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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.11 Coimbra dez. 2016

https://doi.org/10.12707/RIV16044 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Gestão do cuidado de enfermagem ao paciente oncológico num hospital geral: uma Teoria Fundamentada nos Dados

Managing nursing care delivery to cancer patients in a general hospital: a Grounded Theory

Gestión del cuidado de enfermería a pacientes con cáncer en un hospital general: una Teoría Fundamentada en los Dados

 

Caroline Cechinel Peiter*; Maria Eduarda Pereira Caminha**; Gabriela Marcellino de Melo Lanzoni***; Alacoque Lorenzini Erdmann****

* MsC., Enfermeiro, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-970, Florianópolis, Brasil [carolcechinel@gmail.com].Morada para correspondência: Rua João Motta Espezim, 859, 1B 204, 88040-970, Florianópolis, Brasil. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto, colheita de dados, análise e interpretação dos resultados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.

** MSc., RN., Enfermeiro, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-970, Florianópolis, Brasil [mecaminha@hotmail.com]. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto, colheita de dados, análise e interpretação dos resultados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.

*** Ph.D., Professor, Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Enfermagem, 88040-900, Florianópolis, Brasil [gabriela.lanzoni@ufsc.br]. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto, colheita de dados, análise e interpretação dos resultados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.

**** Ph.D., Professor, Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Enfermagem, 88040-900, Florianópolis, Brasil [alacoque@newsite.com.br]. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.

 

RESUMO

Enquadramento: Verifica-se o crescente aumento na incidência de cancro, sendo atualmente a segunda doença não transmissível que mais mata no mundo.

Objetivos: Compreender o significado da gestão do cuidado de enfermagem aos pacientes oncológicos internados num hospital geral.

Metodologia: Pesquisa qualitativa. Utilizou-se a Teoria Fundamentada nos Dados. Realização de entrevistas semiestruturadas a 14 sujeitos (6 enfermeiros, 5 técnicos de enfermagem, 1 nutricionista, 1 psicóloga e 1 familiar) de agosto a outubro de 2010.

Resultados: Após análise alcançaram-se 13 categorias, revelando-se a categoria central Perceber a superação do profissional e a importância da interdisciplinaridade ao contrastar a gestão do cuidado de enfermagem humanístico e humanitário preconizado ao paciente oncológico com o vivenciado pelos profissionais de saúde e familiares, numa unidade de internamento hospitalar geral.

Conclusão: A gestão do cuidado de enfermagem ao paciente oncológico é considerada estratégia para efetivação de um cuidado direcionado. A enfermagem é percebida como o principal apoio do paciente e família. O cuidado multiprofissional e capacitação permanente são identificados como potencializadores do cuidado ao paciente oncológico.

Palavras-chave: enfermagem oncológica; oncologia; gerenciamento clínico; teoria fundamentada nos dados

 

ABSTRACT

Background: Cancer incidence rates have been increasing, and today cancer is the second most fatal non-communicable disease in the world.

Objectives: To understand the meaning of the management of nursing care delivery to cancer inpatients in a general hospital.

Methodology: This qualitative research used the Grounded Theory methodology. Semi-structured interviews were performed with 14 participants (6 nurses, 5 nursing technicians, 1 nutritionist, 1 psychologist, and 1 patient's relative) between August and October 2010.

Results: After analysis, 13 categories emerged. The core category was Understanding how professionals excel themselves and how important is interdisciplinarity when comparing the management of humanistic and humanitarian nursing care recommended for cancer patients with the health professionals and family members' experiences in an inpatient unit of a general hospital.

Conclusion: The management of nursing care delivery to cancer patients is considered to be strategic to patient-centered care. Both patients and family perceive nursing as their main source of support. Multidisciplinary care and ongoing training are identified as promoters of cancer patient care.

Keywords: oncologic nursing; medical oncology; disease management; grounded theory

 

RESUMEN

Marco contextual: Existe un creciente aumento en la incidencia de cáncer, actualmente la segunda enfermedad no contagiosa que más muertes produce.

Objetivos: Comprender el significado de la gestión de los cuidados de enfermería a pacientes con cáncer en un hospital general.

