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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.8 Coimbra mar. 2016

https://doi.org/10.12707/RIV15044 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Propriedades Psicométricas do Formulário Desenvolvimento da Competência de Autocuidado da Pessoa com Ostomia de Eliminação Intestinal

Psychometric Properties of the Form Development of Self-Care Competence of the Person with a Bowel Elimination Ostomy

Propiedades Psicométricas del Formulario Desarrollo de la Competencia del Autocuidado de la Persona con Ostomía de Eliminación Intestinal

 

Igor Emanuel Soares Pinto*; Célia Samarina Vilaça de Brito Santos**; Maria Alice Correia de Brito***; Sílvia Maria Moreira Queirós****

* Msc., Doutorando, Enfermagem, Universidade Católica Portuguesa, 4202-401 Porto, Portugal [isp.igor@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondência: Av. Jorge Nuno Pinto da Costa, 1935, Marco, 4630-291, Marco de Canaveses, Portugal.

** Ph.D., Professora coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [celiasantos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão.

*** Ph.D., Professora adjunta, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [alice@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, revisão do artigo.

**** Msc., Centro Hospitalar de S. João, EPE, 4200-319, Portugal [enf.silvia.queiros@live.com.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, escrita e revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A utilização de um instrumento de avaliação da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de eliminação intestinal permite a identificação das suas necessidades específicas de forma sistematizada, assegurando a continuidade dos cuidados de enfermagem. Foi desenvolvido em Portugal um instrumento que avalia os domínios que integram essa competência, contudo, não se encontra validado.

Objetivos: Avaliar as propriedades psicométricas do formulário Desenvolvimento da Competência de Autocuidado da Pessoa com Ostomia de Eliminação Intestinal.

Metodologia: Estudo metodológico para análise das propriedades psicométricas de um instrumento de medida, escrito em português.

Resultados: O alfa de Cronbach foi de 0,95 e a fidelidade interjuízes demonstrou uma correlação igual ou superior a 0,98. No teste de split-half verificou-se uma correlação estatisticamente significativa, assim como no estudo da sensibilidade clínica.

Conclusão: O formulário apresentou bons indicadores psicométricos, sugerindo a viabilidade da sua utilização enquanto ferramenta proficiente para o processo de diagnóstico de enfermagem, contribuindo para a otimização dos cuidados de enfermagem.

Palavras-chave: autocuidado; ostomia; estudos de validação; cuidados de enfermagem

 

ABSTRACT

Background: The use of an instrument to assess the self-care competence in patients with bowel elimination ostomy allows for the systematic identification of their specific needs, ensuring the continuity of nursing care. Although an instrument that assesses the domains that integrate this competence has been developed in Portugal, it has not yet been validated.

Objectives: To assess the psychometric properties of the form Development of Self-Care Competence of the Person with a Bowel Elimination Ostomy.

Methodology: Methodological study aimed at analyzing the psychometric properties of a measurement instrument, written in Portuguese.

Results: The Cronbach's alpha was 0.95 and the inter-rater reliability showed a correlation greater than or equal to 0.98. A statistically significant correlation was found in the split-half test, as well as in the clinical sensitivity analysis.

Conclusion: The form presented good psychometric indicators, which suggests that it is a useful tool to be used in the nursing diagnosis process, thus contributing to the optimization of nursing care.

Keywords: self-care; ostomy; validation studies; nursing care

 

RESUMEN

Marco contextual: El uso de un instrumento de evaluación de la competencia del autocuidado en la persona con ostomía de eliminación intestinal permite identificar sus necesidades específicas de forma sistematizada, lo que asegura la continuidad de los cuidados de enfermería. Se desarrolló en Portugal un instrumento que evalúa los dominios que forman dicha competencia, aunque no está validado.

Objetivos: Evaluar las propiedades psicométricas del formulario Desarrollo de la competencia del autocuidado de la persona con ostomía de eliminación intestinal.

Metodología: Se trata de un estudio metodológico de las propiedades psicométricas de un instrumento de medición escrito en portugués.

