Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra dez. 2015
https://doi.org/10.12707/RIV14085
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Promover um Estado Disposicional Positivo: Um Movimento Adaptativo Essencial em Adolescentes com Doença Onco-Hematológica
Promoting a Positive Affect: An Essential Adaptive Movement in Adolescents with Onco-haematologic Disease
Promover un Estado Disposicional Positivo: Un Movimiento Adaptativo Esencial en Adolescentes con Enfermedad Onco-Hematológica
Manuel Gonçalves Henriques Gameiro*; Manuel José Lopes**
* Msc., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mgameiro@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: Realização da investigação; análise de dados; pesquisa bibliográfica; redação do artigo. Morada para correspondência: Bairro Central, n.º 3, Espírito Santo das Touregas, 3001-091, Coimbra, Portugal.
** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de São João de Deus, Universidade de Évora, 7000-811, Évora, Portugal. Contribuição no artigo: Orientação da investigação; orientação da análise de dados; revisão e redação do artigo.
RESUMO
Enquadramento: Alguns autores sugerem a importância de construtos positivos na adaptação dos adolescentes com cancro. Contudo, esta componente é pouco desenvolvida na literatura empírica.
Objetivos: Fazer uma descrição compreensiva das condições e das estratégias utilizadas pelos adolescentes com doença onco-hematológica para promoverem um estado disposicional positivo, no quadro de um modelo de transição adaptativa.
Metodologia: Seguiu-se uma metodologia qualitativa, especificamente a Grounded Theory. Os dados referem-se às experiências de 23 adolescentes com leucemia ou linfoma.
Resultados: Emergiu uma teoria substantiva, na qual 3 movimentos adaptativos se organizam de forma complementar e interativa. Nos esforços para promover e manter uma disposição positiva, estratégias específicas, no sentido hedónico e eudaimónico, combinam-se com a ativação dos recursos de suporte afetivo relacional e com as estratégias gerais de enfrentamento da situação de doença.
Conclusão: Promover um estado disposicional positivo é fundamental para a adaptação dos adolescentes com cancro, devendo ser valorizado pelos profissionais e familiares.
Palavras-chave: Adolescentes; leucemia; linfoma; cancro; adaptação
ABSTRACT
Theoretical framework: Some authors suggest the importance of positive constructs in the adaptation of adolescents with cancer. However, this component is understudied in the empirical literature.
Objectives: To make a comprehensive description of the conditions and strategies used by adolescents with oncohaematologic disease to promote a positive affect within the scope of an adaptive transition model.
Methodology: A qualitative methodology, namely Grounded Theory, was used. Data refer to the experiences of 23 adolescents with leukaemia or lymphoma.
Results: A substantive theory emerged, in which 3 adaptive movements are organised in a complementary and interactive way. In the efforts to promote and maintain a positive affect, specific strategies, from a hedonic and eudemonic perspective, are combined with the activation of affective relational resources and with the general strategies for coping with the illness.
Conclusion: Promoting a positive affect is essential for the adaptation of adolescents with cancer, and should be valued by professionals and family members.
Keywords: Adolescents; leukemia; lymphoma; cancer; adaptation
RESUMEN
Marco contextual: Algunos autores sugieren la importancia de las construcciones positivas en la adaptación de los adolescentes con cáncer. Sin embargo, este componente está poco desarrollado en la literatura empírica.
Objetivos: Realizar una descripción comprensiva de las condiciones y las estrategias utilizadas por los adolescentes con enfermedad onco-hematológica para que promuevan un estado de disposición positivo en el contexto de un modelo de transición adaptativa.
Metodología: Se siguió una metodología cualitativa, concretamente, el muestreo teórico. Los datos se refieren a las experiencias de 23 adolescentes con leucemia o linfoma.
Resultados: Surgió una teoría sustantiva, en la que 3 movimientos adaptativos se organizan de manera complementaria e interactiva. En los esfuerzos para promover y mantener una disposición positiva, las estrategias específicas, en el sentido hedónico y eudaimónico, se combinan con la activación de los recursos de apoyo afectivo relacional y con las estrategias generales de afrontar la situación de enfermedad.
