Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.10 Coimbra set. 2016
https://doi.org/10.12707/RIV16022
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Significados atribuídos ao conceito de cuidar
Meanings assigned to the concept of caring
Significados atribuidos al concepto de cuidar
Paulo Joaquim Pina Queirós*; Elisabete Pinheiro Alves Mendes Fonseca**; Manuel Augusto Duarte Mariz***; Manuel Carlos Rodrigues Fernandes Chaves****; Sagrario Gómez Cantarino*****
* Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [pauloqueiros@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondencia: Av Bissaia Barreto, Apartado 7001, 3046-851, Coimbra, Portugal.
** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [elisabete@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão, e revisão da escrita do artigo.
*** MsC., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mariz@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; análise de dados e discussão, revisão da escrita do artigo.
**** MsC., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mchaves@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; análise de dados e discussão, revisão da escrita do artigo.
***** Ph.D., Professora Ayudante grado Doctor, Escuela de Enfermería y fisioterapia, Universidade de Castilla La Mancha, 45071, Toledo, Espanha [sagrario.gomez@uclm.es]. Contribuição no artigo: análise de dados e revisão da escrita do artigo
RESUMO
Enquadramento: O cuidar é assumido como conceito central em enfermagem e reportado pelos enfermeiros como caracterizador da sua ação. É considerado a essência da enfermagem.
Objetivos: Conhecer os significados atribuídos ao cuidar pelos enfermeiros e por estudantes de enfermagem.
Metodologia: Estudo quantitativo, exploratório-descritivo. Utilizou-se a Escala de Avaliação do Significado de Cuidar (EASC), de 44 itens, 5 dimensões (Cuidar como Característica Humana, Imperativo Moral, Afeto, Relação Interpessoal e como Intervenção Terapêutica). Amostra não probabilística de conveniência com 251 respondentes, 122 estudantes do 1º ano, 48 estudantes do 4º ano do CLE e 81 enfermeiros.
Resultados: Média mais elevada nas dimensões Intervenção Terapêutica e Relação Interpessoal, e mais baixa na Característica Humana e Afeto. As diferenças de médias entre os dois sexos não é estatisticamente significativa para qualquer dimensão e no total da escala.
Conclusão: Ao cuidar é atribuído, sobretudo, o significado de Intervenção Terapêutica e Relação Interpessoal. Obtém pontuações mais reduzidas o cuidar como Imperativo Moral, Afeto e Característica Humana.
Palavras-chave: cuidados de enfermagem; enfermagem; teoria de enfermagem
ABSTRACT
Background: Caring is a key concept in nursing and is considered to be the essence of nursing. For nurses, caring is the defining characteristic of their practice.
Objectives: To identify the meanings assigned to caring by nurses and nursing students.
Methodology: This is an exploratory, descriptive and quantitative study. We used the Scale of Assessment of Significance of Caring (Escala de Avaliação do Significado de Cuidar), composed of 44 items distributed by 5 dimensions (Caring as a Human Trait, Moral Imperative, Affect, Interpersonal Relationship, and Therapeutic Intervention). The scale was applied to a non-probability convenience sample of 251 subjects: 122 first-year students and 48 fourth-year students attending the Nursing Degree, and 81 nurses.
Results: The Therapeutic Intervention and Interpersonal Relationship dimensions obtained the highest mean scores, while the Human Trait and Affect dimensions obtained the lowest scores. The gender mean difference was not statistically significant for any dimension and total scale.
Conclusion: Therapeutic Intervention and Interpersonal Relationship are the main meanings assigned to caring. The Caring as Moral Imperative, Affect and Human Trait dimensions obtained the lowest scores.
Keywords: nursing care; nursing; nursing theory
RESUMEN
Marco contextual: El cuidar es asumido como concepto central en enfermería y, para los enfermeros, es un aspecto caracterizador de su acción. Se considera la esencia de la enfermería.
Objetivos: Conocer los significados que los enfermeros y los estudiantes de enfermería atribuyen al cuidar.
Metodología: Estudio cuantitativo, exploratorio y descriptivo. Se utilizó la Escala de Evaluación de los Significados del Cuidar (Escala de Avaliação do Significado de Cuidar) de 44 ítems y 5 dimensiones: cuidar como característica Humana, Imperativo Moral, Afecto, Relación Interpersonal e intervención terapéutica. La muestra fue no probabilística de conveniencia con 251 respondientes, 122 estudiantes del 1.º año, 48 estudiantes del 4.º año de la LE y 81 enfermeros.
