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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra dez. 2015
https://doi.org/10.12707/RIV14084
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Tradução e Validação da Escala de Coping com a Morte: Um Estudo com Enfermeiros
Translation and Validation of the Coping with Death Scale: A Study with Nurses
Traducción y Validación de la Escala de Afrontamiento de la Muerte: Un Estudio con Enfermeros
Ana Paula Forte Camarneiro*; Sara Margarida Rodrigues Gomes**
* Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [pcamarneiro@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: Orientadora do desenho do estudo apresentado; pesquisa bibliográfica e análise dos artigos referentes à escala seleccionada; realização estatística; preparação do manuscrito, particularmente no que se refere à metodologia e resultados; revisão intelectual crítica do manuscrito; e redação final para publicação. Morada para correspondência: Rua do Açude, n.º 150, Quinta da Mainça, 3000-029, Coimbra, Portugal.
** Msc., Cuidados Paliativos. Enfermeira, Serviço de Internamento de Cirurgia Geral, Instituto Português de Oncologia de Coimbra Francisco Gentil (IPOCFG, EPE), 3000-075, Coimbra, Portugal [saramrgomes@gmail.com]. Contribuição no artigo: desenho do estudo; recrutamento de sujeitos constituintes da amostra; recolha de dados; análise estatística; pesquisa bibliográfica; produção de texto de revisão bibliográfica e de discussão de resultados.
RESUMO
Enquadramento: O coping com a morte permite lidar com a morte no quotidiano e é uma medida crucial na avaliação dos efeitos da educação profissional sobre o tema.
Objetivos: Traduzir e validar para português a Coping with Death Scale (Bugen, 1980-81) em enfermeiros portugueses.
Metodologia: Estudo tipo metodológico de tradução/retroversão e análise psicométrica numa amostra de 107 enfermeiros que exercem funções em serviços de oncologia.
Resultados: A escala apresenta elevada consistência interna (α = 0,89). Após estudo da validade de construto, foram retirados 4 itens da versão original e manteve-se a solução bifatorial (coping com a própria morte e coping com a morte dos outros). Não se verificaram diferenças significativas conforme o género. Os enfermeiros com formação em cuidados paliativos evidenciaram níveis de coping mais elevados.
Conclusão: A versão portuguesa torna-se útil para conhecer o coping com a morte nos profissionais de saúde e avaliar a eficácia da formação face à morte e morrer.
Palavras-chave: Escalas; adaptação; morte; enfermagem
ABSTRACT
Theoretical framework: Coping with death allows dealing with death on a daily basis and is a key measure to assess the impact of professional training on the topic.
Objectives: To translate and validate the Coping with Death Scale (Bugen, 1980-81) into Portuguese among Portuguese nurses.
Methodology: Exploratory study of translation/back-translation, followed by psychometric analysis in a sample of 107 nurses working in oncology services.
Results: The scale showed high internal consistency (α = 0.89). Following the study on validity, four items from the original version were deleted, and the two-factor solution was maintained (coping with one's own death and coping with the death of others). No gender differences were found. Nurses with training in palliative care had higher levels of coping.
Conclusion: The Portuguese version is useful to understand how healthcare professionals cope with death and assess the effectiveness of training in coping with death and dying.
Keywords: Scales; coping; death; nursing
RESUMEN
Marco contextual: El afrontamiento (coping) de la muerte permite lidiar con la muerte en el día a día y es una medida crucial en la evaluación de los efectos de la educación profesional sobre el tema.
Objetivos: Traducir y validar al portugués la Coping with Death Scale (Bugen, 1980-81) en enfermeros portugueses.
Metodología: Estudio metodológico de traducción/retroversión y análisis psicométrico en una muestra de 107 enfermeros que desempeñan su función en servicios de oncología.
Resultados: La escala presenta una elevada consistencia interna (α = 0,89). Tras estudiar la validez de constructo, se retiraron cuatro ítems de la versión original y se mantuvo la solución bifactorial (afrontamiento de la muerte en sí mismo y de la muerte en los otros). No hay diferencias significativas en cuanto al género. Los enfermeros con formación en cuidados paliativos observaron niveles de afrontamiento más elevados.