Conclusión: Promover un estado de disposición positivo es esencial para que los adolescentes con cáncer se adapten, y debe ser valorado por los profesionales y los miembros de la familia.
Palabras clave: Adolescentes; leucemia; linfoma; cáncer; adaptación
Introdução
Os resultados de investigação são consistentes quanto às capacidades de enfrentamento e resiliência dos adolescentes com cancro. Todavia, os modelos clássicos de coping, de adaptação e de ajustamento parecem ser insuficientes para compreender as experiências e os processos adaptativos, considerados de forma integrada e desprendida de modelos predeterminados que, de algum modo, condicionam a recolha, a análise e a interpretação dos dados (Gameiro, 2012).
Este artigo centra-se nos esforços dos adolescentes com doença onco-hematológica para promoverem e manterem um estado disposicional positivo, como um movimento adaptativo essencial. Incide sobre parte dos resultados de um estudo de investigação qualitativa (Grounded Theory) realizado no âmbito do Doutoramento em Enfermagem com o título: Experiências e processos de transição adaptativa dos adolescentes com doença onco-hematológica durante o tratamento.
Partimos para este estudo sobretudo com curiosidade científica e com dúvidas que derivavam da nossa experiência com estes doentes e seus familiares mais próximos e da falta de esclarecimento satisfatório em que redundou uma revisão da literatura (Gameiro, 2012), o que justifica a opção pela abordagem qualitativa, tendo mais em vista a descoberta do que a verificação. A atualização dessa pesquisa, em bases de dados de referência, entre as quais a CINAHL e a MEDLINE, pouco mais acrescentou de novidade teórica ou empírica.
O movimento adaptativo Esforços para promover e manter um estado disposicional positivo foi descoberto no trabalho de comparação constante inerente ao método de análise dos dados da Grounded Theory.
O objetivo deste artigo é fazer uma descrição compreensiva das condições e das estratégias utilizadas pelos adolescentes com doença onco-hematológica para promoverem um estado disposicional positivo, no quadro de um modelo de transição adaptativa enraizado nos dados.
Enquadramento
Na literatura, destacam-se alguns estudos que abordam a importância de construtos positivos nos processos adaptativos dos adolescentes com cancro, especificamente: o otimismo (Mannix, Feldman, &a Moody, 2009; Sulkers et al., 2013), a satisfação com vida (Enskär & Essen, 2007), a felicidade (Bitsko, Stern, Dillon, Russell, & Laver, 2008), uma atitude de vida positiva (Kingäs et al., 2001) e a esperança (Hinds, 2004; Juvakka & Kylmä, 2009). Contudo, esta componente adaptativa é pouco integrada e desenvolvida na bibliografia relacionada com processos de coping, ajustamento e transição de pessoas em situações de elevado stresse, como é o caso de uma doença oncológica e dos respetivos tratamentos, atribuindo-se maior centralidade aos processos reativos para lidar com as emoções negativas (Greenglass & Fiksenbaum, 2009; Khosla, 2006).
Também é escassa a literatura que relaciona um estado disposicional positivo (positive affect) com o enfrentamento de situações de stresse. Entre essa literatura, podemos, ainda assim, referir estudos que fazem essa relação com o stresse de um modo geral (Folkman, 2008; Khosla, 2006), especificamente com o coping pró-ativo (Greenglass & Fiksenbaum, 2009) ou com a resiliência (Tugade & Fredrickson, 2007).
Questão de Investigação
Como se caracterizam os movimentos e processos adaptativos dos adolescentes com doença onco-hematológica durante o tratamento?
Metodologia
Optámos por uma metodologia de investigação qualitativa, especificamente a abordagem da Grounded Theory, próxima da perspetiva de Corbin e Strauss (2008).