Metodología: Investigación cualitativa en la que se utilizó la Teoría Fundamentada en los Datos. Para ello se realizaron entrevistas semiestructuradas con 14 sujetos (6 enfermeros, 5 técnicos de enfermería, 1 nutricionista, 1 psicóloga y 1 familiar), de agosto hasta octubre de 2010.

Resultados: Después del análisis se obtuvieron 13 categorías, entre ellas la categoría central Comprender la superación del profesional y la importancia de la interdisciplinariedad al contrastar la gestión de los cuidados de enfermería humanísticos y humanitarios recomendados para pacientes con cáncer con las experiencias de los profesionales de la salud y los familiares en una unidad hospitalaria general.

Conclusión: La gestión de los cuidados de enfermería a pacientes con cáncer se considera una estrategia de ejecución de una atención dirigida. La enfermería se entiende como el apoyo principal del paciente y su familia. La atención multidisciplinaria y la capacitación permanente se identifican como aspectos que potencian la atención a los pacientes con cáncer.

Palabras clave: enfermería; enfermería oncológica; oncología médica; manejo de la enfermidade; teoría fundamentada en los dados

 

Introdução

O expressivo aumento no número de diagnósticos de doenças oncológicas tem conferido a este acontecimento o segundo lugar de entre as causas de morte no Brasil. Pode-se notar, pelos altos investimentos em pesquisas e o volume de trabalhos publicados sobre o assunto, que esta doença tem assumido destaque na agenda de saúde (Cristo & Araújo, 2011).

A atuação profissional ideal frente aos pacientes oncológicos é uma preocupação nacional, evidenciada pela criação da Política Nacional de Atenção Oncológica pelo Ministério da Saúde brasileiro, que contempla ações de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos. Orienta, ainda, que a assistência na alta complexidade deva ocorrer por meio de unidades e centros de assistência de alta complexidade em oncologia (Portaria nº 2.439/GM de 8 de dezembro 2005).

No entanto, a atuação da enfermagem frente a esta doença não é realizada muitas vezes da maneira preconizada devido ao número reduzido de especialistas, à complexidade clínica, aos tratamentos agressivos e prolongados, aos problemas nas condições estruturais e organizativas dos serviços, entre outros. Estes elementos configuram-se uma barreira para a formação de profissionais com interesse pela temática e sensíveis às questões específicas. Tais fatores contribuem para o stresse e sobrecarga do profissional que atua frente ao paciente com cancro (Cubero & Giglio, 2014).

Destaca-se que muitos hospitais generalistas, por conta da alta procura, recebem pacientes oncológicos e acabam por oferecer uma assistência que não atende à especificidade e complexidade dos casos (Silva, Moreira, Leite, & Erdmann, 2012). Desta forma, o atendimento especializado em hospitais gerais repercute-se na qualidade da atenção, afetando negativamente profissionais de saúde, especialmente a enfermagem, mas também pacientes e familiares.

Neste sentido, a gestão do cuidado de enfermagem é uma ferramenta importante para a qualificação da assistência, uma vez que procura o cuidado integral, observando as perspetivas necessárias para alcançar um cuidado individualizado (Cristo & Araújo, 2011). Para isso, faz uso de instrumentos como o domínio sobre a organização dos serviços de saúde, a sua interface com os serviços de apoio e a sistematização da assistência de enfermagem (Soares, Resck, Terra, & Camelo, 2015).

Assim, este estudo teve como objetivo compreender o significado da gestão do cuidado de enfermagem aos pacientes oncológicos internados num hospital geral localizado no sul do Brasil.

 

Enquadramento

Cancro é um termo genérico que se refere a um grupo grande de doenças causadas a partir de alterações celulares (World Health Organization, 2014). No contexto atual de mudança do perfil epidemiológico mundial e aumento da expectativa de vida, verificamos o crescente aumento na incidência de cancro no Brasil e no mundo, sendo uma importante causa de morte no país (Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, 2015). O cancro é a segunda doença não transmissível que mais mata no mundo, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares. Mais de dois terços das mortes por cancro acontecem em países de baixa e média renda. Quanto ao sítio de localização da doença, mais de metade das mortes por cancro são de origem colorretal, de fígado, estômago, mama e pulmão (World Health Organization, 2014).

