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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.9 Coimbra maio 2016
https://doi.org/10.12707/RIV15026
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Depressão em adolescentes em meio escolar: Projeto + Contigo
Adolescent depression in schools: + Contigo Project
Depresión en adolescentes en las escuelas: Proyecto + Contigo
Maria Pedro Queiroz de Azevedo Erse*; Rosa Maria Pereira Simões**; Jorge Daniel Neto Façanha***; Lúcia Amélia Fernandes Alves Marques****; Cândida Rosalinda Exposto Costa Loureiro*****; Maria Ermelinda Teixeira Sampaio Matos******; José Carlos Pereira Santos*******
* RN., Enfermeira especialista, CHUC, EPE- Polo Sobral Cid, 3040-714. Coimbra, Portugal [mariaerse80@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados, escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Dr. Pedro Lemos nº 62 1º Esq, Lousã, 3040-714, Castelo Viegas, Portugal.
** Msc., Enfermeira, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Portugal [rosasimoes18@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados, revisão do artigo.
*** Msc., Enfermeiro, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Portugal [jorgefacanha@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados, revisão do artigo.
**** Msc., Enfermeira especialista, Enfermagem Comunitária, Departamento de Saúde Pública, ARS do Centro, 3000-011, Portugal [lucia.amelia.marques@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados, revisão do artigo.
***** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [candida@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: recolha de dados, revisão do artigo.
****** RN., Enfermeira, UCSP Mealhada, Agrupamento de Centros de Saúde do Baixo Mondego, 3050-000, Coimbra, Portugal [ermelindamatos64@hotmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados, revisão do artigo.
******* Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [jcsantos@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: Contribuição no artigo: recolha de dados, revisão do artigo.
RESUMO
Enquadramento: A depressão nos adolescentes é considerada um problema de saúde pública em Portugal, embora não existam dados epidemiológicos nacionais. Envolve um elevado grau de mortalidade, principalmente por suicídio. O suicídio corresponde à 3.ª causa de morte entre os 15 e os 24 anos.
Objetivos: Avaliar a presença e severidade de sintomas depressivos numa população não clínica de adolescentes.
Metodologia: É um estudo descritivo e transversal, de natureza quantitativa utilizando a versão portuguesa do Inventário de Depressão de Beck (BDI-II). A amostra foi constituída por 741 adolescentes.
Resultados: Apresentam depressão 31,2% dos adolescentes e destes 17,7% apresentam sintomatologia depressiva moderada a grave. As raparigas evidenciam níveis de depressão mais elevados (p=0,00). A média das pontuações totais no BDI-II foi de 12.
Conclusão: Atendendo à elevada vulnerabilidade dos adolescentes para a depressão e suicídio, é essencial a implementação de programas de prevenção em meio escolar que promovam a deteção precoce da depressão e de comportamentos suicidários e a referenciação para os serviços de saúde mental.
Palavras-chave: adolescentes; depressão; suicídio; prevenção
ABSTRACT
Background: Adolescent depression is considered a public health issue in Portugal, despite the lack of national epidemiological data. It involves a high degree of mortality, namely by suicide, which is the third leading cause of death in the 15-24 age group.
Objectives: To assess the presence and severity of depressive symptoms in a non-clinical population of adolescents.
Methodology: This is a quantitative, descriptive and cross-sectional study, using the Portuguese version of the Beck Depression Inventory (BDI-II). The sample was composed of 741 adolescents.
Results: The results show that 31.2% of the adolescents have depression and, of these, 17.7% have moderate to severe depressive symptoms. Girls have higher levels of depression (p=.00). The total mean score in the BDI-II was 12.
Conclusion: Given the adolescents' high vulnerability to depression and suicide, it is essential to implement prevention programs in schools to promote the early detection of depression and suicidal behaviors, and the referral to mental health services.
Keywords: adolescents; depression; suicide; prevention
RESUMEN
Marco contextual: La depresión en los adolescentes se considera un problema de salud pública. En Portugal no hay datos epidemiológicos nacionales para la depresión en adolescentes. Este problema conlleva un grado elevado de mortalidad, principalmente por suicidio. El suicidio es la tercera causa de muerte entre los 15 y los 24 años.
Objetivos: Evaluar la presencia y la severidad de los síntomas depresivos en una población no clínica de adolescentes.
