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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.9 Coimbra maio 2016
https://doi.org/10.12707/RIV15078
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Uma experiência com a Global Trigger Tool no estudo dos eventos adversos num serviço de medicina
An experience with the Global Trigger Tool for the study of adverse events in a medical ward
Una experiencia con la Global Trigger Tool en el estudio de eventos adversos en un servicio de medicina
Ludmila Pierdevara*; Inês Margarida Ventura**; Margarida Eiras***; Amélia Maria Brito Gracias****; Carina Soares da Silva*****
* Msc., Enfermeira, Centro Hospitalar Algarve, 8600-524, Lagos, Portugal [pierdevara@hotmail.com]. Contribuição no artigo: escrita do artigo, investigadora principal. Morada para correspondência: Praça do Poder Local Lote 7A; 6º frente, 8500-045 Portimão, Portugal.
** RN., Enfermeira, Centro Hospitalar Algarve, 8600-371, Lagos, Portugal [ines.mr.ventura@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados.
*** Ph.D., Professora, Escola Superior De Tecnologia Da Saúde De Lisboa, 1990-096, Lisboa, Portugal [margarida.eiras@estesl.ipl.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão.
**** Msc., Gestora do Risco Clinico, Unidade Hospitalar Portimão/Lagos, do CHA, 8500-000, Portimão, Portugal [gracias.amelia@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados.
***** Msc., Professora, Escola Superior De Tecnologia Da Saúde De Lisboa, 1990-096, Lisboa, Portugal [carina.silva@estesl.ipl.pt]. Contribuição no artigo: avaliação estatística.
RESUMO
Enquadramento: A prestação de cuidados de saúde está associada aos eventos adversos (EA) que causam dano nos doentes internados em hospitais.
Objetivos: Estudar os EA num serviço de Medicina.
Metodologia: Realizou-se um estudo quantitativo, descritivo observacional retrospetivo, de 1 de setembro a 31 de dezembro de 2014 num serviço de medicina do Centro Hospitalar do Algarve. Para identificar os EA utilizou-se a Global Trigger Tool (GTT). Listaram-se os doentes que tiveram alta hospitalar no período de 1 de janeiro a 30 de setembro do ano 2014.
Resultados: A concordância entre as revisoras, relativamente à classificação dos EA, através do índice de Kappa, demonstrou ser perfeita. Identificaram-se 278 triggers, dos quais 124 resultaram em EA, 44,6% dos EA ocorreram durante o internamento e 9,4% dos doentes apresentavam EA no momento de admissão. Constataram-se 62,63 EA por 1000 doentes dia, 137,8 EA por 100 admissões e, em 31,1% dos casos, ocorreu um EA durante o internamento.
Conclusão: A metodologia GTT é uma ferramenta útil no estudo dos EA no contexto hospitalar.
Palavras-chave: segurança do paciente; gestão da segurança; dano ao paciente; erros médicos
ABSTRACT
Background: Health care provision is associated with adverse events (AEs) which harm hospitalized patients.
Objectives: To study AEs in a medical ward.
Methodology: A quantitative, descriptive, observational and retrospective study was conducted from 1 September 2014 to 31 December 2014 in a medical ward of the Algarve Hospital Center. The instrument used to identify the AEs was the Global Trigger Tool (GTT). All the patients who were discharged between 1 January 2014 and 30 September 2014 were listed.
Results: The interrater agreement concerning the AE classification, using the Kappa value, proved to be perfect. A total of 278 triggers were identified, of which 124 resulted in AEs: 44.6% of AEs occurred during the hospitalization, and 9.4% of the patients presented AEs at the moment of admission. We found a total of 62.63 AEs per 1,000 patient days, 137.8 AE per 100 admissions, and one AE in 31.1% of the cases during hospitalization.
Conclusion: The GGT proved to be a useful tool to analyze AEs in hospital settings.
Keywords: patient safety; safety management; patient harm; medical errors
RESUMEN
Marco contextual: La prestación de cuidados de salud está asociada a los eventos adversos (EA) que causan daño a los pacientes ingresados en hospitales.