Resultados: El alfa de Cronbach fue de 0,95 y la fidelidad interjueces demostró una correlación igual o superior a 0,98. En la prueba de división por mitades se verificó una correlación estadísticamente significativa, así como en el estudio de la sensibilidad clínica.

Conclusión: El formulario presentó buenos indicadores psicométricos y sugiere la viabilidad de su uso como una herramienta apta para el proceso del diagnóstico de enfermería, lo que contribuye a la optimización de los cuidados de enfermería.

Palabras clave: autocuidado; ostomía, estudios de validación, atención de enfermería

 

Introdução

A nível mundial, cerca de um milhão de pessoas são submetidas anualmente a cirurgia com confeção de ostomia (Simmons, Smith, Bobb, & Liles, 2007). No que se refere ao número de indivíduos portadores de uma ou mais ostomias de eliminação em Portugal, estima-se que rondem as 20 000 a 25 000 pessoas (Cabral, 2009).

A confeção de uma ostomia é um evento transformador da vida da pessoa, tanto física como psicologicamente (Gesaro, 2012), pois provoca alterações corporais, da autoimagem, da autoestima, da confiança e da independência, causando mudanças nas relações sociais, no modo de vestir, de se alimentar, na sexualidade e/ou no trabalho (O'Connor, 2005).

A forma como este evento é vivenciado é condi­cionado por diversos fatores, entre eles destaca-se a competência para o cuidado à ostomia, enquanto potenciador do processo de adaptação ao estoma (Simmons et al., 2007).

Assim, o enfermeiro surge como elemento central no processo de capacitação da pessoa com ostomia. Dotar o enfermeiro de instrumentos de auxílio à tomada de decisão válidos neste âmbito de atuação constitui-se como indispensável para o sucesso terapêutico. Neste sentido, o objetivo da investigação foi realizar o estudo das propriedades psicométricas do formulário Desenvolvimento da Competência de Autocuidado da Pessoa com Ostomia de Eliminação Intestinal, disponibilizando um instrumento potencialmente facilitador do processo de identificação das necessidades específicas da pessoa com ostomia.

 

Enquadramento

Viver com uma ostomia requer que o utente desenvolva competências para lidar com a sua nova condição, de forma a adquirir a capacidade de se controlar a si mesmo, assim como o que afeta a sua vida (Gesaro, 2012).

Nos últimos anos, o conceito de competência tem sido cada vez mais abordado sobre diferentes perspetivas e em diferentes contextos, nomeadamente a nível académico e organizacional. A noção de competência encontra-se associada a: saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender, saber ajustar-se, assumir responsabilidades e ter visão estratégica (Fleury & Fleury, 2001).

Assim, competência será entendida como “um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades…” (Fleury & Fleury, 2001, p. 188).

No que se refere ao conceito de autocuidado na pessoa com ostomia, pode ser entendido como a sua capacidade para aplicar as competências de gestão dos cuidados à ostomia (O'Connor, 2005).

A utilização de ferramentas padronizadas, simples e de fácil aplicação pode melhorar a descrição clínica e diminuir as discrepâncias na avaliação realizada pelos profissionais de saúde. Neste sentido, um instrumento de avaliação da competência de autocuidado à ostomia constitui-se como uma ferramenta útil para a identificação das necessidades específicas da pessoa, que permite uma intervenção mais direcionada e personalizada, favorecendo assim o processo de transição bem como a qualidade e a continuidade dos cuidados. Dos instrumentos disponíveis relativos à pessoa com ostomia de eliminação intestinal, não existia nenhum instrumento sobre o autocuidado validado para a população portuguesa. O instrumento criado por Cardoso (2011), Silva (2012) e Gomes (2012) intitulado Desenvolvimento da Competência de Autocuidado da Pessoa com Ostomia de Eliminação Intestinal, contempla todos os domínios que integram a competência de autocuidado, contudo não se apresentava validado, tendo apenas sido testado no contexto da comunidade, no pré-operatório e no internamento, em trabalhos independentes. Neste sentido, foi definido como objetivo avaliar as propriedades psicométricas do referido instrumento de avaliação, com a finalidade de contribuir para a otimização da recolha de dados do enfermeiro, nomeadamente na identificação das necessidades de cuidados da pessoa portadora de ostomia de eliminação intestinal.