Resultados: Media más elevada en las dimensiones intervención terapéutica y relación interpersonal, y más baja en la característica humana y el afecto. Las diferencias de las medias entre los dos sexos no es estadísticamente significativa para ninguna dimensión ni en el total de la escala.
Conclusión: Al cuidar se le atribuye, sobre todo, el significado de intervención terapéutica y relación interpersonal. Asimismo, el cuidar obtiene unas puntuaciones más reducidas como imperativo moral, afecto y característica humana.
Palabras clave: atención de enfermería; enfermería; teoría de enfermería
Introdução
Cuidar é inerente à condição humana, cuidar e ser cuidado faz parte do ser humano, assim sendo importa clarificar quais os significados específicos de que este conceito se reveste no âmbito disciplinar de enfermagem. Saber em que é que se diferencia de outros significados que lhe serão atribuídos por outros que não enfermeiros. O cuidar, conceito central em enfermagem influencia a teoria, a investigação, a prática e o ensino. Múltiplas teorias de enfermagem desenvolvem-se em torno do conceito cuidar. Ensina-se a cuidar, a prestar cuidados que se querem de qualidade para uma prática assertiva e baseada em evidências necessariamente resultantes de processos de investigação. Cuidar é descrito como a “essência da enfermagem e característica central, dominante e unificadora” (Leininger, 1988, p. 152).
Sabemos que o cuidar pode ser visto numa perspetiva pessoal, psicológica ou cultural (Morse, Bottorff, Neander, & Solberg, 1991; Meleis, 2012), e “do ponto de vista disciplinar, o cuidado é o objecto de conhecimento da enfermagem e critério fundamental para distingui-la de outras disciplinas do campo da saúde” (Medina, 1999, p. 35).
Com estas considerações acerca do conceito cuidar, torna-se relevante o conhecimento do significado que profissionais e estudantes lhe atribuem. Importa percecionar, com maior clareza, os contornos que o conceito comporta, naquilo que lhe é atribuído por esta população.
Num contexto de investigação epistemológica da enfermagem é objetivo do estudo, conhecer os significados atribuídos e apropriados pelos enfermeiros e por estudantes de enfermagem, relativos ao conceito cuidar, o que se obterá, através da avaliação das diferentes dimensões, contidas numa escala de significados atribuídos ao cuidar.
Enquadramento
O cuidar tem sido assumido como conceito central na disciplina de enfermagem e reportado pelos enfermeiros como caracterizador da sua ação profissional.
Conhecer os significados atribuídos e apropriados pelos enfermeiros e pelos estudantes em formação relativos ao conceito cuidar, torna-se da máxima importância, num contexto de desenvolvimento da disciplina de enfermagem.
Leininger (1978) refere que a essência da enfermagem é o cuidar e propõe uma distinção entre várias tipologias de cuidados: cuidados genéricos, cuidados profissionais, e cuidados profissionais de enfermagem. Os cuidados profissionais de enfermagem são “todos aqueles modos humanísticos e científicos, aprendidos cognitivamente, de ajudar a capacitar os indivíduos, famílias e comunidades para receber serviços personalizados através de modalidades, culturalmente determinadas, técnicas e processos de cuidado orientado à manutenção e desenvolvimento de condições favoráveis de vida e de morte” (Leininger, 1978, p. 9). Para esta autora o cuidado genérico é o cuidado inerente à condição humana, todos cuidamos e necessitamos de ser cuidados e o cuidar profissional é a atenção dirigida e intencional sobre coisas e/ou pessoas, organizado e praticado de forma profissional e não restritivamente de enfermagem. Neste mesmo sentido, podemos entender “o cuidado, no contexto de enfermagem, é a profissionalização e a cientifização da tendência instintiva e culturalmente mediada dos seres humanos como espécie para a protecção dos seus membros” (Medina, 1999, p. 42).
No esteio de Heidegger (2005), onde o cuidado – sorge –, se desdobra em besorgen, traduzido por ocupação, e em fürsorgen, quando o cuidado toma a dimensão de uma solicitude ou de uma preocupação (Rocha, 2011), fica claro que de “outra grandeza é o alargamento da consideração do cuidar, indo para além do ato (prestar cuidados), para a atitude (desvelo, solicitude, disponibilidade, compaixão – cuidar).” (Queirós, 2015). Aquilo que “permite inscrever os actos de cuidados numa acção de cuidar … que impele um humano profissional a entrar em relação de inteligência com um outro humano que vive o que tem para viver” (Hesbeen, 2013, p. 15). Algo que os enfermeiros fazem quando recorrem a saberes teóricos em associação a saberes práticos desenvolvendo e colocando em acção uma competência relacional de situação (Hesbeen, 2013).