Objetivos: Estudiar los EA en un servicio de medicina.
Metodología: Se realizó un estudio cuantitativo, descriptivo y observacional retrospectivo, del 1 de septiembre al 31 de diciembre de 2014 en un servicio de medicina del Centro Hospitalario del Algarve. Para identificar los EA se utilizó la metodología GTT (Global Trigger Tool). Se realizó un listado de los pacientes a los que se les dio el alta hospitalaria en el periodo del 1 de enero al 30 de septiembre del año 2014.
Resultados: La concordancia entre las revisoras en relación a la clasificación de los EA a través del índice de Kappa demostró que era perfecta. Se identificaron 278 desencadenantes, de los cuales 124 dieron como resultado EA; el 44,6 % de los EA ocurrió durante la hospitalización y el 9,4 % de los pacientes presentaban EA al ingresar en el hospital. Se constataron 62,63 EA por 1000 pacientes/día, 137,8 EA por 100 ingresos y en el 31,1 % de los casos hubo un EA durante la hospitalización.
Conclusión: La metodología GGT es una herramienta útil en el estudio de los EA en el contexto hospitalario.
Palabras clave: seguridad del paciente, gestión de seguridad, daño del paciente; errores médicos
Introdução
Atualmente, a temática da segurança do doente (SD) encontra-se em contínua expansão ao nível mundial, abordando diversas vertentes nos vários sistemas de saúde, aliás como refere o Plano Nacional para a Segurança do Doente 2015-2020 ( Despacho nº 1400-A/2015), enunciando nove objetivos estratégicos. De referir que no seu objetivo estratégico número oito é enunciado, “Assegurar a prática sistemática de notificação, análise e prevenção de incidentes”, que pretende aumentar até 2020, em 20% por ano, as notificações de incidentes de segurança.
A SD tem o seu foco na manutenção da prestação de cuidados seguros envolvendo uma série de processos organizacionais de identificação, gestão e prevenção dos incidentes e eventos adversos (Tingle, 2011).
As consequências dos EA atingem diretamente os doentes, causando-lhes danos físicos, morais e patrimoniais, sofrimento, representando elevados custos para o setor da saúde, que no contexto de crise económica e de escassez de recursos se torna imprescindível controlar e minimizar (Observatório Português dos Sistemas de Saúde [OPSS], 2015).
Na União Europeia, 8% a 12% dos doentes internados em hospitais são afetados por EA. Em Portugal, à semelhança do que acontece noutros países da europa e do mundo, a taxa de incidência de EA é de 11,1%, o que pode levar a um prolongamento do internamento em 11 dias (Sousa, Uva, Serranheira, Leite, & Nunes, 2011).
Segundo o Institute for Healthcare Improvement (IHI), hoje em dia, os métodos tradicionais para identificar os EA estão sobretudo focados na notificação voluntária, o que torna este processo dependente do notificador (IHI, 2009). Por outro lado, a evidência científica revela que somente 10 a 20% dos erros chegam a ser notificados e desses, 90 a 95% não causam danos aos doentes.
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS), por proposta do Departamento da Qualidade na Saúde, e no âmbito da qualidade organizacional, emitiu a norma, Sistema Nacional de Notificação de Incidentes – NOTIFICA (SNNIEA), em que incentiva as instituições prestadoras de cuidados de saúde a notificarem os EA e incidentes, de forma anónima e confidencial, de modo a permitir alertar os serviços para a correção das causas e evitar que os mesmos voltem a ocorrer (Direcção-Geral da Saúde, 2014). No entanto, o OPSS, no Relatório de primavera de 2015, menciona que a DGS, ao monitorizar o SNNIEA/2013, constatou que no período de 1 ano, apenas foram efetuadas 244 notificações por profissionais, das quais 23% estavam relacionadas com acidentes do doente, 19% com o comportamento dos profissionais e 17% com processos administrativos.