Conclusión: La versión portuguesa es útil para conocer el afrontamiento de la muerte en los profesionales sanitarios y para evaluar la eficacia de la formación ante la muerte y el morir.
Palabras clave: Escalas; adaptación; muerte; enfermería
Introdução
Algumas equipas profissionais estão direcionadas para o cuidado a doentes em estado crítico (oncológicos ou outros) sendo, por isso, frequentemente confrontadas com a morte de muitos desses doentes. Os enfermeiros são quem mais cuida de doentes em fim de vida com proximidade física, emocional, social e espiritual.
No cuidar em oncologia, a relação de ajuda e os valores éticos são enfatizados, assim como são reforçados os inúmeros mecanismos de resiliência mobilizados pelos enfermeiros no controlo das suas emoções e ansiedade (Popim & Boemer, 2005). Embora eficientes, esses mecanismos são falíveis, principalmente quando se está diante de situações que envolvem doenças incuráveis e a morte subsequente. Os profissionais de saúde, em geral, referem sentir angústia perante a morte dos pacientes e stress no trabalho com as suas famílias, o que lhes causa enorme tensão emocional.
Assim, requer-se a estes profissionais conhecimentos, capacidades e responsabilidades focadas no doente e família (Stumm Leite, & Maschio, 2008) e requerem-se, também, o desenvolvimento de competências pessoais, como sejam as estratégias de coping, que lhes permitam lidar com a morte no quotidiano, minimizando o seu sofrimento e aumentando a sua eficácia assim como a de todos os envolvidos.
Coping é o termo utilizado para aludir às respostas do sistema nervoso simpático de luta ou fuga (fight or flight) perante situações percebidas como ameaçadoras da segurança física ou emocional, em geral o stress (Pais-Ribeiro, 2007). É um processo através do qual um indivíduo dirige as suas cognições e comportamentos com a intenção de resolver as fontes de stress e regular as reações emocionais (Lazarus, 1993). Em síntese, é a capacidade de resolver um problema que surja ou resistir a uma situação que se revele difícil (Vaz-Serra, 2000).
O desenvolvimento de estratégias de coping com a morte e os meios de avaliação dessas estratégias não têm grande extensão na literatura. Porém, muitos autores referem que o desenvolvimento de programas de educação sobre estratégias de coping é eficaz para evitar a ansiedade face à morte e para identificar barreiras que podem tornar difíceis os cuidados em fim de vida (Beckstrand, 2009; Braun, Gordon, & Uziely, 2010; Dunn, Otten, & Stephens, 2005). É conhecido que indivíduos com altos níveis de autoeficácia e que confiam nas suas habilidades para responder aos estímulos do meio tendem a usar estratégias de coping ativas em situações de coping no emprego (Pocinho & Capelo, 2009).
A abordagem ao tema, nomeadamente nos cursos de Licenciatura em enfermagem, exige uma profunda mobilização interna com consequente disponibilidade para a recuperação dos sentimentos mobilizados. Trata-se de uma tarefa interior muito complexa à qual alguns docentes e estudantes tendem a resistir. Por exemplo, num estudo com 34 professores de enfermagem, Santos e Bueno (2011) concluíram que estes se mantêm distantes dos estudantes em relação aos sentimentos decorrentes da experiência com doentes terminais, porque experimentam sentimentos de medo, impotência e insegurança relativamente à morte. Acabam, assim, por desenvolver uma abordagem técnico-científica e pedagógica nas quais alegam falta de tempo para estimular a reflexão sobre o tema, evocando a sua complexidade multidimensional.
Esta dificuldade poderá ser ultrapassada com a introdução, ou o reforço caso existam, de programas curriculares, obrigatórios e opcionais, na formação inicial em enfermagem que contemplem o conhecimento e o desenvolvimento de competências na área. Estes programas funcionariam como sensibilização para a formação posterior, em contexto profissional.