Metodología: Se trata de un estudio descriptivo y transversal, cuantitativo, para el cual se utilizó la versión portuguesa del Inventario de Depresión de Beck (BDI-II). La muestra estuvo formada por 741 adolescentes con una edad media de 13,85 años.
Resultados: El 31,2% de los adolescentes sufre depresión y, de estos, el 17,7% tiene síntomas depresivos moderados o severos. Las chicas muestran niveles más elevados de depresión (p=0,00). La media de las puntuaciones totales en el BDI-II fue de 12.
Conclusión: Dada la elevada vulnerabilidad de los adolescentes a la depresión y al suicidio, es esencial poner en práctica programas de prevención en las escuelas que promuevan la detección precoz de la depresión y de los comportamientos suicidas, así como la derivación a los servicios de salud mental.
Palabras clave: adolescentes; depresión; suicidio; prevención
Introdução
O suicídio encontra-se a nível mundial entre as cinco principais causas de morte na faixa etária dos 15-19 anos, e se nos cingirmos ao grupo etário dos 15-24 anos, corresponde à terceira causa de morte (Callahan, Liu, Purcell, Parker, & Hetrick, 2012; World Health Organization [WHO], 2014). O suicídio em adolescentes assume-se, por esta razão, como uma preocupação em termos de saúde pública e saúde mental, com importantes repercussões familiares e sócioeconómicas (Santos, Erse, Façanha, Marques, & Simões, 2014).
O suicídio em Portugal continua a ser um fenómeno que atinge maioritariamente os idosos. Contudo, para além da subnotificação dos casos de suicídio, atualmente assiste-se a um aumento dos anos de vida potencialmente perdidos, o que pode indiciar um aumento de suicídios em pessoas cada vez mais jovens (Direção Geral de Saúde [DGS], 2013). No ano de 2012, em Portugal a taxa global de suicídio foi de 10,2/100 mil habitantes e concretamente nos adolescentes dos 15 aos 24 anos foi de 3/100 mil habitantes, sendo 4,5 nos rapazes e 1,4 nas raparigas.
O espetro da conduta suicidária inclui os atos suicidas (suicídio e tentativa de suicídio) e os comportamentos autolesivos. No que diz respeito aos atos suicidas, os rapazes cometem mais suicídio, recorrendo a métodos mais letais como a precipitação e o uso de armas de fogo. Nas raparigas são mais frequentes as intoxicações medicamentosas, sobretudo com psicofármacos (Wilcox et al., 2010; DGS, 2013).
Importa realçar que os comportamentos autolesivos são os mais comuns entre adolescentes e jovens adultos e caraterizam-se por automutilações ou intoxicações/sobredosagem sem intenção suicida (DGS, 2013; Wilcox et al., 2010). Estes comportamentos simulam longinquamente a vontade de terminar a vida e constituem uma forma de expressar e lidar com a angústia e dor psicológica profundas, em que a dor física cumpre o alívio da dor psicológica e confere ao adolescente uma sensação de controlo sobre si próprio (Reis, Figueira, Ramiro, & Matos, 2012). Entre 13% a 25% dos adolescentes e jovens adultos referem ter tido pelo menos um episódio de violência autodirigida ao longo da sua vida e ocorre com maior incidência em jovens do género feminino (Wilcox et al., 2010).
Reis et al. (2012) referem um estudo realizado em 2010, que envolveu 5050 adolescentes portugueses, com uma média de idades de 14 anos, em que se verificou que 15,6% dos adolescentes mencionaram ter tido pelo menos um comportamento de violência autodirigida nos últimos 12 meses. Os métodos mais comuns foram as automutilações e ingestão de doses subletais de tóxicos ou medicação.
A presença de ideação suicida e de comportamentos autolesivos representam importantes preditores para a tentativa de suicídio nos adolescentes e está por isso associada ao risco de suicídio (Nock et al., 2013; Wilcox et al., 2010).
Inúmeros autores reforçam que os comportamentos suicidários na adolescência ocorrem na maioria das vezes associados a quadros psiquiátricos de elevado risco. O diagnóstico de doença mental está presente em cerca de 90% dos jovens que se suicidaram, estimando-se que 60% aconteçam no contexto de uma depressão (DGS, 2013).