Meleis (2012) com a afirmação, simples e clara, que a “enfermagem é uma ciência humana, com uma orientação prática, uma tradição de cuidar e uma orientação para as questões de saúde”, valoriza e dá centralidade ao conceito cuidar. O cuidar é para esta autora, uma das quatro características importantes definidoras de uma perspetiva de enfermagem, sendo as outras, a enfermagem como disciplina humana, orientada para a prática e orientada para a saúde.
Importa ainda referir que “o cuidar, … está na mesma génese do ser humano, … e a ação de cuidar revela algo muito próprio da humanidade do homem, revela a sua íntima constituição” (Roselló, 2009, p. 118). Neste mesmo sentido “o cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim e passo a dedicar-me a ele” (Boff, 1999, p. 2). Boff considera também que o cuidar assume expoente máximo quando considerado cuidar integral, da pessoa e do ambiente.
Em Pellegrino encontramos quatro sentidos para o termo cuidar: o cuidar como compaixão, como ajudar alguém a ser autónomo, como convite a desejar-se ajudar, como converter alguém no centro de atenção. Para este autor “o cuidado integral – nos quatro sentidos indicados – é uma obrigação moral dos profissionais de saúde” (Pellegrino, 1985, p. 13).
Por sua vez Morse et al. (1991) explica o cuidado em cinco classificações ontológicas: cuidar como Característica Humana, cuidar como Imperativo Moral ou Ideal, cuidar como Afeto, cuidar como Relação Interpessoal, cuidar como Ação Terapêutica. Com base nesta classificação de Morse et al. (1991), Meleis (2012) esclarece que a característica humana deve ser vista de uma perspetiva pessoal, psicológica ou cultural, e que enquanto imperativo moral, a essência fundamental da enfermagem está na preservação da dignidade dos outros. Enquanto afeto o cuidar manifesta-se através dos sentimentos ou da empatia e dedicação, sendo que o cuidado tem também na sua essência a relação enfermeiro-utente, e reveste-se de uma intervenção terapêutica.
O trabalho de Morse et al. (1991), referido anteriormente, esclarece-nos as características de cuidar. O cuidar como característica humana inclui a sua perceção como essencial para o ser humano, universal, necessário para a sobrevivência, forma essencial de ser e estar, constante e duradouro. Como imperativo moral comporta a virtude do enfermeiro, a manutenção da dignidade dos doentes, orienta a tomada de decisão, fornece códigos de conduta, inclui a preocupação constante com o doente. Como afeto engloba a emoção, o sentimento de compaixão ou empatia. Na perspetiva de Relação Interpessoal implica uma troca caracterizada por respeito e confiança, envolvimento mútuo, relação intima, crescimento mútuo. Como intervenção terapêutica reveste-se das ações que satisfazem as necessidades dos doentes, variando de acordo com exigências situacionais e em relação aos conhecimentos e competências do enfermeiro.
Ter uma visão humanista no cuidar é crucial para compreender o ser humano, como nos referem os autores, “não se consegue compreender o ser humano, se não nos basearmos no cuidado” (Hernández Vergel, Zequeira Betancourt, & Miranda Guerra, 2010, p. 31). É assim que cuidar de alguém implica um interesse genuíno, de desvelo e solicitude, sem perder de vista que “o cuidado deve ser entendido como um processo de facilitação através do qual o enfermeiro cria as condições favoráveis para que a pessoa faça suas escolhas, visando a resolução dos seus problemas de saúde” (Bison, Almeida, Santos, & Furegato, 2013, p. 91), ou ainda “cuidar é ser-com-o-outro: cuidar é presença: cuidar é auto cuidado, é cuidar de si.” (Sebold et al. 2016, p. 245). A manutenção da designação do enfermeiro como prestador de cuidados é assim possível se encarada numa perspetiva aberta e alargada onde a “actividade de um prestador de cuidados não se resume a um referencial de tarefas, mas a todas as acções possíveis e impossíveis que balizam o seu dia” (Campia, 2013, p. 104). Mas também um cuidar integral no sentido de comportar em todas as dimensões, o cuidar do outro, o cuidar de si e o cuidar da natureza, todos os três em estreita ligação, já que o contexto é algo inerente à condição humana, à condição da sua existência num percurso vivencial.