Portanto, este sistema pode ser um instrumento importante, desde que sejam, de facto, comunicados e analisados os EA. No entanto, a evidência demonstra que a maioria dos incidentes não são comunicados pelos profissionais de saúde (Pfeiffer, Manser, & Wehner, 2010) e consequentemente são conhecidos muito menos erros do que aqueles que são praticados, sendo a principal razão a culpabilização associada aos erros, o que faz com que a maioria não seja divulgada.
A partir da identificação de uma área problemática de extrema importância para a prestação dos cuidados de saúde, considerou-se pertinente estudar os EA num serviço de medicina, assumindo como objetivos específicos: identificar e classificar os EA num serviço de medicina do CHA; expressar o número de danos por 1000 doentes dia; expressar o número de danos por 100 admissões; identificar o número de EA por categoria de dano.
Enquadramento
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), um EA é um evento ou circunstância que poderia resultar em dano desnecessário para o doente. Os danos implicam prejuízo na estrutura ou funções do corpo ou qualquer efeito pernicioso daí resultante, incluindo doença, lesão, sofrimento, incapacidade ou morte, e pode ser físico, social ou psicológico (Direcção Geral de Saúde, 2011).
Os EA podem ser detetados de diferentes formas, sendo considerado um passo crucial para a melhoria da segurança da prestação de cuidados de saúde.
Nos últimos anos têm sido utilizados vários métodos na identificação dos EA, classificados em voluntários (notificação de incidentes, notificação espontânea induzida), não voluntários (revisão de processos, observação, entrevistas a doentes) ou mistos (Murff, Patel, Hripcsak, & Bates, 2003).
Estes métodos têm demonstrado possuir uma série de limitações, sobretudo relacionadas com constrangimentos ao nível dos recursos (Rosen & Mull, 2016). Com a utilização recente dos processos clínicos electrónicos, a identificação dos EA ficou facilitada, mas, de acordo com Murff et al.(2003) muito frequentemente os sistemas de deteção de erros e EA não se traduziram em soluções verdadeiramente efetivas. Com o objetivo de disponibilizar às instituições de saúde uma nova ferramenta que contribua para a avaliação da SD, o IHI desenvolveu, no início do ano 2000 a metodologia Global Trigger Tool (GTT), com o objetivo de identificar os EA. Esta ferramenta tem demonstrado ter características e propriedades muito interessantes, agregando duas modalidades que se complementam: a vigilância automatizada e a revisão manual de processos. Depois da conferência que decorreu em 2008, apoiada pela Agency for Healthcare Research and Quality, onde a importância do uso de triggers na identificação de EA foi debatida e unanimemente aceite como uma ferramenta útil, muitos EA têm sido identificados em áreas como os erros de diagnóstico, o medicamento, as infeções hospitalares, a cirurgia (Classen, 2009). Das conclusões desta conferência, salienta-se a necessidade de garantir a validade e fiabilidade da ferramenta, e ainda o ambiente de prestação, tendo-se chegado à conclusão que o uso da GTT em ambiente de internamento é mais fiável do que em ambulatório, por este conter uma série de variáveis que comportam alguma ambiguidade e subjetividade.
A incidência dos EA foi avaliada por Classen et al. (2011), que através de três métodos, aplicados em três hospitais da Carolina do Norte (GTT, sistema de notificação voluntário e triagem da Agency for Healthcare Research and Quality), a ferramenta GTT mostrou que os EA em hospitais podem ser identificados com uma fiabilidade superior.
Na Suécia, Rutberg et al. (2014), realizaram um estudo observacional retrospetivo, para identificar e comparar a incidência dos EA, empregando dois métodos, o GTT e o sistema de notificação voluntário, concluindo que a GTT permite identificar um número muito mais elevado de EA do que o sistema de notificação voluntário e reforçam que as instituições de saúde devem utilizar um conjunto de ferramentas úteis para identificarem os EA, por forma a diminuir, substancialmente, os custos relacionados com a prevenção dos EA.