A complexidade da assistência necessária face ao paciente com cancro exige uma gestão do cuidado qualificado, o que implica maior critério no momento de sistematizar a assistência de enfermagem, que envolve a articulação das dimensões assistencial e gerencial. Desta forma, o enfermeiro deve oferecer um cuidado específico e de qualidade, baseado em evidências científicas, considerando a sua experiência clínica e os valores do paciente (Mesquita et al., 2015).

Os cuidados de enfermagem a pacientes em condições críticas são complexos e devem ser altamente especializados, visando prevenir complicações, reduzindo incapacidades e procurando a sua recuperação e qualidade de vida (Regulamento nº 124/11 de 18 de fevereiro). No contexto brasileiro, o cuidado é prestado por profissionais generalistas, enfermeiros e técnicos/auxiliares de enfermagem (profissionais de nível técnico), não sendo exigida especialização na área (COFEN. Conselho Federal de Enfermagem. Decreto. 94.406/87 2016). Em contrapartida, em Portugal, a Ordem dos Enfermeiros define que a avaliação diagnóstica, a monitorização constante e o acompanhamento de processos complexos de doenças críticas são competências de profissionais especialistas, face à complexidade da situação, o que contribui para a qualificação do cuidado (Regulamento nº 124/11 de 18 de fevereiro).

 

Questões de investigação

A partir do contexto apresentado, questiona-se: Como é que os enfermeiros de unidades de internamento de um hospital geral gerem o cuidado aos pacientes oncológicos? Como se sentem ao realizar esta atividade? Quem são os sujeitos envolvidos neste processo saúde/doença?

 

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que utilizou a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), traduzida do termo original inglês Grounded Theory. A TFD tem o objetivo de identificar, desenvolver e relacionar conceitos, permitindo que um modelo teórico emerja a partir dos dados analisados e comparados constantemente, configurando um guia importante para a ação (Strauss & Corbin, 2008).

O cenário do estudo foi uma unidade de internamento de clínica médica de um hospital generalista no sul do país. A colheita dos dados ocorreu entre os meses de agosto e outubro de 2010, por meio de entrevistas semiestruturadas com a seguinte questão norteadora: Como vivencia e atribui significado à gestão do cuidado aos pacientes oncológicos internados nesta unidade de internamento? Esta pergunta foi o ponto de partida para iniciar o diálogo com o participante, sendo programado o desenvolvimento de questões a partir do discurso dos sujeitos, procurando especificidades em relação às suas perceções e sobre os envolvidos no processo. A colheita de dados foi realizada por duas alunas do último semestre do curso de graduação de enfermagem sob supervisão de investigadora com expertise no tema e no método. As entrevistas tiveram a duração média de 30 minutos e foram gravadas em meio digital e posteriormente transcritas na íntegra.

Participaram deste estudo sujeitos selecionados com base na amostragem teórica, ou seja, processo pelo qual o investigador decide, a partir das respostas e hipóteses de investigação, onde e com quem obter as informações (Strauss & Corbin, 2008).

Inicialmente, foram convidados para participar do estudo todos os enfermeiros em atividade no cenário. Foram selecionados seis enfermeiros das unidades de internamento médico, com os seguintes critérios de inclusão: ser profissional vinculado à instituição com experiência mínima de 6 meses e vinculados à assistência direta ao paciente; e de exclusão: enfermeiros afastados e em férias. Os enfermeiros foram escolhidos para iniciar o processo de colheita de dados por serem os gestores do cuidado e supervisionarem a atividade direta do serviço de enfermagem oferecido pela equipa aos pacientes oncológicos. Os seus depoimentos geraram questões sobre a importância da equipa de enfermagem, demonstrando a necessidade de fazer investigação com estes profissionais. Desta forma, formou-se o segundo grupo amostral, considerando os critérios de inclusão e exclusão supracitados, totalizando cinco técnicos de enfermagem. Com este grupo foi possível fortalecer algumas categorias e gerar mais hipóteses. A mais importante delas foi: A equipa multiprofissional integrada e a participação familiar promovem um cuidado qualificado. Como consequência destas revelações, o terceiro grupo amostral foi formado por um familiar de um dos pacientes oncológicos internados na clínica, juntamente com um psicólogo e uma nutricionista, totalizando 14 sujeitos. Desta forma, alcançou-se a saturação dos dados, quando observada a repetição de informações sem revelação de novos dados substanciais para a investigação.