Questões de investigação
O presente estudo suscita-nos uma questão geral de investigação, à qual procuraremos dar resposta: Os significados atribuídos ao cuidar diferem em função de variáveis de formação, profissionais, sociodemográficas e tem expressão distinta entre estudantes de enfermagem e enfermeiros?
Metodologia
O estudo que se apresenta é um estudo exploratório/descritivo de natureza quantitativa. O estudo decorreu com estudantes de enfermagem e com enfermeiros. Constitui-se uma amostra não probabilística de conveniência com 251 respondentes a que correspondem 122 estudantes do 1º ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem (CLE), 48 estudantes finalistas do 4º ano do CLE, estudantes do ano letivo de 2014/15 de uma escola pública da região centro do país e 81 enfermeiros. Tratando-se de uma amostra de conveniência os critérios de inclusão e exclusão quer entre os enfermeiros quer entre os estudantes passou apenas pela aceitação em participar de forma livre e esclarecida no estudo.
Na recolha de informação foi utilizada a Escala de Avaliação do Significado de Cuidar (Bison et al., 2013) na versão de 44 itens, sustentada em 5 dimensões ontológicas: 1) Cuidar como Característica Humana; 2) como Imperativo Moral ou Ideal; 3) como Afeto; 4) como Relação Interpessoal; 5) como Ação Terapêutica (Morse et al. 1991). A escala disponibiliza cinco opções de resposta, tipo Likert: discordo totalmente, discordo, em dúvida, concordo, e concordo totalmente.
Este instrumento apresenta como características métricas relativas à fiabilidade, no particular da consistência interna, um alfa de Cronbach de 0,82, no estudo de Correia e Costa (2012). No estudo de Bison et al. (2013) os valores para as dimensões variam entre 0,62 e 0,71, obtendo para o total da escala 0,74. Verificada a consistência interna com a amostra deste estudo encontrámos um alfa de Cronbach para o total da escala de 0,86 e para as cinco dimensões, três valores que consideramos razoáveis de 0,68; 0,66; 0,64; e dois mais baixos de 0,48 e 0,46.
A operacionalização do estudo iniciou-se com o pedido de autorização à autora da escala e com a submissão do projecto à Comissão de Ética (CE) da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), a que se seguiu o pedido de autorização à direção da ESEnfC.
Após a obtenção das autorizações, iniciou-se o trabalho de campo com a colheita de dados através da utilização do instrumento referido, o que ocorreu entre maio e julho de 2015. Entre os estudantes os dados foram colhidos em sala de aulas, após a promoção de um ambiente favorável à concentração e à reflexão que a escala exige, para que cada um se pudesse identificar com a melhor opção de resposta, procedeu-se à explicitação dos objetivos, à clarificação da não obrigatoriedade de adesão ao estudo, assim como a salvaguarda do anonimato dos participantes. Os enfermeiros responderam quer em sala de aulas, quando se deslocavam à escola para frequência de cursos de pós-graduação e mestrado, quer nos serviços onde trabalham. Em qualquer uma das circunstâncias foram igualmente explicitados os objetivos, a não obrigatoriedade de adesão ao estudo, assim como a salvaguarda do anonimato. A recolha dos questionários foi efetuada pela equipa de investigação constituída pelos autores deste artigo. Todos os respondentes, enfermeiros e estudantes, preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Após a recolha de informação, os dados foram lançados no suporte estatístico informático, SPSS versão 19, e procedeu-se à análise estatística.
Resultados
Em relação aos dados sociodemográficos dos participantes, no que se refere à variável sexo, nesta amostra 85,43% (211) são mulheres, e 14,57% (36) são homens. A amostra é constituída por três subamostras, respetivamente de 122 estudantes de enfermagem do 1º ano (48,60%), 48 estudantes do 4º ano (19,12%), e 81 enfermeiros (32,28%). As percentagens de mulheres são mais elevadas nas subamostras de estudantes do que na dos profissionais, respetivamente 88,33% e 87,23% que compara com 80% nos enfermeiros (Tabela 1). A média de idades no total da amostra situa-se em 25,83 anos, com média das subamostras respetivamente de 19,17 (1º ano); 23,87 anos (4º ano) e 36,89 anos (enfermeiros).