O Projeto + Contigo é um projeto de investigação longitudinal baseado numa intervenção multinível em rede no âmbito da promoção da saúde mental e bem-estar e da prevenção de comportamentos da esfera suicidária. Neste contexto, o estudo tem como objetivo avaliar a presença e severidade de sintomas depressivos numa população não clínica de adolescentes.
Enquadramento
Dados epidemiológicos revelam taxas de prevalência da depressão em adolescentes entre 3% a 9% e uma prevalência cumulativa de 20% até o final da adolescência, com uma taxa de recorrência de 60-70% (Callahan et al., 2012). Verifica-se uma discrepante predominância no género feminino, com episódios mais duradouros e com maior risco de cronicidade (Nock et al., 2013).
A depressão na adolescência é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade, associada a dificuldades nas relações interpessoais, a défices no desempenho académico e ao aumento do risco para o abuso de substâncias, comportamento agressivo, atividade sexual inadequada e comportamento suicida (Brochado & Brochado, 2008).
Vários estudos em populações adolescentes alertam para a gravidade do contexto psicopatológico depressivo associado ao comportamento suicidário (Callahan et al., 2012; Iosue et al., 2012), evidenciando a forte relação entre a depressão, presença de ideação suicida e os comportamentos suicidários.
Embora seja comum nesta faixa etária, a depressão está claramente subdiagnosticada. Por outro lado surgem algumas discrepâncias nos dados encontrados, o que pode ser explicado, em parte, por diferentes definições e metodologias de diagnóstico (Balázs et al., 2013). Todavia, utilizando o mesmo instrumento de avaliação, o Beck Depression Inventory (BDI II), podemos verificar na Tabela 1, que a depressão moderada e severa oscila nos adolescentes entre os 9,2% e 14% e que tem maior prevalência entre as raparigas.
Inúmeras causas podem estar na origem das dificuldades diagnósticas e atraso no início do tratamento: estigma associado às doenças mentais, apresentação atípica da sintomatologia, falta de formação adequada dos profissionais de saúde, descrença no sucesso dos tratamentos e as barreiras no acesso aos cuidados de saúde mental (Wilcox et al., 2010).
É consensual que a depressão nos adolescentes tem manifestações específicas nesta faixa etária, contudo é possível serem encontrados sintomas que se assemelham aos quadros depressivos em adultos. A irritabilidade, os episódios de agressividade, o consumo de álcool e outros tipos de substâncias, as dificuldades na concentração, os prejuízos no desempenho escolar e social, a baixa autoestima, a ideação suicida e a adoção de comportamentos da esfera suicidária, são manifestações típicas da depressão em adolescentes (Paranhos, 2009; Santos & Neves, 2014).
Callahan et al. (2012) alertam que é frequente, sobretudo na população adolescente, as manifestações depressivas apresentarem-se por queixas físicas múltiplas. Torna-se essencial a identificação dos distúrbios somáticos para que o quadro psicopatológico não seja mascarado por sintomas subtis e de difícil reconhecimento como cefaleias, dores musculares, palpitações e obstipação. Esta tendência para a somatização dos sintomas depressivos parece estar relacionada com a incapacidade de comunicar emoções e pensamentos negativos.
Em Portugal a taxa de prevalência da depressão em adultos é de 25,8% ao longo da vida e 7,9% nos últimos 12 meses (Caldas de Almeida & Xavier, 2013). Todavia não há dados nacionais para a prevalência da doença mental nos adolescentes.
Constituindo um grupo em maior risco de suicídio, nos adolescentes deprimidos torna-se essencial estabelecer claramente os fatores que potenciam os comportamentos suicidários e tratar o mais precocemente a depressão. O tratamento tem como finalidade a resolução dos sintomas depressivos e melhoria do funcionamento intra e interpessoal, escolar, familiar e social do adolescente. Os tratamentos mais promissores envolvem uma combinação da psicoterapêutica e psicoterapia, das quais se destacam a terapia cognitivo-comportamental, terapia interpessoal e terapia comportamental dialética (Ordem dos Enfermeiros, 2012; Reis et al., 2012).