Do mesmo modo, os estudos de Ganachari, Wadhwa, Walli, Khoda, e Aggarwal (2013) e de Hwang, Chin, e Chang (2014), aplicaram a ferramenta GTT com a finalidade de identificar os EA e concluíram igualmente que a GTT supera os métodos tradicionais na identificação dos EA e sugerem a sua aplicação em futuros estudos.
Assim, considerando que a GTT é útil para analisar os EA no contexto hospitalar, entendeu-se que teria toda a pertinência investigar se os dias de internamento e a idade dos doentes poderiam influenciar o número dos EA.
Questões de Investigação
Haverá uma relação entre os dias de internamento dos doentes e o número dos EA?
Haverá uma relação entre a idade dos doentes e probabilidade de ocorrência de EA?
Metodologia
Realizou-se um estudo descritivo, observacional retrospetivo, com uma abordagem quantitativa, num serviço de medicina do Centro Hospitalar Algarve (CHA). A recolha de dados decorreu a 1 de setembro até 31 de dezembro de 2014.
Os dados foram recolhidos através da aplicação da grelha de triggers da ferramenta GTT (IHI, 2009), versão que foi traduzida e adaptada para uso no contexto português pela Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH), validada e testada no âmbito da formação Trigger Tool para eventos adversos: uma ferramenta em equipa, realizada na região Sul, Centro e Norte do país, entre os meses de março e junho de 2014, que aguarda validação no âmbito académico.
A GTT contém seis módulos, que integram vários triggers relacionados com serviços/departamentos diferentes, sendo eles: cuidados gerais, cirurgia, cuidados intensivos, medicação, perinatal e emergência. Quatro dos módulos são projetados para refletir os EA que ocorrem, geralmente, em unidades específicas. Os módulos de cuidados gerais e medicação são projetados para refletir os EA que podem ocorrer em qualquer unidade hospitalar, permitindo identificar certos EA como a prescrição ou interrupção abrupta de determinados medicamentos, a prescrição de antídotos, parâmetros laboratoriais e informações sobre o cuidado e a evolução clínica do doente. O método de recolha de dados utilizado foi feito com base no processo descrito pela IHI, na sua publicação IHI Global Trigger Tool for Measuring Adverse Events.
O objetivo imediato da GTT é identificar o dano e não o de determinar a possibilidade de prevenção do evento. Para a classificação do dano, resultante do evento, a ferramenta utiliza cinco categorias de danos de acordo com a escala da National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention, sendo elas: dano temporário, com intervenção necessária (E); dano temporário, que exigiu prolongamento da hospitalização (F); dano permanente (G); dano que necessita de intervenções necessárias para sustentar a vida (H) e morte do doente (I).
Mais uma vez aplicaram-se os procedimentos para a recolha dos dados sugeridos pelo IHI (IHI, 2009. A recolha de dados decorreu de 15 em 15 dias (duas leituras por mês, num total de nove leituras). Listaram-se os doentes que tiveram alta hospitalar em cada mês, no período de 1 de janeiro a 30 de setembro do ano 2014. Do número total de altas de cada mês, através do programa informático Open Epi, geraram-se e selecionaram-se amostras aleatórias de 12 processos.
A revisão primária foi feita por dois enfermeiros de forma independente, sendo um deles a investigadora principal. O grau de concordância dos resultados obtidos foi avaliado através do coeficiente Kappa, adaptando-se um nível de significância de 5% (p≤0,05). A análise de cada processo não excedeu 20 minutos. Mensalmente foram identificadas as discrepâncias, confrontados os resultados e chegado a um consenso, relativamente aos EA identificados e classificados, seguindo a grelha de análise descriminatória dos triggers. Os revisores primários reuniram-se com o médico revisor (revisor secundário/árbitro), com a finalidade de autenticar a revisão e ajustar a valoração dos primeiros revisores, sempre que necessário.
