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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.11 Coimbra dez. 2016
https://doi.org/10.12707/RIV16062
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Dificuldades no autocuidado dos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1
Self-care difficulties of adolescents with type 1 diabetes
Dificultades en el autocuidado de adolescentes con diabetes mellitus tipo 1
Marília Costa Flora*; Manuel Gonçalves Henriques Gameiro**
* MSc., Enfermeiro, Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, Doutoranda em Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [liaflora@esenfc.pt]. Morada para correspondência: Rua 1.º de Maio, lote 58b, 2.º D, Edf. Gardénia, Chã, 3080-847, Figueira da Foz, Portugal. Contribuição: pesquisa bibliográfica, colheita de dados com aplicação do questionário, tratamento de dados, análise e discussão dos mesmos, escrita do artigo.
** Ph.D., Enfermeiro, Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica. Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mgameiro@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: orientador da tese de mestrado, tratamento de dados, análise e discussão dos mesmos, orientações oportunas para a redação do artigo.
RESUMO
Enquadramento: A diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença cada vez mais prevalente na adolescência. Intervir no autocuidado é determinante para o seu controlo.
Objetivos: Determinar as dificuldades no autocuidado dos adolescentes com DM1. Analisar a relação das dificuldades no autocuidado dos adolescentes com DM1 com a idade e o género.
Metodologia: Estudo descritivo-analítico e transversal. Participaram 51 adolescentes entre os 12 e os 18 anos, seguidos em hospitais distritais da zona centro de Portugal. Foi construído um questionário de dificuldades adaptado de um modelo de papéis de autocuidado, constituído por 18 itens distribuídos por 4 dimensões: Manutenção da saúde; Controlo da doença; Diagnóstico, tratamento e Medicação na DM1 e, participação nos serviços de saúde.
Resultados: Referem ter pouca dificuldade em gerir o autocuidado (96,1%), bastante dificuldade no ajuste de insulina mediante a avaliação de glicemia capilar (29,4%), bastante dificuldade em reconhecer a importância da hemoglobina glicosilada (17,6%).
Conclusão: Os adolescentes revelaram níveis de dificuldade relevantes no ajuste de insulina e na compreensão da hemoglobina glicosilada.
Palavras-chave: adolescente; diabetes mellitus tipo 1; autocuidado; enfermagem
ABSTRACT
Background: Type 1 diabetes (T1D) is a chronic disease that is increasingly prevalent in adolescence. Intervention in self-care is essential for disease management.
Objectives: To identify the self-care difficulties of adolescents with T1D. Analyze the association between the self-care difficulties of adolescents with T1D and age and gender.
Methodology: Descriptive-analytical and cross-sectional study. The sample was composed of 51 adolescents aged between 12 and 18 years being followed-up in district hospitals of the center region of Portugal. We developed a questionnaire on the adolescents' difficulties based on a model of self-care roles, consisting of 18 items distributed by 4 dimensions: Health maintenance; Disease management; Diagnosis, treatment and Medication in T1D; and participation in health services.
Results: Most adolescents (96.1%) found it easy to manage self-care, 29.4% of them found it difficult to adjust insulin to blood glucose levels, and 17.6% of them found it difficult to recognize the importance of glycated hemoglobin.
Conclusion: Adolescents showed significant levels of difficulty in insulin adjustment and interpretation of glycated hemoglobin.
Keywords: teenager; type 1 diabetes; self-care; nursing
RESUMEN
Marco contextual: La diabetes mellitus tipo 1 (DM1) es una enfermedad que cada vez tiene más prevalencia en la adolescencia. Por ello, intervenir en el autocuidado es esencial para controlarla.
Objetivos: Determinar las dificultades en el autocuidado de los adolescentes con DM1. Analizar la relación de las dificultades en el autocuidado de los adolescentes con DM1 con la edad y el género.