Rickerson et al. (2005) e Fessick (2007) concluíram que participar em sessões de educação sobre o luto, identificar estratégias de coping, criar fóruns para partilhar sentimentos, falar com colegas e amigos, fazer parte de grupos de suporte e aceitar o aconselhamento individual proporciona benefícios à equipa de enfermagem. Lobb et al. (2010) acrescentam como estratégias para facilitar o coping dos enfermeiros no local de trabalho a possibilidade de usufruir de terapias complementares de bem-estar, tais como massagem, reflexologia e aromaterapia.
Com a finalidade de conhecer as estratégias de coping com a morte manifestadas por enfermeiros, particularmente dos serviços de oncologia, torna-se necessário dispor de um instrumento de avaliação das mesmas. É objetivo deste estudo traduzir e validar para português a Coping with Death Scale (Bugen, 1980-81) numa amostra de enfermeiros que exercem a atividade profissional em serviços de oncologia.
Enquadramento
A vivência da morte por profissionais de saúde denota, habitualmente, uma sensação de fracasso profissional pois o avanço da medicina criou a ilusão de saúde e vida para sempre. Esta situação não permite o aumento de competências nesta área e os profissionais de saúde necessitam de ajudar os pacientes e famílias a serem mais competentes e eficazes, tornando-se também mais eficazes, eles mesmos.
Bugen (1980-81) considera que o coping é o indicador mais sensível das competências face à morte e deseja que os seus estudantes obtenham essas competências com os seminários e a educação sobre a morte. Os resultados podem observar-se com o preenchimento da escala criada por si, a Coping with Death Scale (Bugen, 1980-81), e posteriormente validada por Robbins (1990-91).
Bugen (1980-81) ofereceu formação orientada ao desenvolvimento de habilidades dos voluntários das unidades de cuidados paliativos e a escala que criou incluía competências específicas que os voluntários deveriam ter depois da sua formação. Robbins (1990-91), operacionalizou a noção de competência perante a morte e utilizou a escala para medir o coping em estudantes universitários e em voluntários de unidades de cuidados paliativos.
A escala compreende 30 itens relativos a diversos aspetos do lidar com a morte. Apresenta-se sob a forma de autorrelato escrito numa estrutura tipo Likert com sete possibilidades de resposta (num contínuo de 1 a 7, em que 1 corresponde a discordo totalmente e 7 corresponde a concordo totalmente). A pontuação final é conseguida através da inversão do valor dos itens 13 e 24 para posteriormente serem somadas às pontuações dos restantes.
Os diversos itens, segundo o autor da escala (Bugen, 1980-81), organizam-se em dois fatores, um referente ao coping com a própria morte e, o outro, ao coping com a morte dos outros. O primeiro inclui itens tais como o 2, 4, 5, 10, 11, 12, 14 que denotam uma maior compreensão, conhecimento e expressividade de emoções, como por exemplo: Compreendo os meus medos relacionados com a morte (item 10). Estou familiarizado com os procedimentos prévios ao funeral (item 11), Posso expressar os meus medos acerca da morte (item 14). O segundo fator, coping com a morte dos outros, inclui os itens tais como 21, 23, 26, 27, 28, 29, relacionados com o aumento das competências para comunicar com, e/ou, ajudar os enlutados e doentes terminais, como por exemplo: Consigo comunicar com os doentes terminais (item 29), Posso ajudar as pessoas com os seus pensamentos e sentimentos acerca da morte e do processo de morrer (item 26), Sei como falar com as crianças sobre a morte (item 23).
A pontuação máxima da soma total dos itens da escala é de 210 e a mínima é de 30. Os resultados do estudo de Robbins (1990-91) demonstraram que a escala de Bugen (1980-81) apresentava bons níveis de consistência interna (alfa de Cronbach de 0,89).
A escala mostrou validade discriminante com o Inventário de Ansiedade Traço e com a escala de desejabilidade social de Marlowe-Crowne (Robbins, 1990-91).
Metodologia
Foi realizado um estudo do tipo metodológico (Mishel, 1998) de tradução e validação para português da escala inglesa Coping with Death Scale (Bugen, 1980-81). Uma vez que não eram conhecidos estudos publicados em português, foram adquiridos os artigos onde a escala original se encontra publicada sem referência a limitações de utilização. Não se procedeu ao pedido de autorização ao autor por este já ter falecido.