 

Questão de Investigação

Assim, o presente estudo teve como pergunta de investigação o formulário: Desenvolvimento da Competência de Autocuidado da Pessoa com Ostomia de Eliminação Intestinal tem propriedades psicométricas válidas?

 

Metodologia

A amostra em estudo foi constituída pelas pessoas propostas para intervenção cirúrgica com provável confeção de ostomia e pessoas com uma ostomia de eliminação intestinal, acompanhadas em quatro hospitais do grande Porto e em três Agrupamentos de Centros de Saúde do norte do País.

A técnica de amostragem pela qual se realizou a seleção dos participantes foi a não probabilística de conveniência, e o cálculo do tamanho da amostra foi a proposta por Bryman e Cramer (1992), segundo os quais, o número de participantes constituintes da amostra, para efeitos de validade de um instrumento de medida deve ser, no mínimo, cinco vezes o número de itens da escala utilizada. Assim, e uma vez que o instrumento em estudo é constituído por 45 itens, a amostra foi constituída por 225 participantes.

Os critérios de inclusão no estudo foram: estar proposta para cirurgia com provável confeção de ostomia de eliminação intestinal ou ser portadora de uma ostomia de eliminação intestinal; ter 18 ou mais anos; aceitar participar no estudo; não possuir défices cognitivos, identificados, quando necessário, através do Mini Exame do Estado Mental (Guerreiro et al., 1994); e ter potencial de autonomia no autocuidado à ostomia de eliminação intestinal.

A amostra em estudo era, na sua maioria, do sexo masculino (63,1%), com uma idade média de 62 anos (DP=12,78 anos), casados (76,9%), reformados (58,7%) e com escolaridade (89,8%), sendo a moda os 4 anos de escolaridade do ensino básico.

A patologia associada à necessidade de realizar uma ostomia, na sua maioria, foi a neoplasia do reto (55,1%) e a neoplasia do colon (25,3%), sendo o tipo de ostomia mais predominante, a colostomia (77,8%) de carácter temporário (47,6%).

Verificou-se que a maioria dos participantes incluídos no estudo não tiveram contacto com outras pessoas com ostomia (72,9%), mais de metade dos participantes tiveram consulta de enfermagem pré-operatória (52,9%) e 49,8% dos participantes tiveram marcação do local do estoma.

No que refere ao tempo decorrido após a confeção da ostomia, verificou-se que 5,8% dos participantes se encontravam no período pré-operatório, sem nunca terem sido portadores de ostomia, 40,9% estavam no primeiro mês de pós-operatório (com uma média de 13 dias), e 53,3% estavam no período pós-operatório há mais de 1 mês, sendo este em média de 3 anos.

Na sua maioria (70%) os participantes tinham prestador de cuidados informal, que usualmente era o cônjuge ou o(a) filho(a).

A recolha de dados passou pela aplicação do formulário Desenvolvimento da Competência de Autocuidado da Pessoa com Ostomia de Eliminação Intestinal previamente construído por Cardoso (2011), Silva (2012) e Gomes (2012).

O processo de construção do instrumento iniciou-se pela definição do conceito de competência no autocuidado à ostomia de eliminação. Posteriormente foram identificados os indicadores que permitem mensurar o constructo em análise, com base na classificação dos resultados de enfermagem (NOC), na revisão da literatura e na experiência profissional de cada uma das autoras.

Para a organização da informação no formulário, Cardoso (2011), Silva (2012) e Gomes (2012) tiveram por base o instrumento elaborado por Schumacher, Stewart, e Archbold, Dodd, e Dibble (2000) que avalia a habilidade de cuidar por parte do prestador de cuidados informal, face à natureza multidimensional da competência de autocuidado à ostomia. Com base nessa informação identificaram seis domínios e fizeram corresponder a cada um deles os respetivos indicadores que o concretizam enquanto fundamentais para a avaliação da competência de autocuidado à ostomia: o conhecimento (Con) com nove indicadores, a autovigilância (AVig) com sete indicadores, a interpretação (Int) com quatro indicadores, a tomada de decisão (TDec) com quatro indicadores, a execução (Exe) com 17 indicadores e a negociação e utilização dos recursos de saúde (NRec) com quatro indicadores.