As guidelines internacionais e nacionais defendem que os métodos mais efetivos na prevenção do suicídio resultam da sinergia de várias estratégias como a deteção precoce e o correto tratamento das perturbações mentais, e em particular da depressão, a restrição aos meios letais, o reforço dos fatores protetores e a redução dos fatores de risco (DGS, 2013; Santos, Erse et al., 2014; WHO, 2014).
O Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013/2017 (DGS, 2013) defende a necessidade de programas de prevenção em contexto escolar e apresenta ações prioritárias a serem desenvolvidas com os adolescentes, sinalizando estratégias como a realização de campanhas de prevenção nas escolas centradas na redução do estigma e na identificação precoce da depressão e comportamentos suicidários, e na maior acessibilidade aos serviços de saúde.
Inúmeros autores afirmam que a escola é um local privilegiado para uma intervenção preventiva no que diz respeito à deteção precoce da doença mental e referenciação para os serviços de saúde mental. Os profissionais de saúde, e em particular os dos cuidados de saúde primários, e os agentes educativos são elementos em situação privilegiada para sinalizar e encaminhar adolescentes em risco, estando alerta para os sinais de depressão e comportamentos suicidários (Santos, Erse et al., 2014; Santos, Simões, Erse, Façanha, & Marques, 2014).
Neste contexto, a escola assume-se como centro promotor de saúde mental, pelo investimento em estratégias que favoreçam o desenvolvimento de competências pessoais e individuais, de atitudes positivas em relação a si e aos outros, da resiliência e que promovam a coesão de grupo, o ambiente escolar saudável, os comportamentos de procura de ajuda, a redução do estigma em saúde mental e a prevenção ou identificação precoce de doença mental e de comportamentos suicidários (Simões, Erse, Façanha, & Santos, 2014).
Questão de investigação
Qual a incidência e severidade de depressão nos adolescentes das escolas no projecto +Contigo, no ano lectivo 2011/2012?
Metodologia
O Projeto + Contigo, desenvolvido pelos autores, tem como objetivos principais promover a saúde mental e bem-estar e prevenir os comportamentos suicidários em adolescentes do 3º ciclo e secundário que frequentam os estabelecimentos de ensino de Portugal. Tem como entidades promotoras a Administração Regional de Saúde Centro, a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e a Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E).
Atendendo ao seu modelo conceptual é considerado um programa multiníveis, uma vez que promove o aumento de conhecimentos acerca do suicídio e de competências no que diz respeito ao reconhecimento e encaminhamento de situações de risco, envolvendo toda a comunidade educativa (pais e encarregados de educação, agentes educativos e alunos) e profissionais de saúde da área de referência.
Com os adolescentes é realizada uma intervenção especializada ao longo do ano letivo, utilizando jogos socioterapêuticos que incidem sobre o estigma em saúde mental, a adolescência, o bem-estar físico e mental, o autoconceito, a depressão e as estratégias de resolução de problemas. A avaliação da intervenção é realizada em três momentos específicos: avaliação 1 (avaliação diagnóstica - antes do início da intervenção), avaliação 2 (após intervenção) e avaliação 3 (6 meses após a intervenção); através de um questionário composto por várias escalas que permitem a parametrização de variáveis como o bem-estar, coping, auto-conceito e depressão (Santos, Erse et al., 2014).
Quanto aos aspetos formais e éticos foi realizado um pedido de autorização aos Serviços de Projetos Educativos da Direção Geral de Educação para a aplicação do Questionário + Contigo (inquérito n.º 0224900002), garantindo o anonimato e a confidencialidade dos participantes. O Projeto + Contigo é integrado no Plano Educativo de cada Agrupamento/Escola, com a devida autorização dos pais e encarregados de educação para a aplicação dos questionários.
Neste contexto, cingir-nos-emos aos dados relativos à avaliação da depressão na primeira fase do projecto, sem intervenção prévia.
A recolha de dados ocorreu entre os meses de setembro e novembro do ano letivo 2011/2012. A amostra por conveniência foi seleccionada tendo em conta o plano de saúde escolar de cada instituição, tendo sido constituída por 741 alunos oriundos de 7 Agrupamentos de Escolas (Mealhada, Tocha, Figueira da Foz, Estarreja, Ovar, Alhadas, Anadia) pertencentes a dois agrupamentos de centros de saúde (Baixo Mondego e Baixo Vouga). O preenchimento do questionário foi realizado em sala de aula de forma anónima, supervisionado pelos dinamizadores locais, tendo sido colocados em envelopes fechados.
