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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.11 Coimbra dez. 2016

https://doi.org/10.12707/RIV1604 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

 

Tradução e adaptação da Phlebitis Scale para a população portuguesa

Translation and adaptation of the Phlebitis Scale for the Portuguese population

Traducción y adaptación de la Phlebitis Scale para la población portuguesa

 

Luciene Muniz Braga*; Anabela de Sousa Salgueiro-Oliveira**; Maria Adriana Pereira Henriques***; Manuel Alves Rodrigues****; Cláudia Jesus Vidal Rodrigues*****; Sónia Alexandra Graça Pereira******; Pedro Miguel dos Santos Dinis Parreira*******

* MsC., Enfermeira, Professor, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa - MG, 36570-900, Brasil [luciene.muniz@ufv.br]. Morada para correspondência: Rua Rosalina Silva Santos 153/201 Bairro Fátima, 36570-000, Viçosa, Brasil. Contribuição no artigo: conceção da investigação, colheita dos dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final.

** Ph.D., Enfermeira, Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra Portugal [anabela@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: conceção da investigação, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final.

*** Ph.D., Enfermeira, Professor coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, 1990-096, Lisboa Portugal [ahenriques@esel.pt]. Contribuição no artigo: conceção da investigação, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final.

**** Ph.D., Agregação, Professor Coordenador Principal. Coordenador Científico da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde – Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [manuel.rodrigues@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: conceção da investigação, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final.

***** RN., Enfermeira, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Coimbra, Portugal [cjvrodrigues@hotmail.com]. Contribuição no artigo: colheita dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final.

****** RN., Enfermeira, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Coimbra, Portugal [soniagracapereira@gmail.com]. Contribuição no artigo: colheita dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final.

******* Ph.D., Enfermeiro, Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [parreira@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: conceção da investigação, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final.

 

RESUMO

Enquadramento: Para avaliação da flebite é indicada a utilização de uma escala como a Phlebitis Scale, que possibilita padronizar a avaliação e documentar a efetividade dos cuidados.

Objetivos: Traduzir, adaptar e avaliar as propriedades psicométricas da Phlebitis Scale para a população portuguesa.

Metodologia: Estudo metodológico de tradução e avaliação das propriedades psicométricas da Phlebitis Scale numa amostra não probabilística com 110 doentes portadores de 526 cateteres venosos periféricos. Realizou-se análise fatorial exploratória em componentes principais com rotação Varimax para análise de validade de constructo e análise da consistência interna da escala através do Alpha de Cronbach.

Resultados: Observou-se uma incidência de 35,5% de flebite nos doentes. A análise fatorial evidenciou 2 graus de severidade da flebite, o primeiro responsável por 41,5% de variância. A consistência interna foi 0,78 e 0,90.

Conclusão: A Escala Portuguesa de Flebite demonstrou equivalência linguística em relação à original e consistência interna adequada na avaliação da flebite. No entanto, propõe-se nova estrutura da escala para melhorar a interpretação dos graus de flebite em termos de discriminação.

Palavras-chave: enfermagem; flebite; cateterismo periférico; tradução; análise fatorial

 

ABSTRACT

Background: The use of a scale such as the Phlebitis Scale is recommended to assess phlebitis since it allows standardizing the assessment and documenting care effectiveness.

Objectives: To translate, adapt, and assess the psychometric properties of the Phlebitis Scale for the Portuguese population.

Methodology: Methodological study of translation and assessment of the psychometric properties of the Phlebitis Scale in a nonprobability sample with 110 patients using 526 peripheral venous catheters. An exploratory factor analysis was performed with Varimax rotation in principal components for analyzing the construct validity and internal consistency of the scale using Cronbach's alpha coefficient.

Results: A 35.5% of phlebitis incidence was observed. The factor analysis revealed 2 levels of severity, with the first grade explaining 41.5% of variance. Internal consistency was .78 and .90.

