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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.9 Coimbra maio 2016

https://doi.org/10.12707/RIV16001 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

 

Utilizadores do Balneário Público de Alcântara: diagnóstico da situação de saúde

Users of the Public Bathhouse of Alcântara: health profile diagnosis

Los usuarios del Baño Público de Alcântara: diagnóstico del estado de salud

 

Amélia Simões Figueiredo*; Ana Resende**; Cândida Ferrito***; Isabel Rabiais****; Sílvia Caldeira*****

* Ph.D., Professor Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa, 1649-023, Lisboa, Portugal [simoesfigueiredo@ics.lisboa.ucp.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise e discussão de dados, aprovação versão final do artigo. Morada para correspondência: Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, Campus da Palma de Cima, 1649-023, Lisboa, Portugal.

** Msc., Assistente Convidado, Universidade Católica Portuguesa, 1644-023, Lisboa, Portugal [anaresende@ics.lisboa.ucp.pt]. Contribuição no artigo: recolha, análise e discussão de dados.

*** Ph.D., Professor adjunto, Instituto Politécnico de Setúbal, 2914-503, Setúbal, Portugal [candida.ferrito@ess.ips.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha, análise e discussão de dados, aprovação versão final do artigo.

**** Ph.D., Assistente, Universidade Católica Portuguesa, 1649-023, Lisboa, Portugal [raby@ics.lisboa.ucp.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha, análise e discussão de dados.

***** Ph.D., Professor Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa, 1649-023, Lisboa, Portugal [scaldeira@ ics.lisboa.ucp.pt]. Contribuição no artigo: recolha de dados, discussão de dados, aprovação versão final do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O projeto de extensão à comunidade da Universidade Católica Portuguesa, que envolve o Balneário Público de Alcântara, iniciou-se com a necessidade de conhecer os seus utilizadores.

Objetivos: Caracterizar o perfil sociodemográfico e de saúde dos utilizadores e descrever a utilização dos recursos sociais e de saúde.

Metodologia: Estudo descritivo e transversal, de natureza quantitativa, com aplicação de formulário a 145 utilizadores.

Resultados: O utilizador típico é do sexo masculino, solteiro, vive só, tem entre 25 e 35 anos (21%). Este utilizador frequenta o balneário, duas a três vezes por semana. A maioria (58,3%) não tem casa de banho, 29,7% são sem abrigo, 35,2 % não estão inscritos em centro de saúde e 24,8% têm patologia do foro mental.

Conclusão: O utilizador tipo do balneário situa-se na fase ativa, é natural de Lisboa e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e não tem qualquer fonte de rendimento. Os motivos que levam à utilização do balneário são as dificuldades económicas, a condição de sem-abrigo e a falta de condições sanitárias.

Palavras-chave: enfermagem em saúde comunitária; intervenção comunitária; comunidades vulneráveis

 

ABSTRACT

Background: The community outreach project of the Universidade Católica Portuguesa, which involves the public bathhouse of Alcântara, started out of the need to identify its users.

Objectives: To characterize the users' socio-demographic and health profile and describe their use of social and health resources.

Methodology: A cross-sectional descriptive study, of quantitative nature, was conducted with the application of a questionnaire to a sample of 145 participants.

Results: The typical user is male, single, aged 25-35 years and lives alone (21%). This user goes to the public bathhouse two to three times per week. Most of the users (58.3%) have no bathroom, 29.7% are homeless, 35.2% are not registered in any health care center, and 24.8% have mental disorders.

Conclusion: The typical bathhouse user is of working age, was born in Lisbon and in the Portuguese-speaking African Countries, and has no source of income. The main reasons leading to the use of the public bathhouse are the economic difficulties, the homeless condition, and the lack of sanitary conditions.

Keywords: community health nursing; community intervention; vulnerable groups

 

RESUMEN

Marco contextual: El proyecto de extensión a la comunidad, de Universidade Católica Portuguesa, incluyendo el Balneario Público de Alcântara, se inició con la planificación en salud y necesidad de conocer sus usuarios.