De forma a salvaguardar a confidencialidade da informação, os números dos processos foram codificados. Apesar de terem sido selecionados 12 processos foram incluídos na amostra 10, conforme (IHI, 2009), de modo a garantir o não cumprimento dos critérios de inclusão e de exclusão (processos clínicos completamente preenchidos, com um sumário de alta clínica e de enfermagem concluídos, pertencentes a doentes com alta, pelo menos, há 2 meses e tempo de internamento superior a 24 horas). Foram excluídos os processos dos doentes com idade inferior a 18 anos, situações em que o diagnóstico principal do doente internado era do foro psiquiátrico, bem como os processos que apresentavam problemas de legibilidade.
Como variáveis do estudo, consideraram-se os triggers integrados na GTT, acrescidos do sexo, idade, número de dias e de episódios de internamento e número de EA.
Para a análise e tratamento dos dados, recorreu-se ao programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 22. Para a descrição dos resultados obtidos, recorreu-se à estatística descritiva, com utilização de distribuição das frequências (relativas e absolutas), medidas de tendência central (média) e medidas de dispersão (desvio padrão). Foi aplicado o teste de correlação de Pearson (r-p), para verificar a correlação entre as variáveis numéricas: número de EA, número de dias de internamento e idade, com o nível de confiança de 95%.
Cumpriram-se os procedimentos éticos endereçando, por escrito, um pedido à administração do CHA, solicitando a autorização para a realização e publicação do estudo, que obteve parecer favorável. Foi garantida a confidencialidade e o anonimato dos dados.
Resultados
Das 751 altas clínicas, constituiu-se uma amostra aleatória de 90 processos clínicos. No que diz respeito à caracterização sociodemográfica da amostra, salienta-se que 50% dos processos pertencia ao sexo feminino e ao sexo masculino, com idade média de 78,54 (entre 45-96) anos, e com um desvio padrão de 11,88 anos.
Quanto ao número de internamentos, apesar de a amostra ser de 90 doentes, verificou-se que houve 138 internamentos, sendo o mínimo 1 e o máximo 6 internamentos por doente, com uma média de 1,56.
Os doentes internados foram admitidos, maioritariamente, pela medicina interna, em fase de agudização da doença ou para aguardar resolução social. O número total dos dias de internamento foi de 1980, com um mínimo de 2 e máximo de 92 dias por internamento, com uma média de 22 e um desvio padrão de 19,2 dias.
No que concerne ao número absoluto dos triggers, identificou-se 278 nos 90 processos. Analisando os dados da Tabela 1, relativos ao número de triggers identificados, verifica-se que a infeção nos cuidados de saúde, as úlceras de pressão, as readmissões até 30 dias, o uso de restrições, a paragem cardíaca no hospital e qualquer complicação de um procedimento apresentam uma frequência mais elevada. Devido ao perfil dos doentes internados neste serviço, a maioria dos triggers encontrados pertencem aos módulos de cuidados gerais e medicação, contemplados pela GTT.
Através dos dados recolhidos acerca das infeções associadas aos cuidados de saúde e das complicações de um procedimento, foram identificadas e analisados vários tipos de infeções e complicações de modo a compreender as situações mais frequentes ocorridas (Tabela 2).
Do total dos triggers identificados, após o consenso da equipa investigadora, 44,6% (n=124) foram considerados EA durante o internamento, e 9,4% (n=25) de EA que os doentes apresentavam no momento de admissão no hospital. A concordância entre as revisoras, relativamente à classificação dos EA, através do índice de Kappa, com um nível de significância de 5%, apresentou valores entre 0,841 e 0,935 nos EA ocorridos no internamento e 0,992 e 1,000 na admissão.
Quanto à categoria do dano face aos EA (Tabela 3), verificou-se a presença de danos ocorridos durante o internamento em todas as categorias, prevalecendo (47,8%) os danos temporários, tendo como consequência o prolongamento da hospitalização (categoria F). Foram identificados EA no momento da admissão apenas com as categorias E e F.