O instrumento resultou, assim, num formulário com 45 itens, que para ser preenchido o inquiridor (investigador/enfermeiro) deve avaliar (questionando e/ou observando) a pessoa com ostomia, através dos indicadores relativos a cada um dos domínios da competência de autocuidado à ostomia de eliminação intestinal.

Estruturalmente, o instrumento divide-se em duas partes: a primeira é composta por perguntas direcionadas para a recolha de informação que permita caracterizar a pessoa do ponto de vista sociodemográfico, clínico e de tratamento. A segunda parte reporta-se à avaliação da competência de autocuidado à ostomia.

A grelha de avaliação é composta por uma escala tipo Likert de 5 pontos. O valor 1 correspondente a não demonstra, verificando-se que a pessoa com ostomia não demonstra competência de autocuidado porque não cumpre nenhum dos critérios de resultado definidos para cada indicador do domínio da competência; e o valor 5 demonstra totalmente, considerando que a pessoa com ostomia demonstra totalmente a competência de autocuidado porque cumpre todos os critérios de resultado definidos para os indicadores formulados para cada domínio da competência.

Os valores intermédios referem-se ao demonstra parcialmente. A pessoa com ostomia demonstra parcialmente a competência de autocuidado porque não cumpre todos os critérios definidores formulados para cada indicador do domínio da competência, mas cumpre pelo menos um. A atribuição de uma pontuação entre 2 e 4 varia de acordo com a avaliação do enfermeiro observador e está relacionada com o número de critérios de resultado demonstrados para cada indicador, nos domínios da competência definidos no manual de preenchimento do formulário, criado especificamente para o efeito.

Relativamente à aplicação do formulário à pessoa proposta para confeção de ostomia, apenas foi avaliado o domínio do conhecimento, sendo nos restantes domínios assinalada a opção Não se aplica.

No processo de recolha de dados foi solicitada a colaboração dos enfermeiros dos diferentes contextos, no sentido de selecionar os sujeitos da amostra, segundo os critérios já definidos, assim como na aplicação do formulário. Para tal, foi-lhes ministrada formação em contexto formal sobre o instrumento e a sua utilização.

Assim, a recolha de dados foi realizada pelos enfermeiros colaboradores dos contextos clínicos e/ou pelo investigador principal, entre abril de 2013 e maio de 2014.

Após a recolha dos dados foi realizado o tratamento dos dados utilizando o SPSS, na versão 20. A análise da normalidade da distribuição das variáveis foi realizada pelo teste Kolmogorov-Smirnov (KS), concluindo-se que a idade (KS=0,06; p=0,03) e os anos de escolaridade (KS=0,33; p= 0,000) não apresentavam uma distribuição normal.

Da análise da normalidade da distribuição dos itens conclui-se que também não tinham uma distribuição normal (em todos os itens p<0,05). Em contrapartida, os domínios do formulário apresentaram uma distribuição normal (Con: KS=0,14; p=0,20; AVig: KS=0,30; p=0,06; Int: KS=0,22; p=0,20; TDec: KS=0,19; p=0,20; Exe: KS=0,23; p=0,20; NRec: KS=0,30; p=0,05).

Um instrumento de medida deve possuir propriedades psicométricas rigorosas, como a validade e a fidelidade, e ainda propriedades clinimétricas, que permitem identificar o significado clínico dos resultados, destacando as mudanças clínicas fidedignas e significativas (Ribeiro, 2010).

Para o estudo da fidelidade do instrumento, recorreu-se ao alfa de Cronbach, ao teste das duas metades e à fidelidade interjuízes. Para a análise da validade realizou-se a análise fatorial e a correlação interdomínios.

No planeamento do estudo de investigação foi solicitada a autorização dos autores do instrumento para a sua utilização e edição. A investigação foi também autorizada pelas comissões de ética das instituições envolvidas. Relativamente aos participantes, estes foram informados sobre as razões da investigação, a sua finalidade e os seus objetivos. Foi fornecido um documento para que a pessoa, de forma formal, manifestasse a vontade livre e esclarecida de participar na investigação. Foi garantida a confidencialidade, assim como a voluntariedade e autonomia do sujeito para abandonar o estudo em qualquer momento.