Objetivos: Caracterizar el perfil social-demográfico y de salud de los usuarios y describir la utilización de los recursos sociales y de salud.

Métodos: Estudio descriptivo y transversal, de naturaleza cuantitativa, con aplicación de formulario a 145 participantes.

Resultados: El usuario típico es varón, soltero y vive sólo, con 25 a 35 años (21%). Esto frecuenta el balneario dos a tres veces por semana. La mayoría (58,3%) no tiene cuarto de baño, 29,7% son personas sin hogar, 35,2% no están matriculados en centro de salud y 24,8% tienen trastornos mentales.

Conclusión: El usuario típico del balneario es activo, de Lisboa y de Países Africanos de Lengua Oficial Portuguesa y no tiene rendimiento. Los principales motivos que llevan a la utilización del balneario son las dificultades económicas, la condición de persona sin hogar y la falta de condiciones de salubridad.

Palabras clave: enfermería de salud comunitaria; intervención comunitária; comunidades vulnerables

 

Introdução

Um dos eixos estratégicos para o Sistema de Saúde no Plano Nacional de Saúde 2011-2016 centra-se na promoção da “Cidadania para uma cultura de saúde e bem-estar, de realização dos projetos de vida pessoais, familiares e das comunidades” (Direção Geral da Saúde [DGS], 2011, p. 2). Entenda-se cidadania como a responsabilidade de desenvolver a sociedade, através de ações que podem incluir a participação pública e política, com o objetivo de promover o bem-estar e saúde em todas as idades, locais e ocasiões. O plano enuncia ainda como estratégias

a promoção de uma cultura de cidadania assente no desenvolvimento de iniciativas dirigidas à comunidade ou a grupos populacionais, visando a promoção da literacia, capacitação, empowerment e participação, tendo como eixos a difusão da informação… o desenvolvimento de competências, e o envolvimento e participação na decisão individual, institucional e política, criando condições para que os cidadãos se tornem mais autónomos e responsáveis em relação à sua saúde e à saúde de quem deles depende, bem como promovendo uma visão positiva em saúde. (DGS, 2011, p. 14).

A Universidade Católica Portuguesa (UCP), no âmbito da sua missão, objetiva o estudo dos problemas da sociedade portuguesa e a promoção dos valores culturais com recurso à investigação. Neste sentido, este artigo reporta um estudo de descrição do perfil dos utilizadores do Balneário Público (BP) de Alcântara e resulta de um projeto de extensão à comunidade da Universidade. O BP é um dos balneários em Lisboa com serviços de banho gratuitos que permite, para além da prestação de cuidados de higiene pessoal, a obtenção de vestuário, roupa de cama e a lavagem da roupa. De acordo com o regulamento, os serviços do BP destinam-se aos munícipes que se encontrem em situações de carência e possibilitam aos seus utilizadores a realização de serviços básicos de higiene pessoal (Regulamento do Balneário Público de Alcântara, sd).

O presente estudo tem como objetivos: caracterizar o perfil sociodemográfico e de saúde dos utilizadores do BP, e descrever a utilização dos recursos sociais e de saúde pelos utilizadores do BP.

 

Enquadramento

Os banhos públicos foram utilizados na antiguidade com as mais diversas funções. Numa perspetiva de natureza mais espiritual e religiosa, eram entendidos como um meio que permitia a purificação dos corpos e das almas. A influência da antiga cultura grega também os revestia de um significado desportivo. Porém, por serem realizados em grupo, é-lhes atribuída uma dimensão social, mais relacionada com a influência da cultura romana. Na atualidade, os balneários públicos assumem como principal finalidade a de potenciar e efetivar um dos mais elementares direitos sociais dos indivíduos que é a sua higiene (Rebelo, 2013).

O Balneário Público de Alcântara é um equipamento municipal gerido pela Junta de Freguesia e, na atualidade, constitui-se como um importante recurso de entre os 18 balneários da capital. Foi inaugurado nos anos trinta do Século XX, com o principal objetivo de apoiar as populações mais carenciadas (Rebelo, 2013).

