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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.9 Coimbra maio 2016
https://doi.org/10.12707/RIV15030
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Opiniões sobre a visita de enfermagem em unidades de cirurgia: tradução, adaptação e validação de questionários
Opinions about bedside nursing handover in surgical units: translation, adaptation and validation of questionnaires
Opiniones sobre el cambio de turno de enfermeros en unidades quirúrgicas: traducción, adaptación y validación de cuestionarios
Tânia Manuel Moço Morgado*; Lucília Rosa Mateus Nunes**
* Msc., Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Coimbra, Portugal [tmorgado@gmail.com]. Morada para correspondencia: Rua Flávio Rodrigues, n.º 59, R/c Dto, 3000-075, Coimbra, Portugal. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão, escrita do artigo (estudo resultante da dissertação de mestrado).
** Ph.D., Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal, 2914-503 Setúbal, Portugal [lucilia.nunes@ess.ips.pt]. Contribuição no artigo: Orientadora da dissertação de mestrado, Revisão do Artigo.
RESUMO
Enquadramento: Apesar da visita de enfermagem ou passagem de turno junto dos doentes garantir a continuidade dos cuidados de enfermagem, origina diversas questões éticas.
Objetivos: Traduzir, adaptar e validar 2 questionários de colheita de dados sobre a visita de enfermagem em unidades cirúrgicas para a cultura portuguesa; identificar a opinião dos doentes e dos enfermeiros sobre a visita de enfermagem.
Metodologia: Tradução, retroversão e adaptação dos questionários aplicados em 7 unidades cirúrgicas de um hospital central em Portugal de 22/08/2008 a 28/06/2009. A amostragem não probabilística acidental foi constituída por 137 enfermeiros e 96 doentes.
Resultados: A visita de enfermagem promove a relação empática e de ajuda; a observação do doente e o planeamento de cuidados, no entanto é necessário clarificar o seu objetivo; incentivar à participação e ao envolvimento dos doentes; utilizar um discurso compreensível e garantir a privacidade da informação.
Conclusão: Os questionários revelaram-se fidedignos e válidos na identificação das opiniões dos doentes e dos enfermeiros sobre a visita de enfermagem nas unidades de cirurgia em estudo.
Palavras-chave: trabalho em turnos; enfermagem; visitas a pacientes; assistência centrada no paciente; ética de enfermagem
ABSTRACT
Background: Although bedside nursing handover ensures the continuity of nursing care, it raises several ethical issues.
Objectives: To translate, adapt and validate 2 data collection questionnaires about bedside nursing handover in surgical units into Portuguese, and identify the patients and nurses' opinions about bedside nursing handover.
Methodology: Translation, back-translation and adaptation of the questionnaires in 7 surgical units of a central hospital in Portugal between 22/08/2008 and 28/06/2009. The non- -probability sampling consisted of 137 nurses and 96 patients.
Results: Bedside nursing handover promotes an empathic and helping relationship, patient observation and care planning; however, it is necessary to clarify its purpose, encourage patient participation and engagement, use clear information, and ensure information privacy.
Conclusion: The questionnaires proved to be reliable and valid to identify the patients and nurses' opinions about bedside nursing handover in the surgical units under analysis.
Keywords: shift work; nursing; visitors to patients; patient-centered care; ethics, nursing
RESUMEN
Marco contextual: A pesar de que el cambio de turno de enfermeros garantiza la continuidad de los cuidados de enfermería, origina diversas cuestiones éticas.
Objetivos: Traducir, adaptar y validar 2 cuestionarios de recogida de datos sobre los cambios de turno de enfermeros en unidades quirúrgicas a la cultura portuguesa; identificar las opiniones de los pacientes y los enfermeros acerca del cambio de turno de los enfermeros.
Metodología: Traducción, retroversión y adaptación de los cuestionarios aplicados en 7 unidades quirúrgicas de un hospital central de Portugal del 22/08/2008 al 28/06/2009. El muestreo no probabilístico accidental constaba de 137 enfermeros y 96 pacientes.
Resultados: El cambio de turno de enfermeros promueve la relación empática y de ayuda; la observación del paciente y la planificación de los cuidados de enfermería, sin embargo, es necesario aclarar su propósito; fomentar la participación y la implicación de los pacientes; utilizar un discurso comprensible, y garantizar la privacidad de la información.