 

Resultados

O estudo da fidelidade do formulário, realizado pela análise da consistência interna (Tabela 1), permitiu-nos verificar que o valor de alfa de Cronbach foi de 0,95, o que traduziu uma boa consistência interna (Ribeiro, 2010).

Foi analisada a correlação de cada item com o formulário global, verificando-se que apenas o item um apresentava uma correlação de -0,36 e o item dois uma correlação de 0,02. Os restantes itens apresentavam uma correlação superior a 0,30. Dada a relevância teórica dos itens, não se sugere a sua exclusão.

Considerando os valores do alfa de Cronbach para cada domínio isoladamente, verificou-se que à exceção do domínio do conhecimento, todos apresentaram um valor igual ou superior a 0,80. Quando considerada a possibilidade de eliminação de itens nesse domínio observou-se que elevava ligeiramente o valor de alfa do domínio, contudo não se verificava nenhuma mudança significativa. Para além disso a relevância teórica das questões refutou a sua eliminação. No entanto, os valores de todos os domínios foram de aceitáveis a bons (Ribeiro, 2010).

Durante o processo de recolha de dados, constatou-se um número reduzido de respostas à questão 41 (realiza a técnica de irrigação intestinal) incluída no domínio da execução. Assim, e com o intuito de compreender o impacto dos casos sem resposta válida a esta questão, na determinação do valor de alfa deste domínio, foi retirada essa questão, verificando-se que o valor de alfa passou de 0,86 para 0,94. No entanto, considerando a relevância teórica e prática do item, optou-se por considerar o alfa de Cronbach sem a sua exclusão.

Para o estudo da fidelidade, foi também efetuado o teste das duas metades (split-half). A opção recaiu pela divisão do formulário em dois subgrupos. Um primeiro com os itens pares (α=0,92) e outro subgrupo com os itens ímpares (α=0,91). Outras divisões poderiam ser consideradas, contudo a única forma de eliminar o erro associado às diversas possibilidades seria o de conceber todas as metades possíveis e estabelecer as diferentes relações entre essas metades. Contudo optámos por esta divisão com o intuito de avaliar a homogeneidade e coerência do constructo que o formulário pretende avaliar, que é a competência de autocuidado.

Recorrendo ao teste de correlação de Pearson, verificou-se que a correlação entre os dois grupos criados foi positiva, forte e estatisticamente significativa (r[7]=0,88; p=0,009), indicando que o formulário apresenta uma boa consistência interna entre os dois subgrupos de itens, o que confirma que o instrumento em análise cumpre os propósitos de avaliação de um conceito major para o qual foi criado.

Prosseguindo-se com a avaliação da fidelidade do instrumento, foi realizado o estudo da fidelidade interjuízes. Para tal, e numa subamostra de 25 utentes, foi realizado o preenchimento do formulário por dois observadores/avaliadores em simultâneo, analisando-se em seguida as correlações entre as duas observações (Fortin, 2003).

Neste sentido foi possível verificar que existia uma elevada correlação entre as aplicações realizadas pelos dois avaliadores, nomeadamente nos domínios: Conhecimento, Interpretação e Tomada de decisão com uma correlação igual ou superior a 0,98. Nos domínios da Autovigilância e Negociação e utilização dos recursos em saúde não foi possível avaliar a concordância, pois pelo menos um dos juízes manteve a mesma opção de resposta a todos os itens, sendo então considerada uma constante, razão pela qual não foi possível calcular a correlação utilizando o programa SPSS.

Ainda na avaliação da concordância interjuízes, e nomeadamente no domínio da Execução, foi excluído o item 41, uma vez que todos os participantes (n=25) tinham a opção de resposta, não aplicável. Após a sua exclusão, constatou-se que a correlação era perfeita, isto é, existe uma concordância total entre as respostas do juiz A e o juiz B. Os resultados obtidos são apresentados na Tabela 2.