O banho é uma necessidade humana básica da maior importância para o bem-estar das pessoas, na relação consigo e com os outros. Importa, por isso, perceber que condições a sociedade oferece àqueles que não possuem as circunstâncias mínimas para a satisfazer. Atendendo à natureza deste projeto de extensão à comunidade, pretende-se integrar a atenção dos enfermeiros a estas populações mais vulneráveis, com vista à intervenção futura. Atendendo a que o banho é uma importante atividade da dignificação humana e que a manutenção da higiene pessoal é necessária para o conforto, proteção e sensação de bem-estar (Kolcaba, 2009; Ribeiro & Costa, 2012), os enfermeiros podem ser, também neste contexto, os atores com proximidade privilegiada na relação com o corpo da pessoa em situação vulnerável pela expressão do sentido da saúde no quotidiano (Honoré, 2004). O banho constitui uma atividade de vida íntima e que, nesta situação, se transforma numa situação pública, mesmo com garantia da privacidade. Um espaço que deveria ser do eu é nosso e até público e nesta perspetiva, torna-se não só num local onde se satisfaz essa necessidade física, mas onde os utilizadores se encontram com as suas condições de vida, dignidade e sentido de vida (Baldacchino, 2010).

Caracterizar os utilizadores de um contexto tão particular, como o BP, constitui-se uma fase primordial no processo de planeamento em saúde bem como no planeamento do projeto de extensão à comunidade, no qual se espera oferecer respostas efetivas. Diagnosticar é analisar uma dada realidade com vista a desenhar um quadro de necessidades e soluções (Imperatori & Giraldes, 1993). Neste âmbito, e porque a saúde tem implicações no modo como as pessoas são capazes de lidar com as mudanças sociais e económicas e com a possibilidade coletiva de ajustamento (Baldacchino, 2010), o presente estudo cujo objetivo geral visa caracterizar os utilizadores do Balneário Público de Alcântara (BPA), pretende ainda, no decurso do desenvolvimento do projeto de extensão à comunidade, do qual este estudo é precursor, contribuir para a capacitação dos utilizadores do BP para melhor gerirem os seus processos de saúde/doença, desenvolvendo estratégias endógenas; melhorar a capacidade para a tomada de opções favoráveis a mais-valias em saúde; e dinamizar o trabalho em rede entre recursos comunitários, enquanto suportes sociais e de saúde.

 

Questões de Investigação

Qual o perfil sócio demográfico e de saúde dos utilizadores do BPA?

Quais os recursos sociais e de saúde em uso pelos utilizadores?

 

Metodologia

Realizou-se um estudo descritivo e transversal, de natureza quantitativa. Antes da concretização da fase empírica, o investigador principal reuniu com o Presidente da Junta de Freguesia, com o responsável do BP e com os funcionários daquele equipamento. Foi possível identificar que no BP circulam, para banho, uma média de 50 pessoas por dia, cerca de 300 por semana, num horário das 7h30 às 12h, com encerramento apenas na segunda-feira. Destas 300 pessoas algumas repetem a frequência semanal. A recolha de dados foi efetuada através de um formulário com questões fechadas e mistas, durante 2 semanas em julho de 2014, entre terça-feira e domingo. O pré-teste integrou 10 utilizadores que não constituíram a amostra, de modo a avaliar a compreensão das questões, a adequação das opções de resposta e o tempo médio de preenchimento. A amostra foi constituída por 145 participantes, num processo de amostragem não probabilístico, que resultou numa amostra por conveniência. Foram estabelecidos como critérios de inclusão, ser utilizador do balneário e ter mais de 18 anos. Os utilizadores foram convidados a participar quando se deslocaram ao balneário para o banho. O termo de consentimento livre e esclarecido foi lido individualmente a cada utilizador pelo investigador e, só após a aprovação para participar, este integrava o estudo. Os dados foram analisados com recurso à estatística descritiva, com o programa informático estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0. para o Windows.

O estudo foi aprovado pela Comissão Ética para a Saúde da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e pela Junta de Freguesia de Alcântara (Processo PROC. 042/CES/INV/2014, 4-4-2014).