O Inventário de Depressão de Beck (BDI), desenvolvido por Beck, Steer, e Brown (1996), é um dos instrumentos de autoadministração mais utilizados para a deteção e medição da intensidade da sintomatologia depressiva.
Este inventário foi modificado surgindo uma nova versão, o BDI-II, que é utilizado no presente estudo. É composto por 21 itens, cada um com quatro afirmações/alternativas de resposta, exceto os itens 16 e 18, em que existem sete afirmações, entre as quais o indivíduo seleciona a mais ajustada a si mesmo para descrever como se sentiu nas duas últimas semanas, incluindo o dia atual. As pontuações parciais por item variam entre 0 e 3 pontos. A pontuação total corresponde à intensidade da depressão mensurada a partir de um gradiente de gravidade, e resulta da soma dos itens individuais podendo alcançar o máximo de 63 pontos. As pontuações globais de 0 a 13 representam sintomatologia depressiva mínima, as de 14 a 19 - sintomatologia ligeira, de 20 a 28 - sintomatologia moderada e pontuações superiores a 29 representam sintomatologia depressiva grave ou severa (Beck et al., 1996).
O BDI II é um instrumento amplamente utilizado em populações clínicas e não clínicas de adolescentes (Tabela 1). Estudos das propriedades psicométricas do BDI-II neste grupo etário incluem os contributos de Beck et al. (1996), Coelho et al. (2002), Osman et al. (2008) e Iosue et al. (2012).
Para além da interpretação da pontuação global obtida, Beck et al. (1996) atribuem particular importância à análise do conteúdo dos itens específicos. Uma análise aos itens específicos que pontuaram e a pontuação atribuída a cada um deles podem obviar situações de maior gravidade que a pontuação total não esclarece. Os autores sugerem especial atenção aos itens que integram o diagnóstico de depressão e que avaliam ideação suicida e pessimismo, preditivos de um comportamento suicidário. Assim, as situações em que se verifique a conjugação dos itens 2 (pessimismo) e 9 (pensamentos ou desejos suicidas) com pontuações diferentes de zero associados a qualquer nível de depressão, principalmente ao moderado ou ao grave, exigem uma avaliação e intervenção mais pormenorizadas junto dos adolescentes e família, uma vez que indiciam risco de conduta suicida (Beck et al., 1996; Paranhos, 2009).
Os dados obtidos através da aplicação do instrumento de colheita de dados, foram tratados informaticamente, utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.00 para Windows XP.
Resultados
A amostra foi constituída por 741 adolescentes, com predominância do género masculino (53,17%), que frequentavam o 8º ano de escolaridade (60,7 %) e com uma idade média de 13,85 anos.
O Agrupamento de Escolas com maior representação foi o da Mealhada com 215 alunos.
Prevalência da depressão
A média das pontuações totais no BDI-II da amostra em estudo foi de 12, variando entre a mínima de 2 e a máxima de 62 e com um desvio padrão de 9,55. Da amostra, 31,2% dos adolescentes apresenta sintomatologia depressiva, dos quais 17,7% apresenta sintomatologia depressiva moderada a severa.
As raparigas obtiveram pontuações médias totais mais elevadas (X = 13,48) que os rapazes (X = 10,70), sendo esta diferença estatisticamente significativa (t = -3,97; p = 0,00).
Na Tabela 2 constata-se que 14,47% dos rapazes (n=57) e 21,3% das raparigas (n=74) apresentam sintomatologia depressiva moderada a severa. Refira-se também que dos 131 adolescentes que apresentam depressão moderada a grave, 82,4% tem entre 13 e os 15 anos de idade e existe maior incidência nas raparigas, embora não havendo correlação estatisticamente significativa.
Procurando obviar da amostra o grupo de alunos em maior risco de assumir um comportamento suicidário, obtivemos que dos 741 alunos, 69 estão em maior risco de adotar um comportamento suicidário, o que equivale a 9,3% da amostra. Acresce ainda que dos 69 adolescentes, se mantém a predominância do género feminino (41) e no período dos 13 aos 15 anos.