Conclusion: The Escala Portuguesa de Flebite (Portuguese Phlebitis Scale) showed linguistic equivalence to the original and adequate internal consistency for assessing phlebitis. However, a new scale structure is proposed to improve the interpretation and identification of the grades of phlebitis.

Keywords: nursing; phlebitis; peripheral catheterization; translation; factor analysis

 

RESUMEN

Marco contextual: Se indica el uso de una escala como la Phlebitis Scale para evaluar la flebitis. Así, se estandariza la evaluación y se documenta la eficacia de los cuidados.

Objetivos: Traducir, adaptar y evaluar las propiedades psicométricas de la Phlebitis Scale para la población portuguesa.

Metodología: Estudio metodológico de la traducción y evaluación de las propiedades psicométricas de la Phlebitis Scale en una muestra no probabilística de 110 pacientes con 526 catéteres venosos. Se realizó el análisis factorial exploratorio sobre los componentes principales con rotación Varimax para analizar la validez de constructo y la consistencia interna de la escala mediante el coeficiente alfa de Cronbach.

Resultados: Se observó una incidencia de flebitis en los pacientes del 35,5 %. El análisis factorial reveló dos grados de severidad de la flebitis, el primer grado explica el 41,5 % de la varianza. La consistencia interna fue 0,78 y 0,90.

Conclusión: La Escala Portuguesa de Flebitis demostró una equivalencia lingüística en relación a la original y una consistencia interna adecuada en la evaluación de la flebitis. Sin embargo, se propuso una nueva estructura de la escala para mejorar la interpretación de los grados de flebitis en cuanto a la discriminación.

Palabras clave: enfermería; flebitis; cateterismo periférico; traducción; análisis factorial

 

Introdução

A flebite é definida como uma inflamação da camada íntima da veia, resultado de uma resposta à lesão tecidual, associada à utilização do cateter venoso periférico (CVP) e identificada por diferentes sinais e sintomas (Maki & Ringer, 1991; Athayde & Oliveira, 2006). É uma complicação que resulta na remoção de quase metade dos CVPs (Oliveira, 2014), afetando o conforto do doente, o tempo de permanência do cateter, o tempo de hospitalização e o custo com o tratamento (Pasalioglu & Kaya, 2014).

Atualmente tem sido sugerido a utilização de ecógrafo para avaliação do calibre das veias, do fluxo de sangue e dos sinais de flebite em doentes que necessitam de terapêutica endovenosa (LaRue & Peterson, 2011) e de uma escala visual de flebite para avaliar os sinais e/ou sintomas de flebite, auxiliando o profissional na tomada de decisão acerca da necessidade de substituição do CVP (Gallant & Schultz, 2006).

A avaliação da incidência e fatores de risco de flebite, tem sido alvo de várias investigações (Abolfotouh, Salam, Bani-Mustafa, White, & Balkhy, 2014; Oliveira, 2014; Pasalioglu & Kaya, 2014; Webster et al., 2015). No entanto, as diferentes escalas utilizadas para avaliar a flebite não têm sido consensuais, dificultando a comparação ao nível internacional.

Uma revisão sistemática da literatura identificou a existência de 71 escalas para avaliação de flebite. No entanto, nem todas foram alvo de estudos psicométricos, podendo por isso resultar em diferenças na incidência de flebite, fator que impossibilita a comparação (Ray-Barruel, Polit, Murfield, & Rickard, 2014). Segundo o mesmo estudo, as escalas de flebite mais utilizadas são: Phlebitis Scale, Visual Infusion Phlebitis, Baxter Scale e Maddox Scale (Ray-Barruel et al., 2014), não tendo sido encontrado até o momento nenhuma escala de flebite validada para a população portuguesa.

A ausência de uma escala de flebite válida para Portugal, assente em estudos psicométricos e a necessidade de se avaliar a incidência de flebite, motivou a realização da tradução, adaptação cultural e avaliação das propriedades psicométricas da Phlebitis Scale, publicada pela Infusion Nurses Society em 2006. Assim, estabelecemos como objetivo desta investigação, traduzir, adaptar e avaliar as propriedades psicométricas da Phlebitis Scale para a cultura portuguesa.