Conclusión: Los cuestionarios demostraron ser fiables y válidos para identificar las opiniones de los pacientes y los enfermeros acerca del cambio de turno de enfermeros en las unidades quirúrgicas en estudio.
Palabras clave: trabajo por turnos; enfermería; cambio de turno de enfermeros; atención dirigida al paciente; ética en enfermería
Introdução
A visita de enfermagem (VE) vulgarmente conhecida como passagem de turno junto dos doentes tem sido uma prática comum e se, por um lado, garante a continuidade dos cuidados de enfermagem, por outro lado, poderá originar questões éticas relacionadas com o princípio do respeito pela autonomia e auto-determinação ou pela confidencialidade da informação. Torna-se necessário questionar os doentes acerca das suas opiniões sobre a VE com vista à melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem. A existência de reduzida evidência científica nacional sobre a VE conduziu à revisão de literatura que permitiu conhecer o estado da arte sobre esta problemática. Internacionalmente, destacou-se o estudo de Timonen e Sihvonen (2000) realizado na Finlândia e no qual compararam as opiniões dos doentes e dos enfermeiros sobre o objetivo da VE, sobre a participação dos doentes e os fatores que promovem ou não a sua participação, através de dois questionários diferentes aplicados a 118 enfermeiros e a 74 doentes, sendo que 81% de ambos os grupos responderam. As autoras concluiram que ocorreu simplesmente a transferência da passagem de turno do gabinete para junto dos doentes sem qualquer modificação e que os enfermeiros deverão incentivar os doentes a participar, fazendo-lhes questões e usando linguagem de fácil compreensão. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivos: traduzir, adaptar e validar os questionários de colheita de dados sobre a VE em unidades cirúrgicas utilizados por Timonen e Sihvonen (2000) para a cultura portuguesa; identificar a opinião dos doentes e dos enfermeiros sobre a VE em unidades cirúrgicas de um hospital central em Portugal.
Enquadramento
A passagem de turno dos enfermeiros é o momento de reunião da equipa que visa assegurar a continuidade de cuidados e promover a melhoria contínua da qualidade dos cuidados através da análise das práticas e da formação em serviço (Ordem dos Enfermeiros, 2001). As passagens de turno foram implementadas após a II Guerra Mundial no contexto operário e ter-se-ão generalizado a todos os contextos profissionais, inclusive nos contextos da saúde e particularmente na profissão de enfermagem (Soares, 2004). Ao longo do tempo, os profissionais de saúde aperceberam-se da necessidade de aproximação com o doente considerando-o um elemento da equipa multidisciplinar e promovendo a sua participação em todos os momentos de comunicação, nomeadamente nas passagens de turno (Teixeira, 2005).
Em Coimbra, a VE ter-se-á iniciado no final da década de 70 do século XX no Hospital Pediátrico e no final da década de 80 nos Hospitais da Universidade de Coimbra (Ferreira, Luzio, & Santos, 2010; Morgado, 2010). Em Portugal, no início do século XXI começaram a ser publicados vários artigos de reflexão sobre a VE (Santos & Ferreira, 2004; Soares, 2004; Teixeira, 2005; Oliveira, Ferreira, Campos, Pinheiro, & Azevedo, 2007), no entanto são conhecidos apenas dois estudos de investigação sobre esta prática (Couceiro citado por Morgado, 2010; Ferreira et al., 2010). Couceiro (citado por Morgado, 2010, p.117) desenvolveu um estudo exploratório-descritivo de natureza qualitativa sobre a VE que teve como amostra intencional cinco enfermeiros e como amostra teórica nove peritos. Concluiu que apesar dos objetivos da passagem de turno não serem sobreponíveis aos da VE; de ser entendida como uma ação para os enfermeiros, não havendo envolvimento do doente; de violar os direitos do cidadão no respeito pela intimidade, a VE representa um espaço privilegiado de comunicação e de relação, contituindo-se como um momento oportuno para o doente participar. Por sua vez, Ferreira et al. (2010) realizaram um estudo exploratório-descritivo de natureza qualitativa com o objetivo de descrever as opiniões dos utentes sobre a VE, cuja amostra intencional foi constituída por 10 utentes submetidos a intervenção cirúrgica com internamento mínimo de 7 dias, de três serviços de internamento cirúrgico. Os resultados evidenciaram que a VE permite a continuidade dos cuidados; o conhecimento mútuo enfermeiro-utente; supervisar os cuidados prestados pelos enfermeiros e estudantes e o cumprimento do seu direito à informação, sendo necessário maior interação e envolvimento dos utentes; clarificação da linguagem utilizada; o respeito pela sua individualidade e confidencialidade da informação transmitida.