Discussão
Na amostra em estudo, a média das pontuações totais obtidas foi de 12. Este valor indica que no global a amostra apresenta sintomatologia depressiva mínima (Beck et al., 1996). Se tomarmos por referência o ponto de corte sugerido por Coelho et al. (2002), podemos concluir que no global os adolescentes da amostra não se apresentam deprimidos (pontuações totais BDI II ≤ 13 - sem sintomatologia depressiva).
Atendendo aos estudos referenciados na Tabela 1, constatamos resultados semelhantes obtidos nos estudos de Coelho et al. (2002), Brochado e Brochado (2008) e Osman et al. (2008). No entanto nestes estudos a média de idades das amostras são superiores às do presente estudo. Podemos observar que nos estudos de Paranhos (2009) e Iosue et al. (2012) as pontuações médias do BDI II são marcadamente inferiores às obtidas no presente estudo.
No que diz respeito às pontuações globais do BDI II obtivemos que 68,8% dos adolescentes apresenta depressão mínima, 13,5% depressão ligeira, 11,3% depressão moderada e 6,4% depressão grave ou severa. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Brochado e Brochado (2008).
Ao analisarmos os adolescentes que obtiveram pontuações totais correspondentes a depressão moderada a grave, podemos constatar diferenças significativas. No presente estudo, 17,7% dos elementos da amostra pontuaram depressão moderada a grave (BDI II ≥ 20; Beck et al., 1996). O mesmo nível de depressão foi encontrado noutros estudos, embora com percentagens diferentes: em Brochado e Brochado (2008) 14%, em Paranhos (2009) 13,5%, e em Iosue et al. (2012) 9,2%. No estudo de prevalência da depressão na Europa (Saving and Empowering Young Lives in Europe - SEYLE), que envolveu 12395 adolescentes de 11 países, com média de idades de 14,81, foram encontrados níveis de depressão moderada a grave com prevalências díspares, como por exemplo na Hungria (7,1%), Espanha (8,6%), Alemanha (12,9%), França (15,4%) e Israel (19,4%; Iosue et al., 2012).
Como podemos constatar existem expressas diferenças na prevalência da depressão nos inúmeros estudos apresentados, estas diferenças podem ser fundamentadas e estar relacionadas, para além de outros fatores, com os diferentes contextos culturais, sociais, económicos e religiosos em que os adolescentes se encontram inseridos. Em Portugal, os elevados valores encontrados, não poderão ser desligados da crise sócioeconómica que emergia na data da recolha de dados.
No presente estudo, as raparigas obtiveram pontuações médias totais (13,48) mais elevadas que os rapazes (10,70), sendo esta diferença estatisticamente significativa. Resultados semelhantes, embora mais baixos, são encontrados na generalidade dos estudos (Brochado & Brochado, 2008; Coelho et al., 2002; Isoue et al, 2012).
Na presente amostra verifica-se maior prevalência da sintomatologia depressiva no género feminino como se pode constatar na Tabela 2. Estes dados são corroborados por inúmeros autores (Coelho et al., 2002; WHO, 2014). Observa-se também que a incidência da sintomatologia depressiva moderada a grave é predominante no género feminino (21,3%) em relação ao género masculino (14,47%). Resultados mais elevados para ambos os géneros do que no estudo de Brochado e Brochado (2008).
O risco de depressão na adolescência no género feminino é maior e pode ser explicado por fatores biopsicossociais e culturais, prematuridade para a vida social, conflitos familiares, autonomia individual, entre outros. Nolen-Hoeksema e Girgus (1994) reforçam este maior risco para a depressão baseado no elevado número de fatores de risco biológicos e sociais que as raparigas parecem evidenciar, e que aumentam no decurso da adolescência devido à necessidade de dar respostas aos inúmeros desafios e ao cumprimento das tarefas desenvolvimentais.
Os resultados apresentados na Tabela 2 para a variável idade, revelam que existe um acréscimo significativo da prevalência de sintomatologia depressiva entre os 13 e 15 anos, embora não tendo sido encontrada correlação estatisticamente significativa.