 

Enquadramento

A terapêutica endovenosa é uma das intervenções clínicas mais implementadas em contexto hospitalar (Ho & Cheung, 2012), sendo uma das etapas operacionalizada por meio da punção venosa periférica. A sua execução decorre de um processo de punção de veias periféricas, que consiste em várias etapas, desde a seleção do material, colocação do CVP, passando pela avaliação clínica da pessoa, mesmo após a remoção do cateter (Sena, Krempser, Silva, & Oliveira, 2013). Este processo não está isento de complicações onde a flebite se destaca como a de maior incidência (Oliveira, 2014; Pasalioglu & Kaya, 2014; Infusion Nurses Society, 2006).

Entre os fatores associados destacam-se: o tempo de permanência do CVP, o calibre do cateter; o local anatómico de inserção, as competências técnicas do profissional, os cuidados de manutenção do CVP, os cuidados ao local de inserção e a frequência de troca do penso, as características das infusões e do próprio doente (Pasalioglu & Kaya, 2014; Ferrete-Morales et al., 2010; Ferreira, Pedreira, & Diccini, 2007; Maki & Ringer, 1991).

A Infusion Nurses Society (2006) recomenda uma taxa de flebite inferior a 5%. No entanto, os resultados dos estudos apontam taxas entre 7% e 68,9% (Abolfotouh et al., 2014; Oliveira, 2014; Pasalioglu & Kaya, 2014; Webster et al., 2015). A variabilidade de resultados encontrados relativamente à incidência de flebite, pode ser atribuída à falta de consenso sobre as medidas utilizadas para a avaliação da flebite, dificultando uma comparação significativa entre as taxas encontradas (Ray-Barruel et al., 2014).

Assim, para melhorar a qualidade dos cuidados parece ser importante utilizar indicadores de qualidade com vista a acompanhar, mensurar e comparar interna e externamente os resultados obtidos. É também fundamental que os enfermeiros identifiquem os doentes com fatores de risco associados ao desenvolvimento de flebite e implementem intervenções preventivas de forma a evitar outras complicações maiores, como a tromboflebite e a infeção (Ho & Cheung, 2012; Gabriel et al., 2011).

Organizações internacionais (Infusion Nurses Society, 2006; Royal College of Nursing, 2010) têm recomendado a utilização de uma escala para avaliar e documentar o grau de flebite, subsidiando a tomada de decisão para a retirada do CVP e prevenção da progressão dos sintomas.

A Phlebitis Scale é um instrumento desenvolvido por Alyce Schultz e Paulette Gallant e publicada pela Infusion Nurses Society (2006). É uma das escalas mais bem aceites e utilizadas para avaliar o grau de flebite (Gallant & Schultz, 2006; Infusion Nurses Society, 2006), sendo um instrumento de fácil aplicação e rápida implementação (média de 1,3 minutos), considerada uma medida válida, clinicamente apropriada e de confiança para determinar quando um cateter venoso periférico deve ser removido (Groll, Davies, MacDonald, Nelson, & Virani, 2010; Gallant & Schultz, 2006).

A Phlebitis Scale é graduada de zero a quatro, contendo em cada nível os sinais e/ou sintomas de flebite. O grau zero indica a ausência de flebite e os demais a presença de flebite. Os graus 3 e 4 são associados aos sinais clínicos de tromboflebite, devido à formação de trombo na parede da veia, sendo caracterizados por dor e cordão venoso palpável ao longo da veia. A presença dos primeiros sintomas, como a dor associada ao eritema indica a remoção do cateter venoso (Infusion Nurses Society, 2006).