Em relação ao estado civil, no total da amostra, 188 participantes são solteiros (76,43%), 54 são casados (21,96%), três são divorciados (1,21%), e um é viúvo (0,40%). Naturalmente a taxa de solteiros é mais elevada entre os estudantes, e a taxa de casados entre os profissionais (Tabela 1).
Os enfermeiros apresentam uma média de 14,08 anos de exercício profissional.
No que respeita aos anos de profissão, considerámos, a classificação de Benner (2001) de 5 graus de perícia de desenvolvimento profissional dos enfermeiros. Neste estudo, agrupamos o grau de competente com o de proficiente, num critério de viabilidade estatística. Aos estudantes atribuímos o grau de iniciado e os enfermeiros foram integrados em três grupos (iniciado avançado de 0 a 2 anos, competente/proficiente ≥ 3 até 9 anos e perito ≥ 10 anos). Resultante desta adaptação, registámos 47 enfermeiros peritos, 30 enfermeiros na categoria competente/proficiente, um enfermeiro como iniciado avançado, e 169 iniciados (estudantes sem experiência profissional).
Os 251 participantes deste estudo, estudantes e enfermeiros, pontuam com média mais elevada a dimensão intervenção terapêutica, seguido desde logo pela dimensão Relação Interpessoal (Tabela 2). Num polo oposto, com média mais baixa situam-se as dimensões Característica Humana e Afeto. O significado Imperativo Moral atribuído ao cuidar, constitui uma dimensão intermédia, e nesta amostra aproximada dos valores médios para o total da escala.
Verificando os significados do cuidar entre homens e mulheres (Tabela 3), constatámos que os homens valorizam mais a Intervenção Terapêutica e o Afeto. Em contrapartida, as mulheres superam nas dimensões Relação Interpessoal, Cuidar como Imperativo Moral e do Cuidar como Característica Humana. A diferença de médias entre os dois sexos, calculado através da estatística U de Mann-Whitney, não é estatisticamente significativa para qualquer dimensão e para o total da escala.
Os estudantes do 1º ano atribuem significado com valores mais elevados ao total da escala e em todas as dimensões com a exceção da dimensão Relação Interpessoal (Tabela 4). Nesta última o valor mais elevado está nos estudantes do 4º ano, no entanto sem que a diferença de médias seja estatisticamente significativa. Já em relação ao total da escala e às outras dimensões, - Intervenção Terapêutica, Imperativo Moral, Afeto, Característica Humana -, as diferenças de médias, avaliadas pelo Kruskal-Wallis, são estatisticamente significativas, respetivamente com os seguintes níveis de significância: p < 0,001; p= 0,019; p = 0,002; p = 0,042; p = 0,001.
Ao juntarmos os 2 grupos de estudantes e ao compararmos aos significados atribuídos pelos enfermeiros, podemos referir que os estudantes atribuem uma maior pontuação na dimensão Intervenção Terapêutica, seguindo-se a Relação Interpessoal, Imperativo Moral, como Afeto e como Característica Humana.
Os enfermeiros valorizaram menos todas as dimensões. Refira-se, que as diferenças encontradas são estatisticamente significativas, segundo o teste U de Mann-Whitney para todas as dimensões e para o total da escala, respetivamente valores de significância de p = 0,005; p = 0,039; p = 0,001; p = 0,013; p < 0,001; p < 0,001 (Tabela 5).
Relacionando os significados atribuídos ao cuidar com o estado civil (Tabela 6), verificámos que os solteiros obtêm pontuações, nas dimensões e no total, genericamente mais elevadas, e em que as diferenças estatísticas entre solteiros e casados/união de facto, são significativas, com a exeção da dimensão Afeto (teste U de Mann-Whitney). Mantem-se a tendência de médias mais elevadas nas dimensões Intervenção Terapêutica e Relação Interpessoal, o significado do cuidar como imperativo moral num patamar intermédio, e o cuidar como afeto e característica humana com médias mais baixas.
Considerando os anos de profissão agrupados em quatro grupos (de 1 a 9 anos; de 10 a 19 anos, de 20 a 29 anos; 30 e mais anos), verificámos pontuações médias genericamente mais elevadas no grupo de 30 e mais anos. No entanto só existem diferenças de médias estatisticamente significativas, calculadas através da estatística Kruskal-Wallis, para a dimensão cuidar como imperativo moral (p = 0,040), sendo o grupo de mais anos de serviço, 30 e mais, que apresenta valores mais elevados (Tabela 7).