Amostragem
A amostra foi constituída por 27 testemunhos acerca das experiências de 23 adolescentes (12-19 anos) com leucemias ou linfomas durante a fase de tratamento. Iniciou-se com a recolha de seis testemunhos de adolescentes com doença onco-hematológica postados em sites da internet de instituições de apoio a doentes com cancro (TEST. INT.), que serviram, numa primeira fase, para aumentar a sensibilidade do investigador relativo ao fenómeno em estudo. Seguiu-se, por amostragem propositada, a realização de seis Entrevistas Narrativas (EN) a doentes na fase de manutenção ou já fora do tratamento (máximo 1 ano). Depois da análise destas entrevistas e dos testemunhos obtidos da internet, prosseguimos sequencialmente com a colheita de dados por amostragem teórica, realizando três Entrevistas a adolescentes Focadas na Fase Diagnóstica e do início do tratamento (EFFD) e sete Entrevistas Focadas em Situações Críticas ao longo do tratamento (EFSCs), sendo, destas, três realizadas com os pais e uma em conjunto com a adolescente e a mãe. Foram ainda obtidas três Entrevistas Circunstanciais (ECs) em situação de internamento, realizadas em coletivo aos adolescentes e a um dos pais acompanhantes. A estes testemunhos, acrescentámos um blog de um dos adolescentes entrevistados e um e-mail de outro como alternativa à entrevista.
As características sumárias dos 23 adolescentes são as seguintes:
Tabela 1Procedimentos de colheita de dados
O processo de colheita de dados foi precedido de pareceres positivos de duas comissões de ética e da autorização formal da direção da instituição e do serviço responsável pelo tratamento dos adolescentes entrevistados. Foi obtido o consentimento informado dos adolescentes e dos pais, subscrito conjuntamente com o investigador em formulário próprio aprovado pelas comissões de ética.
Todas os entrevistados foram referenciados no serviço de oncologia de um hospital pediátrico da região centro de Portugal, tendo sido o primeiro contacto de apresentação direto ou pelo telefone.
Para todas as entrevistas foram elaborados guiões apropriados, mas na sua efetivação, seguimos uma orientação flexível, explorando as pistas que se iam apresentando no discurso dos entrevistados. Salvo as entrevistas circunstanciais, todas as outras foram realizadas nos domicílios dos adolescentes. Todas as entrevistas foram áudio gravadas e posteriormente transcritas para se proceder à análise textual. As entrevistas decorreram de maio de 2013 a julho de 2014 e a sua duração variou entre 15 e 70 minutos, sendo mais breves as realizadas em circunstâncias de internamento.
Os testemunhos da internet foram obtidos dos sites oficiais de organizações reconhecidas de apoio a doentes com cancro.
Análise de dados
Procedeu-se a uma Análise Qualitativa dos Dados (QDA) com apoio do NVIVO 8, seguindo o método de questionamento e comparação sistemática, passando pelas fases de codificação aberta e codificação axial, no sentido de encontrar por via indutiva a estrutura experiencial e a dinâmica dos processos adaptativos.
Iniciámos a análise com codificação aberta linha a linha, incidente a incidente, logo que realizámos as primeiras quatro entrevistas narrativas, passando de seguida à análise dos testemunhos da internet obtidos previamente (a anterior leitura global desses testemunhos tinha servido para ampliar a nossa sensibilidade ao fenómeno em estudo). Esta primeira fase de análise permitiu o emergir de algumas categorias referentes sobretudo às experiências da doença e do tratamento, relevando-se como momento especialmente crítico a fase diagnóstica e do início do tratamento.
Efetuámos entretanto mais duas entrevistas narrativas, tentando dar mais atenção aos esforços e movimentos de enfrentamento e de superação dos adolescentes, assim como à ativação dos recursos socias e técnicos nos momentos e condições críticas. Os dados foram analisados na sequência da sua transcrição e sentiu-se a necessidade de prosseguir a amostragem focando-nos nos momentos críticos. Nesta altura, começaram a gerar-se várias hipóteses de organizações categoriais que fomos explorando e sucessivamente reformulando e validando, na lógica da análise axial.
Prosseguimos com as entrevistas focadas na fase diagnóstica e no início dos tratamentos e passámos à sua transcrição e análise. Na continuidade desta análise, realizámos as entrevistas focadas em situações críticas ao longo do tratamento, de modo a evidenciar outros momentos e condições problemáticas do ponto de vista adaptativo e recorrentes nos discursos dos adolescentes com leucemias e linfomas e/ou dos respetivos pais.
Os dados das entrevistas acidentais, do email e do blog foram integrados na análise na sequência da sua obtenção.