 

Questão de Investigação

Tendo em vista as várias escalas de flebite publicadas, a ausência de uma escala traduzida para a população portuguesa e a necessidade de utilização de uma escala para identificar precocemente os sinais/sintomas de flebite, avaliar e documentar o grau de flebite na prática de enfermagem, desenvolvemos o presente estudo para responder à questão: A versão portuguesa da Phlebitis Scale é válida e viável para avaliar o grau de flebite em doentes com CVPs na população portuguesa?

 

Metodologia

Este estudo consistiu no processo de tradução, adaptação cultural e linguística da Phlebitis Scale para o português europeu com avaliação das propriedades psicométricas em termos da sua validade e fiabilidade na prática clínica. A tradução e adaptação atendeu às diretrizes internacionais preconizadas por Sousa & Rojjanasrirat (2011) tendo-se desenvolvido em cinco etapas: tradução da escala para o português, versão síntese, retroversão, versão preliminar em português, proposta da versão final por painel de especialistas. O estudo foi precedido da autorização da Infusion Nurses Society e aprovação pela Comissão de Ética para Saúde do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (Referência: CHUC-020-15).

Etapa 1 – Tradução

Para efetuar a tradução da Phlebitis Scale do inglês para o português europeu, foram escolhidos dois tradutores independentes, bilíngues, cuja língua materna era o português (um enfermeiro e o outro sem conhecimentos da terminologia em saúde).

Etapa 2 – Versão síntese

A partir das traduções elaborou-se a versão em português da escala de flebite (síntese I), que foi comparada com a original em inglês. Os itens que não obtiveram consenso entre os tradutores foram discutidos sobre ambiguidades e discrepâncias de palavras, frases e significados em reunião de consenso com a equipa de investigação (duas professoras doutoradas em enfermagem com experiência em investigação sobre flebite; dois professores, doutorados, com experiência no processo de validação de escalas; uma professora, mestre, doutoranda em enfermagem, com experiência em terapêutica endovenosa). Após consenso elaborou-se a versão síntese II.

Etapa 3 – Retroversão

Realizou-se retroversão da versão síntese II da escala de flebite por dois tradutores bilíngues, cuja língua materna era o inglês, tendo sido efetuado de forma independente. Um tradutor tinha formação académica em saúde, porém não trabalhava na área e o outro sem conhecimentos em saúde.

Etapa 4 – Versão preliminar em português

Para avaliar ambiguidades, discrepâncias e alcançar a equivalência da escala de flebite para o contexto Português e obter um consenso, a versão em inglês, a versão síntese II em português e a versão da retroversão foram analisadas pela equipa de investigação. A partir do consenso obtido, foi elaborada uma versão síntese III.

Etapa 5 – Painel de especialistas

A proposta da escala em português (consenso síntese III) e a versão original em inglês foram analisadas e comparadas por um painel com sete especialistas com o objetivo de obter equivalência semântica, idiomática, experimental e conceptual para o português (três enfermeiros de um serviço de medicina, com experiência entre 10 e 20 anos no processo de punção de veias; duas professoras de enfermagem, ambas doutoradas, com experiência em investigação sobre flebite; um professor de enfermagem português, doutor, com competências em gestão e investigação; e um dos tradutores que participou da retroversão, licenciado em enfermagem). Decorrente da análise pelo painel de especialistas, obteve-se a versão final da Escala Portuguesa de Flebite, tendo sido definido um índice de concordância de 80%.

Etapa 6 – Estudo clínico das propriedades psicométricas

Após as etapas de tradução e retroversão, a versão da Escala Portuguesa de Flebite foi submetida a avaliação das propriedades psicométricas em contexto clínico, numa amostra constituída por 110 doentes de um serviço de medicina da região centro de Portugal, portadores de um ou mais CVPs, totalizando 526 CVPs. Foram incluídos no estudo doentes com idade superior ou igual a 18 anos que aquando do internamento apresentavam uma prescrição médica com terapêutica endovenosa, indicando a necessidade de inserção de um ou mais CVPs. Foram excluídos os doentes com cateter venoso central ou que não aceitaram participar na investigação.