O processo de análise considerou a codificação, que ocorreu simultaneamente com a colheita de dados, e foi estruturada em três etapas: codificação aberta, axial e seletiva. A codificação aberta é o primeiro passo para a análise, consistindo em separar, examinar, comparar e conceptualizar os dados obtidos. Nesta etapa os dados são analisados linha a linha, transformando cada fala do entrevistado num código, sendo estes em seguida agrupados por semelhanças e diferenças. O segundo passo da análise é a codificação axial, onde os dados são novamente agrupados, formando as subcategorias e categorias. A codificação seletiva é a procura e desenvolvimento da categoria central ou fenómeno, em torno da qual giram todas as demais categorias (Strauss & Corbin, 2008). Visando atender ao rigor metodológico e garantir a consistência interna dos dados, foram desenvolvidos no processo de análise diagramas representativos de cada entrevista, que apresentavam ênfase nos principais conceitos e nas suas relações. Procurou-se, ainda, realizar a validação dos dados com três enfermeiros participantes do primeiro grupo amostral, que sugeriram pequenos ajustes de redação nos nomes atribuídos às categorias e subcategorias.

Utilizou-se neste estudo o modelo paradigmático, que estabelece uma relação entre as categorias e o fenómeno, identificando e classificando-as como: contexto, condições causais, condições intervenientes, estratégias de ação/interação e consequências (Strauss & Corbin, 2008).

A investigação cumpriu os princípios éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, sendo o estudo submetido e aprovado no Comité de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CEP/UFSC), sob o Protocolo número 897/10. As entrevistas foram realizadas mediante a explicação dos objetivos e metodologia do estudo, bem como assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) em duas vias. Preservou-se, ainda, o anonimato dos participantes, utilizando-se a letra inicial da palavra participante e um número correspondente à ordem da colheita (P1, P2, P3...) para a sua designação.

 

Resultados

A categoria central Perceber a superação do profissional e a importância da interdisciplinaridade ao contrastar a gestão do cuidado de enfermagem humanístico e humanitário preconizado ao paciente oncológico com a vivência dos profissionais de saúde e familiares numa unidade de internamento de um hospitalar geral, emergiu da dinâmica interação de 13 categorias, distribuídas nos cinco componentes do modelo paradigmático, conforme a Figura 1.

 

 

Contexto

A categoria, Realizar cuidados oncológicos num hospital geral, revela o cenário no qual a categoria central se desenvolveu. Esta indica que a assistência ao paciente oncológico é muitas vezes incluída nos cuidados rotineiros, fazendo com que o paciente não receba a assistência específica necessária, como ilustra a fala:

Na oncologia os cuidados são muito específicos. Não só na parte técnica, mas a gente tem que ter mais sensibilidade. É tudo diferenciado . . . E medicações principalmente para controle da dor, opioides, que são medicamentos que trazem muitos tabus ainda. E os profissionais têm medo de usar, sim. Então eu acho que sim, que precisa de um cuidado bem especializado. (P3; agosto, 2010)

Transferir o paciente oncológico a hospitais especia­lizados é a categoria que descreve o compromisso profissional caracterizado por ansiedade diante do reconhecimento de situações que necessitam de encaminhamento do paciente para outras instituições, como refere um dos participantes:

A grande dificuldade que temos é que, como não é nossa área, oncologia, ficamos esperando pela vaga de outra instituição especializada . . . . Como a gente não tem esse protocolo de cuidado para seguir, o que a gente faz com esse paciente? (P3; agosto, 2010)

Condições causais

Caracterizar as ações que são entendidas como motivadoras da categoria central, Idealizar um cuidado especializado, vislumbra a importância da criação de um modelo de atendimento direcionado a este paciente, de acordo com as suas especificidades e particularidades, uma vez que a clínica não lhe proporciona isso, como evidencia a fala:

Porque por mais que ele tenha o diagnóstico de oncopata, não necessariamente ele faz algum tratamento específico para câncer [sic]. Normalmente, ele está internado na gastrologia ou na pneumologia, ou até na clínica médica, e aí esse diagnóstico não é diretamente tratado e abordado. Aí não é oferecido um cuidado específico para a necessidade do paciente. (P2; agosto, 2010)