A amostra foi constituída por 107 enfermeiros que exercem funções nos diversos serviços de internamento de um hospital de doenças oncológicas.
Para a tradução/retrotradução foram utilizados os procedimentos habituais à adaptação linguística e determinação de instrumentos de medição equivalentes, escritos em língua diferente da original (Hunt,1993). Assim, na fase de tradução do questionário obteve-se uma versão em português, linguisticamente correta e equivalente à versão original americana. Esta fase decorreu com a tradução realizada de forma independente por dois tradutores portugueses fluentes em inglês, obtendo-se duas versões em português. Seguiu-se a fase de reconciliação entre as traduções. Foram analisados e comparados os seus conteúdos, garantindo, de acordo com Ferreira e Rosete (1996), que as traduções conduzem a resultados com interpretações equivalentes. As discrepâncias identificadas foram mínimas. Estas estavam apenas relacionadas com palavras de múltipla tradução em português.
A primeira versão em português foi sujeita a uma retroversão por um tradutor.
Posteriormente, procedeu-se à análise comparativa com a versão original, solicitando-se a um grupo de peritos, uma leitura crítica ao conteúdo dos itens e à sua compreensão no que se refere a aspetos de semântica, idiomática, equivalência conceptual e coerência de cada item para atingir os objetivos propostos e equivalência cultural, porquanto as situações apresentadas no instrumento devem ser correspondentes às vivenciadas no contexto da nossa cultura (Lynn, 1986).
Seguiu-se um debate sobre o questionário. Não se verificou qualquer dificuldade de compreensão ou ambiguidade na interpretação.
Por fim, foi realizado o pré-teste com um grupo de dez enfermeiros que responderam ao questionário e fizeram uma avaliação qualitativa. Os itens 1 e 4 não reuniram consenso quanto ao conteúdo e pertinência, tendo sido decidido pelos peritos que seriam aplicados numa amostra maior e sujeitos a análise de construto.
O instrumento foi aplicado e realizada a análise da fiabilidade e da validade de construto, tendo como objetivo encontrar uma solução fatorial coerente, determinando as suas características psicométricas.
Para o estudo da validade de construto, recorreu-se à análise fatorial. Por questões relacionadas com o tamanho da amostra que impossibilitam a análise fatorial confirmatória, a análise foi forçada a dois fatores, através do método dos componentes principais, seguida de rotação ortogonal varimax dos fatores, tornando interpretáveis as soluções emergidas na análise (Loureiro, 2010). Calculou-se previamente a medida Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett.
A decisão sobre o número de fatores a reter na análise baseou-se na proposta do autor da escala (Bugen, 1980-81), sendo que os valores próprios (eigenvalue) devem ser superiores a 1,00. A escolha das soluções fatoriais respeitou o critério da validade convergente do item com o fator, com cada item a mostrar um peso fatorial superior a 0,30; respeitou também o critério da validade discriminante do item com o fator, em que o item satura com carga superior a 0,30 apenas com o fator onde se deve fixar. Por fim, foi respeitado o princípio de que a solução final deve ser superior a 40% da variância total explicada e deve haver consonância entre a estrutura teórica e a estrutura fatorial encontrada.
Para o estudo da fiabilidade, procedeu-se à análise da homogeneidade e da consistência interna dos itens para a escala total e para as suas dimensões. Foi analisado o coeficiente de consistência interna alfa de Cronbach e o coeficiente de correlação corrigido entre o item e o total da dimensão. A terminar, foram calculadas estatísticas resumo, descritivas da escala e de resultados inferenciais de diferenças de médias para a formação em cuidados paliativos e para o género, cumprindo esta última o critério de validade discriminante.
Para a realização da investigação foram cumpridos os requisitos éticos e legais, com o respetivo pedido de autorização ao Conselho de Administração do Hospital, que foi aceite, e com o consentimento informado dos participantes no estudo.
Os dados foram tratados no programa IBM SPSS Statistics, versão 22.