Metodología: Estudio descriptivo, analítico y transversal. Participaron 51 adolescentes con edades comprendidas entre los 12 y 18 años a los que se les realizó un seguimiento en hospitales de la zona centro de Portugal. Se elaboró un cuestionario de dificultades adaptado de un modelo de autocuidado que consta de 18 ítems distribuidos en 4 dimensiones: mantenimiento de la salud; control de la enfermedad; diagnóstico, tratamiento y medicación en la DM1, y participación en los servicios de salud.
Resultados: El 96,1% indicó que tiene pocas dificultades para gestionar la enfermedad, el 17,6% bastantes dificultades para reconocer la importancia de la glucohemoglobina.
Conclusión: Los adolescentes indicaron que tienen niveles de dificultad relevantes en el ajuste de la insulina y en la interpretación de la glucohemoglobina.
Palabras clave: adolescente; diabetes mellitus tipo 1; autocuidado; enfermería
Introdução
A diabetes mellitus tipo 1 (DM1) resulta da destruição das células ß dos ilhéus de Langerhans do pâncreas, com insulinopenia absoluta, passando a insulinoterapia a ser indispensável para assegurar a sobrevivência, sendo uma doença geralmente autoimune (Hockenberry & Wilkenstein, 2006). Em Portugal a incidência de diabetes, em 2014, atingia 17,5% (261 novos casos) por cada 100.000 habitantes com idades entre 0-14 anos. No ano 2000 verificaram-se 9,5%, correspondente a 160 novos casos. Estes resultados seguem a tendência internacional do aumento da DM1 em idades cada vez mais precoces (Correia et al., 2015). As complicações a longo prazo, resultado da inadequada gestão da doença podem resultar no aumento da mortalidade e alto risco de complicações micro e macro vasculares.
A adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano caracterizada por profundas transformações físicas, psicológicas e sociais, iniciando-se no período pubertário e atingindo o seu termo com a constituição da pessoa enquanto adulto. A adolescência é um período de rápida maturação física, cognitiva, social e emocional (Hockenberry & Wilkenstein, 2006). A Organização Mundial de Saúde delimita a adolescência como o período cronológico compreendido entre os 10 e os 19 anos de idade, considerando a pré adolescência entre 10 e os 14 anos, e a adolescência propriamente dita, entre os 15 e os 19 anos (World Health Organization, 2011). A adesão ao autocuidado é problemática para a maioria dos doentes diabéticos. Contudo, é mais difícil nos adolescentes (Morris, Boyle, & McMahon citados por Winter 2013). Os obstáculos para o autocuidado na diabetes devem-se ao nível de desenvolvimento, interação familiar e pressões sociais, sendo de ressalvar a resistência à insulina provocada pela fisiologia do desenvolvimento (Borus & Laffel citado por Winter 2013).
A doença crónica na adolescência é caracterizada pelo seu curso lento e progressivo com tratamento prolongado, com um impacto no desenvolvimento físico e intelectual (Perrin citado por Pilger & Abreu, 2007). A oscilação dos níveis de glicose no sangue resultam em lesões dos tecidos e as complicações microvasculares, como retinopatia e nefropatia, são altamente influenciadas pelo controlo glicémico (Miculis, Mascarenhas, Boguszewski, & Campos, 2010).
A diabetes é um fator de risco para depressão, ansiedade e transtornos alimentares, como bulimia e anorexia. Adolescentes com diabetes têm três vezes maior probabilidade de desenvolver depressão em relação à população geral (Leite, Zanim, Granzotto, Heupa, & Lamounier, 2008). A diabetes controlada tem um impacto na diminuição de custos que se reportam a cuidados de saúde, perda de rendimentos, perda de produtividade, estando ainda associados às oportunidades perdidas para o desenvolvimento económico (Correia et al., 2015).