O estudo da validade iniciou-se pela análise fatorial, para confirmar a eventual dimensionalidade do formulário. Recorreu-se inicialmente à análise fatorial exploratória pelo método da análise das componentes principais com a opção dos valores próprios superiores a um, sem forçar o número de fatores e constatou-se que deu lugar a uma estrutura de seis fatores. No entanto, a estrutura resultante da distribuição dos itens não se coadunava com o constructo teórico em estudo. Assim, posteriormente, de forma a maximizar a saturação dos itens, foi tentada uma nova análise de componentes principais pelo método Kaiser com rotação Varimax e depois com rotação Oblimin com o intuito de forçar os itens a agrupar-se em subescalas com mais coerência teórica, contudo os resultados foram equiparáveis à análise anterior.

Na análise convergente discriminante do item, os resultados assemelharam-se aos resultados verificados nas diferentes tentativas da análise fatorial. Por esta mesma razão, o teste da validade convergente-descriminante do item não foi incluído.

Com o estudo da correlação interdomínios do formulário (Fortin, 2003), pretendemos analisar de que forma o constructo em análise (competência de autocuidado) era composto pelos diferentes domínios, cuja evidência sugere. Assim, analisámos a correlação interdomínios, que resultou numa correlação positiva, com força de associação moderada a alta, e estatisticamente significativa, indicando que todos os domínios concorrem para o constructo em estudo, embora meçam componentes diferentes (Tabela 3).

No domínio da Execução, inicialmente, verificou-se uma correlação estatisticamente significativa apenas com o domínio da Autovigilância e a da Negociação e utilização de recursos em saúde, constatando-se que o número de casos incluídos era muito reduzido. Assim, numa tentativa de compreender a razão do sucedido, foram analisadas as questões do domínio da Execução e verificámos que o número de casos em que a questão 41 foi considerada como válida foi muito reduzido. Este aspeto levou-nos a retirar esse item, o que influenciou consideravelmente os resultados, como se pode verificar na Tabela 3.

Assim, procedeu-se à exclusão da questão 41 na análise das correlações, dado o número reduzido de respostas válidas, o que reduzia o número de casos a analisar no domínio da execução.

Para concluir o estudo das propriedades métricas, recorreu-se ao ensaio da sensibilidade clínica do instrumento (Ribeiro, 2010).

Iniciamos este processo analisando de que forma a competência para o autocuidado à ostomia era influenciado pelo tipo de ostomia (temporária/definitiva), não se tendo verificado nenhuma associação estatisticamente significativa.

Verificou-se ainda que a pessoa com prestador de cuidados informal apresentava um menor nível de competência para o autocuidado à ostomia de eliminação intestinal em todas as dimensões analisadas (p<0,05).

Para finalizar a análise da sensibilidade do instrumento, relacionou-se os anos de escolaridade com a competência para o autocuidado à ostomia de eliminação. Verificaram-se diferenças significativas no domínio do Conhecimento (r[189]=0,20; p=0,005), no domínio da interpretação (r[185]=0,33; p=0,000) e no domínio da Tomada de decisão (r[168]=0,24; p=0,002), sendo esta correlação significativa mas fraca, revelando que quanto mais anos de escolaridade, maior a competência para o autocuidado à ostomia de eliminação intestinal nestes domínios.

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi avaliar as propriedades psicométricas do formulário Desenvolvimento da Competência de Autocuidado da Pessoa com Ostomia de Eliminação Intestinal de forma a possibilitar a sua utilização na investigação e na prática clínica de Enfermagem.

Após a aplicação do formulário a uma amostra de 225 pessoas, os dados foram analisados e testadas as propriedades psicométricas e clinimétricas.

No estudo da fidelidade, este apresentou uma boa consistência interna para o total do formulário e correspondentes domínios. No entanto devemos salientar que um valor de alfa de Cronbach de 0,95 pode sugerir multicolinearidade, carecendo de mais estudos.

O teste das duas metades permite-nos perceber a correlação e confiabilidade do instrumento, partindo da premissa que o mesmo individuo terá um score médio semelhante nas duas metades. Os resultados obtidos sugeriram-nos que a correlação entre os dois grupos era forte, significativa e positiva, tendo-se concluído que existia uma homogeneidade no formulário, que avalia concordantemente o mesmo constructo, apesar de incluir diferentes componentes.