Este contraste entre os cuidados preconizados pelos profissionais e os realizados na clínica deve ser apresentado à equipa pelo enfermeiro. A categoria Gestão da equipa de enfermagem mostrou-se importante ao longo desta investigação, por destacar que as funções de gestão do enfermeiro, unidas às assistenciais, são fundamentais para o bom funcionamento de uma unidade de internamento, como demonstra a fala:

A passagem de plantão é um ótimo momento para mudar aquilo que deve ser mudado, reestruturado. O funcionário vai saber que estamos falando pra ele. Se ele não mudar, a gente chama ele e conversa em particular. Primeiro tem que organizar essa equipa, para que todos façam o trabalho da melhor forma. (P2; agosto, 2010)

Identificar a enfermagem como fonte de apoio é a categoria que apresenta como a equipa de enfermagem se mostra sensível e presente frente à situação de saúde deste paciente, oferecendo apoio durante a fragilidade causada pela doença. Relatos mostram que os profissionais tornam-se um ponto de referência para o paciente e a família quando inseguros ou se apresentam dúvidas, como demonstrou o participante:

Outros [pacientes] acabam identificando a gente como fonte de apoio e de carinho. Porque, quando tu aparece no corredor, ele te cumprimenta, dá um sorriso feliz, coisa que tu vê no passar da visita, no passar do tempo que tu está trabalhando. Quando tu para pra falar com ele, aí ele responde de uma forma positiva. (P3; agosto, 2010)

Já a categoria Acompanhar a descoberta do diagnós­tico revela o atendimento generalista oferecido na clínica no momento do diagnóstico e no período que o antecede, uma vez que o paciente chega à unidade para investigar os sintomas relativos às especialidades de clínica médica. O tempo de espera causa ansiedade no paciente e é neste período que a equipa de enfermagem se mostra atenta às mudanças que este paciente sofrerá, conforme o relato:

A gente começa com eles quase sempre sem saber que eles são pacientes oncológicos. Porque eles acabam descobrindo esse diagnóstico aqui. Não gosto muito de enganar o paciente. Mas também não adianto nada, só respondo quando ele pergunta. Eu acho que ele também precisa de um tempo pra processar se ele está pronto para ter a resposta para aquilo. (P5; agosto, 2010)

Condições intervenientes

Como fatores intervenientes da categoria central, que têm o potencial de apontar elementos facilitadores e dificultadores, a categoria Perceber as influências do relacionamento interpessoal da equipa de enfermagem sobre o cuidado descreve o significado que muitos profissionais atribuem para o bom entrosamento da equipa e para um cuidado qualificado ao paciente. Os profissionais notam que ao atuar em conjunto têm maior perceção das necessidades do paciente, embora a discussão dos casos clínicos não seja uma prática comum. Muitas vezes os profissionais são influenciados por atritos pessoais que dificultam o diálogo, conforme o discurso:

O problema é que às vezes o próprio paciente percebe . . . A gente percebe que tem paciente que fica mais confortável com uma equipe [sic] trabalhando, com outra equipe [sic] ele fica meio ressabiado, menos à vontade. Tanto é que tem profissionais que conseguem colher mais informações do mesmo paciente e outro profissional não. (P11; setembro, 2010)

Na categoria Trabalhar o vínculo com a família e os seus enfrentamentos, os participantes revelaram que muitas vezes o vínculo entre pacientes e os seus familiares se tornam ainda mais fortes após o diagnóstico e percebem a influência positiva desta situação no tratamento, como pode ser evidenciado na fala:

O que a gente observa é que, o paciente que está bem acompanhado, ele se recupera mais rápido, ele fica menos deprimido, com menos dor, ele se alimenta melhor, e sai um pouco mais da cama. Então eu acho que favorece no processo de melhoria da saúde, da imunidade. (P9; setembro, 2010)

No que toca a este elemento potencializador da categoria central, o enfermeiro tem a responsabilidade de incentivar a participação da família no processo saúde/doença, permanecendo junto e favorecendo o processo de enfrentamento da doença. Este profissional também deve estar atento para satisfazer as necessidades psicológicas dos familiares, visando diminuir o desgaste emocional vivenciado, conforme explícito na fala:

