se considerou necessário, através da aplicação da Escala Mini-mental State Examination (MMSE) validada e adaptada para a população portuguesa (Guerreiro et al., 1994).

A técnica de amostragem selecionada para a realização do estudo foi a não probabilística acidental, uma vez que os participantes foram selecionados por um critério de conveniência, neste caso particular a acessibilidade, ou seja, pelo facto de estarem presentes num determinado local e no momento certo (Fortin, 2009). Assim, por uma questão de acessibilidade, a amostra foi constituída por pessoas que satisfizeram os critérios de inclusão e que eram acompanhadas em consulta externa pós-operatória ou em regime de internamento em duas instituições hospitalares da região norte de Portugal, entre fevereiro e maio de 2014.

Para a implementação deste estudo foram satisfeitos todos os pressupostos éticos inerentes à investigação em saúde e sobre a pessoa humana. Antes da implementação do estudo foi pedida a avaliação e autorização ao conselho de administração bem como à comissão de ética em saúde das instituições hospitalares envolvidas, de forma a assegurar a sua idoneidade, a isenção de prejuízo dos participantes, bem como a devida proteção dos dados colhidos, sendo em ambos os pedidos o parecer favorável. Paralelamente à avaliação e autorização das comissões de ética em saúde, foi pedido o consentimento informado e esclarecido para a participação na investigação a todos os potenciais participantes.

 

Resultados

Do ponto de vista da validade, procedeu-se apenas à avaliação da validade de conteúdo através do julgamento de peritos. Do focus group realizado, resultaram três alterações ao formulário inicialmente desenvolvido. A primeira foi a inclusão da opção A aguardar cirurgia na pergunta de caracterização da variável clínica referente ao tempo decorrido desde a decisão terapêutica, uma vez que se pretendia que o instrumento fosse aplicado ao longo do continuum do processo de desenvolvimento de competência de autocuidado à ostomia, e que preferencialmente se deve iniciar no momento da decisão terapêutica a implementar e da consciencialização da mesma. A segunda alteração foi a divisão dos indicadores, no domínio do conhecimento, que incluíam no mesmo item a avaliação de duas atividades distintas, nomeadamente a separação de como realizar a manutenção dos dispositivos e quando realizar a manutenção dos dispositivos em dois itens de avaliação individual. Por fim, foi também decidida a inclusão de um item no domínio da execução para a avaliação da limpeza da prótese fonatória, apesar de se reconhecer que os resultados deste item se traduzem diretamente no foco da comunicação, mas que inevitavelmente está associado ao autocuidado à ostomia de ventilação.

Neste sentido, mantiveram-se as seis dimensões da competência de autocuidado à ostomia de ventilação, passando, contudo, o formulário a ser constituído por um total de 40 indicadores.

Após a implementação do pré-teste do formulário concluiu-se que todas as perguntas dos itens foram compreendidas pelos inquiridos da forma prevista pelo investigador principal, que a ordem dos indicadores era aceitável e que a lista de respostas cobria todas as possíveis. Contudo, optou-se pela eliminação de um item do domínio D) da tomada de decisão – adota estilos de vida adaptados à condição de ostomizado – por se considerar que seria inútil pois era já inerentemente avaliado no item anterior que se referia à decisão de prevenir as complicações da ostomia, pelo que duplicava a informação obtida. Assim sendo, o formulário final ficou com um total de 39 itens.

Face aos objetivos da investigação, às características do conceito em análise e do instrumento de colheita de dados desenvolvido, optou-se pela utilização da consistência interna para avaliação da sua fidelidade, através do cálculo do coeficiente alpha de cronbach.

Com a análise estatística dos resultados obtidos na implementação do estudo piloto na amostra, o formulário criado obteve um zalpha de cronbach global de 0,89, o que indica que o instrumento de medida tem uma boa consistência interna (Ribeiro, 2010). Procedeu-se ainda à avaliação do alpha dos seis domínios que o compõem, tendo-se concluído que todos apresentaram valores de confiabilidade nunca inferior ao aceitável. O valor mais baixo apresentado foi de 0,71 no domínio da negociação e utilização de recursos de saúde. De salientar ainda que o domínio do conhecimento e da execução obtiveram um alpha de cronbach superior a 0,90, o que indica muito boa consistência interna. Os valores de alpha de cronbach do instrumento e dos seus domínios foram sintetizados na Tabela 1.