Segundo o Parecer CJ-20/2001 da Ordem dos Enfermeiros (2001), os locais de passagem de turno são geridos, em cada contexto de trabalho, da forma considerada mais adequada para responder às finalidades e tanto podem ser utilizados espaços exclusivos dos enfermeiros como o espaço da unidade de cada utente. Este parecer refere ainda que a VE deverá, simultaneamente, garantir a continuidade dos cuidados de enfermagem, respeitar os direitos de privacidade e confidencialidade da informação e a possibilidade de utilização do privilégio terapêutico (Ordem dos Enfermeiros, 2001). Internacionalmente, desde o final da década de 90 do século XX foram publicados vários estudos sobre a VE dos quais se salienta o estudo de Timonen e Sihvonen (2000) realizado na Finlândia. Mais recentemente na sequência da acreditação das organizações de saúde pela Joint Commission foram desenvolvidos diversos estudos para a implementação de projetos de melhoria da qualidade da VE (Caruso, 2007; Chapman, 2009; Chaboyer, McMurray, & Wallis, 2010; Laws & Amato, 2010).
Questões de investigação
Existe aplicabilidade dos questionários de colheita de dados sobre a VE em unidades cirúrgicas utilizados na Finlândia no estudo de Timonen e Sihvonen (2000) na cultura portuguesa?
Qual a opinião dos doentes e enfermeiros sobre a VE em unidades cirúrgicas de um hospital central em Portugal?
Metodologia
Tipo de estudo
Para a concretização dos objetivos foi desenvolvido um estudo metodológico, também denominado estudo preliminar, para traduzir um questionário já existente e testar a sua tradução, através do método traduz-retraduz, ou retradução, ou retroversão (Hill & Hill, 2005; Fortin, 2009) que decorreu em quatro fases. Fase 1: Tradução inicial dos questionários de Finlandês para Inglês por uma pessoa de nacionalidade finlandesa com domínio da língua inglesa. Fase 2: Validação da tradução realizada para a língua inglesa pelas autoras do estudo na Finlândia. Fase 3: Tradução da versão inglesa dos questionários validada pelas autoras do estudo realizado na Finlândia, para a língua portuguesa pela investigadora e uma pessoa com experiência em tradução e investigação. Fase 4: Validação linguística e conceptual dos questionários por um painel de três peritos nas áreas: prática clínica de enfermagem; ensino e investigação em bioética; ensino e investigação em ética de enfermagem.
Instrumentos de colheita de dados e variáveis em estudo
Os questionários adaptados para a realidade portuguesa sobre as opiniões relativas à VE em unidades de cirurgia diferenciam-se para os doentes e para os enfermeiros. O questionário para os doentes é constituído por 36 questões das quais as primeiras oito se referem à caracterização da amostra. As questões 9ª à 15ª dizem respeito: à partilha do quarto com outros; ao número de VE em que já participou; ao pedido de autorização para a sua realização; ao momento do pedido de autorização; à descrição da discussão entre os intervenientes; à participação do doente na discussão e às suas razões de não participação. Da 16ª à 32ª questão apresentam-se 17 itens de informações relativas à VE, às quais dão a sua opinião numa escala tipo Likert de 4 categorias. As questões 33ª à 36ª dizem respeito: ao objetivo da VE e quais os seus benefícios para os doentes; à opinião relativamente à continuidade da VE e por fim se pretendem acrescentar outras opiniões, numa questão de resposta aberta.