Eu sinto vontade de trabalhar alguma coisa na clínica ainda, com os nossos funcionários, porque a família não está sentindo a dor física do câncer [sic], mas a dor psicológica do câncer [sic] eles estão sentindo, e é muito séria. A gente precisa estar junto com a família e estimulá-los a ficar junto sempre. (P6; agosto, 2010)

Os participantes do estudo apontaram, na categoria Perceber a necessidade de capacitações para aquisição de novos conhecimentos pela equipa de enfermagem, o desafio vivenciado pelos profissionais para lidar com casos oncológicos complexos sem o suporte institucional no que concerne a educação permanente. Eles enfatizaram que as esporádicas discussões multidisciplinares e a ausência de formações específicas, formas de garantir o conforto e alternativas não medicamentosas frente à dor tornam o processo de cuidar desgastante para o profissional, conforme a fala:

Hoje mesmo eu estava desabafando. É muito desarticulada essa questão. Cada um cuida do jeito que acha correto, mas às vezes aquilo que consideramos certo não é a melhor alternativa… A gente fica com o emocional abalado porque vê que o paciente muitas vezes não reage bem às nossas intervenções. (P2; agosto, 2010)

Estratégias

A categoria Utilizar a aquisição de novos conhecimentos como ferramenta mostra a idealização de estratégias para transpor a problemática apresentada pela categoria central. Os profissionais reconhecem a constante atualização de conhecimentos como um fator necessário para proporcionar cuidado seguro e qualificado ao paciente oncológico. Segundo os enfermeiros, as constantes trocas de conhecimento durante o trabalho, o transmitir informações durante as passagens de turno e o estudo sobre as especialidades de maior incidência na unidade de internamento são realizadas como ações estratégicas pelos enfermeiros, como traz o depoimento:

Tem profissionais que não são muito abertos a novos conhecimentos, são mais resistentes. Eu procuro sempre levar informações que possam acrescentar no cuidado que ele está realizando. Mesmo com pouco interesse de alguns da equipe [sic], eu faço porque acredito que está contribuindo. (P3; agosto, 2010)

Tais estratégias manifestam, em parte, a forma como os enfermeiros estão a Gerir o cuidado direcionado ao paciente oncológico. Nesta categoria, os participantes demonstraram a importância da gestão do cuidado no desenvolvimento de ações assistenciais da equipa, conforme ilustra a fala:

Porque, no momento, a gente sempre faz o possível, estimulando os funcionários, orientando, conversando com a equipe [sic] . . . , pensando no bem do paciente, para realmente gerenciar o cuidado e fazer o trabalho da melhor forma possível. (P4; agosto, 2010)

Consequências

Como repercussões da categoria central, os profissionais revelaram as suas frustrações e realizações em relação à efetividade de uma atuação preconizada face ao paciente oncológico. Na categoria Superar-se na profissão, evidencia-se que o profissional, quando satisfeito com sua profissão, trabalha motivado, como relatou a participante:

Apesar da minha pouca experiência com paciente oncológico . . . Todos os dias que eu chego ao hospital, eu ainda chego como se eu estivesse indo para o meu lazer e, quando eu chego no carro, eu sempre me sento cansada e dizendo assim: Que bom, mais um dia! Saio com uma satisfação de dever cumprido. (P6; agosto, 2010)

Segundo os participantes, o atendimento ideal ambicionado pelo enfermeiro somente será alcançado com o efetivo trabalho conjunto com a equipa de saúde. Afirmaram que um cuidado especializado prestado ao paciente oncológico exige dos profissionais uma adequada comunicação da situação de saúde do paciente, bem como a discussão das condutas adotadas pela equipa. A categoria Perceber a importância da interdisciplinaridade no cuidado revela a perceção dos profissionais sobre os benefícios da atuação interdisciplinar no cuidado do paciente oncológico, assim como as dificuldades geradas a partir da ineficiência dessa comunicação, como demonstra a fala:

Essa atuação conjunta facilita muito [o cuidado], porque eles já sabem que, quando eu vou pedir alguma coisa, é porque eu acredito que aquilo vá beneficiar o paciente . . . Com médico, psicólogo, nutricionista, eles sabem que eu não estou dizendo que eu quero porque eu quero, eu quero porque eu estou com uma necessidade grande. E, se eles não podem vir, eles inclusive justificam muito bem. (P4; agosto, 2010)

A enfermagem também se apresentou como um importante eixo de comunicação entre os diferentes profissionais de saúde, evidenciando a importância da sua atuação gerencial que fortalece a execução de uma assistência integral.