 

 

Posteriormente, procedeu-se à avaliação pormenorizada de cada um dos itens do instrumento. Com esta análise pretendeu-se perceber se os coeficientes alpha dos domínios poderiam ser melhorados com a eliminação de algum item que apresentasse uma correlação mais fraca.

Os domínios do conhecimento (A), interpretação (C) e execução (E) aparentemente não beneficiariam com a eliminação de nenhum item, pois não se traduziria numa melhoria significativa no valor do alpha. No que concerne ao domínio da autovigilância (B), concluiu-se que o item nº14 aparentou ser frágil, pois a sua eliminação traduzir-se-ia num aumento do alpha de cronbach de 0,79 para 0,84, o que seria significativo. No domínio da tomada de decisão (D) apenas a eliminação do item nº 25 significaria uma melhoria do alpha de cronbach, de 0,88 para 0,92. Por fim, relativo ao domínio da negociação e utilização de recursos de saúde (F), este também aparentou lucrar com a eliminação do item nº39, o mais frágil, pois esta eliminação significaria um aumento do alpha do domínio para 0,78.

Paralelamente, foi possível perceber que existiram itens com uma correlação corrigida com o total inferior a 0,20, nomeadamente os itens 1 e 2 do domínio do conhecimento (A) e ainda o item nº14 do domínio da autovigilância (B). Contudo, dada a relevância conceptual dos referidos itens para o constructo que se pretendia avaliar foi decidida a sua manutenção no formulário.

Os resultados obtidos podem ser consultados na Tabela 2.

Assim sendo, o item 1 e 2 do domínio do conhecimento, o item 14 do domínio da autovigilância, o item 25 da tomada de decisão e o item 39 do domínio da negociação, deverão ser reavaliados numa investigação futura com uma amostra mais significativa para perceber se de facto seria benéfica a sua eliminação. Neste caso, não se procedeu à sua eliminação, pois ainda assim a consistência interna dos domínios foi razoável, não se constituiu como objetivo desta investigação a validação do formulário e se considerou pertinente a sua inclusão perante o conceito que se pretende medir.

 

Discussão

Apesar de não se ter procedido à validação do formulário, este demonstrou ser fidedigno, pois apresentou uma boa consistência interna obtida com um alpha de cronbach global de 0,89. A avaliação do alpha dos seis domínios que compõem o instrumento demonstrou igualmente valores de confiabilidade nunca inferior ao aceitável, ou seja superior a 0,60. Segundo Fortin (2009), quanto maior a correlação entre os enunciados, maior a consistência interna do instrumento, dado que o mesmo avalia um só conceito. Ou seja, quanto mais próximo de um for o valor de alpha, mais consistentes são os itens do instrumento, o que denota que o instrumento mediu de forma sustentada o construto em análise.

Face à inexistência de estudos prévios em que tenham sido utilizados instrumentos de avaliação da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação, decidiu-se comparar os resultados dos alphas de cronbach obtidos nesta investigação com os resultados apresentados nos estudos desenvolvidos por Cardoso (2011), Gomes (2012) e Pinto (2014) sobre a competência de autocuidado na pessoa com ostomia de eliminação intestinal. Como foi anteriormente referido, estes autores criaram e validaram um instrumento de avaliação com a mesma sistematização dos domínios da competência de autocuidado à ostomia e que foi precursor ao apresentado neste estudo. Dessa análise comparativa foi possível perceber que os resultados obtidos nesta investigação se assemelham aos apresentados por Cardoso (2011), Gomes (2012) e Pinto (2014), pois os alphas de cronbach globais também foram superiores a 0,80, o que lhes conferiu uma boa consistência interna. No que concerne ao alpha dos diferentes domínios, estes autores também apresentaram valores nunca inferiores ao aceitável. De referir também que no estudo de Cardoso (2011), os domínios que obtiveram maior e menor coeficiente de alpha de cronbach foram os mesmos que no presente estudo, ou seja, o domínio do conhecimento e o da negociação e utilização de recursos, respetivamente.