O estudo realizado dispôs-se a identificar as dificuldades dos adolescentes com DM1 no âmbito do autocuidado. Para a sua consecução elaborámos um inventário de dificuldades, com base no modelo de papéis de autocuidado de Santos (citado por Filho, Rodrigues, & Santos, 2008). Como instrumento de colheita de dados preferenciamos o questionário aplicado aos adolescentes com DM1 que frequentam a consulta de diabetologia do Hospital Distrital da Figueira da Foz EPE (HDFF.EPE), consulta de endocrinologia do Centro Hospital do Baixo Vouga EPE (CHBV.EPE) e aos adolescentes pertencentes a uma associação de diabéticos (AD), com sede na região centro do país. Realizou-se uma investigação descritiva e analítica na população dos adolescentes com DM1, com os seguintes os objetivos: determinar as dificuldades dos adolescentes com DM1 no autocuidado e analisar a relação da dificuldade dos adolescentes com DM1 no autocuidado com a idade e com o género.
Enquadramento
A DM1 “é uma doença autoimune caracterizada pela perda progressiva de células beta pancreáticas que irá culminar com a interrupção de produção de insulina e consequentemente desequilíbrio metabólico grave” (Miculis et al. 2010, p. 276). É uma doença autoimune que se revela quando a pessoa é exposta a um evento precipitante, como uma infeção viral, uma bactéria ou um agente químico (Hockenberry & Wilkenstein, 2006). O tratamento é constituído por várias medidas que conjugadas entre si permitem a normalização de glicemias com repercussões no bem-estar e qualidade de vida do doente. De entre estas, poderemos considerar medidas farmacológicas e não farmacológicas; as primeiras reportam-se à insulinoterapia, ao passo que as segundas se centram na alimentação e prática de exercício físico (Correia et al., 2015). A DM1 requer por parte dos adolescentes e suas famílias uma atitude autónoma e responsável na gestão da doença.
A adolescência está indexada a um processo de mudança e por conseguinte de grande vulnerabilidade física e emocional, levando muitas vezes o adolescente a resistir à mudança. As características próprias da idade, como a rebeldia, a experimentação e a tentativa de controlo do seu próprio destino são uma barreira à gestão do tratamento e, por conseguinte, ao cumprimento do autocuidado (Fialho, Dias, Nascimento, Motta, & Pereira, 2011). As dificuldades surgem ao longo de todo o processo de adaptação, mas vão sendo percecionadas à medida que os adolescentes se envolvem no controlo da doença. O tratamento é complexo e implica mudança de hábitos, sendo que os resultados não são imediatos e não perspetivam a cura. Reportando-nos ao autocuidado “É uma função humana reguladora que as pessoas desempenham deliberadamente por si próprias ou que alguém a execute por eles para preservar a vida, a saúde, o desenvolvimento e o bem-estar” (Tomey & Alligood citados por Queirós, Vidinha, & Filho, 2014, p. 159). No que se refere às condicionantes para o autocuidado, Ataíde e Damasceno (2010, p. 518) descrevem como fatores que interferem no controlo da doença “A idade, as experiências de vida, a cultura, o género, o padrão de vida, a educação e a crença”. Destacam ainda fatores ambientais, socioeconómicos e problemas no sistema de saúde como elementos que interferem no processo.
No que concerne ao autocuidado no controlo da diabetes, este inclui: administração de insulina, monitorização da glicose, manutenção de registos de administração de insulina, gestão de hipoglicemias e hiperglicemias, cumprimento de planos de refeição e realização de exercício físico regular (Chien, Larson, Nakamura, & Lin, 2007). O desvio do autocuidado pode resultar de características da doença e do tratamento, nomeadamente pelo facto de ser uma doença crónica sem desconforto imediato nem risco evidente. Pode ainda comprometer as decisões clínicas, na medida em que a prescrição de insulina e avaliação da sua ação estão dependentes da apreciação que os adolescentes e suas famílias assumem perante a doença (Anderson et al. citados por Lewin et al., 2009).