Resultados
Aplicou-se a versão traduzida da Coping with Death Scale, designada por Escala de Coping com a Morte – ECM, à amostra em estudo e analisou-se a fiabilidade e a validade da mesma.
A amostra é formada por 107 enfermeiros que exercem funções nos serviços de internamento de um hospital de oncologia. São maioritariamente do género feminino (76,6%) e os restantes do género masculino. Em média, a sua idade situa-se nos 38,43 anos (DP = 8,45) e oscila entre 27 e 62 anos. A maior parte são Licenciados (57%) e apenas 2,8% têm grau de Bacharelato. Os restantes têm formação pós-graduada. Detêm a categoria de enfermeiro em 42,1%, são enfermeiros graduados em 50,5%, e 7,5% são enfermeiros chefes ou especialistas. Os anos de serviço variam de quatro a 43, média 15,47 (DP = 8,04).
Todos os enfermeiros prestaram cuidados pós-morte mas somente 43,9% cuidaram de doentes agónicos. Nunca tiveram formação em cuidados paliativos 53,3% dos inquiridos e 46,7% já frequentaram formação nesta área.
A análise da consistência interna da escala global de coping com a morte (30 itens) mostrou um α = 0,85, mas o item total-corrigido de quatro itens, 1 (Pensar sobre a morte é uma perda de tempo), 4 (Conheço todos os serviços oferecidos pelas funerárias), 13 (A minha atitude acerca da vida sofreu alterações recentemente) e 24 (Posso dizer coisas inadequadas quando estou com alguém em sofrimento), apresentou valores abaixo de 0,20 e/ou foram negativos, tendo sido retirados. Nomeadamente os itens 13 e 24 mostraram correlações negativas, mesmo depois da inversão sugerida pelo autor, além de possuírem correlações item-total corrigido muito baixas (< 0,10). Os itens 1 e 4 tinham sido controversos quanto ao conteúdo, confirmando-se aqui o interesse em serem retirados. Os 26 itens finais apresentaram um alfa de Cronbach de 0,89, o que corresponde a um instrumento muito fiável (Tabela 1).
A Validade de construto realizada através da análise fatorial em componentes principais foi realizada com os 26 itens, seguida de rotação ortogonal varimax, com normalização de Kaiser e teste de esfericidade de Bartlett. Relativamente à decisão do número de fatores a reter na análise, primeiro foi feita uma análise exploratória. Esta análise apresentou alguns problemas relacionados com o número de fatores e itens que os compunham, como sejam a dispersão dos mesmos, baixa percentagem de variância explicada e baixas cargas fatoriais. Assim, foi utilizado como critério a indicação do autor e não tanto o auxílio do scree plot test que, apesar disso, se tornou útil para ilustrar que dois fatores se destacam de forma inequívoca (Figura 1).
A solução bifatorial proposta foi sustentada (Tabela 2), encontrando-se um agrupamento dos itens idêntico ao do estudo original, 12 itens para o fator coping com a morte dos outros (α = 0,85) e 14 itens para o fator coping com a própria morte (α = 0,86).
O coeficiente de KMO é 0,81, o que demonstra a adequação amostral. O teste de esfericidade de Bartlett é significativo ( = 1592,10, gl = 325, p < 0,001). Os valores próprios iniciais são: 1 = 7,67; 2 = 3,00.
O total da variância explicada é 41,03% (20,90% para o primeiro fator e 20,13% para o segundo), indicando que a redução fatorial é adequada para explicar aquela percentagem de variância.
Os itens 6 e 18 pontuaram num fator diferente do original, o que foi aceite dado o conteúdo dos mesmos e os pesos fatoriais apresentados. Os pesos fatoriais são todos eles elevados, superiores a 0,30.
A consistência interna determinado pelo coeficiente alfa de Cronbach dos itens de cada fator é elevada. Conforme se pode observar na Tabela 3, com α = 0,852 para o primeiro fator e α = 0,858 no segundo fator. A correlação de cada item com o total corrigido é superior a 0,30 em todos os casos.