Estudámos ainda os significados atribuídos ao cuidar com os anos de serviço agrupados segundo categorias propostas por Benner (2001; Iniciado, Iniciado Avançado, Competente, Proficiente, Perito). Para o concretizar, agrupámos no particular deste estudo, competentes e proficientes, por nos parecer mais adequado. Sendo ainda, que para o estudo das diferenças de médias, excluímos o grupo de iniciados avançados (>0; ≤2 anos de profissão) por ter apenas um sujeito. Considerámos iIniciados todos os estudantes. Competentes e Proficientes os profissionais dos 3 anos aos 9 anos, e como peritos os enfermeiros com 10 ou mais anos de profissão (Tabela 8).
Encontrámos diferenças estatisticamente significativas nos três grupos, para o cuidar como intervenção terapêutica (p = 0,033), como imperativo moral (p = 0,004), como afeto (p = 0,013), como característica humana (p = 0,001), e para o total da escala (p < 0,001). Sendo como tendência, os iniciados a pontuar mais alto e os peritos com média de valor mais reduzido. Para a dimensão Relação Interpessoal as diferenças de médias não são significativas.
Discussão
Este estudo apresenta como principal limitação um número reduzido de participantes, disperso por três subamostras com algum desequilíbrio no tamanho de cada uma delas. Um número mais elevado de participantes e um maior equilibrio, sobretudo aproximando o número de estudantes com o número de profissionais, permitiria por um lado, efetuar um estudo de maior consistência das características métricas do instrumento utilizado para recolha de informação, das suas dimensões e da sua estrutura fatorial. Também as comparações entre estudantes e profissionais ganhariam outra relevância.
O facto de os participantes mais novos deste estudo, apresentarem genericamente, pontuações médias superiores em relação aos mais velhos, parece relacionar-se com o facto de estarem mais próximos temporalmente dos processos formativos, no pressuposto que a formação de estudantes de enfermagem, contemporânea, valoriza para além dos aspetos técnicos e operacionais, os aspetos ligados aquilo que os teóricos de enfermagem, tem vindo a considerar como caracterizador do cuidar. Ou seja cuidar é muito mais do que a dimensão técnica. Não se restringindo à dimensão operativa de prestar comporta a dimensão atitudinal de Disponibilidade, Solicitude, de fazer com que o outro deseje ser cuidado. Um cuidar que passa pela competência relacional de situação, um misto de saberes teóricos e saberes práticos, que permite colocar um ser humano profissional em contato com um ser humano que requer cuidados (Hesbeen, 2013).
Por outro lado não deixa de ser objeto de referência o facto de não encontrarmos diferenças significativas nos significados atribuídos ao cuidar, quer no seu total, quer nas várias dimensões, entre homens e mulheres. Esta uniformização de género na atribuição de significados, carece de uma maior exploração em estudos posteriores, já que se cruza com estereótipos sexistas, nomeadamente aqueles que potencialmente atribuem aos homens, nesta caso enfermeiros, maior valorização técnica, e às mulheres maior valorização afetiva, carinhosa, etc. Em relação a diferenças dos significados atribuídos entre os género e os grupos etários, importa referir que não parece existir consenso, indicando alguns estudos em “que as mulheres referiam perceber o cuidado de uma maneira diferente dos homens” (Hernández Vergel et al., 2010, p. 36).
Importa refletir e analisar que para a generalidade dos participantes são as dimensões operacionais, atribuição de significado ao cuidar como Intervenção Terapêutica e como Relação Interpessoal que mais pontuam, em oposição à consideração do cuidar como Afeto e Característica Humana. Ou seja as dimensões que implicam ação, intervenção, relação, sobrepõem-se às atitudes, como sejam o Afeto e Cuidado como característica humana. Estes resultados estão em linha com a investigação de Correia e Costa (2012) em que encontra também resultados semelhantes para os estudantes em final de curso.
Nesta linha de pensamento, a atribuição ao cuidar de um significado de imperativo moral, está patente com médias mais elevadas em enfermeiros mais velhos. Esta situando-se em valores médios de pontuação, num patamar intermédio entre as dimensões que identificámos como de ação e as que identificámos como atitudinais, funciona como fazendo a ponte ética, entre a ação e a atitude.