A análise baseou-se num processo de comparações constantes dentro e entre as fontes de dados, dentro e entre as categorias que iam emergindo, obtendo deste modo novos insights das experiências adaptativas e das suas dinâmicas processuais.
Figura 1A partir dessas comparações constantes e através de um processo indutivo, foram-se definindo, refinando e desenvolvendo (saturando) as categorias, desde as mais substantivas (códigos/conceitos) até às de nível mais amplo e abstrato, em que se integraram as anteriores, entre elas as estratégias de enfrentamento da situação, relativas a cada movimento de transição adaptativa.
Tabela 2
Resultados
Neste artigo debruçamo-nos particularmente sobre um dos três movimentos adaptativos que induzimos dos dados: Esforços adaptativos para promover e manter um estado disposicional positivo. Todavia, iniciamos com uma apresentação global desses movimentos, de modo a facilitar uma compreensão mais integrada.
Movimentos adaptativos dos adolescentes com doença onco-hematológica durante o tratamento
Ao longo da doença e do tratamento, os adolescentes desenvolvem um conjunto de processos adaptativos em função de determinantes distintos que correspondem a mudanças internas ou externas que exigem esforços de ajustamento e de enfrentamento. Estes esforços, embora tenham sempre um caráter pessoal e circunstancial, são necessariamente influenciados pelos recursos socioafetivos e técnicos que, de forma interativa, os incentivam (ou inibem) e os complementam.
As vivências e processos adaptativos são sempre condicionados pela evolução da doença, por fases mais difíceis ou de alívio e, frequentemente, por momentos dramáticos de dirupção, alimentando sentimentos de vulnerabilidade e incerteza.
Neste contexto, os pais são um recurso social de primeira linha, não obstante viverem em simultâneo situações de stresse e de ajustamento, que se interrelacionam com (e condicionam) as experiências e processos adaptativos dos adolescentes.
A partir da análise dos testemunhos obtidos, evidenciam-se três movimentos adaptativos fundamentais: a) Esforços de autorregulação e ajustamento à situação de doença; b) Esforços para promover e manter um estado disposicional positivo e c) Esforços para lidar com situações referenciais de sofrimento (Figura 2). O primeiro centrado na acomodação e enfrentamento da situação de doença de um modo geral, o segundo determinado pela necessidade de bem-estar emocional e de satisfação com a vida, e o terceiro organizado de modo a lidar com situações críticas de sofrimento.
Estes movimentos são complementares e potenciam-se mutuamente, no sentido de respostas adaptativas que se evidenciam durante o tratamento e a médio prazo (após o tratamento).
Esforços adaptativos para promover e manter um estado disposicional positivo
Este movimento evidencia-se como essencial no processo de transição adaptativa dos adolescentes com doença onco-hematológica durante a fase de tratamento (Figura 2).
Condições
Trata-se de um processo ativo de procura de oportunidades e condições para desfrutar da vida, no sentido hedónico e eudaimónico (sentir-se bem, obter prazer, experienciar alegria e sentido de normalidade e valor da vida) e não, como à primeira vista pode parecer, de uma reação no sentido de contrariar um estado afetivo-emocional negativo (de ansiedade, depressão, mal-estar psicológico ou falta de energia anímica).
“Aproveitar a vida enquanto estamos vivos e … conviver com amigos. Ajuda a não pensar nisso … e isso ajuda …” (EN6_M_14_LH, 2014).
Também não será basicamente uma forma de fuga ou denegação em relação aos problemas, mas antes a satisfação da necessidade de qualquer pessoa em viver a vida com prazer, sentindo-se feliz e animado para enfrentar com sentido as dificuldades existenciais do dia-a-dia. Nos adolescentes, esta necessidade surge como mais premente, pois nesta fase da vida a necessidade de conviver com os seus pares, partilhar aventuras e sensações, festejar, fazer novas descobertas e experimentar novas sensações e sentir satisfação com a vida, é considerada essencial do ponto de vista desenvolvimental, no sentido da conquista da autonomia e do alargamento da rede socioafetiva.