A Phlebitis Scale foi aplicada pelos enfermeiros do serviço antes da administração de medicação endovenosa ou antes e durante as perfusões contínuas, ou durante a realização de outros cuidados de enfermagem quando se verificava a existência de algum sinal de flebite e não foi aplicada a escala após a remoção do CVP. A recolha de dados decorreu entre julho e outubro de 2015 e os doentes foram acompanhados desde o internamento até à alta.

Os dados foram organizados e analisados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21. Realizou- se a análise descritiva (medidas de tendência central e variabilidade), percentagem e análise fatorial exploratória em componentes principais para analisar a validade de constructo. Procedeu-se a análise do índice de Kaiser-Meyer Olkin (KMO) para verificar a adequação dos dados para análise fatorial, o teste de Bartlett para verificar se os dados atendiam ao pré-requisito de esfericidade e de seguida uma rotação Varimax no sentido de se avaliar a validade de constructo. A análise da consistência interna da escala foi obtida através do Alpha de Cronbach. O nível de significância adotado foi de 5% (α = 0,05).

 

Resultados

O processo de tradução da Phlebitis Scale para o português europeu associado ao método bilíngue mostrou resultados satisfatórios. Ambas as traduções se aproximaram do sentido literal da Phlebitis Scale. Os itens em que não houve consenso na tradução foram discutidos e revistos pela equipa de investigação, tendo-se tomado as opções que se passam a apresentar:

No critério clínico No symptoms optou-se pela tradução Sem sintomas, pois facilita a compreensão em relação a ausência de sinais e/ou sintomas clínicos de flebite. Relativamente a Streak formation, traduzido como Filão ruborizado ao longo do percurso da veia, optou-se por uma adaptação Rubor ao longo do percurso da veia, devido ao maior aporte de sangue aos capilares superficiais dilatados, expressa melhor o processo inflamatório que poderá ocorrer na veia, por outro lado, o rubor é termo utilizado na prática clínica de enfermagem em Portugal.

No critério clínico Purulent drainage optou-se pela tradução Drenagem purulenta, pois o termo refere-se à observação da presença de um exsudado de cor amarelada no local de inserção do CVP, que se associará aos demais critérios clínicos para o grau 4 de flebite e assim poderá caracterizar este grau de flebite.

Após consenso da tradução construiu-se a versão síntese II da Escala Portuguesa de Flebite, que foi submetida a retroversão. Dos 10 critérios clínicos da retroversão, apenas um foi diferente da versão original Streak formation, que foi traduzido para o português como Rubor ao longo do percurso da veia e retrovertido como Redness along the vein path por ambos os tradutores responsáveis pela retroversão. A comissão manteve a tradução no português, por compreender que não alterava o significado.

A seguir a versão original da Phlebitis Scale, a versão síntese II (português) e a retroversão foram analisadas qualitativamente quanto a adequação linguística pela equipa de investigação e por um dos tradutores, sendo aprovada a versão síntese II da escala em português. De seguida a escala foi analisada por um painel de especialistas quanto à adequação cultural, nível de compreensão e interpretação. Os profissionais que participaram neste painel não realizaram novas sugestões e concluíram que a versão proposta para a Escala Portuguesa de Flebite representava bem o original em inglês e assegurava forma e vocabulário adequados para o objetivo proposto (Tabela 1).

 

 

A aplicação da referida escala foi estudada numa amostra com 110 doentes, com idade média de 79 anos (18 - 96; DP± 13,0) e mediana de 82 anos (Q1 = 77,0; Q3 = 86,0; Tabela 2). Nos doentes que desenvolveram flebite a média de idade foi de 82 anos (59 - 94; DP ± 8,2) e a mediana de 83 anos (Q1 = 78,0; Q3 = 89,0).