 

Resultados

Caraterização demográfica

Dos 145 utilizadores do BP que constituíram a amostra, a maioria, 114 (78,6%) é do sexo masculino. Destes, 96 (66,2%) são solteiros; igual percentagem vive só, e 16 (11%) vivem em união de facto. Podemos constatar que 37 (25,5%) utilizadores residem na freguesia de Alcântara e os restantes residem dispersos noutras freguesias da capital (Figura 1).

 

 

Dos utilizadores do balneário público destaca-se que 62 (42,8%) são naturais de Lisboa, 23 (15,9%) são dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e 18 (12,4%) são da região norte do país (Figura 2).

 

 

Trinta e seis utilizadores, o que corresponde a 21%, têm entre os 25 e os 35 anos, seguindo-se 27 (19%) que estão na faixa etária dos 35 aos 45 anos e dos 45 aos 55, com igual valor percentual (19%). Ainda 2% dos utilizadores não responderam ou não sabiam a idade. Dos utilizadores inquiridos 18 (12%) têm mais de 65 anos. A maioria dos utilizadores situa-se na faixa etária equivalente à população ativa.

Caraterização socioeconómica

No que diz respeito à fonte de rendimento 83 (57,2%) referem não ter qualquer rendimento; 20 (13,8%) recebem o Rendimento Social de Inserção; 25 (17,2%) têm uma reforma ou pensão e 12 (8,2%) auferem ordenado. No geral, a maioria (87%) dos utilizadores possuem um rendimento mensal inferior a 500 Euros.

Verificou-se que 63 (43,4%) referem viver em apartamento ou moradia e 33 (22,8%) em quartos arrendados ou em parte de casa (usufruto de quarto, cozinha e casa de banho). Destaca-se o facto de 43 (29,7%) viverem em condições de sem-abrigo (Figura 3).

 

 

Entre os utilizadores do BP, 56 (38,6%) não têm casa de banho. Entre os 71 (58,3%) que referem ter casa de banho, 39 (26,9%) têm duche, 32 (22,1%) têm banheira e 15 (10,3%), não têm banheira nem duche.

Relativamente à frequência de utilização do BP, a maioria, 62 (42,8%) frequenta entre duas a três vezes por semana, 28 (19,3%) frequentam diariamente e 28, com o mesmo valor percentual (19,3%), frequentam uma vez por semana.

Quanto aos motivos que levam à utilização do BP, 60 (41,4%) referem ser económicos, 42 (29,7%) por viverem em condição de sem-abrigo e 23 (15,9%) por não possuírem sanitários com condições. Refira-se que 8 (5,5%) justificam a utilização do BP pela possibilidade de obterem roupa.

Utilização de serviços de saúde pelos participantes

No que diz respeito à utilização dos serviços de saúde, nos últimos 12 meses, 57 (39,3%) dos utilizadores recorreram entre uma e três vezes aqueles serviços. Denote-se que 53 (36,6%) dos utilizadores nunca recorreram aos serviços de saúde e 35 (24%) recorreram mais de quatro vezes. Dos que recorreram aos serviços de saúde, 40 (27,6%) frequentaram a consulta do médico de família, 33 (22,8%) recorreram ao serviço de urgência e 22 (15,2%) a um médico especialista. Refira-se que 10 (6,9%) dos utilizadores recorreram a consulta de psiquiatria ou a unidades de tratamento de toxicodependência.

Observou-se que 51 (35,2%) dos utilizadores não estão inscritos em nenhum agrupamento de centros de saúde (ACES). Maioritariamente, os utilizadores são utentes dos agrupamentos de centros de saúde de Lisboa Ocidental Oeiras, 39 (26,9%) e de Lisboa Central, 33 (51%), na sequência da reconfiguração dos ACES segundo a Portaria n.º 394-B/2012 de 29 de novembro. Dos inquiridos inscritos, 71 (49%) têm médico de família atribuído e 74 (51%) não têm.