 

Discussão

Embora este estudo tenha sido realizado num hospital de grande porte, entende-se como limitação o desenvolvimento da pesquisa considerando somente uma unidade de internamento, não ampliando para os demais setores que também recebem a população estudada. Tendo em vista a complexidade da oncologia, do cuidado de enfermagem a estes pacientes, e a grande procura do hospital geral e da clínica onde foi desenvolvido o estudo, é oportuna a discussão sobre a gestão do cuidado de enfermagem ao paciente oncológico e as relações que compõem esse cenário, no contexto de um hospital geral.

Em instituições generalistas os pacientes são hospitalizados em função das mais variadas alterações de saúde, o que dificulta a especificidade do cuidado. Esta situação implica, geralmente, uma assistência de enfermagem que não contempla todas as necessidades biopsicossociais apresentadas de forma particular por cada paciente. Na assistência ao paciente oncológico, é necessário o reconhecimento das reais necessidades de saúde do utente e da sua família, para serem definidas e executadas as estratégias de intervenção adequadas (Oliveira & Firmes, 2012).

A realidade brasileira recomenda que os serviços de alta complexidade em oncologia devam acontecer em unidades de assistência de alta complexidade em oncologia e centros de assistência de alta complexidade em oncologia, de modo a garantir a especificidade do cuidado e promover a qualidade do atendimento (Portaria nº 2.439/GM de 8 de dezembro, 2005).

Entretanto, o conhecimento extremamente fragmen­tado das especialidades compromete o olhar do todo, tratando o paciente em partes. Com base nisso, o Ministério da Saúde brasileiro orienta a realização de ações que superem a fragmentação das ações de saúde por meio da articulação intersectorial, buscando maior efetividade e eficiência (Portaria nº 2.439/GM de 8 de dezembro, 2005).

É evidenciada a preocupação do profissional ao transferir o paciente oncológico da instituição generalista para um hospital ou clínica, especializados, com a expectativa de que o paciente desfrutará de melhor estrutura física, suporte psicológico e terapêutico, tendo em conta o preparo técnico e aporte tecnológico do serviço (Silva & Moreira, 2011). Ainda que os profissionais generalistas se sintam inseguros no processo de cuidado do paciente oncológico, a perceção de que ações específicas devam ser realizadas associadas à procura do conhecimento apontam na direção efetiva para a superação deste desafio e sustenta uma prática clínica segura.

Para a gestão da equipa de saúde, a comunicação surge nos resultados como importante ferramenta de gestão organizacional para integração profissional e vínculo com paciente/família. Para se alcançar o êxito gerencial em instituições de saúde, o enfermeiro deve ser o elo da cadeia comunicativa, uma vez que está constantemente em contacto com a restante equipa. A comunicação é fator de interferência na dinâmica de funcionamento da instituição. Por meio desta, o enfermeiro sensibilizará a equipa sobre a melhoria da prática do cuidado (Santos, Lima, Pestana, Colomé, & Erdmann, 2016).

Embora os resultados deste estudo revelem frequentemente que membros da equipa de enfermagem tenham receio em falar sobre a doença com o paciente, o diálogo com o cliente com cancro torna-se necessário. O estabelecimento deste laço de confiança possibilita que os pacientes verbalizem os seus medos, encorajando-os a expressar as suas dúvidas, anseios e expectativas, numa autêntica relação de ajuda, solidariedade e apoio ao enfrentar as situações que se apresentam com o surgimento da doença (França, Costa, Lopes, Nóbrega, & França, 2013).

A manutenção de um bom relacionamento interpessoal entre os profissionais envolvidos no cuidado e a comunicação eficiente entre a equipa, são indicados na literatura como fatores que facilitam o processo de cuidado em situações críticas de saúde (Matos, Pires, & Gelbcke, 2012), corroborando os resultados deste estudo.