No estudo da fidelidade interjuízes, os resultados obtidos foram de elevada concordância. De salientar a correlação perfeita no domínio da Execução, possivelmente relacionada com a maior facilidade de mensuração, dada a objetividade de avaliação dos itens deste domínio.

No domínio do Conhecimento, da Interpretação e no domínio da Tomada de Decisão, os valores foram de encontro ao expectável, pois situaram-se entre 0,8 e 1 (Fortin, 2003), o que significa que os resultados obtidos com a aplicação do formulário não são influenciados pela subjetividade e características do observador.

No domínio da Autovigilância e da Negociação e utilização dos recursos em saúde, não foi possível avaliar o nível de concordância entre os juízes, pois pelo menos um dos juízes registou sempre o mesmo valor neste domínio, sendo então assumido como uma constante. O mesmo se verificou no domínio da Execução. Contudo, constatou-se que a questão 41 não era aplicável aos 25 participantes e por esta razão optou-se por exclui-la. Neste sentido, a análise dos resultados relativos a este domínio devem ser realizadas com alguma prudência.

Para o estudo da validade do instrumento assumiu-se como assegurada a validade de conteúdo, realizada previamente pelas autoras do instrumento aquando da sua construção. Para tal, as autoras utilizaram uma metodologia de focus group com peritos da área de conhecimento em estudo, com definição de consensos de grupo.

A validade de constructo estudou-se pela análise fatorial exploratória pelo método da análise das componentes principais. No entanto, o resultado obtido era uma estrutura em que apesar de se agruparem em seis fatores, estes quando analisados à luz da evidência científica e do objetivo do instrumento, não tinham coerência, tendo-se optado por não incluir este teste.

No estudo das correlações entre os vários domínios do formulário, verificou-se que foram positivas e significativas, variando entre 0,50 e 0,87, o que se constituiu como um bom indicador da validade do seu conteúdo, confirmando que todos os domínios estão direcionados para a avaliação do mesmo constructo teórico, contudo avaliando as suas diferentes componentes.

O domínio da Execução apresentou a associação menor com os restantes domínios. Este facto pode ser justificado pelo desenvolvimento apenas da capacidade de execução da pessoa, sem conhecimento que sustente o procedimento. Neste sentido não há interpretação nem tomada de decisão nos cuidados à ostomia.

Relativamente aos restantes domínios, apesar de apresentarem uma correlação significativa, verificou-se que é inferior na Tomada de Decisão com a Execução e com o Conhecimento. Tal constatação pode, possivelmente, ser justificada pela prevalência de processos de tomada de decisão não fundamentados e direcionados apenas para a execução dos cuidados à ostomia, cumprindo e replicando um procedimento previamente aprendido.

Para terminar o estudo das propriedades métricas do instrumento, foi analisada a sensibilidade clínica do mesmo.

Quando observada a variável do tipo de ostomia quanto à sua duração, segundo Boyles (2010) quando o tipo de ostomia é temporário, a pessoa não sente a real necessidade de se adaptar totalmente à sua ostomia, por saber que a situação é reversível.

Quando considerados os resultados obtidos, verificou-se que não existia nenhuma associação estatística significativa entre a duração da ostomia (temporária/definitiva) e o nível de competência para o autocuidado.

Na análise da relação entre a presença de prestador de cuidados e o nível de competência para o autocuidado à ostomia de eliminação intestinal, O'Connor (2005) refere que a pessoa com ostomia considera como provedor de segurança e conforto ter um prestador de cuidado informal educado sobre os cuidados à ostomia. Contudo este aspeto poderá resultar numa possível transferência de responsabilidades da pessoa com ostomia para o prestador de cuidados informal.

Posto isto, verificou-se que os resultados obtidos na amostra vão de encontro com a literatura de referência (O'Connor, 2005) e efetivamente, a pessoa com ostomia de eliminação intestinal com prestador de cuidados informal manifesta um menor nível de competência no autocuidado.