Relevante ainda a constatação que as pontuações médias no total da amostra e genericamente nas subamostras, segue um perfil de maior para menor, onde pontua mais a intervenção terapêutica e menos a significação como característica humana. Neste ponto estes resultados comparam, por oposição, à consideração que “a sensibilidade para o cuidado é ampliada no sentido de que cuidar não necessariamente é praticar procedimentos, mas também … pode ser realizado com atitudes de subjectividade” (Sebold et al., 2016 p. 245). Sobre este aspeto, realce-se a importância dos processos formativos culminarem “numa aprendizagem global onde o cuidar seja o resultado da valorização harmonizada das diferentes dimensões que o compõem.” (Correia & Costa, 2012, p. 75). Onde na atenção à diversidade das perspetivas inerentes ao cuidar, importa a consideração dos contextos, pois as “habilidades devem ser associadas ao raciocínio clínico e ao contexto que o estudante pertence” (Rodrigues et al., 2016, p. 389), e aos significados que se lhe atribui, estes “distingue-se como: acto, acção, disposição (ter cuidado), forma de agir (tomar cuidado)” (Honoré, 2013, p. 126).
Os respondentes, no presente estudo, ao considerar desta forma, aproximam-se em nossa opinião das asserções de Leininger (1978) quando considera o cuidar diferenciado entre cuidar genérico, cuidar profissional e cuidar profissional de enfermagem, é que efetivamente o cuidar como Característica Humana (o menos pontuado, pelos profissionais) corresponde à descrição de cuidar genérico, enquanto a dimensão mais pontuada, Intervenção Terapêutica, reflete o cuidar profissionalizado de enfermagem.
Conclusão
A identificação do cuidar com Intervenção Terapêutica e Relação Interpessoal está patente nas elevadas médias obtidas para estas dimensões da escala de significados atribuídos ao cuidar. Ou seja, os estudantes de enfermagem e os enfermeiros identificam o cuidar como Intervenção Terapêutica e como Relação Interpessoal mais do que como Característica Humana e como Afeto. A Intervenção Terapêutica é a dimensão da escala que surge em todas as comparações efetuadas com valores médios mais elevados.
Não se verificam diferenças nos valores médios das dimensões e total da escala em função do género, e os significados atribuídos ao cuidar, em todas as dimensões é mais expressivo nos estudantes do que nos profissionais. Em relação a estes dados, são os solteiros comparados com os casados que apresentam valores significativamente mais elevados, nas dimensões e no total da escala com exceção da dimensão Afeto, onde não se diferencia.
Quanto aos anos de profissão, são os enfermeiros com mais anos que pontuam com médias mais elevadas, com significância estatística, na dimensão Imperativo Moral ao cuidar. Usando a classificação de Benner (2001), os iniciados, competentes e proficientes, diferem com pontuações médias mais elevadas nas dimensões e no total, dos peritos. Diferença com significado estatístico, nas dimensõesI Terapêutica, Imperativo Moral, Afeto, Característica Humana e total.
Ao cuidar é atribuído, sobretudo, o significado de Intervenção Terapêutica e Relação Interpessoal, sendo os estudantes, os solteiros, e os iniciados a atribuir significado de forma mais expressiva. Genericamente o significado do cuidar como Imperativo Moral, Afeto e Característica Humana, obtém pontuações mais reduzidas. Ainda assim, os enfermeiros com mais anos de profissão pontuam mais na atribuição do significado de Imperativo Moral ao cuidar.
Estes dados conclusivos, permitem considerar como imperativo promover estratégias de ensino e de desenvolvimento de competências profissionais tendentes a que, os significados atribuídos ao cuidar, possam ser, nas dimensões atitudinais do cuidar (Moral, Afeto, Característica Humana), tão expressivas nos significados atribuídos ao cuidar, como as dimensões instrumentais, como sejam a Intervenção Terapêutica e a Relação Interpessoal.
Como sugestões e implicações para a enfermagem refira-se a importância de no sistema formal de ensino e na formação permanente introduzirem-se estratégias de valorização das componentes de cuidar, enquanto específicas e diferenciadoras do cuidar em enfermagem e que vão para além do cuidar instrumental (prestar) e se situam na atitude, na disponibilidade, no desenvolvimento de competências relacionais que se possam assumir como terapêuticas.