“A necessidade é de sair e ir dar umas voltas, com os amigos e isso tudo. E estar no hospital isolado, não poder estar com amigos, nem estar com ninguém é um bocado mais complicado.” (EFSC2_M_14_LMA, 2014)
Particularmente nestes doentes, é fundamental manter a esperança na cura e o estado anímico positivo para continuar a lutar.
Contudo, estas condições determinantes da procura de emoções e sentimentos positivos não se efetivam diretamente em processos adaptativos eficazes. São mediadas pelo estado emocional-motivacional que deriva de certas condições intervenientes, entre as quais as experiências associadas à doença e aos tratamentos, nomeadamente o desconforto, dor e sofrimento referentes a situações específicas; assim como pela pressão psicoemocional derivada da conceção pessoal da doença e da antevisão informacional de procedimentos e desfechos possíveis.
São ainda condições intervenientes neste processo a personalidade, os recursos internos e a segurança emocional dos adolescentes, tal como as envolvências sociorrelacionais mais ou menos favoráveis.
Para além disso, este movimento no sentido da promoção de um estado disposicional positivo é também condicionado, mais diretamente, pelos recursos disponíveis de suporte relacional e, em casos particulares, psicoterapêuticos, que necessitam ser ativados para encorajar e suster os esforços adaptativos dos adolescentes.
Figura 3Estratégias
Este movimento passa, necessariamente, pela ativação das estratégias gerais de enfrentamento e superação da situação de doença e tratamento, especialmente as que se relacionam com o controlo das emoções negativas (Desconcentração da doença; Ganho do sentido de segurança e de controlo; Preservação de um autoconceito positivo, Resignação/aceitação da doença e do tratamento), pois a capacidade de desfrutar da vida e ter prazer pressupõe a moderação dessas emoções.
Também é importante a ativação dos recursos socias, com especial enfoque nas relações interpessoais (com a família, amigos e profissionais), que com a sua atenção especial (mimo) são fonte primária de prazer, mas igualmente com o seu exemplo, incentivo e abertura, podem promover a vivência de atividades de realização pessoal e fruição de prazer.
Todavia, pretendemos destacar neste artigo a ativação de estratégias específicas para promover e manter um estado disposicional positivo e continuar a desfrutar da vida. Certamente não esgotando as possibilidades, as estratégias que emergiram dos testemunhos (Tabela 3), operacionalizam-se em determinadas ações, interações, emoções e pensamentos (COMO), que se desenvolvem no interior dos indivíduos e nos relacionamentos sociais em momentos favoráveis (QUANDO).
Como se verifica na tabela, estas estratégias organizam-se, por um lado, para o prazer e desfrute da vida (savoring) e, por outro, de modo a facilitar o reajustamento dos valores pessoais e o (re)encontrar de significados e propósitos de vida.
Consequências
O que se espera deste movimento adaptativo dos adolescentes com doença onco-hematológica é, em termos diretos, a experiência de emoções positivas e a promoção de um estado anímico positivo e esperançoso, essencial em situação de doença grave, no sentido de facilitar uma condição de resiliência face às contrariedades da doença e à necessidade de continuar os tratamentos.
“Sempre no máximo do optimismo .... Parece impossível. Como é que ele… não era fácil. Nunca ouvi o meu filho … até hoje, nunca o ouvi dizer assim: ena pá, bolas, estou farto disto. Nunca o ouvi.” (EFSC2_M_14_LMA_PAI, 2014).
Esse estado disposicional positivo pode ser vivido através de experiências de prazer e desfrute, da perceção positiva de si e dos seus recursos, do bem-estar relacional, do sentido de normalidade e de conformidade, do sentido positivo da vida e dos motivos para viver e, ainda, necessariamente, do alívio da tensão emocional.
“eu quis lutar e fiz tudo para estar o mais animada possível e para que tudo passasse depressa. Queria imenso voltar à escola e fazer a minha vida normal.” (TEST. INT._F_12_L??, 2013).
“O principal é contar com os outros, aprender a dar valor ao que realmente importa, ir em frente e NUNCA deixar o tratamento de lado, mesmo nos momentos difíceis.” (BLOGUE_M_14_LH, 2013).
“Ouvir música. Para mim é uma coisa que me alivia muito.” (EFSC4_F_16_LH, 2014).