No que se refere às dificuldades, os adolescentes manifestam maior dificuldade em aceitar a doença quando comparados com as crianças. Estas dependem diretamente dos cuidados dos pais ou responsáveis, ao passo que os adolescentes devem assumir responsabilidade própria. Para os adolescentes, as maiores dificuldades estão relacionadas com a incerteza no futuro quanto ao curso da doença, a necessidade de cumprir um plano alimentar e a adaptação a uma rotina de compromissos sociais, como a ida à escola, a festas, atividades que devem ser compatíveis com a frequência de consultas (Minanni, Ferreira, Sant'Anna, & Coates, 2010). O acompanhamento dos adolescentes com DM1 e suas famílias é fundamental para o controlo da doença, minimização das suas complicações a médio e longo prazo. Este acompanhamento tem início no episódio inaugural e deverá manter-se ao longo de toda a vida num processo gradual e evolutivo ao longo das diferentes fases de desenvolvimento da pessoa com DM1.
Questões de investigação
Como se caracterizam as dificuldades no autocuidado dos adolescentes com DM1 relativamente ao controlo da doença?
As dificuldades no autocuidado estão relacionadas com a idade e com o género dos adolescentes com DM1?
Metodologia
Para análise da validade de conteúdo o instrumento, a relevância dos respetivos itens foi apreciada por peritos na área de diabetologia, nomeadamente uma pediatra, uma enfermeira de diabetologia e um endocrinologista, tendo sido feitos ajustes de acordo com as sugestões dos mesmos.
Procedeu-se também à análise da dispersão das respostas, pelo cálculo das médias de 0 a 1 e do desvio padrão relativo às respostas de cada item, tendo-se verificado que todas as questões discriminavam com valores de desvio padrão muito próximos, o que revela consistência.
A amostra deste estudo é constituída por 51 adolescentes portadores de DM1. Os adolescentes foram selecionados tendo em conta os seguintes critérios: diagnóstico de DM1, não hospitalizados, idade compreendida entre os 12 e os 19 anos. Foi selecionada esta faixa etária por uma questão de maturidade dos adolescentes e de potencial de autonomização nos papéis de autocuidado.
Para a aplicação do questionário foram solicitadas autorizações por escrito ao conselho de administração do HDFF, EPE e ao da administração do CHBV, EPE e ainda a uma AD. Após parecer favorável da comissão da ética das respetivas instituições, foi iniciada a investigação. O presente estudo é quantitativo, descritivo-analítico e transversal. De acordo com o modelo de análise proposto, considerámos como variável central as dificuldades nos papéis de autocuidado. No que se refere a outras variáveis, considerámos as características demográficas idade e género dos adolescentes.
População e Amostra: tipo de amostra
Da amostra total, 32 adolescentes (62,7%) foram recrutados na consulta de endocrinologia do CHBV, EPE; 11 adolescentes (21,6%) durante as atividades de uma AD, seguidos em consultas de hospitais da zona centro; e oito adolescentes (15,7%) na consulta de endocrinologia do HDFF, EPE. Trata-se de uma amostra de tipo acidental, uma vez que os adolescentes iam integrando o estudo conforme compareciam na consulta/encontros da AD, apenas nos dias em que a investigadora estava presente. A amostra foi selecionada em momentos diferentes, no período compreendido entre setembro de 2012 e fevereiro de 2013. Relativamente ao género, a amostra é equilibrada, 25 adolescentes (49%) eram raparigas e 26 adolescentes (51%) rapazes. No que respeita à idade, a média de idades do grupo foi de 15 anos (DP = 2,07; Md = 15). Há uma distribuição equitativa nos escalões etários selecionados com uma dimensão semelhante entre eles. Todavia, existe uma maior prevalência dos adolescentes entre os 12-14 anos. O escalão dos 12 aos 14 anos é composto por 21 adolescentes (41,2%), seguindo-se o escalão dos 15 aos 17 anos com 19 adolescentes (37,3%) e o escalão acima dos 17 anos com 11 adolescentes (21,6%). Todos os inquiridos residiam na região centro do país.