O questionário para os enfermeiros é constituído por 43 questões, correspondendo as primeiras seis à caracterização da amostra. As seguintes dizem respeito: à realização ou não da VE no atual serviço em que o enfermeiro trabalha e caso se realize, em quantos dias por semana é praticada; ao pedido de autorização ou consentimento informado ao doente para a sua realização. A 10ª questão refere-se ao conteúdo da VE, na qual os enfermeiros referem se esses aspetos se verificam na prática atual, numa parte da questão e se deveriam verificar-se, noutra parte da questão. Da 11ª à 36ª questão apresentam-se 26 itens de informações relativas à VE que os enfermeiros classificam numa escala tipo Likert de 4 categorias, dos quais os primeiros 17 itens são análogos no questionário para os doentes. As questões seguintes dizem respeito: ao objetivo da VE; à caracterização da discussão entre os intervenientes; à participação dos doentes e caso não participem, identificam a razão; à forma como aprenderam e desenvolveram o seu conhecimento sobre a VE; à opinião relativamente à continuidade da VE e finalmente se pretendem acrescentar outras opiniões, numa questão de resposta aberta.
Realizou-se um pré-teste com a aplicação dos questionários a três enfermeiros e três pessoas doentes, não incluídos na amostra, para analisar a clareza, a comprensão e a pertinência dos questionários para os inquiridos.
Amostra e critérios de amostragem
A amostragem utilizada neste estudo foi não probabilística, do tipo acidental, constituída por 96 doentes e 137 enfermeiros e utilizou-se para o cálculo do tamanho da amostra cinco sujeitos como o mínimo requerido por variável ou item em estudo (Pestana & Gageiro, 2005; Loureiro & Gameiro, 2011). O período de colheita de dados decorreu entre 22/08/2008 e 28/06/2009 com a aplicação dos questionários aos doentes em dois serviços cirúrgicos e a aplicação dos questionários aos enfermeiros em sete serviços cirúrgicos de um hospital central de Portugal. O preenchimento dos questionários foi realizado pelos próprios enfermeiros na ausência da investigadora, enquanto na aplicação dos questionários aos doentes, o preenchimento foi efetuado pela investigadora perante o doente. Todos os enfermeiros que pertenciam às equipas de enfermagem selecionadas, que aceitaram participar no estudo e prestaram o seu consentimento informado foram incluídos na amostra e foram excluídos três questionários por preenchimento incompleto. Dos questionários aplicados aos doentes não foi excluído nenhum, porque foram inicialmente estabelecidos critérios de inclusão e de exclusão. Os critérios de inclusão foram: participação em pelo menos duas VE, ou participação em apenas uma neste internamento se já experienciou a VE naquele serviço em internamentos anteriores. Foram critérios de exclusão: recusa do doente; diminuição da acuidade visual e auditiva; estado de confusão ou discurso incoerente; sensação de dor ou mal-estar; nenhuma participação em VE, ou apenas uma participação sem experiências de VE em internamentos anteriores.
Procedimentos formais e éticos
Inicialmente obteve-se o consentimento informado das autoras finlandesas para a realização do estudo em Portugal e no processo de tradução e retroversão dos questionários atendeu-se aos aspetos culturais do país originário. Foram definidos critérios de seleção dos peritos e foi garantido o seu consentimento informado. Posteriormente obteve-se parecer favorável da comissão de ética para a saúde e autorização do conselho de administração da instituição onde se desenvolveu o estudo. Foi garantido o consentimento informado, livre e esclarecido e o anonimato dos participantes.
Procedimentos Estatísticos
Após a recolha de dados foi elaborada a base de dados no programa Statistical Package for the Social Sciences versão 17.0, através do qual foi realizado o tratamento estatístico dos dados. O estudo da dimensionalidade dos itens relativos às informações sobre a VE classificados em escalas tipo Likert de 4 categorias foi realizado através da análise em componentes principais com rotação varimax. A consistência interna das escalas e sub-escalas foi avaliada através do cálculo do coeficiente alfa de Cronbach. O estudo da homogeneidade foi efetuado através da correlação de cada item com as sub-escalas, com a subescala exceto o item e a associação entre as dimensões foi realizada através das correlações de Pearson. Recorreu-se também à estatística descritiva para a análise dos restantes dados e à análise de conteúdo segundo Bardin (2008) nas respostas às questões abertas.