Pela observação efetuada do local de inserção do CVP e áreas adjacentes com recurso à versão da Escala Portuguesa de Flebite, foi possível identificar 60 CVPs com sinais clínicos de flebite em 39 doentes (incidência de flebite por doente de 35,5%), ou seja, os doentes apresentaram entre uma e sete flebites durante todo o tratamento endovenoso (26 doentes apresentaram uma flebite, nove doentes com duas flebites, três doentes com três flebites e um doente com sete flebites). Dos 60 CVPs com sinais clínicos de flebite, foram documentadas 38 flebites como de Grau 1 (7%), 15 de Grau 2 (3%) e 7 de Grau 3 (1,5%). Não houve registro de flebite de Grau 4.

Desde a inserção do CVP até a identificação da flebite, o tempo de permanência dos 60 CVPs foi em média 3,5 dias (1- 22 dias; DP ± 4). Uma percentagem de 30% das flebites foi identificada nas primeiras 24 horas de permanência do cateter no doente.

O eritema no local de inserção do CVP foi o sinal clínico mais evidenciado de flebite (91,5%), seguido da dor (63,5%), edema (35%), rubor ao longo do percurso da veia (15%) e cordão venoso palpável no percurso da veia (13,5%).

Na avaliação das propriedades psicométricas da versão da Escala Portuguesa de Flebite, a análise da adequação da amostra foi feita com recurso aos testes de KMO Measure of Sampling Adequacy, tendo-se obtido o valor de 0,64, com um teste de esfericidade de Bartlett (χ2(10) = 1215.50; p < 0,001), que apresentou significância estatística. Estes indicadores apontaram que os dados eram apropriados para seguir com análise fatorial. Seguidamente foi gerada uma solução com rotação Varimax. Aceitámos itens com comunalidades > 0,61 e loadings ≥ 0,78. A solução evidenciou duas dimensões, que demonstram dois graus de severidade, o primeiro explica 41,5% de variância e o segundo 37,7%, perfazendo um total de 79,2% da variância total. O Alpha de Cronbach foi, respetivamente para a primeira e segunda dimensão, 0,78 e 0,90, evidenciando valores de consistência interna adequados, tal como apresentado na Tabela 3.

 

Discussão

Em termos de léxico a Phlebitis Scale é uma escala simples, facto que se observou no processo de tradução e adaptação para o português, tendo obtido concordância em 70% dos itens traduzidos apesar de pequenas diferenças na tradução, que não representaram alterações maior do seu significado. A participação de um tradutor com conhecimento dos termos técnicos em saúde e a experiência dos investigadores foi de extrema importância no processo de adaptação à população portuguesa da Phlebitis Scale. A tradução e adaptação da Phlebitis Scale para o português europeu constituem uma contribuição importante para a investigação em enfermagem e para a prática clínica, pois permite ter disponível uma escala adaptada ao contexto de Portugal.

A avaliação das propriedades psicométricas da escala pelo estudo da validade de constructo mostrou que os critérios clínicos da escala espelham os indicadores avaliativos do que se pretende medir. A consistência interna determinada pelo Alpha de Cronbach de 0,78 e 0,90 denota que a escala é válida e fiável para avaliar o grau de flebite, sendo, no entanto, necessários mais estudos em outras realidades, dado ser o primeiro estudo na população portuguesa.

A solução gerada evidenciou dois graus de severidade, com loadings elevados, principalmente nos itens eritema no local do cateter e dor no local do acesso para o primeiro grau e nos itens cordão venoso palpável e rubor ao longo do percurso da veia para o segundo grau de severidade denotando capacidade de discriminação. O edema apresentou um loading baixo, provavelmente por ser um sinal pouco comum na flebite, com maior incidência na infiltração.

Quando da análise da incidência de flebite, tendo em consideração todos os cateteres inseridos nos doentes durante o período de internamento, verificámos uma incidência de 35,5% de flebite, valor inferior a outro estudo realizado na população portuguesa com características muito semelhantes (42,4%; Oliveira, 2014) e também inferior (11,5%) quando a unidade de análise foi o número de cateteres removidos devido à flebite, com incidência de 43 e 23.2% em outros estudos (Furtado, 2011; Oliveira, 2014). Consideramos que esses resultados devem ser avaliados com prudência, pois os instrumentos de avaliação de flebite não foram os mesmos.