Instrumento
Foi elaborado um questionário demográfico, sociocultural e clínico, onde foram colocadas questões relevantes para a caracterização da amostra e um inventário de dificuldades nos papéis de autocuidado, com base no modelo de papéis de autocuidado de Santos (citado por Filho et al., 2008). Segundo os autores, os papéis de autocuidado para os portadores de DM1 são categorizados nas seguintes dimensões: Manutenção da saúde: consiste em sustentar uma vida com melhor qualidade através do desempenho de ações que convergem para o autocuidado, possibilitando efetivamente uma condição de saúde; Prevenção das complicações agudas e crónicas da DM1: consiste na prevenção das complicações de forma a manter o equilíbrio da doença; Diagnóstico, tratamento e medicação na DM1: reconhecimento dos sinais e sintomas de hiperglicemia e de hipoglicemia e ajuste de terapêutica; Participação ativa nos serviços de saúde: todas as ações que incluem o uso das estruturas disponíveis de apoio em saúde.
O modelo serviu de base para a construção de um inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado. Todavia, alguns aspetos enunciados nesse modelo aplicado numa amostra do Brasil não se adaptam totalmente à realidade da população portuguesa. Assim, houve necessidade de adaptar alguns itens. Na dimensão Manutenção da saúde não foram considerados os seguintes aspetos: manter a vacinação atualizada e praticar atividades religiosas. Na dimensão Controlo da doença em vez de Avaliação de hemoglobina glicosilada (HbA1c) uma vez que esta avaliação é da responsabilidade da equipa de saúde que acompanha os adolescentes e não da responsabilidade do adolescente ou de outros adultos, considerou-se Reconhecer a importância da (HbA1c). Julgámos ainda necessário incluir o item Administração de insulina, uma vez que os autores não o enunciam e, considerámos este tópico imprescindível para a gestão eficaz da diabetes.
Os autores consideram também a dimensão Prevenção das complicações agudas e crónicas. Todavia parece-nos que os vários aspetos que compõem esta dimensão do ponto de vista conceptual não se referem às complicações da doença, mas sim ao controlo da mesma, motivo pelo qual foi alterada a designação da versão original para Controlo da doença. Não obstante, há uma relação direta entre o não cumprimento dos referidos papéis de autocuidado e o aumento do risco de complicações da DM1. Tendo em conta os considerandos precedentes, o instrumento aplicado a uma versão adaptada, foi constituído por 18 questões distribuídas por quatro dimensões: Manutenção da saúde, Controlo da doença, Diagnóstico, tratamento e Medicação na DM1 e Participação nos serviços de saúde. Por sua vez, cada dimensão é constituída por vários itens, conforme a Tabela 1. Para o preenchimento deste instrumento os adolescentes respondem colocando uma cruz (X) na alternativa que considerarem à sua situação numa escala tipo likert de quatro pontos (1 a 4): “nenhuma dificuldade” (1), “alguma dificuldade” (2), “bastante dificuldade” (3), “muita dificuldade” (4).
Relativamente a este instrumento foi determinada a dificuldade global, calculando a média de todos os itens. Foi igualmente determinado o score de dificuldade para cada dimensão.
Fidelidade da escala de dificuldades nos papéis de autocuidado
Foi analisada a consistência interna das dimensões e do global, sendo calculados os coeficientes de Alpha de Cronbach e a correlação dos itens com o total corrigido, de acordo com a Tabela 2. O valor obtido para a escala de dificuldades nos papéis de autocuidado foi de 0,695, indicador de uma consistência interna aceitável. No que se refere às dimensões de responsabilidade, a consistência interna mais baixa foi de 0,505 para a dimensão Diagnóstico tratamento e medicação na DM1.
Os itens reconhecer a importância da HbA1c, administrar insulina e ajustar a insulina perante a avaliação de glicemia foram analisados separadamente uma vez que apresentavam uma correlação muito baixa com o total < 0,20.
Colheita de dados
A aplicação do instrumento decorreu em dias previamente agendados com as equipas de enfermagem das instituições e com o responsável pela AD. Antes de iniciar a aplicação do instrumento foi explicado aos adolescentes presentes e aos responsáveis legais o carácter do estudo, bem como o objetivo e finalidade do mesmo. Foi ainda garantido o anonimato dos dados. O instrumento foi aplicado após os adolescentes e os responsáveis legais terem assinado o consentimento informado. A resposta aos questionários foi individual e teve a duração de aproximadamente 15 minutos.