Resultados
Caracterização da amostra
Relativamente aos doentes, a média de idades foi de 57,7 anos (DP= 15,9), variando entre os 18 e os 97 anos e com um coeficiente de variação de 27,6% revelando uma acentuada heterogeneidade das idades. Dos doentes internados 61,5% (59) eram do sexo feminino e 5,2% (5) não sabia ler nem escrever; 72,9% (70) completaram o ensino básico; 6,3% (6) o ensino secundário; 11,5% (11) a licenciatura ou 1.º ciclo de Bolonha e 4,2% (4) completaram o nível de mestrado ou 2.º ciclo de Bolonha. Apenas 6,3% (6) dos doentes nunca estiveram internados anteriormente, sendo que 78,1% (75) já estiveram internados várias vezes. Em relação aos enfermeiros, a média de idades foi de 37,4 anos (DP= 8,7), variando entre os 26 e os 55 anos e com um coeficiente de variação de 23,2% revelando também uma acentuada heterogeneidade das idades. Dos 137 enfermeiros 86,1 % (118) eram enfermeiros de cuidados gerais; 8,8% (12) eram enfermeiros especialistas; e 5,1% (7) eram enfermeiros chefes. Relativamente ao tempo de serviço, 73,7% (101) dos enfermeiros trabalhavam há pelo menos 5 anos e desses 32,8% (45) trabalhavam há mais de 10 anos. Todos os enfermeiros trabalhavam num hospital central considerado uma entidade pública empresarial, sendo que 72,3% (99) integrava o quadro da função pública com contrato por tempo indeterminado, enquanto 27,7% (38) apresentava contrato individual de trabalho sem termo.
Equivalência psicométrica dos questionários
As características psicométricas na versão portuguesa dos questionários em estudo foram determinadas pela avaliação da fidelidade e da validade.
A fidelidade refere-se à avaliação da consistência do processo de medida (Burns & Grove, 2009) que corresponde à homogeneidade dos enunciados de um instrumento de medida, sendo o alfa de Cronbach a técnica mais correntemente usada para estimar a consistência interna de um instrumento de medida (Fortin, 2009; Maroco & Garcia-Marques, 2006), foi a técnica selecionada para este estudo.
A validade de um instrumento de medida demonstra até que ponto o instrumento mede o que deveria medir e corresponde ao grau de precisão, com que os conceitos em estudo são representados pelos enunciados específicos de um instrumento de medida (Burns & Grove, 2009). Relativamente à validade de conteúdo, neste estudo recorreu-se ao painel de peritos para avaliar se o conteúdo dos itens da escala esgotam a variável que se pretende medir (Burns & Grove, 2009). Em relação à validade de constructo ou de conceito, utilizou-se o método de análise em componentes principais, que corresponde a uma técnica multivariada que tem como objetivo reduzir a complexidade dos dados e o número de variáveis (Hill & Hill, 2005).
Questionário para os enfermeiros
A análise da dimensionalidade dos 26 itens que compõem o questionário para os enfermeiros, desde a 11ª à 36ª questão, foi efetuada através do procedimento de análise de componentes principais. Realizou-se o estudo da solução inicial no sentido de perceber o número de fatores a reter quer através do Scree Test de Catell quer do critério de Kaiser. Efetuou-se a análise em componentes principais com rotação varimax forçada a duas componentes, que revelou saturações baixas de vários itens e saturações elevadas em ambas as componentes, o que forçou a retirada de 10 itens. Na última solução, composta por 16 itens verificou-se que as medidas de adequação da amostra e da matriz encontradas permitiam prosseguir os cálculos com nível adequado de confiança (Kaiser-Meyer-Olkin = 0,701; Bartlett`s Test of Sphericity, χ2(136) = 462,875; p = 0,000). As duas componentes extraídas explicavam 33,5% da variância total, sendo 20,6% relativos à 1ª componente e 12,9% à 2ª. Ambas possuíam itens com saturações fatoriais superiores a 0,45, ponto de corte considerado por Tabachnick e Fidell (2007) para indicação de boa saturação fatorial. Na primeira componente as saturações fatoriais variam entre 0,71 e 0,45, enquanto na segunda variam entre 0,66 e 0,51. Na 1ª componente composta por 11 itens, as correlações corrigidas variaram entre 0,30 e 0,57 revelando a inconsistência do item 15 para a construção da medida, pelo que foi retirado, fazendo subir o valor do índice de consistência interna. A análise das correlações corrigidas da 1ª componente com os 10 itens retidos, revelou valores entre 0,33 e 0,59 indicando a adequação das questões para a construção da medida. O alfa de Cronbach situou-se em 0,76, apresentando segundo Peterson (citado por Maroco & Garcia-Marques, 2006) consistência interna apropriada. A 1ª componente composta por 10 itens foi nomeada de Operacionalização da VE. Na 2ª componente as correlações corrigidas revelaram-se mais reduzidas comparativamente à 1ª, situando-se no intervalo de 0,28 a 0,45. Contudo como a exclusão do item 21 não faria aumentar o índice de consistência interna optou-se por mantê-lo. O alfa de Cronbach apresentou o valor de 0,60, considerado por Peterson (citado por Maroco & Garcia-Marques, 2006) como aceitável. A 2ª componente constituída por cinco itens foi nomeada de Participação dos Enfermeiros. Posteriormente realizou-se a correlação entre as duas componentes, observando-se o valor de -0,114 (p=0,186), que revelou independência das dimensões.