Por fim, no que se refere à variável anos de escolaridade, Phaneuf (2005), refere que o nível de instrução é um dos fatores que determinam a capacidade de aprendizagem e, no mesmo sentido, a Organização Mundial de Saúde refere o baixo grau de escolaridade como fator que influencia negativamente a adesão ao regime terapêutico (World Health Organization, 2003).

Pela análise da nossa amostra, quando comparado o número de anos de escolaridade com o nível de competência, verificou-se que à medida que o número de anos de escolaridade da pessoa com ostomia aumenta, maior o nível de competência demonstrada, nomeadamente no domínio do Conhecimento, no domínio da Interpretação e no domínio da Tomada de Decisão.

Assim sendo, pelos resultados obtidos, o instrumento em estudo cumpre os critérios de validade e fidelidade, necessários para poder ser utilizado, com alguma segurança, em estudos sobre a competência de autocuidado da pessoa com ostomia de eliminação intestinal, bem como no acompanhamento ao longo de todo o processo de transição.

No entanto, os resultados deste estudo, a utilização do formulário e o planeamento de novas pesquisas devem ter em consideração algumas limitações deste trabalho. A técnica de amostragem foi não probabilística por conveniência, não permitindo extrapolar para a população os resultados obtidos, para além de se circunscrever à região limitada do norte de Portugal, sugerindo-se alargar o terreno de pesquisa.

A ausência de um espaço próprio para a aplicação do instrumento, não permitiu em alguns momentos avaliar o domínio da Execução. Este aspeto pode ter influenciado os resultados obtidos neste domínio.

Também a presença de enfermeiros para colaborarem na recolha de dados, poderia ser à partida considerado um risco de viés. Contudo foram tomadas precauções para o reduzir ao máximo, através da formação, explanação de exemplos práticos, utilização do manual de preenchimento e acompanhamento contínuo. Por outro lado, a presença de colaboradores na recolha de dados teve aspetos positivos, na medida em que permitiu perceber a perceção dos enfermeiros relativamente às vantagens da utilização do instrumento, assim como as dificuldades sentidas e eventuais sugestões de melhoria.

Apesar das limitações referidas, o formulário é rigoroso e evidencia-se como uma ferramenta útil para avaliar o desenvolvimento da competência de autocuidado à ostomia, permitindo definir planos de intervenção mais ajustados.

 

Conclusão

A presença de uma ostomia de eliminação intestinal é um importante desafio para os profissionais de saúde, para os doentes e para aqueles que com o doente coabitam.

A intervenção específica e sistemática de Enfermagem influencia positivamente o percurso de adaptação à circunstância de viver com uma ostomia (Sousa, Santos, & Graça, 2015). Neste sentido, os desafios impostos por esta nova condição poderão ser facilitados com a existência de instrumentos teoricamente sólidos e clinicamente relevantes, que permitam ao enfermeiro orientar e avaliar a prestação de cuidados de saúde de forma mais completa, rigorosa e ajustada.

A investigação desenvolvida responde ao objetivo delineado e conclui que este instrumento de avaliação da competência de autocuidado à ostomia apresenta boas qualidades psicométricas e clinimétricas, designadamente validade, fidelidade e sensibilidade clínica, garantindo a veracidade e verosimilhança dos dados obtidos com a sua aplicação. No entanto, o instrumento encontra-se numa fase de estudo preliminar e necessita de estudos em amostras mais alargadas assim como a necessidade de explorar mais exaustivamente as propriedades clinimétricas.

Consideramos que o presente estudo, para além de permitir dar mais um passo no conhecimento da transição vivenciada pela pessoa com ostomia, ajuda o enfermeiro no acompanhamento e apoio personalizado à pessoa nas diferentes fases da sua adaptação à nova condição. A utilização do formulário permitirá assegurar a continuidade de cuidados através de uma monitorização contínua e rigorosa, assim como o registo e transmissão da informação relativa ao autocuidado à ostomia nos diferentes contextos, contribuindo para uma melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem à pessoa com ostomia de eliminação intestinal.

 

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Recebido para publicação em: 30.07.15

Aceite para publicação em: 29.01.16

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