Resultados
Os adolescentes foram agrupados por níveis de dificuldade, considerando os seguintes intervalos: (1-2) pouca dificuldade, (2-3) bastante dificuldade e (3-4) muita dificuldade, conforme a Tabela 3. Relativamente às dificuldades nos papéis de autocuidado, a maioria dos adolescentes refere pouca dificuldade em gerir os papéis de autocuidado (96,1%). Este resultado é transversal às diferentes dimensões de dificuldades, salvo a dimensão Participação em serviços de saúde.
Observamos ainda que a dimensão onde os adolescentes referem mais dificuldades é a Participação em serviços de Saúde (70,6% no nível 3-4). Estes dados podem dever-se ao facto de o contacto com os serviços de saúde ser imputado aos pais ou responsáveis legais. Seguiu-se a dimensão de dificuldades de Reconhecer a importância da HbA1c (11,8% no nível muita dificuldade e 17,6% no nível bastante dificuldade). De referir ainda a dimensão Ajustar insulina perante a avaliação de glicemia capilar, onde observamos que 29,4% dos adolescentes apresentam bastantes dificuldades (nível 2-3).
Relação das dificuldades nos papéis de autocuidado com a idade
No que se refere às dificuldades nos papéis de autocuidado, foi feita uma análise complementar no sentido de perceber se há correlação entre as dificuldades nos papéis de autocuidado e a idade. Foram determinados os coeficientes de correlação de Spearman entre o global, as várias dimensões de dificuldades e a idade. Analisando a Tabela 4, observamos uma correlação negativa, estatisticamente significativa entre a idade e Reconhecer a importância da HbA1c (rs = -0,355 e p = 0,010), o que sugere que os adolescentes com mais idade tendem a apresentar menos dificuldades em reconhecer as dificuldades nos papéis de autocuidado. No limiar de significância verifica-se uma relação positiva entre a idade e a Manutenção da saúde (rs = 0,273 e p = 0,053).
Relação das dificuldades nos papéis de autocuidado com o género
Foi feita uma estatística adicional no sentido de analisar a relação entre as dificuldades nos papéis de autocuidado e o género (Tabela 5). Para o efeito aplicámos testes de U de Mann-Whitney. Podemos observar que existe uma relação estatisticamente significativa entre o género e a dimensão de dificuldades Ajustar insulina perante avaliação de glicemia capilar (Z = -2,632 e p = 0,008), no sentido das adolescentes referirem mais dificuldades nesta dimensão.
Discussão
O autocuidado na diabetes requer a adoção de estratégias para o controlo metabólico, centra-se na prática de exercício físico, alimentação e insulinoterapia com vista à normalização da HbA1c. A gestão do autocuidado dos diabéticos foi identificada como uma importante estratégia para melhorar o controlo metabólico (Morris et al. citados por Stewart, Emslie, Klein, Haus, & White, 2005). O instrumento desenvolvido neste estudo foi elaborado no sentido de operacionalizar a variável dificuldades nos papéis de autocuidado. A maioria dos adolescentes referiu pouca dificuldade em gerir o autocuidado (nível 1-2) numa escala de 1 a 4 pontos.
Num estudo que avaliou a forma como os adolescentes gerem a diabetes e as atividades de quotidiano, estes identificaram como dificuldades o medo e a incerteza quanto ao curso da doença, a reeducação de hábitos alimentares e a restrição em frequentar compromissos sociais e de grupo pelas idas frequentes a consultas (Santos & Enumo 2003). Particularizando por dimensão de dificuldades, as dimensões Participação em serviços de Saúde e Reconhecer a importância da HbA1c foram referidas como as maiores dificuldades (nível 3-4). Na dimensão Ajustar insulina perante avaliação de glicemia capilar, 29,4% dos adolescentes referiram bastante dificuldade (nível 2-3). É importante trabalhar estes aspetos junto dos adolescentes, nomeadamente este último, cujo controlo da doença depende diretamente da capacidade que os adolescentes têm de ajustar a insulina perante as avaliações de glicemia capilar. Nascimento et al. (2011) descrevem como dificuldades na gestão do autocuidado, a dor para realização da glicemia capilar e o medo da administração de insulina. Estes aspetos cujo foco é a dor do procedimento poderão eventualmente estar na origem da dificuldade que os adolescentes sentem em gerir a administração de insulina. O recurso à bomba infusora de insulina e a utilização de dispositivos de monitorização de glicemias contínuas vêm minimizar o impacto da dor da picada.