Questionário para os doentes
Na avaliação de dimensionalidade dos 17 itens do questionário para as pessoas doentes, desde a 16ª à 32ª questão, recorreu-se aos mesmos procedimentos, realizando-se a análise da solução inicial para perceber qual a indicação do número de fatores a reter. Efetuou-se a análise em componentes principais com rotação varimax forçada a dois fatores, surgindo a necessidade de retirar os itens 18 e 32 que apresentavam comunalidades inferiores a 0,25 e os itens 16 e 31 por possuirem saturações fatoriais expressivas em duas componentes. A solução inicial foi composta por 12 itens, acerca da qual se observaram medidas de adequação (Kaiser-Meyer-Olkin = 0,633; Bartlett`s Test of Sphericity, χ2(78) = 394,194, p = 0,000) que possibilitaram a continuação do procedimento. Os fatores extraídos explicaram 37,9% da variância total, sendo 22,3% correspondentes à 1ª componente e 15,6% à 2ª. Ambas possuíam itens com saturações factoriais superiores a 0,40, ponto de corte que se situou abaixo da sugestão de Tabachnick e Fidell (2007) para boa saturação fatorial, mas acima da indicação de adequado (0,32). Na 1ª componente as saturações fatoriais variaram entre 0,81 e 0,41, enquanto na 2ª variaram entre 0,77 e 0,48. Seguidamente realizou-se o estudo psicométrico dos itens de cada componente e do seu nível de consistência interna e para tal inverteram-se as pontuações dos itens com saturações negativas na matriz rodada. Na 1ª componente composta por 8 itens, o item 30 revelou valores de correlação item total baixas e foi retirado, fazendo subir o valor do índice de consistência interna. A análise das correlações corrigidas da 1ª componente com os sete itens retidos revelou valores entre 0,33 e 0,70, indicando a adequação das questões para a construção da medida. O alfa de Cronbach situou-se em 0,72 que é considerado por Peterson (citado por Maroco & Garcia-Marques, 2006) uma consistência interna apropriada. A 1ª componente constituída por sete itens foi nomeada de Informação. Na 2ª componente as correlações corrigidas revelaram-se bastante mais reduzidas comparativamente à 1ª componente situando-se no intervalo de 0,34 a 0,38. Com estes valores, como seria de esperar, o valor do índice de consistência interna é de 0,57, encontrando-se no limite do aceitável de acordo com Peterson (citado por Maroco & Garcia-Marques, 2006). A 2ª componente composta por 4 itens foi nomeada Privacidade e Gestão da Proxémia. O coeficiente de correlação de Pearson entre as duas dimensões extraídas apresenta o valor de 0,119 (p=0,249), indicador de independência das dimensões.
O questionário dos enfermeiros na versão final passou de 26 para 15 itens integrando duas componentes que se nomearam: Operacionalização da VE e Participação dos Enfermeiros. Por sua vez, na versão final o questionário dos doentes passou de 17 para 11 itens incluindo também duas componentes: Informação e Privacidade e Gestão da Proxémia.