Calculou-se, também, o número de danos por 1000 doentes dia, o número de danos por 100 admissões e a taxa dos internamentos em que ocorreu apenas um EA. Registaram-se 62,63 EA por 1000 doentes dia, 137,8 EA por 100 admissões, ou seja, para cada admissão, há mais do que 1 EA e em 31,1% dos casos ocorreu um EA durante o internamento.
Quanto à análise da relação entre os dias de internamento e o número dos EA, a correlação do Pearson (r-p) revelou uma correlação significativa positiva e forte (r-p = 0,669; p=0,001), indicando que os doentes com um internamento superior a 22 dias apresentam mais EA de que outros doentes que tiveram um internamento mais curto.
Foi também objetivo, verificar se os EA originados durante o internamento são influenciados pela idade. Com base nos dados obtidos (r-p = 0,188; p=0,076), podemos afirmar que não existe correlação estatisticamente significativa entre estas duas variáveis, ou seja, os EA ocorridos não dependem da idade do doente.
Discussão
Este estudo permitiu-nos identificar a taxa de EA num serviço de medicina, através da utilização da ferramenta GTT, ao longo de um período de 9 meses. A taxa de EA ocorridos durante o internamento foi de 44,6% e de 9,4% na admissão. O grau de concordância entre os revisores, calculado através do índice de Kappa, foi considerado, segundo a classificação do Landis e Koch (1977), perfeito. Este grau de concordância prende-se, provavelmente, com o facto de que os revisores fizeram, na mesma altura, a formação e treino de revisão dos processos clínicos, relacionados com a presente metodologia.
Na Tailândia, Asavaroengchai, Sriratanaban, Hiransuthikul, e Supachutikul (2009), quando identificaram os EA num hospital terciário de Bangkok, através da GTT, o grau de concordância entre os revisores, também calculado através do índice de Kappa, também foi considerado perfeito (0,86).
Relativamente à taxa dos EA, os resultados agora encontrados são superiores ao estudo de Landrigan et al. (2010); Rutberg et al. (2014); Rozenfeld, Giordani, e Coelho (2013) e Von Plessen, Kodal, e Anhoj (2012), que obtiveram uma taxa média de EA ocorridos durante o internamento, com valores mínimo e máximo entre 20,5% e 25%. Quanto à taxa de EA na admissão, o estudo de Rutberg et al. (2014) menciona 5,1% e Landrigan et al. (2010) salientam que 40% dos EA totais foram identificados na admissão.
No que diz respeito ao número de EA por 1000 doentes dia, os resultados mais aproximados aos do presente estudo (62,63 EA por 1000 doentes dia), foram identificados no estudo de Landrigan et al. (2010), com 56,6 EA por 1000 doentes dia. Classen et al. (2011) relataram um valor superior, 91 EA por 1000 doentes dia, contudo, Rutberg et al. (2014) e Hwang et al. (2014) obtiveram apenas 33,2 e 7,39 EA por 1000 doentes dia, respetivamente.
O número de EA encontrados por 100 admissões (137,8 EA por 100 admissões) excederam, consideravelmente, os da literatura identificada, o que se torna evidente quando confrontados com os resultados dos estudos de Classen et al. (2011) de 49 EA por 100 admissões, Landrigan et al. (2010) 25,1 EA por 100 admissões e Hwang et al. (2014) 14,5 EA por 100 admissões.
A taxa de EA encontrada (31,1%) encontra-se ligeiramente abaixo do que no estudo de Classen et al. (2011) que registaram 33,3%, no entanto, mais elevada do que as taxas relatadas por Landrigan et al. (2010) de 18,1%, Hwang et al. (2014), e Rutberg et al. (2014) de 20,5%.
A magnitude das diferenças entre os resultados obtidos nos vários estudos poderia ser influenciada por vários fatores, como: a estrutura organizacional, a cultura de segurança do hospital, o tipo de doentes internados, o contexto onde se realizou o estudo e o processo de revisão e treino dos revisores.
Os dados encontrados assumem extrema importância, pois os resultados mais elevados identificados neste estudo, quando comparados com outros, alertam para a emergência na necessidade de atuar ao nível da segurança do doente neste serviço.