Dos participantes, 57 (39,3%) referem não ter qualquer tipo de doença, 36 (24,8%) referem ter patologia do foro mental; 28 (19,3%) referem possuir doença cardiovascular; 12 (8,3%) referem ter HIV e 11 (7,6%) referem ter hepatite B ou C (Figura 4).

 

 

Discussão

Este estudo teve por objetivo descrever a caracterização dos utilizadores do BPA. Não obstante a priorização em saúde na investigação translacional em populações vulneráveis, pela pesquisa bibliográfica efetuada constatou-se a escassa evidência científica na área estudada.

Verificou-se que as características demográficas dos participantes são semelhantes àquelas identificadas por um estudo de Rebelo (2013), que verificou uma maior expressão do número de participantes do sexo masculino, do estado civil de solteiro e em condição de população ativa. Na caraterização socioeconómica, verificou-se que 57,2%, o que corresponde a 83 dos sujeitos, não têm qualquer rendimento. Comparativamente, a taxa de desemprego nos homens, na freguesia de Alcântara foi estimada em 12,71% (Instituto Nacional de Estatística, 2012), número com tendência a aumentar mesmo nas sociedades com níveis socioeconómicos mais elevados (Alves & Rodrigues, 2010). O desemprego é um fator com expressão evidente nestes participantes no presente e que pode promover a procura do BP, pois este recurso comunitário oferece serviços gratuitos, como o banho, roupa e serviços de tratamento de roupa. O desemprego está associado a maiores níveis de doença e mortalidade precoce (Alves & Rodrigues, 2010). Deste modo, de acordo com a taxa de desemprego quer dos utilizadores, quer dos habitantes do sexo masculino da freguesia de Alcântara, podemos afirmar que esta população se encontra em situação vulnerável, aumentando assim o risco de contrair doença.

No presente estudo a percentagem de pessoas na condição de sem abrigo (29,7%) foi superior à encontrada no estudo de Rebelo (2013; 21,1%). Verificou-se, no entanto, que recorrem a este balneário pessoas sem-abrigo de outras zonas de Lisboa, com frequência regular. De acordo com o Retrato de Saúde em Lisboa (Ministério da Saúde. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo IP, 2013), a população sem-abrigo é a que apresenta maior potencial de insatisfação das suas necessidades em saúde, tais como: falta de acesso aos serviços de saúde, problemas de financiamento, perceção de baixa dignidade e atenção deficitária, devido às características de marginalidade e de rotura dos laços sociais.

Do ponto de vista epidemiológico, a pobreza traduz-se, entre outros, por um baixo nível socioeconómico, privação, más condições de habitação e desemprego, constituindo-se como fator de risco para a doença de uma forma geral e para a doença mental em particular (Alves & Rodrigues, 2010). Também o acesso aos cuidados de saúde é um dos determinantes importante para a definição da condição de saúde.

O conceito de exclusão social que surge nos anos 70, e que viria a substituir o termo pobreza na década de 90, pela Comissão Europeia, salienta um conjunto de aspetos resultantes de ruturas sucessivas dos laços sociais. A exclusão social não estaria circunscrita apenas à privação material, mas apontaria sobretudo para a dessocialização e para a crise do vínculo (Rego, 2014). Um estudo realizado no Reino Unido evidenciou que, na perceção dos indivíduos sem-abrigo, quando estes se sentem excluídos, quando não há resposta adequada para os seus problemas e experimentam dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, existe um profundo impacto negativo na sua saúde e bem-estar (Rae & Rees, 2015). Os motivos de utilização do recurso prendem-se com baixas condições económicas.

A frequência de utilização diária do balneário (19,3%), pelos utilizadores aproxima-se da que foi identificada no estudo de Rebelo (2013; 22,8%), onde também se verificou que a maioria dos utilizadores tinham entre os 41 e os 64 anos e os motivos da utilização do balneário eram, em 60,7%, por não poderem pagar água e gás em casa.

Por outro lado, num estudo desenvolvido no Japão, os banhos públicos são entendidos como um serviço social central para os mais velhos, em programas de cuidados de longa duração, geridos por enfermeiros no espaço público ou domiciliário. Os valores culturais do banho vão para além da dimensão do cuidado de higiene e conforto, pois é comum a visita em grupo a espaços termais para experienciarem o relaxamento e a vivência em grupo como uma forma de estar na vida (Traphagariy, 2004).