Opiniões dos doentes e dos enfermeiros sobre a VE
Relativamente ao objetivo da VE, 59,4% (57) dos doentes considerou que serve para fazer um resumo para os enfermeiros e doentes; 39,6% (38) referiu que serve para fazer um resumo para os enfermeiros; e apenas 1% (1) referiu “Não sei”. Em relação à opinião dos enfermeiros, 48,2% (66) considerou que serve para fazer um resumo para os enfermeiros e doentes; 36,5% (50) referiu que serve para fazer um resumo para os enfermeiros; 5,1% (7) referiu que serve para fazer um resumo para os doentes; e 10,2% (14) referiu que a VE tem outros objetivos.
Os doentes foram questionados sobre os benefícios da VE: 83,3% (80) considerou que recebe mais informações sobre o tratamento; 80,2% (77) referiu que com a realização da VE sentem-se seguros; 37,5% (36) referiu que “Ainda durante este dia, sou informado sobre o planeamento de cuidados para a tarde deste dia e para o dia seguinte”; e 6,3% (6) dos doentes referiu que com a realização da VE o seu tratamento pode ser planeado em cooperação.
Sobre a descrição da discussão entre os intervenientes na VE: 96,9% (93) dos doentes consideraram que “Um enfermeiro fala e os outros ouvem”; 2,1% (2) considerou que “Os enfermeiros falam entre si”; e apenas 1% (1) referiu “Tanto os enfermeiros como os doentes participam”. Em relação aos enfermeiros, 75,2% (103) considerou que “Um enfermeiro fala e os outros ouvem”; 19,7% (27) referiu “Tanto os enfermeiros como os doentes participam”; e apenas 5,1% (7) referiu “Os enfermeiros falam entre si”.
Relativamente à participação dos doentes na VE, 60,4% (58) considerou que nunca participam; 38,5% (37) considerou que participa às vezes; e apenas 1% (1) referiu que habitualmente participa. A opinião dos enfermeiros diferiu sendo que 87,6% (120) referiu que os doentes participam às vezes; 5,8% (8) referiu que os doentes habitualmente participam; 5,1% (7) referiu que os doentes nunca participam; e apenas 1,5% (2) referiu que os doentes participam sempre.
Quanto às razões de não participação na VE: 45,8% (44) dos doentes referiu como “Não há incentivo suficiente dos enfermeiros”; 4,2% (4) referiu “O doente está cansado”; 1%(1) referiu “A VE é demasiado atarefada”; e 49% (47) apresentou outras razões. Em relação às razões dos enfermeiros sobre a não participação dos doentes na VE: 55,5% (76) referiu como “Não há incentivo suficiente dos enfermeiros”; 13,9% (19) referiu “O doente sente que não pode questionar”; 11,7% (16) referiu “O doente está cansado”; 2,9% (4) referiu “A VE é demasiado atarefada”; e 16% (22) apresentaram outras razões.
No que se refere à continuidade da VE, 84,4% (81) dos doentes referiu que gostaria que continuasse a ser realizada; 8,3% (8) referiu que “Não” e 7,3% (7) referiu “Não sei”, enquanto 46,7% (64) dos enfermeiros referiu que gostaria que continuasse a realizar-se, 31,3% (43) referiu que “Não” e 21,8% (30) referiu “Não sei”.
Na última questão dos questionários, os doentes e os enfermeiros acrescentaram outras opiniões sobre a VE que foram submetidas a análise de conteúdo e onde surgiram 4 categorias: Opiniões relacionadas com a operacionalização da VE; Opiniões relacionadas com a informação; Opiniões relacionadas com os enfermeiros; e Opiniões relacionadas com os doentes e família.
A categoria Opiniões relacionadas com a operacionalização da VE incluiu seis sub-categorias para os doentes e cinco sub-categorias para os enfermeiros (Tabela 1).
A categoria Opiniões relacionadas com a informação inclui cinco subcategorias para os doentes e para os enfermeiros (Tabela 2).
A categoria Opiniões relacionadas com os enfermeiros inclui oito sub-categorias para os doentes e para os enfermeiros (Tabela 3).
A categoria Opiniões relacionadas com os doentes e família inclui cinco sub-categorias para os doentes e para os enfermeiros (Tabela 4).