Na escola, a falta de um espaço próprio e privado para administração de insulina é um dos aspetos que pode estar na origem da resistência ao controlo da doença. Observámos que a idade se relaciona negativamente com a dificuldade Reconhecer a importância da HbA1c, assim, à medida que aumenta a idade diminuem as dificuldades no autocuidado na dimensão referida.
Num estudo com adolescentes diabéticos foi analisada a forma como estes atuam perante flutuações de glicemia, fizeram uma investigação com adolescentes dos 9 aos 14 anos de idade e relataram que, apesar dos adolescentes diabéticos mais velhos apresentarem maior capacidade de resolução de problemas, estão condicionados pela aceitação de comportamentos pelo grupo de pares. Segundo este estudo, os adolescentes enfrentam conflitos de gestão da diabetes porque se comportam de acordo com o grupo (Wysocki et al., 2008).
Por sua vez o género relaciona-se com a dimensão de dificuldades Ajustar insulina perante a avaliação de glicemia capilar. No que se refere às dificuldades face ao autocuidado, Zanetti e Mendes (2001) concluíram que as dificuldades mais frequentes referenciadas por mães de adolescentes diabéticos estão relacionadas com a dieta, atividades escolares e físicas, comportamento da família e relacionamento com a equipa de saúde. Referiram ainda que a maior dificuldade se deveu à adaptação, à dieta e à restrição do consumo de hidratos de carbono em dias festivos.
Ao longo do estudo surgiram algumas limitações que determinaram os resultados. Destacamos o tempo de demora na resposta das instituições para autorização do estudo. Relativo ao número de participantes, o facto de as consultas se realizarem na maioria das vezes trimestralmente foi um fator que limitou consideravelmente a dimensão da amostra.
Conclusão
A DM1 é uma doença crónica com um impacto relevante na vida dos adolescentes e suas famílias. Com a realização deste estudo foi possível identificar as dificuldades que os adolescentes com DM1 sentem relativamente ao controlo da doença.
No global, 96,1% dos adolescentes referem pouca dificuldade em gerir os papéis de autocuidado. Particularizando por dimensões de dificuldade observamos que na dimensão Reconhecer a importância da HbA1c 11,8% referem muita dificuldade e 17,6% bastante dificuldade. Na dimensão Ajustar insulina perante a avaliação de glicemia capilar observamos que 29,4% dos adolescentes referem bastante dificuldade.
As estratégias de intervenção de enfermagem devem procurar o reforço da capacidade organizativa, a introdução de modelos de boas práticas na gestão da diabetes delineadas segundo princípios orientadores pré estabelecidos. A intervenção deverá perspetivar variáveis socioculturais, familiares e pessoais, incidindo sobre a educação do doente e instruindo-o para a autovigilância e autocontrolo. A autovigilância é conseguida através das várias avaliações de glicemia capilar ao passo que o autocontrolo corresponde à adaptação dos adolescentes às oscilações de glicemias capilares através de insulinoterapia, alimentação e exercício físico.
Há uma premente necessidade de avaliar as necessidades dos adolescentes com DM1 e suas famílias, identificar estruturas organizadas de apoio que permitam a continuidade de cuidados pediátricos na comunidade, em estreita ligação com os cuidados hospitalares. Após a adaptação e avaliação das propriedades psicométricas, o instrumento desenvolvido revelou ser válido e confiável. Parece-nos razoável afirmar com relativa confiança que a sua replicação noutros contextos requer ainda algum aperfeiçoamento.
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Recebido para publicação em: 07.08.16
Aceite para publicação em: 25.11.16