Participar do processo de descoberta da doença é para o profissional de saúde um desafio. A revelação do diagnóstico e prognóstico requer a preparação do paciente, principalmente em instituições que não dispõem de estruturas adequadas. Apesar da revelação do diagnóstico ser de competência legal médica, verifica-se que o enfermeiro, por ter maior contacto com os pacientes, tem maiores condições de conhecer as suas reais necessidades para receber determinadas informações (Amador, Gomes, Coutinho, Costa, & Collet, 2011).

Assim, a importância da equipa de saúde em todo o processo de doença e tratamento é demonstrada na segurança que leva aos familiares, o que a transforma na referência nos momentos de dúvida e de fraqueza, apontando para a necessidade de estímulo da equipa pelo enfermeiro sobre a inclusão e participação da família no processo de cuidado (Silva et al., 2012).

A perceção profissional de não conseguir oferecer um cuidado adequado destaca-se como uma importante dificuldade na gestão do cuidado ao paciente oncológico, configurando-se como um fator potencialmente gerador de sofrimento psíquico no trabalhar da área da saúde (Fernandes & Komessu, 2013).

A dor é abordada muitas vezes por meio da negação do profissional por não conseguir suprimi-la com analgésicos. Além da avaliação subjetiva dos quadros álgicos e a utilização muitas vezes insuficiente de medicações analgésicas, outro problema relacionado é o preconceito para com o uso de medicamentos opioides e falta de conhecimento da equipa de saúde para lidar com a dor, reflexos diretos da deficiência de capacitação do profissional (Infante, 2011).

As atualizações no conhecimento sugeridas pelos participantes deste estudo são destinadas a desenvolver subsídios teóricos para adaptar o profissional ao ambiente de trabalho de acordo com suas particularidades. A temática a ser abordada depende da procura, objetivando o aperfeiçoamento relacionado com o quotidiano da equipa, e a consequente qualificação da assistência prestada. Cabe ao enfermeiro identificar as necessidades e interferir nesse processo, abordando a temática proposta no intuito de qualificar a equipa (Amador et al., 2011).

Percebe-se, então, que a gestão do cuidado de enfermagem num hospital geral é influenciado, principalmente, pelas consequências da interação interdisciplinar, e também pela visão do enfermeiro face à sua atuação, referente às conquistas como profissional realizado com a profissão e também às frustrações relacionadas. Assim, diante da assistência de pacientes críticos, a interdisciplinaridade leva à integralidade nas ações de assistência que traduzem basicamente os princípios bioéticos, especialmente a responsabilidade, a ser seguida pelos profissionais da saúde. A interdisciplinaridade viabiliza a integração de saberes entre as diferentes vertentes da área da saúde juntamente com os seus saberes, favorecendo o relacionamento entre as diferentes profissões. A integralidade das ações em saúde favorece a atuação responsável dos profissionais envolvidos no processo de cuidado do paciente (Pradebon, Erdmann, Leite, Lima, & Prochnow, 2011).

 

Conclusão

A gestão do cuidado de enfermagem ao paciente oncológico é considerado estratégia para efetivação de um cuidado direcionado, suscitando a qualificação da assistência prestada. Nesse contexto, os profissionais procuram realizar o cuidado da forma mais específica possível na instituição geral, optando pela transferência do paciente para uma instituição especializada sempre que há oportunidade. Vislumbrou-se que os profissionais da equipa de enfermagem são fonte de apoio para o paciente e família, especialmente em momentos delicados, como o diagnóstico e o processo de morte. Foi evidenciada a insatisfação dos profissionais frente à assistência generalista prestada ao paciente numa instituição não especializada, revelando a sensibilidade do profissional e autocrítica frente ao cuidado. Destaca-se a atuação do enfermeiro como coordenador do cuidado, ao sensibilizar a equipa de enfermagem quanto à importância do cuidado especializado, e ao interagir com a equipa multiprofissional, identificando fragilidades na assistência e promovendo soluções eficazes através da articulação de saberes. Aponta-se, ainda, a identificação da capacitação permanente como ferramenta para qualificação da assistência, e a necessidade de suporte institucional através de investimento em estudos na área, visando identificar possibilidades de superação deste problema.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 24.05.16

Aceite para publicação em: 28.09.16

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