Discussão
Os adolescentes com leucemia ou linfoma, durante o tratamento, recorrem naturalmente a estratégias diversas para promoverem um estado disposicional positivo. Estas estratégias organizam-se num movimento adaptativo próprio, combinando-se com as estratégias gerais para enfrentar e superar a situação de doença e com a ativação dos recursos relacionais, coocorrendo neste processo emoções negativas e positivas, como previsto por Folkman (2008).
As estratégias orientadas para promover uma disposição positiva, por um lado, contribuem para a satisfação da necessidade dos adolescentes em geral de se sentirem felizes e motivados, dando sentido às suas vidas e sentindo-se competentes, de modo a responderem aos desafios do meio e a desenvolverem-se positivamente (Larson, 2000) e, por outro, concorrendo para a manutenção do bem-estar mental e físico, têm uma função adaptativa importante em períodos difíceis (Folkman, 2008).
Neste sentido, o movimento adaptativo centrado na promoção de uma disposição positiva combina-se com os esforços de autorregulação e ajustamento à situação de doença e com os esforços adaptativos em condições de sofrimento referencial, na dinâmica nuclear dos processos de transição adaptativa dos adolescentes com doença onco-hematológica durante o tratamento.
Os três movimentos relacionam-se de forma interativa, potenciando-se mutuamente. Nesta perspetiva, Tugade e Fredrickson (2007) referem-se a processos de regulação emocional através dos quais quando as pessoas se sentem em baixo tendem a procurar atividades que melhorem o seu estado de espírito e as faça sentirem-se melhor (ver uma comédia, passear, conviver com amigos); enquanto num estudo de Greenglass e Fiksenbaum (2009), com adultos em situações de stresse, se conclui que um estado disposicional positivo promove o coping pró-ativo.
Folkman (2008) atribui especial ênfase às estratégias focadas no significado (meaning-focused coping), mas nos achados do estudo, embora essas estratégias também se destaquem, evidenciam-se outros modos dos adolescentes conseguirem emoções positivas, relacionadas especialmente com experiências de diversão e prazer ou com a manutenção de projetos, atividades e papéis relevantes. Isto vai também ao encontro do preconizado por Tugade e Fredrickson (2007), que valorizam igualmente as experiências hedónicas. São ainda valorizadas pelos adolescentes a socialização com pessoas positivas e a expressão de humor positivo, por exemplo, através do riso e do sorriso. Esta estratégia de incremento do riso e do sorriso é relevada pelos autores referidos anteriormente, que citam estudos que evidenciam o impacte positivo destes comportamentos expressivos no funcionamento emocional, mesmo quando em discrepância com a experiência interna.
Referindo-se em particular a situações de stresse, Khosla (2006) e Fredrickson (1998; 2001) sublinham a importância de um estado afetivo positivo (positive affect), considerando que este alarga os reportórios de pensamento-ação. Isto é, tornando os pensamentos mais flexíveis, criativos e integrativos, um estado de positividade ajuda a processar informação emocional e facilita a elaboração de respostas mais eficazes para os problemas. Para além disso, em situações de pressão emocional persistente, em que os recursos começam a ficar esgotados, as vivências positivas correspondem a uma trégua ou um alívio, possibilitando, assim, o recuperar de forças e continuar e persistir nos esforços de enfrentamento (Fredrickson, 1998; 2001).
Um outro motivo a considerar, relativo à importância das emoções positivas em situações de stresse tem a ver com a proteção contra respostas mal adaptativas neuroendócrinas, cardiovasculares e imunitárias, aumentando as defesas biológicas (Dockray & Steptoe, 2010; Steptoe, Wardle, & Marmot, 2005).
Conclusão
Sendo clara a relevância do estado disposicional positivo para o desenvolvimento do enfrentamento pró-ativo da situação de doença, para a moderação das emoções negativas e para o aumento da resistência biológica dos indivíduos, os profissionais de saúde e os familiares devem proporcionar oportunidades e facilitar as condições para que os adolescentes com cancro, tanto quanto possível, desenvolvam as estratégias eficazes para a sua promoção.