No que diz respeito à versão portuguesa, Escala de Coping com a Morte (ECM), as estatísticas descritivas apresentam, no resultado global da escala, o valor mediano de 121,07. De notar que esta versão é formada por 26 itens (min. = 26; máx. = 182). O valor de coping com a morte está bastante acima da média nesta amostra, mas afastado do valor máximo (Tabela 4). O coping com a morte dos outros apresenta valores médios mais favoráveis do que o coping com a própria morte apesar do maior número de itens do primeiro fator.
A diferenciação dos valores obtidos na escala, segundo o género não é estatisticamente significativa no coping com a morte e suas dimensões nos sujeitos da amostra (Tabela 5).
Relativamente à formação profissional na área dos cuidados paliativos, há diferenças significativas no coping com a morte conforme os enfermeiros tenham, ou não tenham, frequentado essas ações, sendo a média superior naqueles que obtiveram formação na área. Contudo, as diferenças não são significativas na dimensão coping com a própria morte (Tabela 6).
Discussão
A versão portuguesa da escala revelou muitas semelhanças com o original. A tradução e adaptação não revelaram dificuldades e a sua consistência interna é muito boa. Contudo, pelo facto de quatro itens terem mostrado baixa correlação item-total corrigido ou correlação negativa, mesmo depois de terem sido invertidos o item 13 e 24, considerou-se adequado retirá-los. De facto, a sua validade de construto mostrou-se comprometida e, reanalisado o conteúdo dos itens, considerou-se pertinente não os manter.
A consistência interna da escala com os 26 itens melhorou, tendo-se verificado uma subida no valor do alfa de Cronbach de 0,85 para 0,89, valor semelhante ao da escala original.
A solução fatorial forçada a dois fatores, de forma idêntica à proposta original, apresenta muitas semelhanças com a versão original no que se refere à distribuição dos itens, com exceção dos itens 6 e 18. O peso fatorial do item 18 é superior no fator dois, coping com a própria morte, e o peso fatorial do item 6 é superior no primeiro fator, coping com a morte dos outros. Estas diferenças podem ser devidas aos contextos amostrais ou culturais em que foi estudada a escala e foram aceites. Esta opção deve-se ao facto de o item 18 apontar para a comunicação com os outros a propósito da morte, enquadrando-se no fator dois e o item 6 apontar para o conhecimento pessoal sobre as emoções e o seu enquadramento dirige-se, portanto, ao primeiro fator. A consistência interna de cada fator é elevada. Estes valores não foram apresentados quer por Bugen (1980-81), na sua versão original, quer por Robbins (1990-91) na adaptação da mesma.
Os enfermeiros questionados manifestam níveis de coping elevados, acima da média, revelando os inúmeros mecanismos de resiliência por si mobilizados no controlo das emoções e ansiedade (Popim & Boemer, 2005). Estas características traduzem-se numa vantagem profissional dada a tipologia do serviço onde exercem funções. Ser do género feminino ou masculino não constitui qualquer influência no coping.
Quanto à formação em cuidados paliativos, ter realizado formação nesta área denota coping mais elevado do que não a ter realizado, mas apenas no coping global e na dimensão coping com a morte dos outros. O coping com a própria morte não se altera com a realização de formação. Este resultado é muito interessante e remete para a importância de realizar estudos com outras variáveis psicológicas na sua relação com a representação da morte, nomeadamente as atitudes e a ansiedade.
Conclusão
A escala revelou boas propriedades psicométricas e, por isso, mostra utilidade em ser aplicada em investigações posteriores. De acordo com o autor da escala, o coping com a morte é uma capacidade que representa uma dimensão crucial na avaliação dos efeitos da educação sobre a morte. A escassez de evidências de validação dos benefícios positivos de educação sobre a morte pode ser devida, em parte, a um foco excessivo nas atitudes, nas questões bioéticas e nas medidas de traço de preocupação com a morte. Estas questões podem não ser tão sensíveis à mudança como o coping.
Considera-se, assim, que o estudo de validação da escala deve continuar, quer com o alargamento da amostra de enfermeiros, pois o tamanho da mesma constitui uma limitação ao estudo, mas também com a população em geral.
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Recebido para publicação em: 24.11.14
Aceite para publicação em: 23.09.15