Verificou-se que grande parte dos utilizadores não recorreram a serviços de saúde no último ano, não estão inscritos em nenhum agrupamento de centros de saúde (ACES), e cerca de metade não tem médico de família. Este é um dado fulcral que se salienta neste estudo, pois abre perspetivas futuras de intervenção no contexto do projeto de extensão à comunidade, de modo direto ou através da articulação com os serviços comunitários existentes. A este respeito, a Lei de Bases da Saúde contempla, nas disposições gerais, que “o Estado promove e garante o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis” (Lei n.º 48, 1990, p. 3452).

As doenças referidas pelos sujeitos enquadram-se no quadro da morbilidade nacional, ainda que seja a doença do foro mental, a que parece emergir com maior expressão. Segundo o Programa Nacional de Saúde (DGS, 2011), com base nos dados epidemiológicos recolhidos na última década, hoje é claro que as perturbações psiquiátricas e os problemas relacionados com a saúde mental se tornaram a principal causa de incapacidade e uma das principais causas de morbilidade e morte prematura, sobretudo nos países ocidentais industrializados. Merece também atenção os casos de doença por infeção viral. A infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) é reconhecida internacionalmente como uma ameaça ao desenvolvimento social e económico das populações e tem sido encarada em Portugal como uma prioridade no Plano Nacional de Saúde (DGS, 2011). As políticas de saúde, as comunidades, os profissionais e a academia deverão reunir esforços para que se encontrem estratégias capazes de promover o desenvolvimento local e a coesão social (Loureiro, Miranda, & José, 2013; Jesus & Menezes, 2010).

Atendendo aos objetivos do estudo, à vulnerabilidade da população e aos aspetos éticos inerentes à garantia do respeito pela intimidade e dignidade humana, decidiu-se optar pelo processo de amostragem não probabilística, resultando numa amostra de conveniência, que consideramos ser uma limitação do estudo.

 

Conclusão

Pela caracterização demográfica, o utilizador tipo é homem, solteiro, na fase ativa, reside em Alcântara e é de nacionalidade portuguesa. As condições sanitárias e económicas, a solidão, bem como o facto de viver sem abrigo parecem ser os motivos que justificam, na atualidade, a utilização do BP. Relativamente à caraterização socioeconómica, a maioria dos utilizadores vive sem qualquer fonte de rendimento, em situação de sem abrigo e recorre ao BP.

Relativamente à situação de saúde, a maioria dos utilizadores não fez vigilância de saúde no último ano e não possui médico de família. Vivem com morbilidades de que se evidencia a patologia do foro mental, cardiovascular e infectocontagioso.

Considerando a vulnerabilidade social e transcendência dos fenómenos presentes nos resultados, os recursos disponíveis nesta academia e na Junta de Freguesia de Alcântara, sugerimos como prioridades em termos de intervenção comunitária: mobilizar todos os recursos comunitários que possam ajudar na capacitação dos utilizadores do BP para a gestão adequada dos seus recursos económicos e promoção da dignidade; e instituir uma consulta de enfermagem com especial enfoque na saúde mental comunitária, promovendo o encaminhamento de situações mais complexas relacionadas com a exclusão e o acompanhamento de algumas necessidades relacionadas com a vivência de doença crónica.

Os dados de saúde sublinham que este espaço municipal carece da implementação de estratégias de intervenção comunitária com vista à promoção e à gestão dos processos de saúde/doença dos seus utilizadores. Importa, ainda, agilizar a rede de recursos de saúde comunitários existentes, na tentativa de os rentabilizar. Este objetivo deverá incluir os municípios que, pela sua natureza de gestão de proximidade, são fundamentais na estratégia local de implementar políticas que promovam melhores condições de vida e saúde, bem como a capacidade destas pessoas em tomar decisões e enfrentar as adversidades.

 

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Recebido para publicação em: 05.01.16

Aceite para publicação em: 30.04.16

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