Dos adolescentes com sintomatologia depressiva moderada a grave, 82,4% têm entre 13 e os 15 anos de idade, sendo que destes 65 são raparigas e 43 são rapazes. Nas raparigas observa-se um pico expressivo da sintomatologia depressiva aos 14 anos, resultado semelhante encontrado no estudo de Brochado e Brochado (2008). Nolen-Hoeksema e Girgus (1994) referem que por volta dos 13/14 anos as raparigas evidenciam níveis de depressão mais elevados que os rapazes, fundamentando estes achados no aumento expressivo dos desafios físicos, sociais e emocionais, nos diferentes estilos de coping e nas alterações hormonais. As estratégias de coping mobilizadas pelas raparigas face aos problemas ou situações de stress, tendem a ser menos agressivas e mais pensadoras-ruminantes (Nolen-Hoeksema & Girgus, 1994), o que parece deixá-las mais vulneráveis à depressão.
Procurando identificar na amostra dos 741 alunos, o grupo de alunos em maior risco de assumir um comportamento suicidário, encontrámos 69 que estão em maior risco de adotar um comportamento suicidário, o que equivale a 9,3% da amostra. Acresce ainda que dos 69 adolescentes, se mantém a predominância do género feminino (41) e na faixa etária dos 13 aos 15 anos. Estes dados justificam a necessidade de serem delineadas estratégias que contemplem a especificidade deste grupo, uma vez que as raparigas parecem apresentar maior vulnerabilidade para a depressão e neste contexto também se encontram em maior risco de comportamento suicidário.
São identificadas como limitações o facto de ser um estudo transversal, o que limita a informação produzida. Estudos longitudinais podem ajudar-nos a compreender melhor a evolução do estado de saúde mental. Contudo, e apesar deste trabalho ser limitado pelo delineamento transversal, que não nos permite estabelecer as variáveis preditoras para a depressão na adolescência, através dos dados apresentados fica evidente a importância deste estudo.
Outra limitação prende-se com o facto de todos os dados serem autorreportados, o que pode levar a considerar a possível influência da desejabilidade social nas respostas obtidas.
Conclusão
Dando resposta ao objectivo do estudo verificamos que a média das pontuações totais no BDI-II da amostra em estudo foi de 12. As raparigas apresentaram médias totais mais elevadas (p=0,00). Da amostra 31,2% dos adolescentes apresenta sintomatologia depressiva, dos quais 17,7% apresenta sintomatologia depressiva moderada a severa, com maior incidência nas raparigas. A sintomatologia tem maior expressão entre os 13 e os 15 anos.
A elevada prevalência de depressão identificada, as graves repercussões no bem-estar físico e mental dos adolescentes e a forte associação entre a depressão e os comportamentos suicidários, exigem a deteção precoce, tratamento e acompanhamento adequados.
Assumindo a escola como um centro promotor de saúde mental, esta deve ser entendida como um local privilegiado para investir não só na prevenção, mas também na intervenção e referenciação para os cuidados de saúde mental. Neste sentido torna-se evidente a importância do desenvolvimento de programas de prevenção da depressão e comportamentos suicidários em meio escolar que contribuam para a avaliação da presença e severidade dos sintomas depressivos e para a implementação de estratégias preventivas que promovam o aumento de competências pessoais e individuais, o aumento da autoestima, da capacidade de resolução de problemas e dos comportamentos de procura de ajuda, combatendo assim, os fatores de risco e potencializando os protetores.
Este estudo evidencia a importância do reforço de profissionais de saúde mental nas escolas; a necessidade de maior investimento na formação e treino para os profissionais de saúde bem como no aumento da literacia em saúde mental na comunidade educativa (professores, pais/encarregados de educação e estudantes) para que estes se sintam capacitados para identificar os sinais e sintomas da depressão, fatores de risco associados aos comportamentos suicidários e para intervir de forma informada, adequada e célere.
Outros aspetos a serem contemplados quer nas estratégias preventivas quer no tratamento e intervenção em adolescentes deprimidos devem incluir o trabalho com as famílias e fortalecimento das redes de apoio, uma vez que relações familiares efetivas, amizades e relacionamentos saudáveis se assumem como recursos muito significativos para o adolescente e se revelam como fatores protetores de elevada importância para a depressão e para os comportamentos suicidários.
Em estudos futuros propõe-se o aumento da amostra de forma a contribuir para uma caracterização epidemiológica da doença mental entre adolescentes portugueses.
Referências bibliográficas
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Recebido para publicação em: 14.05.15
Aceite para publicação em: 06.04.16