A maior ocorrência de flebites foi no grau 1 (7%) e grau 2 (3%), resultado esse inferior ao encontrado por Oliveira (2014) e Furtado (2011) no grau 2 (35,1% e 38,8%, respetivamente). Apesar dos estudos terem utilizado diferentes escalas, o critério clínico no grau 2 assume os mesmo sinais e/ou sintomas. A grande maioria dos CVPs com flebite neste estudo foi removido entre 24 e 48 h (58,5%), denotando-se uma boa capacidade avaliativa e de vigilância por parte dos enfermeiros na identificação precoce dos sinais de flebite. Tendo em vista a identificação precoce de flebite, com consequente remoção do CVP e o eritema ser o sinal clínico mais evidenciado (91,5%), justificou-se a baixa média de permanência dos CVP (3,5 dias), resultado esse similar a outros estudos (Furtado, 2011; Oliveira, 2014).

A utilização da versão da Escala Portuguesa de Flebite na prática clínica padroniza a avaliação do local de inserção e áreas adjacentes ao CVP que estão em risco de desenvolver flebite. Os resultados desta escala assinalam uma adequação à prática clínica na avaliação e documentação da efetividade dos cuidados, apresentando-se como instrumento válido e fiável (Ho & Cheung, 2012). Tendo em vista que a identificação da flebite ocorre a partir da análise dos sinais e sintomas decorrentes de uma resposta inflamatória e que estes poderão ser percebidos mesmo após a remoção do CVP (flebite pós-infusão), recomenda-se a avaliação do local de inserção do CVP e áreas adjacentes por, no mínimo, 48 h após a remoção não se limitando ao período de permanência (Infusion Nurses Society, 2006; Webster et al., 2015).

Um aspeto que motivou a nossa proposta de alteração estrutural da escala sustenta-se no seguinte ponto: a dor é um sinal de dano real ou potencial nos tecidos (White & Stein, 2010) tendo sido responsável pela remoção de 3% dos CVP na amostra estudada. No entanto, a Phlebitis Scale não considera a dor como um sinal de flebite caso não esteja associada a outro sinal/sintoma (Infusion Nurses Society, 2006). Ora, perante tal facto recomendamos a valorização da dor com consequente remoção do CVP e sua substituição por outro em local distante sempre que haja a presença deste sinal/sintoma. Sugere-se que preferencialmente seja selecionado o membro oposto numa região com ausência de sinais clínicos de trauma vascular com o objetivo de evitar a administração inadvertida de medicamentos irritantes e/ou vesicantes nos tecidos, os quais poderão resultar em danos maiores.

Aquando da utilização da versão da Escala Portuguesa de Flebite em contexto clínico encontramos inconsistência na análise e interpretação dos graus 1 e 2 de flebite, que descrevemos a seguir: o eritema associado à dor pode ser caracterizado como de grau 1 ou grau 2, pois é o mesmo critério para ambos os graus, havendo diferença apenas quando da presença do edema no grau 2. Perante tal facto, que não discrimina o grau 1 do grau 2 e devido à importância em se valorizar a dor, pois esta pode ser um dos possíveis primeiros sinais de flebite, propomos uma nova versão para a Escala Portuguesa de Flebite, com a inclusão da dor aquando da administração de fluídos pelo CVP, como o primeiro sinal de flebite no grau 1, dado se considerar que a escala deve ser autoexplicativa e não gerar dúvidas na classificação e interpretação. Sugerimos também a inclusão do conector OU junto dos critérios no grau 1 e do conector E junto aos critérios clínicos no grau 2, grau 3 e grau 4 para caracterizar a flebite nestes graus, onde todos os sinais devem ser evidenciados tal como apresentamos na Tabela 4.