Discussão
Foram limitações deste estudo: o desconhecimento da fidelidade e da validade dos questionários originais e o efeito de desejabilidade social, ainda que tenham sido utilizadas técnicas de minimização deste, nomeadamente no preenchimento dos questionários pela investigadora na presença dos doentes. A utilização da escala de Likert de 4 categorias, não apresentando ponto central, por um lado minimiza o efeito de desejabilidade social, por outro lado propicia uma maior concentração dos dados. Apesar das limitações enunciadas, a tradução, a retroversão e a adaptação dos questionários para a versão portuguesa revelou equivalência linguística, conceptual e psicométrica.
Os resultados obtidos vão de encontro aos estudos conhecidos em Portugal e noutros países. O estudo de Couceiro citado por Morgado (2010) evidenciou que apesar da VE se constituir como espaço privilegiado de comunicação, de relação e de envolvimento do doente, isso não se verificava violando até o direito de respeito pela sua intimidade e privacidade. O estudo de Ferreira et al. (2010) salientou que apesar da VE permitir a continuidade dos cuidados, o conhecimento mútuo enfermeiro-utente e o cumprimento do direito à informação, seria necessária maior interação e envolvimento dos utentes, respeito pela confidencialidade da informação e clarificação da linguagem utilizada.
No presente estudo, a VE foi considerada um momento de: promoção da relação empática e de ajuda; observação do doente; planeamento de cuidados; e melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem. No entanto, os enfermeiros e os doentes consideraram que a não participação destes na VE se deve ao seu desconhecimento do objetivo da VE e ao incentivo insuficiente dos enfermeiros, afirmando que este procedimento serve para a transmissão de informação entre enfermeiros, utilizando um discurso incompreensível e colocando em causa a privacidade da informação.
Alguns destes resultados foram ao encontro do estudo realizado por Timonen e Sihvonen (2000), nomeadamente o défice de incentivo e a dificuldade na compreensão da linguagem utilizada, no entanto diferiu na principal razão de não participação dos doentes identificada nesse estudo: o cansaço. O facto das VEs serem demasiado curtas foi um aspeto evidenciado em ambos os estudos. Caruso (2007) desenvolveu um estudo inovador para implementação de técnicas de comunicação no seio da equipa que permitiram informar os doentes sobre o seu papel, orientar a sua participação e minimizar a divulgação de informação irrelevante na VE. Chapman (2009) desenvolveu um estudo idêntico que levou os doentes a participarem nas VEs, trocando informações com os enfermeiros. Chaboyer et al. (2010) também implementaram um projeto de melhoria da qualidade da VE, cujos resultados foram a melhoria da precisão da comunicação e a promoção do cuidado centrado no doente. No estudo de Laws e Amato (2010), a maioria dos enfermeiros consideraram a VE promotora da participação e segurança dos doentes, pela visualização do contexto real permitindo melhor planeamento das intervenções de enfermagem com discussão do plano de cuidados com os doentes. No presente estudo, a maior parte dos doentes referiu que gostaria que a VE continuasse a ser realizada, ao contrário dos enfermeiros.
Conclusão
A tradução, a retroversão e a adaptação dos questionários para a versão portuguesa revelou equivalência linguística, conceptual e psicométrica. Os questionários revelaram-se fidedignos e válidos e permitiram identificar as opiniões dos doentes e dos enfermeiros sobre a VE nas unidades de cirurgia em estudo. Os resultados evidenciaram a VE como uma oportunidade de promoção da relação empática e de ajuda, possibilitando, simultaneamente, a observação dos doentes, o planeamento de cuidados e a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem. Este estudo indica ainda a necessidade de: clarificar o objetivo da VE aquando do acolhimento dos doentes; incentivar à sua participação e envolvimento; utilizar um discurso compreensível e garantir a privacidade da informação. A identificação de novos contributos, relativos às opiniões dos enfermeiros e dos doentes internados em unidades de cirurgia, sobre a VE através da utilização destes questionários é a principal implicação deste estudo para a prática e para a investigação. Sugere-se a realização de estudos de natureza quantitativa, qualitativa ou mista que contribuam para o estudo da validação dos questionários; avaliem sistematicamente a satisfação dos doentes e dos enfermeiros relativamente à VE; promovam a melhoria contínua deste procedimento através da elaboração e implementação de orientações de boas práticas e garantam a sua realização de forma cada vez mais segura e centrada nos doentes.
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Recebido para publicação em: 26.10.15
Aceite para publicação em: 04.02.16