De salientar ainda que do ponto de vista da fidelidade, não foi possível proceder à avaliação da estabilidade pois este tipo de testes de avaliação aplica-se a instrumentos cujos constructos avaliados são estáveis no tempo (Fortin, 2009). No caso do constructo em análise, que é potencialmente mutável com o tempo, não se adequa esse tipo de apreciação.

No que concerne à avaliação da equivalência, que consiste no grau de correlação entre duas versões ou formatos correspondentes de um instrumento (Fortin, 2009), este não foi realizado dada às características do constructo e do instrumento desenvolvido.

Com a elaboração dos consensos do grupo de peritos e consequente reformulação do formulário com base nos resultados concordantes dos avaliadores detentores de conhecimento especializado, foi possível garantir a pertinência de cada enunciado e a sua representatividade no conceito a medir. Ou seja, foi possível assumir que as diferentes dimensões e respetivos itens do instrumento traduzem o conceito que se pretende medir (Fortin, 2009).

Neste sentido, o instrumento construído revelou-se útil por sintetizar e sistematizar toda a informação relevante para a avaliação da competência de autocuidado na ostomia de ventilação, constituindo-se assim como o primeiro instrumento de apoio à tomada de decisão do enfermeiro neste âmbito. Ao mesmo tempo permitiu quantificar e qualificar os diferentes níveis de competência de autocuidado na ostomia de ventilação passíveis de serem demonstrados nos seus diferentes domínios, assegurando assim que o instrumento possa ser aplicado ao longo de todo o processo de desenvolvimento da competência. Por outro lado, a operacionalização dos itens no formulário com a escala de likert para avaliação da competência nos diferentes domínios do autocuidado na ostomia de ventilação permitiu facilitar a partilha de informação entre os enfermeiros e a continuidade dos cuidados de enfermagem, na medida em que contribuiu para a uniformização dos cuidados, dos critérios de avaliação da competência e consequentemente para a qualidade dos cuidados prestados.

No que concerne às limitações do estudo, salienta-se a necessidade de análises estatísticas mais completas que possibilitem a avaliação das propriedades clinimétricas e psicométricas do formulário, conferindo assim validade, fidelidade e aplicabilidade clínica ao instrumento criado.

Por outro lado evidencia-se o facto de os dados terem sido colhidos exclusivamente por um único investigador, o que inviabilizou a avaliação da harmonia entre juízes, que neste caso será indispensável para a mensuração do erro externo pelos diferentes enfermeiros que apliquem o formulário.

Por fim salienta-se a importância do instrumento ser aplicado a uma amostra representativa e mais significativa da população alvo, que possibilite não somente a sua validação mas também a generalização dos resultados.

 

Conclusão

Com a elaboração deste estudo, foi evidenciada a importância da avaliação da competência no autocuidado na ostomia de ventilação, enquanto ferramenta útil para a monitorização do curso da transição para a vida com uma traqueostomia. O instrumento de recolha de dados elaborado contribuiu com o conteúdo relativo à competência de autocuidado na ostomia de ventilação, ao identificar e sistematizar as dimensões da competência de autocuidado e os respetivos indicadores de resultado para cada uma delas.

Esta investigação permitiu ainda reforçar a convicção de que na avaliação da competência de autocuidado na ostomia de ventilação nos seus diferentes domínios é expectável que os enfermeiros assumam a responsabilidade de garantir rigor no diagnóstico das necessidades em cuidados de enfermagem. Neste sentido, os instrumentos desenvolvidos para o apoio à tomada de decisão dos enfermeiros, como o construído nesta investigação, revelam-se cruciais para a melhoria da uniformização de critérios diagnósticos e de avaliação, para a qualidade e continuidade dos cuidados prestados.

Para finalizar, importa salientar o contributo da investigação em Enfermagem, como a apresentada, para a produção de conhecimento disciplinar que justifique e fundamente as opções terapêuticas face às necessidades de cuidados de enfermagem identificadas, de forma a aumentar o bem-estar, saúde e qualidade de vida dos clientes. Assim, seriam benéficas investigações futuras, que conduzissem à validação deste formulário, de forma a conferir maior disponibilidade, rigor e segurança ao instrumento de auxílio à tomada de decisão dos enfermeiros.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em: 02.03.15

Aceite para publicação em: 21.07.15

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