Consideramos que a versão da Escala Portuguesa de Flebite (Tabela 4) proposta, responde a uma limitação da escala original, dado que a mesma levantava dúvidas de interpretação em relação ao grau 1 e 2 de flebite aquando da presença da dor associada ao eritema, sem a presença de edema. Assim, a investigação efetuada constitui-se como um avanço para a investigação clínica, nomeadamente por clarificar o processo de avaliação da flebite em Portugal. As evidências da prática clínica e os resultados da análise fatorial, acrescentam novo conhecimento na medida em que clarificam e discriminam positivamente sinais e/ou sintomas de flebite.

Há que se considerar neste estudo algumas limitações, como a técnica de amostragem não probabilística, não permitindo extrapolar os resultados para a população. Assinala-se também o facto de o estudo ter sido realizado na região central de Portugal e o registo de flebite ter sido realizado pelos enfermeiros do serviço, o que pode ter criado um viés, apesar de algumas precauções adotadas para reduzir tais riscos, como a explanação aos enfermeiros sobre a utilização da escala e o acompanhamento e avaliação diária da inspeção do local de inserção do cateter por um único investigador. Também a ausência de avaliação do local de inserção do cateter por período superior a 48 horas para identificação de flebite pós-infusão.

 

Conclusão

Este estudo resultou na primeira versão da Escala Portuguesa de Flebite, que se demonstrou válida e fiável, com elevada consistência interna para avaliar flebite. A utilização da referida escala na prática clínica permitiu documentar uma incidência de flebite de 35,5% nos doentes. No entanto, somente após utilização da referida escala em contexto clínico foi possível verificar que a escala original em inglês e a sua versão em português apresentavam alguma inconsistência na interpretação dos graus 1 e 2 de flebite. Com o objetivo de evitar incongruências, facilitar a interpretação dos graus de flebite e diferenciar o grau 1 e 2 (uma vez que a dor e o eritema associados eram os mesmos critérios clínicos em ambos os graus de flebite), sugere-se no grau 2 a inclusão do descritor boleano E entre os critérios clínicos dor no local do acesso E edema E eritema, uma vez que a presença de dor e edema associados não caracterizam flebite, mas sim infiltração e também o boleano E entre os critérios clínicos dos graus 3 e 4. No grau 1 sugere-se a inclusão de um novo critério clínico, Dor no local do acesso ou áreas adjacentes ao cateter durante a administração de solução ou medicamento, dada a importância da dor no processo inflamatório e pelo facto de a dor ser um dos primeiros sintomas de flebite, o qual foi responsável pela remoção de 3% dos cateteres.

A análise fatorial permitiu distinguir na escala dois graus de severidade. No entanto, na prática clínica a intervenção de enfermagem aquando da identificação de qualquer grau de flebite culmina na remoção imediata do cateter, seguida de intervenções clínicas terapêuticas diferenciadas tendo em vista a gravidade dos sintomas em cada grau de flebite.

A avaliação sistemática da flebite com o uso da referida escala poderá subsidiar a tomada de decisão dos enfermeiros para a implementação de intervenções terapêuticas e análise da efetividade das medidas preventivas em curso. Sugere-se a realização de estudos noutros contextos clínicos com a nova versão da Escala Portuguesa de Flebite (Tabela 4), em amostra maior e com acompanhamento do local de remoção do CVP por 48 a 72 horas.

 

Referências Bibliográficas

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Agradecimentos

Este estudo faz parte do projeto de doutoramento em enfermagem intitulado Práticas de enfermagem e a segurança do doente no processo de punção de vasos e na administração da terapêutica endovenosa. A doutoranda Luciene Muniz Braga obteve bolsa de estudo financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, Brasil (Processo 0867/14-4).

Agradecemos aos tradutores que participaram das etapas de tradução e retroversão, aos enfermeiros do Serviço de Medicina do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e aos professores da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra que participaram no painel de especialistas e aos enfermeiros que colaboraram na recolha dos dados.

 

Recebido para publicação em: 14.06.16

Aceite para publicação em: 16.11.16

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