Referências bibliográficas
Benner, P. (2001). De iniciado a perito: Excelência e poder na prática clínica de enfermagem. Coimbra, Portugal: Quarteto. [ Links ]
Bison, R. A., Almeida, D. V., Santos, J. L., & Furegato, A. R. (2013). Validación de la escala de evaluación del significado del cuidado. Cultura de los Cuidados, 17(37), 90-98. doi: 10.7184/cuid.2013.37.09 [ Links ]
Boff, L. (1999). Saber cuidar: Ética do humano: Compaixão pela terra. Petrópolis, Brasil: Vozes. [ Links ]
Campia, P. (2013). Formar para a escrita de um acto ou para o acto da escrita? In W. Hesbeen (Ed.), Dizer e escrever a prática do cuidar do quotidiano: À descoberta do sentido do cuidado de saúde (pp.101-147). Loures, Portugal: Lusociência. [ Links ]
Correia, M. A., & Costa, M. A. (2012). Perceção do cuidar de um grupo de estudantes finalistas de enfermagem. Revista de Enfermagem Referência, 3(8), 75-83. doi: 10.12707/RIII11119 [ Links ]
Heidegger, M. (2005). Ser e tempo. Petrópolis, Brasil: Editorial Vozes. [ Links ]
Hernández Vergel, L. L., Zequeira Betancourt, D. M., & Miranda Guerra, A. J. (2010). La percepción del cuidado en profesionales de enfermería. Revista Cubana de Enfermería, 26(1), 30-41. Recuperado de http://scielo.sld.cu/pdf/enf/v26n1/enf07110.pdf [ Links ]
Hesbeen, W. (2013). Dizer e escrever a prática do cuidar do quotidiano: À descoberta do sentido do cuidado de saúde. Loures, Portugal: Lusociência. [ Links ]
Honoré, B. (2013). Qual a posição do mundo face ao cuidado com as coisas e com os outros? In W. Hesbeen (Ed.), Dizer e escrever a prática do cuidar do quotidiano: À descoberta do sentido do cuidado de saúde (pp.121-147). Loures, Portugal: Lusociência. [ Links ]
Leininger, M. (1978). The phenomenon of caring: Importance, research questions and theoretical considerations. In M. Leininger (Ed.), Caring, an essential human need: proceedings of three National Caring Conferences. Part I; The phenomena and nature of caring. Salt Lake City, UT: University of Utah. [ Links ]
Leininger, M. (1988). Leininger´s theory of nursing: Cultural care diversity and universality. Nursing Science Quarterly, 1(4), 152-160. doi: 10.1177/089431848800100408 [ Links ]
Medina, J. L. (1999). La pedagogía del cuidado: Saberes y práticas en la formación universitaria en enfermería. Barcelona, España: Laertes. [ Links ]
Meleis, A. I. (2012). Theoretical nursing: Development and progress (5th ed.). Philadelphia, PA: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins. [ Links ]
Morse, J. M., Bottorff, J., Neander, W., & Solberg, S. (1991). Comparative analysis of conceptualizations and theories of caring. Image: Journal of Nursing Scholarship, 23(2), 119-126. doi: 10.1111/j.1547-5069.1991.tb00655.x [ Links ]
Pellegrino, E. (1985). The caring ethics: the relation of physician to patient. In A. H. Bishop & J. R. Scudder (Eds.), Caring, curing, coping: Nurse, physician, patient relationships. Birmingham, England: University of Alabama Press. [ Links ]
Queirós, P. J. (2015). Cuidar: a condição de existência humana ao cuidar integral profissionalizado. Revista de Enfermagem Referência, 4(5), 139-146. doi: 10.12707/RIV14079 [ Links ]
Rocha, Z. (2011). A ontologia heideggeriana do cuidado e suas ressonâncias clínicas. Síntese: Revista de Filosofia, 38(120), 71-90. [ Links ]
Rodrigues, C. C., Carvalho, D. P., Salvador, P. T., Medeiro, S. M., Menezes, R. M., Júnior, M. A., & Pereira, V. E. (2016). Ensino inovador de enfermagem a partir da perspectiva das epistemologias do Sul. Escola Anna Nery, 20(2), 384-389. doi: 10.5935/1414-8145.20160053 [ Links ]
Roselló, F. T. (2009). Antropologia do cuidar. Petrópolis, Portugal: Vozes. [ Links ]
Sebold, L. F., Kempfer, S. S., Radunz, V., Prado, M. L., Tourinho, F. S., & Girondi, J. B. (2016). Cuidar é … percepções de estudantes de enfermagem: Um olhar heideggeriano. Escola Anna Nery, 20(2), 243-247. doi: 10.5935/1414-8145.20160032 [ Links ]
Recebido para publicação em: 21.03.16
Aceite para publicação em: 01.07.16