No presente estudo, quando analisamos os EA por classe de dano, chamou-nos à atenção que os danos temporários, com intervenção necessária, adquiridos no internamento, foram inferiores aos danos temporários, exigindo um prolongamento da hospitalização, e o número dos danos que necessita de intervenções necessárias para sustentar a vida foi superior em relação aos danos permanentes.
No estudo de Classen et al. (2011), foi identificado um número superior de EA com dano com necessidade de intervenções necessárias para sustentar a vida (infeções nosocomiais e complicações de um procedimento), em detrimento dos danos temporários, que exigem prolongamento da hospitalização (medicação) e a morte do doente esteve relacionada com tromboembolismo.
É importante notar que neste estudo, os danos temporários, que exigiram prolongamento da hospitalização prevaleceram devido ao elevado número de readmissões dentro dos 30 dias, à infeção associada aos cuidados de saúde e ainda a qualquer complicação de um procedimento. Verificou-se que o número elevado de readmissões dentro dos 30 dias prende-se com altas precoces. Além disso, despertaram a atenção os danos que contribuíram para a morte do doente (n=6), encontrando-se, 4 destes casos, relacionados com pneumonia de aspiração e 2 com septicemia.
Foram identificadas algumas limitações relevantes neste estudo. Uma prende-se com o facto de que esta metodologia foi aplicada apenas num serviço de medicina e, devido ao perfil dos utentes internados, maioritariamente dos triggers encontrados pertenciam ao módulo de cuidados gerais e medicação. Além disso, a informação clínica dos doentes nos processos clínicos revelou-se escassa, o que dificultou a classificação dos EA ocorridos durante o internamento, bem como a identificação do tempo de que decorreu entre o EA e a admissão. Por último, verificou-se uma escassez de estudos internacionais relacionados com esta temática, o que dificultou a comparação dos nossos achados. Até ao presente momento, não temos conhecimento de outros estudos realizados em Portugal avaliando os EA em hospitais utilizando a presente metodologia, o que não permitiu a confrontação dos dados com outras realidades em contexto português.
Conclusão
Hoje em dia, a necessidade de introdução de novas metodologias com o intuito de estudar os EA nos hospitais portugueses torna-se um fator crucial. Este estudo identificou a ocorrência de EA num serviço de medicina de uma unidade hospitalar em Portugal através da metodologia GTT.
Quando analisada a relação entre os dias de internamento dos doentes e o número de EA, verificou-se que os doentes com um internamento superior a 22 dias, apresentam um número mais elevado de EA, ou seja, o aumento do tempo de internamento está relacionado com a gravidade dos EA. Apesar disso os EA ocorridos não dependem da idade do doente.
De facto, a metodologia GTT permitiu-nos perceber qual é a taxa dos EA ocorridos num serviço de medicina e identificar e classificar os EA por categoria de dano.
Com base nos dados apurados, verifica-se que existe um número importante de EA neste serviço, nomeadamente o que leva ao prolongamento da hospitalização e à morte do doente. Os eventos relacionados com o prolongamento do internamento prevaleceram devido ao elevado número de readmissões dentro dos 30 dias, à infeção associada aos cuidados de saúde e ainda a qualquer complicação de um procedimento. A pneumonia por aspiração foi a causa principal da morte do doente.
Os resultados obtidos refletem a real dimensão e magnitude do problema ao nível institucional. Para conhecer a verdadeira magnitude do problema, será necessário que outras instituições portuguesas realizem estudos desta natureza, para a determinação de EA, através da aplicação da metodologia GTT.
Estes resultados podem nortear para a realização de outros estudos, de modo a analisar as causas-raíz dos EA no contexto português e, posteriormente, dar ênfase ao desenvolvimento de estratégias para a diminuição deste importante problema relacionado com a qualidade e segurança do doente.
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Recebido para publicação em: 03.12.15
Aceite para publicação em: 02.05.16