A ativação dos recursos relacionais é fundamental, criando em torno dos adolescentes com cancro um ambiente de atenção e envolvimento, tendo em conta as suas necessidades e desejos; manifestando boa disposição, esperança e ânimo e incentivando e apoiando decisões, atividades e projetos de relevância pessoal.
Neste enquadramento, também a função dos espaços lúdicos e das associações de amigos dos doentes se evidenciam como relevantes, nomeadamente facilitando condições de atividades lúdicas (dentro e fora do hospital), organizando campos de atividades e partilha entre jovens ou facilitando experiências de vida relevantes e efetivação de sonhos e desejos (encontros, viagens, aventuras, …).
Referências bibliográficas
Bitsko, M. J., Stern, M., Dillon, R., Russell, E. C., & Laver, J. (2008). Hapiness and time perspective as potencial mediadores of quality of life and depression in adolescent cancer. Pediatric Blood Cancer, 50(3), 613-619. [ Links ]
Corbin, J., & Strauss, A. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3ª ed.). USA, Washington D.C: SAGE Publications. [ Links ]
Dockray, S., & Steptoe, A. (2010). Positive affect and psychobiological processes. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 35(1), 69-75. [ Links ]
Enskär, K., & Essen, L. V. (2007). Prevalence of aspects of distress, coping suport and care among adolescents and young adults undergoing and being off cancer treatment. European Journal of Oncology Nursing, 11(5), 400-408. [ Links ]
Folkman, S. (2008). The case for the positive emotions in the stress process. Anxiety, Stress & Coping, 21(1), 3-14. [ Links ]
Fredrickson, B. L. (1998). What good are positive emotions. Review of General Psychology, 2(3), 300-319. [ Links ]
Fredrickson, B. L. (2001). The role of positive emotions in positive psychology: The broaden-and-build theory of positive emotions. American Psychologist, S6, 218-226. [ Links ]
Gameiro, M. G. (2012). Adaptação dos adolescentes com cancro na fase de tratamento: Uma revisão da literatura. Revista de Enfermagem Referência, 3(8), 135-146. [ Links ]
Greenglass, E. R., & Fiksenbaum, L. (2009). Proative coping, positive affect and well-being. European Psychologist, 14(1), 29-39. [ Links ]
Hinds, P. S. (2004). The hopes and wishes of adolescents with cancer and the nursing care that helps. Oncology Nursing Forum, 31(5), 927-934. [ Links ]
Juvakka, T., & Kylmä, J. (2009). Hope in adolescents with cancer. European Journal of Oncology Nursing, 13(3), 193-199. [ Links ]
Khosla, M. (2006). Positive affects and coping with stress. Journal of the Indian Academy of Applied Psychology, 32(3), 185-192. [ Links ]
Kingäs, H., Mikkonen, R., Nousiainen, E.-M., Rytilahti, M., Seppänen, P., Vaattovaara, R., & Jämsä, T. (2001). Coping with the onset of cancer: Coping strategies and resources of young people with cancer. European Journal of Cancer Care, 10(1), 6-11. [ Links ]
Larson, R. (2000). Toward a psychology of positive youth development. American Psychologist, 55(1), 170-183. [ Links ]
Mannix, M., Feldman, J. M., & Moody, K. (2009). Optimism and health-related quality of life in adolescents with cancer. Child: Care, Health and Development, 35(4), 482-488. [ Links ]
Steptoe, A., Wardle, J., & Marmot, M. (2005). Positive affect and health-related neuroendocrine, cardiovascular, and inflammatory processes. PNAS, 102(18), 6508-6512. [ Links ]
Sulkers, E., Fleer, J., Brinksma, A., Roodbol, P. F., Kamps, W. A., Tissing, W. J. & Sanderman, R. (2013). Dispositional optimism in adolescents with cancer: Differential associations of optimism and pessimism with positive and negative aspects of well-being. British Journal of Health Psychology, (18), 474-489. [ Links ]
Tugade, M. M., & Fredrickson, B. L. (2007). Regulation of positive emotions: Emotion regulation strategies that promote resilience. Journal of Happiness Studies, 8, 311-333. [ Links ]
Recebido para publicação em: 02.12.14
Aceite para publicação em: 06.04.15